terça-feira, 20 de janeiro de 2015


Morte do Procurador Nisman: Argentina tem o seu “Charlie Hebdo”! Comoção nacional favorece a direita que acusa os “terroristas do Irã” e o governo Cristina de terem ordenado seu “silêncio sepulcral” 
  
A abrupta morte do Promotor de Justiça Alberto Nisman (na madrugada da última segunda feira, 19/01) encarregado das investigações sobre o atentado terrorista a AMIA em 1994 onde morreram 85 pessoas ligadas à comunidade israelense em Buenos Aires, ainda sob o governo Menem, provocou uma gravíssima crise política na Argentina. A exemplo do que ocorreu em Paris na semana passada, a mídia corporativa logo tratou de gerar uma grande "comoção nacional", um "Charlie Hebdo" portenho, responsabilizando diretamente a presidente Cristina Fernandes Kirchner (CFK) e o próprio governo do Irã pelo assassinato do promotor. Oligopólios da comunicação como o jornal "Clarín" acusaram os "terroristas do Irã" e CFK de forjarem um falso suicídio do promotor, que apresentaria nestes dias no Congresso argentino uma denúncia de "encobrimento" criminal dos responsáveis pelo atentado de 1994. Alberto Nisman levantava a "tese" de que o governo argentino protegia os "terroristas islâmicos" no país em função de interesses comerciais da Argentina na compra de petróleo e venda de trigo para países árabes. O promotor não escondia suas ligações políticas com a embaixada de Israel na cruzada contra o que denominava de "antissemitismo histórico" das correntes peronistas. A verdade é que Nisman não contava mais com o apoio dos EUA em sua acusação contra o "Regime dos Aiatolás", em função da nova orientação do governo Obama em tentar uma reaproximação com o Irã. Aliado fiel da oposição de direita ao governo CFK, o promotor seguiria com sua denúncia "novelesca" em pleno ano eleitoral, quando foi encontrado com um tiro na cabeça em seu luxuoso apartamento no requintado bairro portenho de "Puerto Madero". Na noite de ontem uma raivosa multidão tentou invadir a "Casa Rosada" com cartazes que diziam "Yo soy Nisman". A simetria do que está ocorrendo na Argentina com a dinâmica da ofensiva mundial imperialista contra os povos árabes é completa, desta vez os alvos são um governo da "centro esquerda" burguesa (nacionalista) e um país muçulmano acusado de financiar o Hezbolah no Líbano. É óbvio que os últimos interessados na morte do promotor seriam CFK e o Irã, em razão das acusações de Alberto já terem se tornado públicas bem antes de seu "suicídio". Somente estúpidos totais poderiam eliminar um "notório inimigo" às vésperas de uma eleição presidencial, e apesar das profundas divergências que nos separam não podemos considerar os Kirchner como "dementes políticos". As investigações acerca da morte de Nisman apontam até agora para um suicídio, o promotor solicitou a arma do crime a poucos dias, alegando "ameaças" recebidas, embora tenhamos que admitir que o promotor estava inserido em uma rede de "serviços de inteligência" internacional que vão de Teerã a Washington, passando é claro por Tel Aviv. O certo é que a morte de Alberto foi um "presente" eleitoral para a esfacelada oposição ao governo CFK, que agora já sonha em reverter a desvantagem que aprestava nas últimas pesquisas de opinião. Para a Casa Branca o "desaparecimento" forçado de Nisman poderá trazer algum ganho diplomático em sua relação com o Irã, enquanto estabelece temporalmente uma "parceria" militar com os Aiatolás no Iraque contra o EI. Para Israel nada se altera já que mantém o sinal verde do Pentágono para atacar o governo Assad na Síria e seus aliados na região (o que inclui o Irã). No plano Latino Americano recrudesce a campanha contra o nacionalismo o islamismo e a resistência palestina, agora acusados pelo "PIG" argentino da morte do famoso promotor, que mesmo moribundo pode até ganhar as eleições presidenciais de novembro em um país estratégico para a geopolítica mundial.

