segunda-feira, 24 de julho de 2017

24 DE JULHO DE 1783, NASCE SIMÓN BOLÍVAR: O INSPIRADOR DO “SOCIALISMO DO SÉCULO XXI” É ANALISADO CRITICAMENTE POR KARL MARX, COMBATENDO A APOLOGIA DA ESQUERDA REFORMISTA AO LÍDER NACIONALISTA BURGUÊS


O BLOG da LBI publica neste 24 de julho, data de aniversário de Simón Bolívar, nascido no ano de 1783, um artigo pouco conhecido de Karl Marx, que foi baseado em uma carta escrita a Friederich Engels em janeiro de 1858 e editado no tomo III da “The New American Cyclopaedia”. O texto foi descoberto apenas em fevereiro de 1935 nos arquivos Marx-Engels-Lenin em Moscou, URSS e publicado pela primeira vez na América Latina (Buenos Aires) em 1936. Em 1857 Marx foi contratado pelo “New York Daily Tribune” para escrever temas de história militar e biografias. Engels também trabalhou no projeto. O verbete conta as aventuras militares do comandante nascido em Caracas, incluindo traições a seus companheiros. É um balanço, pouco estudado no Brasil, que desmistifica a trajetória do fundador do nacionalismo latino-americano reverenciado pelos “bolivarianos” e parte da esquerda em nosso continente. Esse debate acerca da “covardia” de Bolívar que Marx denunciava como um “personagem medíocre e grotesco”, não é apenas um “traço pessoal” mas uma característica própria da burguesia semicolonial em seus enfrentamentos com o imperialismo, como vemos atualmente no caso de Maduro na Venezuela. Vale destacar que o artigo de Marx foi posteriormente criticado por Che Guevara e a burocracia soviética, mas nós seguidores de Leon Trotsky e da Teoria da Revolução Permanente o reivindicamos integralmente. As duras palavras de Marx ao “Libertador”, encerradas no artigo abaixo originalmente denominado “Bolívar y Ponte” e em algumas outras rápidas menções no curso de sua obra são atacadas até hoje pelos partidários do “Socialismo do Século XXI”. Muitas foram as críticas ou tentativas deformadas de justificar as palavras de Marx direcionadas a Bolívar. Para uns produto de sua incompreensão da especificidade da realidade latino-americana, ou ainda, de um certo eurocentrismo presente em seu pensamento, outros justificaram que tal artigo foi elaborado com extrema rapidez e com finalidades unicamente financeiras. A própria edição russa de 1959 das obras completas de Marx e Engels publicada pela burocracia soviética inclui uma nota crítica concernente ao artigo sobre Bolívar, sustentando que supostos os erros existentes eram provenientes das fontes insuficientes e parciais que teve acesso. Nada mais falso! O artigo foi escrito por Marx em um contexto em que Bolívar era cultuado acriticamente na própria “esquerda” europeia como libertador e herói da América Hispânica, um símbolo na luta contra o imperialismo. Ele justamente fez um contraponto corajoso a essa capitulação da esquerda domesticada, em um texto extremamente rico de detalhes. No curso do pequeno esboço biográfico que escreveu sobre o “Libertador”, caracterizou-o como oportunista, covarde, traidor, canalha, ditador, ambicioso etc..., elaborando esta análise com o rigor que sempre caracterizou sua obra e recorrendo a várias fontes que consultou antes de emitir qualquer posição. Tanto que no período que se seguiu a publicação deste artigo Marx recebera cartas contestando sua interpretação e questionando suas fontes e respondera, ao seu modo, de maneira irônica. Ao ser questionado se não teria exagerado na crítica ao descrever uma pessoa com tantas conquistas, Marx respondeu o seguinte em uma carta para Engels: “Seria ultrapassar os limites querer apresentar como Napoleão I o mais covarde, brutal e miserável dos canalhas”. Para Marx, o suposto caráter anti-imperialista aparece como mais um mito do “Libertador” Bolívar, uma vez que teria livrado a América Latina do jugo espanhol em troca do domínio britânico. Como pontou Marx, anos mais tarde de escrever esse artigo, “A força criadora de mitos, característica da fantasia popular, em todas as épocas tem provado sua eficácia inventando ‘grandes homens’. O exemplo mais notável deste tipo é sem dúvida Simón Bolívar”. Estamos com Marx em sua delimitação com a figura de Simon Bolívar, como Marxistas Revolucionários lutamos contra o imperialismo e até podemos estabelecer “frente única” com a classe dominante nativa em seus conflitos pontuais com as potências capitalistas, mas não abrimos mão de denunciar a incapacidade histórica da burguesia nacional em levar a frente de forma consequente a luta pela libertação nacional e a soberania, tarefas democráticas pendentes que só podem ser plenamente vitoriosas sob a direção do proletariado e do partido revolucionário, uma realidade que se faz hoje cada vez flagrante na própria Venezuela “bolivariana” de Maduro e Chávez, onde o PCV stalinista é adepto incurável da velha política de colaboração de classes da Frente Popular na defesa acrítica do governo Maduro. O caminho mais curto para a vitória do imperialismo diante da crise do nacionalismo burguês é abrir mão da independência de classe do proletariado como nos ensinou Marx...
  
