quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013


Em meio a crise italiana surge um “grillo” a serviço da estabilização do regime
As eleições parlamentares italianas resultaram em uma profunda divisão do quadro político nacional, abrindo uma grave crise na gerência burguesa. Nenhum partido ou coligação conseguiu número suficiente de cadeiras na Câmara e no Senado para formar um governo estável e já se discute a convocação de novas eleições. Porém, a grande surpresa foi o Movimento Cinco Estrelas, do comediante Beppe Grillo, que alcançou 25,55% na Câmara (ocupando 108 vagas) e 23,80% para o Senado (54 vagas), galvanizando o chamado “voto de protesto” contra as forças tradicionais que sustentam o regime. A coalizão liderada pelo secretário do Partido Democrata (PD), Pier Luigi Bersani, obteve 29,54% dos votos (340 deputados) em coligação com os chamados “verdes” (Ecologia e Liberdade) contra os 29,18% da coalizão de direita de Silvio Berlusconi encabeçada pelo Partido Povo e Liberdade (124 deputados). Pela legislação antidemocrática italiana, o PD recebeu o bônus por ter obtido o primeiro lugar, mas ainda assim sua frente eleitoral não alcançou a maioria no parlamento. A coalizão do ex-primeiro-ministro Mario Monti foi fragorosamente derrotada, com 10,54% dos votos para a Câmara e 9,13% para o Senado. O Partido dos Comunistas Italianos (PdCI) e a Refundação Comunista (RC) que se aliaram em torno da chamada “Revolução Civil”, sob a liderança de Antonio Ingroia, amargou um rotundo fracasso e não conseguiu atingir sequer a cláusula de barreira de 4%, ficando fora do Parlamento. Neste quadro de divisão, o movimento liderado por Grillo expressa um fenômeno político que vem marcando os países que atravessam forte crise econômica na União Européia, como França e Grécia, o voto em partidos e movimentos que se apresentam de alguma forma como dissidências abertas das legendas tradicionais de “esquerda”, um processo que marca a profunda confusão ideológica reinante a partir da própria ofensiva ideológica mundial aberta desde a queda do Muro de Berlim.

O Movimento Cinco Estrelas apareceu como o “novo” aos olhos dos setores populares descontentes tanto com a direita representada por Berlusconi como com os sociais-democratas do PD, ex-comunistas convertidos à ordem burguesa. Quem poderia galvanizar esse sentimento pela “esquerda”, a RC e o PdCI, foram pelo contrário castigados nas urnas, porque se negam a defender uma política de ruptura aberta com o regime em meio a grave crise econômica. Como reconhece Paolo Ferrero, secretário nacional do Partido da Refundação Comunista “É grande a desilusão e o desânimo. Quero agradecer aos companheiros e companheiras e propor uma reflexão. Os dados são claros: perdemos. A 'Revolução Civil' ficou esmagada entre o voto de protesto dado a Grillo e o voto útil dado a Bersani” (Vermelho, 26.02). Neste marco, Grillo personificou a repulsa ao partidos tradicionais, como já tinha ocorrido na França com a candidatura da Frente de Esquerda de Mélenchon e na Grécia com o Syriza. Note-se que estes fenômenos se inscrevem nos marcos das opções que a burguesia tem para dar um fôlego a crise política que vem atravessando os países castigados pelo debacle econômico. Em 2009, Grillo reivindicou concorrer à liderança do Partido Democrático, mas não teve sucesso em seu objetivo. Nas eleições desta semana superou em votos do PD. Grillo não é um “palhaço” como vem apresentando a mídia burguesa mas uma espécie figura que personalisa um difuso populismo de centro-esquerda, reclama um “rendimento de cidadania” de 1000 euros para desempregados e pessoas sem rendimentos, corte nas despesas militares, saída da zona euro, diminuição dos salários dos políticos ou a redução da semana de trabalho a 20 horas e o mais importante, a renovação das chamadas “instituições politicas”. Os seus ataques nos discursos contra a “classe política” em abstrato, sem questionar o sistema capitalista e sua relação de poder é um instrumento demagógico que visa canalizar o enorme descontentamento da população com o regime, principalmente das classes médias, mas mantendo os mecanismos de exploração capitalista.
Por mais “exótica” que seja esta figura midiática, Grillo também está a serviço da manutenção do regime, suas propostas “alternativas” se inserem em um contexto de contestação dos próprios partidos políticos e dos sindicatos, apoiando-se nas “redes sociais” e nos "cidadãos" de forma isolada, como deseja fazer Marina Silva e sua Rede no Brasil, que representa os interesses de setores do imperialismo ianque em nosso país. Por trás desse discurso horizontal e pretensamente libertário encontra-se os interreses do capital, encoberto por “novas formas de fazer política”. Tanto que em seu blog Grillo assegurou que “Seremos 150 dentro  do Parlamento, entre o Senado e a Câmara dos Deputados e muitos milhões fora”. Segundo Alessandro Di Battista, membro do movimento de Grillo e hoje deputado por Roma “Demonstramos que para colocar as instituições de pé não necessitamos de dinheiro público. Demonstramos que nós, cidadãos, podemos tomar nosso país. Isso nos dá uma satisfação imensa. Entramos, abrimos o parlamento como se fosse uma lata de atum e ensinamos a todo o povo da Itália que ele tem sentir orgulho de ser italiano. Caralho! Nós não somos em nada uma organização de esquerda. Pensamos que as ideias devem ser logicas e não ideológicas. Aqui no Cinco Estrelas há pessoas que vêm da esquerda, outras da direita, mas são sobretudo cidadãos lindos e honestos. Somos um grupo de cidadãos organizados que pode governar melhor que os políticos profissionais” (Carta Maior, 25.02). Como observamos, trata-se de uma “alternativa” que se propõe a colocar de pé as instituições desgastadas do regime, dando-lhes uma sobrevida no interior do capitalismo.

A derrota da direita italiana e da própria “esquerda” convertida a agente do capital não virá pela via eleitoral, ao contrário, uma nova gerência do PD a frente do Estado imperialista só reforçará as tendências direitistas presentes em um período de agravamento da crise capitalista, como vem ocorrendo na França com Hollande. Por sua vez, Grillo e seu Cinco Estrelas representam uma contestação que não ataca as raízes da crise: o poder dos capitalistas sobre a política e a economia. Os bolcheviques leninistas apontam vigorosamente a senda da frente única operária de ação direta, com absoluta independência de classe em relação aos setores “progressistas” e “alternativos” da burguesia, como é o caso tanto da atual da social democracia europeia já convertida em força política capitalista e do movimento de Grillo. Nas eleições parlamentares da Itália, a esquerda revolucionária não tinha candidato ou partido em que votar e, caso venha ocorrer um novo pleito, deve reforçar a denúncia das duas candidaturas siamesas, Partido Povo da Liberdade de Berlusconni e PD, ambas comprometidas com o draconiano programa de “ajustes” do FMI (até pouco tempo dirigido por um quadro “socialista”) além do Movimento Cinco Estrelas, que em nome do suposto "horizontalismo" combate abertamente a construção de um partido revolucionário e se opõe abertamente ao socialismo. Somente a ação direta e revolucionária das massas será capaz de estabelecer as bases, não para “uma nova política” como prega Grillo, mas sim para fundação da república socialista dos povos europeus que tenha como base a expropriação da burguesia e a liquidação de seu Estado!