quarta-feira, 1 de março de 2017

1º DE MARÇO DE 1921: OS BOLCHEVIQUES ESMAGAM A REVOLTA CONTRARREVOLUCIONÁRIA DE KRONSTADT PARA DEFENDER A DITADURA DO PROLETARIADO


Até hoje se vende a falsa ideia do Stalinismo ser a continuidade do Leninismo, apresentando como exemplo a repressão ao levante dos marinheiros de Kronstadt em março de 1921, decisão apoiada por Lenin e Trotsky. Particularmente acusa-se Trotsky por sufocar pessoalmente a revolta, o que seria uma prova de que a Ditadura do Proletariado era na verdade um instrumento de perseguição de uma casta burocrática contra os trabalhadores, sendo o Partido Bolchevique e particularmente sua direção revolucionária o germe de onde teria se originado naturalmente o Stalinismo. Trotsky sempre procurou estabelecer o conteúdo de classe das “movimentações antiburocráticas” na URSS, para determinar se eram progressivas, ou seja, rumo à revolução política, ou reacionárias, em direção à restauração capitalista, mesmo que inconscientemente. Ele próprio a frente do Exército Vermelho apoiou a repressão ao levante dos marinheiros de Kronstadt, que naquele momento, apesar dos reclamos “antiburocráticos”, jogavam objetivamente no campo do enfraquecimento do Estado operário soviético. Apoiar incondicionalmente qualquer mobilização, levante, ou panaceias que tenham slogans “antiburocráticos” contra a existência das bases sociais de um Estado operário significa jogar objetivamente no campo da contrarrevolução imperialista, como fizeram as correntes revisionistas diante da destruição contrarrevolucionária do Muro de Berlim e depois da restauração capitalista da URSS. Como parte dos artigos dedicados aos 100 anos da Revolução de Outubro, publicamos o texto de Trotsky voltado a analisar seu papel pessoal na repressão a Kronstad, em que polemiza não só com o anarquistas mas com os “democratas” que em nome da “defesa da liberdade” atacam o direito da Revolução Proletária de combater pela força das armas seus adversários internos e externos para preservar as conquistas sociais proletárias.


ALGO MAIS SOBRE A REPRESSÃO DE KRONSTADT
(New International, Agosto de 1938)

Em meu recente artigo sobre Kronstadt tratei de traçar o problema sobre um plano político. Mas muito estão interessados na questão da “responsabilidade” pessoal. Souvarine, que de inativo marxista se converteu em exaltado adulador, assegura em seu livro sobre Stálin que em minha autobiografia conscientemente guardei silêncio sobre a rebelião de Kronstadt: “Há façanhas — diz sarcasticamente — das quais uma não alardeia”. Ciliga em seu livro “No País da Grande Mentira”, conta que na repressão de Kronstadt “mais de dez mil marinheiros” foram fuzilados por mim (duvido muito que a frota inteira do Báltico tivesse tal quantidade naquele momento). Outros críticos se expressam da seguinte forma: sim, a rebelião de Kronstadt tinha objetivamente um caráter contrarrevolucionário, mas porque Trotsky usou tais medidas repressivas, impiedosas, na pacificação e posteriormente?

Nunca tratei este tema. Não porque tenha algo a ocultar, mas, ao contrário, precisamente porque não tenho nada a dizer. A verdade da questão é que pessoalmente não tenho a mínima participação no esmagamento da rebelião de Kronstadt, nem na repressão que a seguiu. Mas para mim este fato não tem significação política. Eu era membro do governo e considerei necessário sufocar a rebelião, portanto, assumo responsabilidade pela repressão. Apenas dentro destes limites tenho respondido às críticas até agora. Mas quando os moralistas começam a molestar-me pessoalmente, acusando-me de excessiva e desnecessária crueldade dentro das circunstâncias, considero que tenho o direito de dizer: “Senhores moralistas, vocês estão mentindo um pouco”.

A rebelião explodiu durante minha estadia nos Urais. Dos Urais fui diretamente a Moscou para o X Congresso do partido. A decisão geral de reprimir a rebelião por meio da força militar — já que não se podia induzir a fortaleza a render-se, primeiro com negociações de paz, depois por meio de um ultimato — foi adotada com minha participação direta. Mas depois de tomada a decisão, eu continuei permanecendo em Moscou e não tomei parte, nem direta nem indiretamente, nas operações militares. Com relação à repressão posterior, este assunto correspondeu totalmente à Tcheka.

O que aconteceu que não fui pessoalmente a Kronstadt? O motivo foi de natureza política. A rebelião estourou durante a discussão da então chamada questão “sindical”. O trabalho político em Kronstadt estava totalmente nas mãos do Comitê de Petrogrado, do qual à cabeça estava Zinoviev. O mesmo Zinoviev era o chefe mais incansável e o líder mais apaixonado na luta contra mim na discussão. Antes de sair para os Urais estive em Petrogrado e falei em uma reunião de marinheiros comunistas. O espírito geral da reunião me deixou uma impressão extremamente desfavorável. Marinheiros janotas e bem alimentados, comunistas só de nome, produziam a impressão de parasitas em comparação com os operários e homens do Exército Vermelho daquela época. A campanha estava prosseguindo de forma extremamente demagógica por parte do Comitê de Petrogrado. O pessoal de comando da frota foi isolado e aterrorizado. A resolução de Zinoviev recebeu provavelmente 90% dos votos. Recordo haver dito a Zinoviev naquela ocasião: “tudo está muito bem aqui até que se torne muito mal”. Posteriormente, Zinoviev estava comigo nos Urais quando recebeu uma mensagem urgente que dizia que as coisas em Kronstadt estavam se tornando “muito mal”. A esmagadora maioria de marinheiros “comunistas” que apoiaram a resolução de Zinoviev tomava parte na rebelião. Considerei, e o Birô Político não teve objeções, que as negociações com os marinheiros, e no caso de necessidade, sua pacificação, deveriam estar nas mãos daqueles dirigentes que apenas ontem tinham a confiança política destes marinheiros. De outro modo, a população de Kronstadt assumiria o assunto como se eu houvesse tomado “vingança” sobre eles por ter votado contra mim durante a discussão do partido.

Corretas ou não, em todo caso foram precisamente estas considerações as que determinaram minha atitude. Apartei-me deste assunto total e expressamente. Quanto à repressão, até onde recordo, Dzerzhinski estava pessoalmente encarregado dela e não podia tolerar a menor interferência em suas funções (apropriadamente).

Se houve vítimas desnecessárias não o sei. A respeito disto confio mais em Dzerzhinski do que em seus irrequietos críticos. Por falta de dados, não posso dizer agora, a posteriori, quem foi castigado e como. As conclusões de Victor Serge sobre esta questão — de terceira mão — não têm valor ante meus olhos. Mas estou disposto a reconhecer que uma guerra civil não é uma escola de humanismo. Idealistas e pacifistas sempre acusaram de “excessos” à revolução. Mas o ponto principal é que os “excessos” surgem da própria natureza da revolução, que em si mesma, não é mais que um “excesso” da história. Quem assim o desejar pode, sobre estas bases, rechaçar (em breves artigos) a revolução em geral. Eu não a rechaço. Neste sentido assumo a total e completa responsabilidade pela repressão da rebelião de Kronstadt.