quarta-feira, 11 de setembro de 2013


40 anos do golpe no Chile: Abstrair as lições da trágica experiência da “via pacífica ao socialismo”. Revisionistas de hoje ainda insistem na senda parlamentar como eixo central de intervenção da “esquerda”

Há exatamente 40 anos, em 11 de Setembro de 1973, no mesmo Chile que deve eleger em novembro próximo Michelle Bachelet (PS) novamente Presidente da República (ela governou o país de 2006 a 2010), era desferido um golpe fascista patrocinado diretamente pelo imperialismo ianque contra Salvador Allende, também do PS. A ofensiva da contrarrevolução ganhou terreno e desferiu sua investida fatal nesta data trágica como produto direto da política de colaboração de classes do governo da Unidade Popular encabeçado por Salvador Allende. A UP correspondeu às características clássicas de uma frente popular, onde a burguesia em crise extrema e sob a pressão do ascenso popular faz concessões e entrega o governo a partidos reformistas de massas (PS e PC) para que estes controlem o movimento operário nos marcos do regime político burguês, orientação conhecida como “via pacífica ao socialismo”. Como herdeiro político desta orientação, para as atuais eleições presidenciais, o PC anunciou que apoiaria a atual candidatura burguesa do PS, integrando a “Concertación”, uma coalizão de centro-esquerda que englobava até então o PS, a Democracia Cristã e o Partido pela Democracia contra a candidatura da direita Evelyn Matthei, a atual Ministra do Trabalho do governo de Sebastian Piñera. Isto demonstra que os stalinistas chilenos não conseguiram abstrair as trágicas lições da grande derrota de 73. Já os revisionistas do trotskismo, que dizem criticar a chamada “via pacífica ao socialismo”, ainda hoje insistem na via parlamentar como eixo de intervenção da “esquerda”, demonstrando que também são reféns da estratégia reformista de alterar o caráter de classe das apodrecidas instituições do regime político bastardo democratizante, patrocinando trágicas ilusões entre os trabalhadores, senda contrarrevolucionária que leva nos nossos dias, assim como ocorreu no passado, a derrotas sangrentas para o proletariado latino-americano.

A vitória eleitoral de Allende e da UP em 1970 ocorreu quando as massas estavam em uma mobilização ascendente que ameaçava destruir o Estado burguês. O aniquilamento eleitoral da direita (Partido Nacional), a derrota do democrata-cristão Eduardo Frei — em condições de divisão da burguesia — era uma expressão aberta de que estava na ordem do dia para as massas chilenas a luta por construir um governo operário e camponês. Para sair dessa encruzilhada, que a própria evolução da luta de classes impunha, os partidos frentepopulistas se aliaram com a burguesia, o exército e o clero com o objetivo de preservar a ordem capitalista. Essa tarefa era impossível sem desorganizar as massas e derrotá-las. Esta foi a função política que veio a ter o governo da UP: organizar a derrota pacífica dos trabalhadores e, portanto, pavimentar o caminho para o seu esmagamento sangrento. No programa da UP, a conquista do poder deveria ocorrer a partir de mecanismos institucionais existentes através de um processo gradual, progressivo e pacífico, ou seja, rechaçava a tarefa de armar as massas para pôr abaixo o Estado burguês em um enfrentamento direto com a burguesia nacional e o imperialismo. As reacionárias instituições e estruturas capitalistas deveriam ser transformadas paulatinamente sem a necessidade de organismos de poder popular e soviéticos que superassem e destruíssem a estrutura jurídica, política e econômica que mantinha de pé o regime burguês. Essa utopia reacionária pregava que a ordem capitalista deveria ser transformada a partir da institucionalidade montada para mantê-la, a passagem do poder de uma classe para outra deveria ocorrer sem que se abrisse um processo revolucionário para sua conquista. Cumprindo esse objetivo, Allende promulgou uma lei que dava poderes ao Exército para fazer apreensões de armas sem aviso prévio. Esta medida estava dirigida às fábricas ocupadas e aos partidos de esquerda, em especial o MIR (Movimento de Esquerda Revolucionário) que possuía um contingente de mais de 16 mil homens armados, que compunham a própria UP. Ao mesmo tempo em que exigia o desarmamento dos cordões industriais, em meio à maior crise militar de seu governo, nomeou Augusto Pinochet como chefe das FFAA. A cúpula da coalizão governista apoiava-se nestes organismos de base exclusivamente para pressionar a direita e buscar uma solução negociada para a crise, conferindo-lhe funções de colaboração com o governo. Ademais, o próprio Allende e o PC se manifestam contra os organismos de base, taxando-os de esquerdistas e desestabilizadores do quadro jurídico-político e institucional. Dado o peso e a influência da UP no movimento operário e popular (CUT e sindicatos) e a ausência de um partido revolucionário que dirigisse esses setores mais conscientes, a vanguarda classista que se aglutinava em torno dos organismos de base não conseguiu se contrapor frontalmente ao governo e às instituições do Estado burguês que, naquele momento, eram apresentadas pelo PC e o PS como estando a serviço dos interesses dos explorados. Em consequência dessa política criminosa, um dos momentos de maior radicalização das massas foi desprezado e seu ímpeto contido, como forma de garantir a estratégia política reformista. Alçada ao poder para conter e desviar o avanço das massas trabalhadoras do campo e da cidade, criando a ilusão de uma “via pacífica para o socialismo”, a frente popular foi derrubada em um momento em que a classe dominante e o imperialismo conseguiram organizar a contraofensiva auxiliados pela política da UP de desarmar o proletariado e pactuar com os setores “constitucionalistas” da burguesia (DC) e das FFAA. Como bem sintetizou Trotsky: “a política conciliadora das Frentes Populares condena a classe operária à impotência e abre caminho para o fascismo” (Programa de Transição, 1938).