             
SÍMON BOLÍVAR
(Karl Marx, Janeiro 1858)

 Simón, o “Libertador” da Colômbia nasceu em 24 de julho de 1783 em Caracas e morreu em San Pedro, perto de Santa Marta, em 17 de dezembro de 1830. Descendia de uma das famílias mantuanas, que na época da dominação espanhola constituíam a nobreza criolla na Venezuela. Conforme um costume dos americanos abastados da época, foi enviado para a Europa com a tenra idade de 14 anos. Da Espanha passou para a França e residiu durante alguns anos em Paris. Em 1802 casou-se em Madri e regressou à Venezuela, onde sua esposa faleceu repentinamente de febre amarela. Depois desse acontecimento, transferiu-se em seguida, pela segunda vez, para a Europa e assistiu em 1804 a coroação de Napoleão como imperador, também estando presente quando Bonaparte cingiu a coroa de ferro da Lombardia. Em 1809 retomou à sua pátria, e apesar das insistências de seu primo José Félix Ribas, recusou-se a aderir à revolução que estoura em Caracas a 19 de abril de 1810. Porém, posteriormente a este acontecimento, aceitou a missão de ir à Londres para comprar armas e negociar a proteção do governo britânico. O Marquês de Wellesley, na época Ministro das Relações Exteriores, aparentemente lhe deu boa acolhida, mas Bolívar não obteve mais que a autorização de exportar armas pagando à vista e pagando pesados tributos. Quando regressou de Londres, retirou-se para a vida privada, até que em setembro de 1811 o general Miranda, então comandante em chefe das forças insurretas de mar e terra, persuadiu-o a aceitar o posto de tenente-coronel no Estado-Maior e o comando de Puerto Cabello, a principal praça forte da Venezuela.
  
Quando os prisioneiros de guerra espanhóis, que Miranda enviava regularmente a Puerto Cabello para mantê-los presos na cidadela, conseguiram atacar de surpresa a guarda e a dominaram, apoderando-se da cidadela, Bolívar, embora os espanhóis estivessem desarmados, enquanto ele dispunha de uma forte guarnição e de um grande arsenal, embarcou precipitadamente à noite com oito dos seus oficiais, sem informar o que ocorria às suas próprias tropas, chegou ao amanhecer a La Guaira, e de lá se retirou para a sua fazenda de San Mateo.

Quando a guarnição se inteirou da fuga do seu comandante, abandonou ordenadamente a praça, que foi logo ocupada pelos espanhóis sob o comando de Monteverde. Este acontecimento inclinou a balança a favor da Espanha e forçou Miranda a subscrever a 26 de julho de 1812, por incumbência do Congresso, o tratado de La Victoria, que submeteu novamente a Venezuela ao domínio espanhol. Em 30 de julho chegou Miranda a La Guaira, com a intenção de embarcar num navio inglês. Enquanto visita o coronel Manuel Maria Casas, comandante da praça, encontrou-se com um numeroso grupo, no qual estavam dom Miguel Pefía e Simón Bolívar, que o convenceram a ficar, pelo menos uma noite, na residência de Casas. As duas da madrugada, encontrando-se Miranda dormindo profundamente, Casas, Pefía e Bolívar se introduziram em seu quarto com quatro soldados armados, se apoderaram precavidamente de sua espada e de sua pistola, despertaram-no rudemente, ordenando-lhe que se levantasse e se vestisse, após o que foi agrilhoado e entregue a Monteverde. O chefe espanhol remeteu-o para Cádiz, onde Miranda, acorrentado, morreu depois de vários anos de cativeiro. Este ato, para cuja justificação recorreu-se ao pretexto de que Miranda havia traído o seu país com a capitulação de La Victoria, valeu a Bolívar o especial favor de Monteverde, a tal ponto que quando o primeiro solicitou seu passaporte, o chefe espanhol declarou: “Deve-se atender o pedido do coronel Bolívar, como recompensa pelo serviço prestado ao rei da Espanha com a entrega de Miranda”.

Autorizou-se assim que Bolívar embarcasse com destino a Curazao, onde permaneceu seis semanas. Em companhia do seu primo Ribas se transferiu logo para a pequena república de Cartagena. Antes de sua chegada a Cartagena havia fugido para lá uma grande quantidade de soldados, ex-combatentes que estiveram sob a ordem do general Miranda. Ribas lhes propôs empreender uma expedição contra os espanhóis na Venezuela e a reconhecer Bolívar como comandante em chefe. A primeira proposta teve uma acolhida entusiasmada; à segunda houve resistência, ainda que finalmente aceitassem, com a condição de que Ribas fosse o lugar-tenente de Bolívar. Manuel Rodriguez Torias, o presidente da república de Cartagena agregou aos 300 soldados assim recrutados para Bolívar outros 500 homens sob o comando de seu primo Manuel Castillo. A expedição partiu no começo de janeiro de 1813. Produzindo-se divergências entre Bolívar e Castillo sobre quem tinha o comando supremo, o segundo se retirou subitamente com seus granadeiros. Bolívar, por sua vez, propôs seguir o exemplo de Castillo e regressar a Cartagena, mas, no final, Ribas pôde persuadi-lo a prosseguir, ao menos a rota até Bogotá, onde tinha então, sua sede o Congresso de Nova Granada. Foram ali muito bem acolhidos, apoiados de mil maneiras e o congresso os promoveu ao posto de generais. Depois de dividirem seu pequeno exército em duas colunas, marcharam por diferentes caminhos para Caracas. Quanto mais avançavam, mais reforços recebiam; os cruéis excessos dos espanhóis desempenhavam o papel de recrutadores para o exército da independência. A capacidade de resistência dos espanhóis estava alquebrada; de um lado porque três quartas partes de seu exército se compunham de nativos, que em cada encontro passavam para o lado inimigo; do outro devido à covardia de generais como Tízcar, Cajigal e Fierro, que na menor oportunidade abandonavam suas próprias tropas. De tal sorte ocorreu que Santiago Mariño, um jovem sem formação, conseguiu expulsar das províncias de Cumaná e Barcelona os espanhóis, ao mesmo tempo em que Bolívar ganhava terreno nas províncias ocidentais. A única resistência séria opuseram-na os espanhóis contra a coluna Ribas, que derrotou o general Monteverde em Los Taguanes e obrigou-o a refugiar-se em Puerto Cabello com o resto de suas Tropas.

