quinta-feira, 23 de maio de 2013


Morre Ray Manzarek, fundador do The Doors ao lado de Jim Morrison, um dos ícones da contracultura nos anos 60

No dia 20 de maio morreu um dos maiores arranjadores (maestro) do rock em nível mundial, o idealizador da banda The Doors, Ray Manzarek, responsável pelo “clima mórbido-fluído” extraído de seu teclado Fender Rhodes que enriqueceria as canções de seu parceiro Jim Morrison. Incorporou logo em seguida os músicos Robby Krieger (guitarra) e John Densmore (bateria). O grupo, como não poderia deixar de ser, reflete todas as contradições imanentes da década de 60, formado a partir de um núcleo de estudantes da escola cinematográfica da Califórnia (UCLA) em 1965. Seus primeiros passos aconteceram no clube The Long Fog, uma pequena sala de shows de onde saíram acordes permeados pelo blues e jazz, onde foram “descobertos” por uma grande gravadora que não demorou muito para incluí-los no mundo da fama. Manzarek era o “cérebro” musical da banda, enquanto Morrison o “coração” poético e de atitudes mais “selvagens”. No entanto, a banda nunca foi totalmente absorvida pelas exigências mercadológicas da época, ao contrário, tal qual a época em que vivia, estava recheada de músicas polêmicas e condutas “impróprias” para a moral da sociedade de consumo, contribuindo para se transformar em um dos maiores ícones da contracultura norte-americana nos anos 60. Produto de uma época de profundas mudanças comportamentais e de costumes, advindas de uma década dominada por conflitos políticos-culturais no intricado cenário internacional. Em pleno desenvolvimento da Guerra Fria, da Revolução Cubana, da entrada dos EUA na Guerra do Vietnã, da Revolução Cultural na China, da saída para as ruas dos negros oprimidos dirigidos por Malcoln-X defendendo a necessidade de se organizarem em comitês de autodefesa para enfrentar a polícia fascista nova-iorquina, o surgimento do movimento hippie e sua filosofia em defesa do “amor livre”, da Guerra dos Seis Dias contra o Egito, Síria e Jordânia por parte do Estado nazi-sionista de Israel e tantos outros eventos que marcaram a luta de classes, moldando toda uma geração pós-guerra, a qual saía às ruas já não mais compactuando com o chamado “sonho americano” de prosperidade, do otimismo ilusório do “american way life”. As camadas médias e baixas que não conseguiam se inserir neste mundo de consumo passam a se revoltar contra os costumes arraigados, revolta que terá expressão nos movimentos culturais e na música, onde o rock’in’roll é a forma de expressar sua contestação. Movimentos estes, contudo, são profundamente limitados, marcados pelos traços do niilismo destrutivo pequeno-burguês (muitos artistas morreram jovens) e por não estar vinculados ao programa estratégico da revolução socialista, acabou se transformando em um pacifismo distante da classe operária e suas reivindicações mais sentidas, apesar da conjuntura bastante favorável às grandes mobilizações de massas. Sem um partido revolucionário que desse consequência política às reivindicações da época, abriu um período de reação onde as drogas foram introduzidas pelos órgãos de inteligência do imperialismo para minar a vontade da juventude e alienar grande parte dos jovens com a produção de psicotrópicos em escala industrial.

Aqui os versos edípicos de Jim Morrison ilustram com clareza esta efervescência comportamental rebelde da pequena-burguesia, voltada para chocar a “opinião pública”, sempre regados pela atmosfera sombria dos teclados de Manzarek: “O assassino acordou antes do amanhecer, ele pôs suas botas / Ele tirou uma foto da antiga galeria / E andou pelo corredor / Ele entrou no quarto onde sua irmã vivia, e... então ele / Pagou a visita a seu irmão, e então ele / Ele andou pelo corredor, e / E ele veio até a porta... e ele olhou para dentro / ‘Pai?’, ‘Sim filho’, ‘Eu quero te matar’ / ‘Mãe... eu quero... te foder’” (“The end”). Trata-se de uma revolta contra o asceticismo puritano imperante na década de 50, a de negação do prazer em benefício do acúmulo de bens. Como contemporâneos dos “Doors” havia os Beatles, Rolling Stones (“Satisfaction”), Bob Dylan, The Who, Jefferson Airplane... A geração “pé na estrada” viria a romper com a letargia dos anos 50, que na busca de novas experiências e aventuras coloca o prazer como prerrogativa de vida nos anos 60, filosofia que teve como apogeu o Festival de Woodstock em 1969. Mas os jovens de então não tinham um horizonte estratégico, logo “enjoaram” do engajamento político e se acomodaram, priorizando a ascensão profissional e social como típicos cidadãos de classe média. O Rock, sem os seus “fundamentos” de rebeldia, foi açambarcado pela indústria cultural de massas nos anos 70, tornando-o inofensivo e fonte de lucro para grandes gravadoras como produto da degeneração do movimento hippie nos EUA, principalmente após a humilhante derrota do monstro imperialista no Vietnã.