O grosso da esquerda revisionista do “trotsquismo” argentino, como já é "tradição", reproduziu a versão divulgada pela mídia “murdochiana” sob o comando do reacionário jornal Clarín que responsabiliza a Casa Rosada pela eliminação de Nisman. O Partido Obrero (PO), tendo como porta-voz Jorge Altamira, foi o agrupamento revisionista que mais se destacou por acusar diretamente o governo Kirchner pela autoria da morte. Segundo o eterno candidato a presidente da república pela FIT e a deputado federal, que busca desesperadamente conquistar uma vaga no parlamento nacional se aliando as posições da oposição conservadora, “A morte de Nisman mostra claramente a gravidade desta guerra de serviços de inteligência, onde o Estado nacional é o principal responsável pelo que aconteceu. É claro que o promotor Nisman possuía informações altamente explosivas que comprometia figuras do governo. Os serviços de inteligência desempenham um papel fundamental no encobrimento do assunto. Isso vem acontecendo desde o atentado a embaixada de Israel, que nunca foi investigado e só concentraram a atenção sobre o ocorrido na AMIA. Nosso Partido foi o único que marchou em 1994 ao Congresso para exigir respostas” (sítio PO, 19.01). Como nas vezes anteriores dos “cacerolazos” convocados pela direita e a classe média abastada, Altamira e seu PO (tendo os membros da FIT – PTS e IS – ao seu lado) se coloca como linha auxiliar da oposição conservadora contra o governo CFK, buscando capitalizar nas eleições de novembro deste ano o voto contra o kirchenerismo tendo por base uma tendência direitista. Enquanto o PTS cinicamente prefere não apontar responsáveis pela morte de Nisman (La guerra de los servicios se cobró una nueva muerte) o que em muito facilita suas relações diplomáticas oportunistas com os demais parceiros da FIT que estão à sua direita, os “morenistas ortodoxos” da Convergência Socialista (CS) se esmeraram nas diabrites contra o governo CKF, acusando Cristina, Assad e o Irã de serem parceiros de Obama e Israel que unidos desejam encobrir os responsáveis pela morte do promotor, já que os primeiros seriam apenas súditos servis dos segundos. A delirante CS afirma “Nunca saberemos quem foram os executores materiais do assassinato, porém sim existem pistas mais que suficientes para chegar a verdade. Mas o governo de Cristina nunca as investigará! Mas além da sua espetacularidade, as acusações de Nisman não eram mais que chicanas, realizadas para sabotar as relações com o Irã. Cristina não aprofundou a relação com os Aiatolás persas somente para concretar alguns ‘negócios’, mas avançar no mesmo sentido do que estão fazendo seus amos imperiais!”. Como se observa Altamiristas e Morenistas de todas as cores conformam uma frente política que elimina por completo as contradições entre governos burgueses de corte nacionalista, o imperialismo ianque e o enclave sionista. Desta forma estes revisionistas acabam por se colocar a reboque da reação burguesa e apoiam em nome de supostas “revoluções” e “levantes populares” ofensivas contrarrevolucionárias travestidas de movimentos democráticos contra Cristina, Assad e o regime do Irã! O episódio envolvendo a morte de procurador Nisman é mais um elo desta cadeira, bastam ver as “marchas” convocadas ontem e hoje em frente à Casa Rosada pela oposição conservadora e apoiadas pelos revisionistas da FIT! 