Quando o governador de Carácas, general Fierro, teve notícias de que Bolívar se aproximava, enviou-lhe emissários para propor capitulação, que foi assinada em La Victoria. Porém Fierro, tomado por um pânico repentino e sem aguardar o regresso de seus próprios emissários, fugiu secretamente à noite e deixou mais de 1.500 espanhóis à mercê do inimigo. A Bolívar se tributou então uma entrada apoteótica. De pé, em um carro de triunfo, puxado por doze donzelas vestidas de branco e enfeitadas com as cores nacionais, escolhidas entre as melhores famílias de Caracas, Bolívar, com a cabeça descoberta e agitando um pequeno bastão na mão, foi levado em meia hora desde a entrada da cidade até sua residência. Proclamou-se “Ditador e Libertador das Províncias Ocidentais da Venezuela” — Mariño havia adotado o título de “Ditador das Províncias Orientais” — criou a “Ordem do Libertador”, formou umm corpo de tropas escolhidas que denominou sua guarda pessoal e se rodeou da pompa própria de uma corte. Porém, como a maioria de seus compatriotas, era incapaz de qualquer esforço de grande envergadura, e sua ditadura degenerou logo em uma anarquia militar, na qual os assuntos mais importantes ficavam em mãos de favoritos, que arruinavam as finanças públicas e depois recorriam a meios odiosos para reorganizá-las. Deste modo, o recente entusiasmo popular se transformou em descontentamento, e as dispersas forças do inimigo dispuseram de tempo para reorganizar-se. Enquanto no começo de agosto de 1813 Monteverde estava trancado na fortaleza de Puerto Cabello, e ao exército espanhol só restasse uma estreita faixa de terra no noroeste da Venezuela, apenas três meses depois o Libertador havia perdido seu prestígio e Caracas se achava ameaçada pela súbita aparição, em suas vizinhanças, dos espanhóis vitoriosos, sob o comando de Boves. Para fortalecer seu poder cambaleante, Bolívar reuniu, em 1º de janeiro de 1814, uma junta, constituída pelos vizinhos de Caracas mais influentes, e manifestou-lhes que não desejava suportar mais tempo o fardo da ditadura. Hurtado de Mendoza, por seu lado, fundamentou em um prolongado discurso “a necessidade de que o poder supremo se mantivesse nas mãos do general Bolívar até que o Congresso de Nova Granada pudesse se reunir e a Venezuela unificar-se sob um só governo. Aprovou-se esta proposta e desta forma a ditadura recebeu um reconhecimento legal.

Durante algum tempo se deu continuidade à guerra contra os espanhóis, sob a forma de escaramuças, sem que nenhum dos contendores obtivesse vantagens decisivas. Em junho de 1814, Boves, depois de concentrar suas tropas marchou de Calabozo até La Puerta, onde os dois ditadores, Bolívar e Mariño haviam juntado suas forças. Boves encontrou-as ali e ordenou que suas unidades as atacassem sem demora. Após uma breve resistência, Bolívar fugiu para Caracas, enquanto que Mariño escapulia para Cumaná. Puerto Cabello e Valença caíram nas mãos de Boves, que destacou duas colunas (uma delas sob o comando do coronel González) rumo a Caracas, por rotas distintas. Ribas tentou conter em vão o avanço de González. Depois da rendição de Caracas a este chefe, Bolívar evacuou La Guaira, ordenou aos barcos ancorados no porto que zarpassem para Cumaná e se retirou com o resto de suas tropas para Barcelona. Após a derrota que Boves infligiu aos insurretos em Arguita, em 8 de agosto de 1814, Bolívar abandonou furtivamente suas tropas nesta mesma noite, para dirigir-se apressadamente, e por atalhos até Cumaná, de onde, apesar dos irados protestos de Ribas, embarcou de imediato no navio “Bianchi”, junto com Mariño e outros oficiais. Se Ribas, Paez e os demais generais houvessem seguido os ditadores na sua fuga, tudo se teria perdido. Tratados como desertores em sua chegada em Juan Griego, ilha Margarita, pelo general Arismendi, que exigiu sua partida, levantaram âncoras novamente até Carúpano, sendo ali recebidos de maneira análoga pelo coronel Bermúdez, se fizeram ao mar rumo a Cartagena. Ali, afim de coonestar sua fuga, publicaram uma memória de justificação, recheada de frases altissonantes.