A década de 70 foi marcada pelo uso em profusão do LSD e da heroína como resultado do retrocesso ideológico da juventude de classe média agora acomodada. Despontam no horizonte cultural os grupos de Rock progressivo como Pink Floyd, Yes, Genesis, Marillion etc., cujas canções expunham harmonias complexas e belas melodias assimiladas da música erudita, tudo muito bem comportado como vertente estética do rock dos anos 60. Entretanto, somente na segunda metade da década é que houve uma tentativa de ruptura com este mundo bem-comportado: surge o movimento Punk na Inglaterra, o qual reflete abertamente o período de recessão por que o mundo passava com a crise do petróleo pós-1973, onde abordava o problema do desemprego que assolava a juventude e a crítica ao stablishment. “Anarchy in the UK” e “God Save the Queen”, dos Sex Pistols (que surgiu em 1975, composto por trabalhadores simples do comércio e estudantes) vem por se confrontar com o regime político vigente e os costumes conservadores britânicos. Juntos nesta “empreitada” estavam os Ramones (formado um ano antes nos subúrbios de Nova Yorque, em 1974) e The Clash (Inglaterra, 1977) para citar os mais conhecidos. Assim, numa época em que predominavam as músicas de longa duração, o punk veio com uma música rápida, visceral e simples, sem grandes elaborações. O Sex Pistols, que tinha como empresário e idealizador Malcolm McLaren, foi o responsável por difundir o Punk pelo mundo ao lado dos Ramones em apresentações muitas das quais conturbadas em razão das condutas “antissociais” das bandas, e seu modo de se vestir, porém bastante aceitas pelos trabalhadores pobres das periferias dos grandes centros urbanos em todo o mundo. Foi, pode-se dizer, o último suspiro de rebeldia contra a sociedade de consumo nas hostes do Rock mundial. A dissolução do Sex Pistols abriu espaço para as bandas ditas “new wave” da década de 80 (Talking Heads, The Police, The Pretenders...), “pós-punk” (The Cure, Bauhaus, The Smiths...), o “glam metal” (Aerosmith, Queen, Alice Cooper...) e o “metal” (Iron Maden, Judas Priest, Metallica...) demonstrando o retrocesso do gênero enquanto instrumento de contestação, hoje impregnado por um “pop” comercial medíocre e idiotizante, completamente assimilado e domesticado pelos grandes meios de comunicação e a indústria do entretenimento.

Os anos seguintes (90-2000) foram marcados pela intensa propaganda ideológica imperialista acerca do “fim do socialismo” e a queda contrarrevolucionária da URSS, o que deixou as massas sem referências políticas e fizeram com que a maioria das correntes da esquerda revisionista se adaptasse ao “democratismo burguês”. Como consequência deste processo, há um imenso retrocesso ideológico-cultural sobre os países semicoloniais do planeta imposto pelos ditames da Casa Branca e o Pentágono. Para os marxistas revolucionários, a época dos anos 60 e meados dos 70, foi marcada por rebeliões radicalizadas da juventude e derrotas imperialistas (Cuba, Vietnã e Nicarágua), pode ser caracterizada como uma etapa histórica abertamente pré-revolucionária, produzindo um ambiente cultural francamente progressista. A ausência de uma direção comunista-leninista na condução da revolução mundial permitiu ao imperialismo fechar esta etapa da luta de classes e reverter a correlação de forças a favor da reação burguesa. A derrota da “utopia” socialista do bloco soviético levou várias bandas de rock a lamentavelmente saudarem a “queda do muro” (como o Pink Floyd), determinando toda uma “virada” à direita da superestrutura social da humanidade. Abstrair as lições que levaram ao atual retrocesso histórico, do ponto de vista do Trotsquismo, é uma tarefa que se impõe como necessária para a reconstrução da vanguarda proletária e da própria reorganização do movimento de massas sob novas bases classistas e anti-imperialistas.