A atual posição de Altamira frente ao caso Nisman não é nenhuma uma surpresa. O histórico do PO desde o atentado da AMIA (Associação de Ajuda Mútua aos Judeus) vai desde a solidariedade com o sionistas na Argentina até a apresentação de Israel como uma merca colônia explorada pelos EUA, como a LBI denunciou no artigo “A Questão Palestina a Queima Roupa” (Novembro de 1995). Neste texto pontuamos que após o atentado à AMIA em Buenos Aires no ano de 1994, o PO não só compareceu, como também convocou, entusiasticamente, em conjunto com a embaixada israelense e os sionistas portenhos, uma caminhada em apoio ao Estado de Israel, exigindo por parte do governo Menem medidas repressivas enérgicas contra os possíveis responsáveis pelo atentado, ou seja, ativistas vinculados de alguma forma a organizações que lutam contra o enclave terrorista de Israel. Longe de ser uma calúnia ou um exagero de nossa parte foi o próprio PO que reivindicou sua atitude a época “O Partido Obrero foi a única corrente de esquerda que não só participou do ato contra o atentado, mas também chamou a fazê-lo com antecipação....No dia 20, garantimos a mobilização do nosso partido no ato, destacando a consigna: ‘a autêntica solidariedade é fazer justiça’, por sua relação com a consigna histórica ‘justiça e castigo para todos os culpados’” (Prensa Obrera, nº 424). Parece inacreditável, mas o PO e Altamira exigiram que Menem “fizesse justiça” e o criticam pela lentidão como agiu no caso. Seria possível acreditar que alguém que se diga “revolucionário” possa confiar ao Estado burguês e seus tribunais a tarefa de “fazer justiça” contra organizações ou militantes que se utilizam do método equivocado do terrorismo, como forma de luta política? A posição assumida pelo Partido Obrero no caso AMIA, gerou o repúdio da vanguarda de esquerda na Argentina, o que lhe obrigou a uma série de retificações teóricas em seu arsenal programático. Segundo Altamira, o Estado sionista de Israel não seria mais um enclave do imperialismo na região, passando agora à condição de semicolônia oprimida, da mesma forma que os outros países do Oriente Médio. Em polêmica com o MAS, vejamos qual é a afirmação do PO sobre o caráter do Estado de Israel: “Que Israel é um Estado terrorista como afirma o MAS, no Solidariedade Socialista nº 479, é uma afirmação justa, mas dentro de determinadas condições." (Prensa Obrera, nº 426) para depois concluir: "O Estado de Israel é uma nação artificialmente criada por um acordo internacional entre o imperialismo norte-americano e a burocracia russa, que nasceu como uma semicolônia ianque... É também o caso do Líbano que até 1975 foi uma colônia do imperialismo francês."(idem). É o caso mais espetacular de mudança de posição que se tem conhecimento no movimento trotskista. Israel passa a ser considerada como uma semicolônia do imperialismo ianque, igual ao Líbano ou outros países oprimidos. Desta forma, o conflito palestino versus Estado sionista torna-se um conflito de iguais. "Pena" que os palestinos não tenham recebido mais de 500 bilhões de dólares em ajuda financeira e militar do imperialismo ianque, sem falar das armas nucleares estacionadas em território israelense apontadas para as cabeças de todos os povos árabes. Quais seriam as "determinadas condições" que o Estado de Israel, após exterminar mais de cem mil palestinos e árabes em todas suas beligerâncias pela região, deixaria de ser terrorista? Cabe ao próprio PO responder aos combatentes palestinos e árabes, sendo que diferente de 1994 agora Altamira tem ao seu lado o PTS e a IS. Os três agrupamentos que homogeneizaram suas posições nos últimos 10 anos em torno de um política ultra-revisionista hoje em nome de uma suposta “revolução árabe” apoiam os “rebeldes” a serviço do sionismo na Síria, Iraque e Líbano assim como na Argentina somam-se a oposição conservadora nos protesto cujo lema é “Yo soy Nisman! Cristina Basta!”.

Nisman passava bem longe de promover uma investigação rigorosa dos verdadeiros autores do atentado à AMIA em 1994, na verdade atualmente procurava provar o suposto "encobrimento" dos governos Kirchner (Nestor e Cristina) ao Hezbolah, que segundo o promotor era o responsável pelo ataque ao centro judaico. Nesta direção pouco se importava com as "conexões locais" do ato terrorista, fundamentalmente com a sinistra SIDE, uma espécie de CIA argentina. Sua morte está envolta no ventre do aparato de repressão do Estado burguês, herdado do regime militar, e subordinado até hoje a organismos de inteligência do imperialismo. Culpar o governo Cristina pela morte de Nisman parece uma clara provocação política da direita às vésperas de uma eleição, tampouco se pode "inocentar" o conjunto das instituições do regime burguês do qual o governo Kirchner somente controla um seguimento estatal. Não se deve "olvidar" que foi o próprio Nestor quem no passado designou Nisman a tarefa de "explodir a bomba da AMIA no colo" das autoridades iranianas. Porém estabelecer um bloco de ação com a oposição de direita para criminalizar Cristina, como faz o conjunto da esquerda revisionista, é completamente vergonhoso!