Havendo-se juntado Bolívar a uma conspiração para derrubar o governo de Cartagena, teve que abandonar essa pequena república e seguir viagem até Tunja, onde estava reunido o Congresso da República Federal de Nova Granada. A província de Cundinamarca, neste tempo estava à testa das províncias independentes que se negavam a subscrever o acordo federal neogranadino, enquanto Quito, Pasto, Santa Marta e outras províncias ainda se achavam em mãos espanholas. Bolívar, que chegou a 22 de novembro de 1814 em Tunja, foi designado, pelo Congresso, comandante­em-chefe das forças armadas federais e recebeu a dupla missão de obrigar o presidente da província de Cundinamarca a que reconhecesse a autoridade do Congresso e a marchar depois para Santa Marta, o único porto de mar fortificado granadino – ainda em mãos dos espanhóis. Não apresentou dificuldades o cumprimento do primeiro encargo, posto que Bogotá, a capital da província rebelde carecia de fortificações. Embora a cidade tivesse capitulado, Bolívar permitiu que seus soldados, durante 48 horas, a saqueassem. Em Santa Marta o general espanhol Montalvo, que dispunha somente de uma fraca guarnição de 200 homens e de uma praça forte em péssimas condições defensivas, tinha contratado um barco francês para assegurar sua própria fuga; os vizinhos, de seu lado, enviaram uma mensagem para Bolívar participando-lhe que, nem bem aparecesse, abririam as portas da cidade e expulsariam a guarnição. Mas, em vez de marchar contra os espanhóis de Santa Marta, tal como lhe havia ordenado o Congresso, Bolívar deixou-se arrastar por seu ódio contra Castillo, o comandante de Cartagena, e atuando por sua própria conta conduziu suas tropas contra esta última cidade, parte integrante da República Federal. Rechaçado, acampou em La Popa, uma colina situada aproximadamente a um tiro de canhão de Cartagena. Como bateria colocou um pequeno canhão, contra uma fortaleza munida com umas 80 peças. Passou logo do assédio ao bloqueio, que durou até começo de maio, sem mais resultados do que a diminuição de seus efetivos, por deserção ou doença, de 2.400 para uns 700 homens. Neste meio tempo, uma grande expedição espanhola, comandada pelo general Morillo e procedente de Cádiz, chegou à ilha de Margarita, em 25 de março de 1815. Morillo destacou de imediato poderosos reforços para Santa Marta e pouco depois suas forças se apoderaram de Cartagena. Antes, porém, em 10 de maio de 1815, Bolívar havia embarcado com uma dúzia de oficiais em um bergantim artilhado, de bandeira britânica, rumo a Jamaica. Uma vez chegado a este ponto de refúgio, publicou uma nova proclamação, em que se apresentava como a vítima de alguma facção ou inimigo secreto e defendia sua fuga dos espanhóis como se fosse uma renúncia ao comando, efetuada em benefício da paz pública.



Durante sua permanência de oito meses em Kingston, os generais que havia deixado na Venezuela e o general Arismendi na ilha Margarita apresentaram uma tenaz resistência às armas espanholas. Mas depois que Ribas, a quem Bolívar devia seu renome, caísse fuzilado pelos espanhóis após a tomada de Maturin, ocupou seu lugar um homem de condições militares ainda mais relevantes. Não podendo desempenhar, por sua qualidade de estrangeiro, um papel autônomo na revolução sul-americana, este homem decidiu entrar a serviço de Bolívar. Tratava-se de Luis Brion. Para prestar auxílio aos revolucionários, viajara de Londres, rumo a Cartagena, com uma corveta de 24 canhões, equipada em grande parte às suas próprias custas e carregada de 14.000 fuzis, e de uma grande quantidade de outros apetrechos. Havendo chegado demasiado tarde e não podendo ser útil aos rebeldes, rumou até Los Cayos, no Haiti, onde muitos emigrados patriotas haviam fugido depois da capitulação de Cartagena. Nesse ínterim Bolívar se havia transladado também para Porto Príncipe, onde, em troca de sua promessa de libertar os escravos, o presidente do Haiti, Pétions, lhe ofereceu um grande apoio material para uma nova expedição contra os espanhóis da Venezuela. Em Los Cayos se encontrou com Brion e outros emigrados e, em uma junta geral, propôs a si mesmo como chefe de uma nova expedição, sob a condição de que até a convocató-ria de um Congresso Geral ele reuniria em suas mãos os poderes tanto civil como militar. A maioria tendo aceito esta condição, os expedicionários lançaram-se ao mar em 16 de abril de 1816 com Bolívar como comandante e Brion na qualidade de almirante. Em Margarita, Bolívar conseguiu ganhar Arismendi para sua causa, o comandante da ilha, quem havia repelido os espanhóis a tal ponto que a estes só restava um único ponto de apoio. Pampatar. Com a promessa formal de Bolívar de convocar um congresso nacional na Venezuela tão logo se apoderasse do país, Arismendi reuniu uma junta na catedral de Villa del Norte e proclamou publicamente Bolívar como chefe supremo das Repúblicas da Venezuela e Nova Granada. Em 31 de maio de 1816, desembarcou Bolívar em Carúpano, porém não se atreveu a impedir que Mariño e Piar se afastassem dele e efetuassem, por sua própria conta, uma campanha contra Cumaná. Debilitado por esta separação e seguindo os conselhos de Brion, velejou rumo a Ocumare (de la Costa), onde chegou a 3 de julho de 1816 com 13 barcos, dos quais somente 7 estavam artilhados. Seu exército se compunha tão somente de 650 homens, que aumentaram para 800 com o recrutamento de negros, cuja libertação havia proclamado. Em Ocumare divulgou um novo manifesto, em que ele prometia “exterminar os tiranos” e “convocar o povo para que designe seus deputados no congresso. Ao avançar em direção a Valença, topou, não distante de Ocumare, com o General espanhol Morales, à testa de 200 soldados e 100 milicianos. Quando os caçadores de Morales dispersaram a vanguarda de Bolívar, este, segundo testemunha ocular, perdeu “toda presença de espírito e, sem pronunciar palavra, num instante voltou atrás e fugiu, desabaladamente, para Ocumare, atravessou o povoado, a toda pressa, e chegou até a baía próxima, saltou do cavalo, entrou num bote e subiu a bordo do “Diana”, dando ordem a toda esquadra de que o seguisse até a pequena ilha de Bonaire, deixando todos seus companheiros privados de qualquer auxílio. As reprovações e exortações de Brion o induziram a reunir-se com os demais chefes na costa de Cumaná; entretanto, como o recebessem inamistosamente, e Piar o ameaçasse submetê-lo a um conselho de guerra por deserção e covardia, sem demora rumou para Los Cayos. Após meses e meses de esforços, Brion finalmente conseguiu persuadir a maioria dos chefes militares venezuelanos – que sentiam a necessidade de que houvesse um centro, ainda que fosse apenas nominal – de que chamassem uma vez mais Bolívar como comandante-em-chefe, sob a condição expressa de que convocaria o Congresso e não se imiscuiria na administração civil.