No auge dessa crise, ocorre o golpe militar em setembro de 1973. Os trabalhadores resistiram heroicamente, as FFAA bombardearam as fábricas ocupadas e os rendidos foram sumariamente fuzilados. As ilusões de Allende que, horas antes de sua derrubada, chamava as massas a confiarem nos militares “patriotas” foram cúmplices do massacre, ainda que o “presidente-companheiro” tenha pagado com sua própria vida por elas. Com o golpe militar, o exército sequestrou e assassinou mais de 8 mil militantes e provocou o exílio e o cárcere de outros milhares. As Forças Armadas bombardearam bairros populares, fuzilaram, prenderam milhares de pessoas nos quartéis e, principalmente, no Estádio Nacional em Santiago do Chile. Por sua vez, o imperialismo norte-americano, através da CIA, ajudou ativamente a preparação do golpe. Esse massacre esteve a serviço de assegurar a recolonização do país e a destruição das conquistas da classe operária. O “pinochetaço” e o estabelecimento da ditadura militar finalizaram a curta experiência do governo da UP. Atualmente, um herdeiro político do chacal Pinochet, Sebastian Piñera, voltou a ocupar o Palácio La Moneda após seguidos governos “democráticos” de corte neoliberal da Concertación entre o PS e a DC após o regime militar. Hoje, assim como no passado, a política de colaboração de classes da frente popular limita a radicalidade do movimento de massas e sem uma plataforma revolucionária as lutas operárias e estudantis em curso tem acabado por servir à demagogia “antineoliberal” do PS que, convertido integralmente ao capital, deseja retornar à presidência já não mais em nome da defesa da “via pacífica ao socialismo”. Bachelet voltará à presidência para gerir a reacionária ordem burguesa “democrática” que mantém intacto o mesmo regime social de exploração da classe trabalhadora vigente na ditadura militar!

Os longos anos de colaboração de classes do PS e do PC, em razão da ausência de uma alternativa de direção revolucionária para as massas, abriram caminho para o pinochetismo reciclado de Piñera em face de ter mantido intactas suas bases políticas, o poder dos militares torturadores genocidas e, inclusive, a reacionária constituição de 1980, aprofundando de maneira combinada tudo isto o ataque sobre os trabalhadores com novas e antioperárias reformas neoliberais. Nas eleições de 2009-2010, os “comunistas” (na coligação “Juntos Podemos Más”) no primeiro turno tinham como candidato Jorge Arrate, ex-PS que rompeu com a Concertación, apoiaram no segundo turno com todo seu cretinismo o candidato de Bachelet e da Concertación, Eduardo Frei, contra o pinochetista bilionário Sebastian Piñera (bloco RN/Coalizão pela Mudança) que se saiu vitorioso. Como consequência dos governos do PDC e PS e a colaboração de classes do stalinismo, os trabalhadores foram atomizados e dispersos em suas lutas que não ultrapassam os limites sindicais de resistência à precarização e à superexploração. Não será apoiando Bachelet e a Concertación, dentro da institucionalidade burguesa, como almejam oportunisticamente os stalinistas do PC, que a classe operária irá derrotar o atual regime neopinochetista de opressão às massas. Muito menos será, como faz o revisionismo do trotskismo, a exemplo do lambertismo (OT no Brasil), que dizem criticar a chamada “via pacífica ao socialismo”, mas ainda hoje insistem na via parlamentar como eixo de intervenção da “esquerda”, demonstrando que também são reféns da estratégia reformista de mudar por dentro o caráter das apodrecidas instituições do regime político bastardo democratizante. Assim como no passado, a política frentepopulista é a responsável pelas maiores derrotas impostas à classe operária em nome da institucionalidade e da ordem burguesa. Está colocada para a vanguarda classista chilena a superação deste quadro de conciliação de classes, denunciando que os partidos da “Concertación”, incluindo o PC e seus satélites patrocinam ilusões no regime cívico-militar atual, apontando sua bússola para o norte da revolução socialista para que não se repita a trágica experiência da “via pacífica ao socialismo” interrompida há exatamente 40 anos pelo golpe pinochetista no Chile!