Em 31 de dezembro de 1816, Bolívar chegou a Barcelona com armas, munições e apetrechos proporcionados por Pétion. Em 2 de janeiro de 1817 Arismendi juntou-se a ele e no dia 4 Bolívar proclamou a lei marcial e anunciou que todos os poderes estavam em suas mãos. Porém, 5 dias depois, Arismendi sofreu um contratempo em uma emboscada que lhe armaram os espanhóis, e o ditador fugiu para Barcelona. As tropas se concentraram novamente nesta localidade, onde Brion enviou-lhe tanto armas como novos reforços, de tal maneira que logo Bolívar dispôs de uma nova força de 1.100 homens. Em 5 de abril, os espanhóis tomaram a cidade de Barcelona e as tropas dos patriotas recuaram até a Casa de Misericórdia, um edifício situado fora da cidade. Por ordem de Bolívar cavaram-se algumas trincheiras, porém de maneira inadequada, para defender de um ataque sério uma guarnição de 1.000 homens. Bolívar abandonou a posição na noite de 5 de abril, após comunicar o coronel Freitas, a quem delegou o comando, que buscaria tropas de reforço e voltaria em breve. Freitas recusou uma oferta de capitulação, confiando na promessa e depois do ataque foi degolado pelos espanhóis, junto com toda sua guarnição.



Piar, um homem de cor originário de Curazao, concebeu e pôs em prática a conquista da Güiana, com o apoio do almirante Brion e suas canhoneiras. Em 20 de julho, com todo o território livre dos espanhóis, Piar, Brion, Zea, Mariño, Arismendi e outros convocaram, em Angostura, um congresso das províncias e puseram chefiando o executivo um triunvirato; Brion, que detestava Piar e se interessava profundamente por Bolívar, já que no êxito deste havia posto em jogo sua grande fortuna pessoal, conseguiu que se designasse Bolívar como membro do triunvirato, apesar da sua ausência. Ao inteirar-se disto, Bolívar abandonou seu refúgio e se apresentou em Angostura, onde, estimulado por Brion, dissolveu o congresso e o triunvirato e substituiu-os por um “Conselho Supremo da Nação”, do qual se nomeou chefe, enquanto que Brion e Francisco Antonio Zea assumiram, o primeiro a seção militar, o segundo a seção política. Todavia, Piar, o conquistador da Guiana, que outrora havia ameaçado submeter Bolívar a um conselho de guerra por deserção, não poupava sarcasmos contra o “Napoleão dos recuos”. Bolívar, por sua vez, aprovou um plano para eliminá-la. Sob as falsas imputações de haver conspirado contra os brancos, atentado contra a vida de Bolívar e aspirado ao poder supremo, Piar foi submetido a um conselho de guerra presidido por Brion; condenado à morte, foi fuzilado em 16 de outubro de 1817. Sua morte encheu Mariño de pavor. Plenamente consciente de sua própria insignificância, ao não poder contar com a ajuda de Piar, Mariño, em uma carta abjetíssima, caluniou publicamente seu amigo vitimado, se lamentou de sua própria rivalidade com o Libertador e apelou para a inesgotável magnanimidade de Bolivar.



A conquista da Guiana por Piar havia dado uma reviravolta total na situação, a favor dos patriotas, pois só esta província lhes proporcionava mais recursos que as outras sete províncias venezuelanas juntas. Daí todo o mundo confiar em que a nova campanha anunciada por Bolívar, em uma nova proclama, conduziria à expulsão definitiva dos espanhóis. Este primeiro boletim, segundo o qual as pequenas partidas espanholas, cujos soldados buscavam pasto para os cavalos ao retirarem-se de Calabozo, eram “exércitos que fugiam ante nossas tropas vitoriosas”, não tinham por objetivo dissipar tais esperanças. Para fazer frente a 4.000 espanhóis, que Morillo ainda não havia podido concentrar, dispunha Bolívar de mais de 9.000 homens, bem armados e equipados, abundantemente providos com todo o necessário para a guerra. Não obstante, em fins de maio de 1818, Bolívar havia perdido umas doze batalhas e todas as províncias situadas ao norte do Orenoco. Como dispersava suas forças, numericamente superiores, estas sempre eram batidas em separado, Bolívar deixou a direção da guerra em mãos de Páez e seus demais subordinados e se retirou para Angostura. A cada derrota se seguia outra, e tudo parecia encaminhar-se para um descalabro total. Neste momento extremamente crítico, uma conjunção de acontecimentos fortuitos modificou novamente o curso das coisas. Em Angostura, Bolívar encontrou Santander, natural de Nova Granada, que lhe solicitou elementos para uma invasão neste território, já que a população local estava pronta para levantar-se em massa contra os espanhóis. Bolívar satisfez, até certo ponto, este pedido. Neste ínterim, chegou da Inglaterra uma forte ajuda sob forma de homens, navios e munições, e oficiais ingleses, franceses, alemães e poloneses afluíram de toda parte para Angostura. Finalmente o doutor (Juan) Germán Roscio, consternado com a estrela decadente da revolução sul-americana, fez sua entrada em cena, conseguiu a aprovação de Bolívar e o induziu a convocar, para 15 de fevereiro de 1819, um congresso nacional, que a sua única menção, demonstrou ser suficientemente poderosa para por em pé um novo exército de aproximadamente 14.000 homens, com o qual Bolívar pôde novamente passar à ofensiva.



Os oficiais estrangeiros aconselharam-no que desse a entender que projetava um ataque contra Caracas para libertar a Venezuela do jugo espanhol, induzindo assim Morillo a retirar suas forças de Nova Granada e concentrá-las para a defesa daquele país, após o que Bolívar devia se dirigir subitamente para oeste, unir-se às guerrilhas de Santander e marchar sobre Bogotá. Para executar este plano, Bolívar saiu em 24 de fevereiro de 1819 de Angostura, depois de designar Zea presidente do Congresso e vice-presidente da república durante sua ausência. Graças às manobras de Páez, os revolucionários bateram Morillo e La Torre em Achaguas, e os teriam aniquilado completamente se Bolívar houvesse somado suas tropas às de Páez e Mariño. De todo modo, as vitórias de Páez, tiveram como resultado a ocupação da província de Barinas, deixando livre assim a rota para Nova Granada. Como aqui tudo estava preparado por Santander, as tropas estrangeiras, compostas fundamentalmente por ingleses, decidiram o destino de Nova Granada graças às vitórias sucessivas alcançadas em 1º e 23 de julho e 7 de agosto na província de Tunja. Em 12 de agosto, Bolívar entrou triunfalmente em Bogotá, enquanto os espanhóis, contra os quais se haviam sublevado todas às províncias de Nova Granada, se entrincheiraram na cidade fortificada de Monpós.



Depois de deixar funcionando o congresso granadino e o general Santander como comandante-em-chefe, Bolívar marchou até Pamplona, onde passou mais de dois meses em festejos e saraus. Em 3 de novembro chegou a Mantecal, Venezuela, ponto que havia fixado aos chefes patriotas para que se lhes reunissem com suas tropas. Com um tesouro de 2.000.000 dólares, obtidos dos habitantes de Nova Granada, mediante contribuições forçadas, e dispondo de uma força de aproximadamente 9.000 homens, um terço dos quais eram ingleses, irlandeses, hanoverianos, e outros estrangeiros bem disciplinados, Bolívar devia fazer frente a um inimigo privado de toda classe de recursos, cujos efetivos se reduziam a 4.500 homens, duas terças partes dos quais eram nativos e mal podiam, portanto, inspirar confiança aos espanhóis. Tendo se retirado Morillo de San Fernando de Apure em direção a São Carlos, Bolívar o perseguiu até Calabozo, de modo que os dois Estados-Maiores inimigos se encontravam apenas a dois dias de marcha um do outro. Se Bolívar houvesse avançado com resolução, só suas tropas européias teriam bastado para aniquilar os espanhóis. Porém preferiu prolongar a guerra cinco anos mais.



Em Outubro de 1819, o Congresso de Angostura havia forçado a renúncia de Zea, designado por Bolívar, e elegeu em seu lugar Arismendi. Assim que recebeu esta notícia, Bolívar marchou com sua legião estrangeira sobre Angostura, pegando desprevenido Arismendi, cuja força se reduzia a 600 nativos, deportou-o para a ilha Margarita e investiu novamente Zea em seu cargo e dignidades. O Dr. Roscio, que havia fascinado Bolívar com as perspectivas de um poder central, persuadiu-o a proclamar Nova Granada e Venezuela como “República da Colômbia”, a promulgar uma constituição para o novo Estado — redigida por Roscio — e a permitir a instalação de um Congresso comum aos dois países. Em 20 de janeiro de 1820, Bolívar se encontrava de regresso a San Fernando de Apure. A súbita retirada de sua legião estrangeira, mais temida pelos espanhóis do que um número dez vezes maior de colombianos, deu a Morillo uma nova oportunidade de concentrar reforços. De outro lado, a noticia de que uma poderosa expedição, sob as ordens de O’Donnell, estava prestes a partir da Península, elevou o abatido ânimo do partido espanhol. Apesar de dispor de forças folgadamente superiores, Bolívar achou uma forma de nada conseguir durante a campanha de 1820. Enquanto isso, chegou da Europa a noticia de que a revolução na ilha de Leon havia posto violento fim à programada expedição de O’Donnell. Em Nova Granada, 15 das 22 províncias haviam aderido ao governo da Colômbia, e aos espanhóis só lhes restavam a fortaleza de Cartagena e o istmo de Panamá. Na Venezuela, 6 das 8 províncias se submeteram às leis colombianas. Esse era o estado de coisas quando Bolívar deixou-se seduzir por Morillo, e entrou com ele em conversações que tiveram por resultado, em 25 de novembro de 1820, a celebração do convênio de Trujillo, pelo qual se estabelecia uma trégua de seis meses. No acordo de armistício não figurava uma única menção sequer à República da Colômbia, apesar de que o congresso havia proibido, expressamente, a conclusão de qualquer acordo com o chefe espanhol se este não reconhecesse previamente a independência da república.



Em 17 de dezembro, Morillo, ansioso por desempenhar um papel na Espanha, embarcou em Puerto Cabello e delegou o comando supremo para Miguel de Latorre; em 10 de março de 1821, Bolívar escrever a Latorre participando-lhe que as hostilidades se reiniciariam dentro de um prazo de 30 dias. Os espanhóis ocupavam uma sólida posição em Carabobo, uma aldeia situada aproximadamente na metade do caminho entre San Carlos e Valencia; porém, em vez de reunir ali todas as suas forças, Latorre só havia concentrado sua primeira divisão, 2.500 infantes e uns 1.500 cavalarianos, enquanto que Bolívar dispunha de aproximadamente 6.000 infantes, entre eles a legião britânica, integrada por 1.100 homens, e 3.000 llaneros (habitantes da planície) a cavalo, sob o comando de Páez. A posição do inimigo pareceu tão imponente a Bolívar, que propôs a seu conselho de guerra a realização de uma nova trégua, idéia que, no entanto, seus subalternos repeliram. À frente de uma coluna constituída fundamentalmente pela legião britânica, Páez, seguindo um atalho, envolveu a ala direita do inimigo; frente esta bem executada manobra, Latorre foi o primeiro dos espanhóis a fugir em disparada, não se detendo até chegar a Puerto Cabello, onde se trancou com o resto de suas tropas. Um rápido avanço do exército vitorioso teria produzido, inevitavelmente, a rendição de Puerto Cabello, porém Bolívar perdeu seu tempo fazendo-se homenagear em Valenda e Caracas. Em 21 de setembro de 1821, a grande fortaleza de Cartagena capitulou frente a Santander. Os últimos combates armados na Venezuela — o combate naval de Maracaibo, em agosto de 1823, e a forçada rendição de Puerto Cabello em julho de 1824 — foram ambos obra de Padilla. A revolução na ilha de León, que tornou impossível a partida da expedição de O’Donnell, e o concurso da legião britânica, haviam virado, evidentemente, a situação a favor dos colombianos.



O Congresso da Colômbia inaugurou suas sessões em janeiro de 1821 em Cúcuta; em 30 de agosto promulgou a nova constituição e tendo Bolívar ameaçado uma vez mais renunciar, prorrogou os plenos poderes do Libertador. Uma vez que este assinou a nova carta constitucional, o Congresso autorizou-o a empreender a campanha de Quito (1822), para onde se haviam retirado os espanhóis depois de serem desalojados do istmo do Panamá, por um levantamento geral da população. Esta campanha, que finalizou com a incorporação de Quito, Pasto e Guaiaquil à Colômbia, se efetuou sob a direção nominal de Bolívar e do general Sucre, porém os poucos êxitos alcançados pelo corpo do exército, se devem integralmente aos oficiais britânicos, e em particular ao coronel Sands. Durante as campanhas contra os espanhóis no Baixo e Alto Peru - 1823-1824 — Bolívar já não considerou necessário representar o papel de comandante­em-chefe, delegando ao general Sucre a condução dos assuntos militares e restringiu suas atividades às entradas triunfais, aos manifestos e à proclamação de constituições. Através de seu corpo de tropa colombiano manipulou as decisões do Congresso de Lima, que em 10 de fevereiro de 1823, encomendou-lhe a ditadura; graças a um novo simulacro de renúncia, Bolívar assegurou sua reeleição como presidente da Colômbia. Enquanto isso sua posição se havia fortalecido, em parte pelo reconhecimento oficial do novo Estado pela Inglaterra, em parte pela conquista das províncias do Alto Peru por Sucre, que unificou as últimas em uma república independente, a da Bolívia. Neste país, submetido às baionetas de Sucre, Bolívar deu livre curso a sua tendência ao despotismo e proclamou o Código Boliviano, arremedo do Código Napoleônico. Projetava transplantar este código da Bolívia para o Peru, e deste para Colômbia, e manter submetidos os dois primeiros Estados por meio de tropas colombianas, e este último mediante a legião estrangeira e tropas peruanas. Valendo-se da violência e também da intriga, logo conseguiu impor, ainda que por umas poucas semanas, seu código ao Peru. Como presidente e libertador da Colômbia, protetor e ditador do Peru e padrinho da Bolívia havia alcançado o ápice da glória. Porém, na Colômbia havia surgido um sério antagonismo entre os centralistas, ou bolivistas, e os federalistas, (sob esta última denominação os inimigos da anarquia militar se haviam associado aos rivais militares de Bolívar). Quando o Congresso da Colômbia, às instâncias de Bolívar, formulou uma acusação contra Páez, vice-presidente da Venezuela, este último respondeu com uma revolta aberta, que contava secretamente com o apoio e o alento do próprio Bolívar; este, com efeito, necessitava de sublevações como pretexto para abolir a constituição e reimplantar a ditadura. Em seu regresso do Peru, Bolívar trouxe, além de seu corpo de tropa, mais 1.800 soldados peruanos, presumivelmente para combater os federalistas exaltados. Porém, ao encontrar Páez em Puerto Cabello, não só o confirmou como máxima autoridade na Venezuela, não só como proclamou anistia para os rebeldes, como tomou partido abertamente por eles e vituperou os defensores da constituição; o decreto de 23 de novembro de 1826, promulgado em Bogotá, lhe concede poderes ditatoriais.



No ano de 1876, quando seu poder começava a declinar, conseguiu reunir um congresso no Panamá, com o objetivo aparente de aprovar um novo código democrático internacional. Chegaram plenipotenciários das Colômbia, Brasil, La Plata, Bolívia, México, Guatemala, etc. A intenção real de Bolívar era unificar toda a América do Sul em uma república federal, cujo ditador seria ele mesmo. Enquanto dava este amplo vôo a seus sonhos de ligar meio mundo a seu nome, o poder efetivo lhe escapava rapidamente das mãos. As tropas colombianas destacadas no Peru, ao ter notícias dos preparativos que realizava Bolívar para introduzir o Código Boliviano, desencadearam uma violenta insurreição: Os peruanos elegeram o general Lamar presidente de sua república, ajudaram os bolivianos a expulsar do país as tropas colombianas e empreenderam inclusive uma guerra vitoriosa contra a Colômbia, finalizada por um tratado que reduziu este país a seus limites primitivos, estabeleceu igualdade de ambos os países e separou as dívidas públicas de cada um. A Convenção de Ocaña, convocada por Bolívar para reformar a constituição, de modo que seu poder não encontrasse limite, começou em 2 de março de 1828, com a leitura de uma mensagem cuidadosamente redigida, em que se realçava a necessidade de outorgar novos poderes ao executivo. Evidenciando-se, no entanto, que o projeto de reforma constitucional iria diferir do previsto no inicio, os amigos de Bolívar abandonaram a convenção deixando-a sem quorum, com o qual as atividades da Assembléia chegaram ao fim. Bolívar, de sua casa de campo, situada a algumas milhas de Ocaña, publicou um novo manifesto em que pretendia estar irritado com os passos dados por seus partidários, porém ao mesmo tempo atacava o Congresso, exortava as províncias a que adotassem medidas extraordinárias e se declarava disposto a tomar sobre si a carga do poder se esta lhe caísse em seus ombros. Sob a pressão de suas baionetas, Assembléias abertas, reunidas em Caracas, Cartagena e Bogotá, para onde havia viajado Bolívar, o investiram novamente de poderes ditatoriais. Uma tentativa de assassiná-lo, em seu próprio quarto, em Bogotá, da qual só se safou porque pulou por uma janela, em plena noite, e permaneceu escondido debaixo de uma ponte, permitiu-lhe exercer durante algum tempo uma espécie de terror militar. Bolívar, porém, evitou pôr a mão sobre Santander, apesar de que este participara da conjura, enquanto mandou matar o general Padilla, cuja culpabilidade não havia sido demonstrada em absoluto, mas pelo fato de ser homem de cor, não podia oferecer resistência alguma.



Em 1829, a encarniçada luta entre as facções dilacerava a república e Bolívar, em um novo apelo à cidadania, exortou-a a expressar sem receios seus desejos a respeito de possíveis modificações na constituição. Como resposta a este manifesto, uma Assembléia de notáveis, reunida em Caracas, reprovou publicamente suas ambições, pôs a descoberto as deficiências de seu governo, proclamou a separação da Venezuela em relação à Colômbia, e colocou à frente da primeira o general Páez. O Senado da Colômbia apoiou Bolívar, porém novas insurreições estouraram em diversos lugares. Após demitir-se pela quinta vez, em janeiro de 1830, Bolívar aceitou de novo a presidência e abandonou Bogotá para guerrear contra Páez em nome do congresso colombiano. Em fins de março de 1830 avançou à frente de 8.000 homens, tomou Caracuta, que havia se sublevado, e se dirigiu até a província de Maracaibo, onde Páez o esperava com 12.000 homens fortemente posicionados. Assim que Bolívar soube que Páez projetava combater seriamente, fraquejou. Por um momento, inclusive, pensou em submeter-se a Páez e pronunciar-se contra o Congresso. Porém decresceu a ascendência de seus partidários e Bolívar se viu obrigado a apresentar sua demissão, já que se lhe deu a entender que desta vez teria que manter sua palavra e que, com a condição de que se retirasse para o estrangeiro, ser-lhe-ia concedida uma pensão anual. Em 27 de abril de 1830, por conseguinte, apresentou sua renúncia ao Congresso. Com a esperança, porém, de recuperar o poder graças à influência de seus adeptos, e devido ao fato de que já se iniciara um movimento de reação contra Joaquim Mosquera, o novo presidente da Colômbia, Bolívar foi postergando sua partida de Bogotá e arrumou um jeito de prolongar sua estada em San Pedro até fins de 1830, momento em que faleceu repentinamente.



Ducoudray-Holstein deixou-nos de Bolívar o seguinte retrato:



“Simón Bolívar mede cinco pés e quatro polegadas de altura (1,63m), seu rosto é magro, de faces cavadas, e sua pele pardacenta e lívida; seus olhos nem grandes nem pequenos se afundam marcadamente nas órbitas; seu cabelo é ralo. O bigode lhe dá um aspecto sombrio e feroz, particularmente quando se irrita. Todo seu corpo é magro e descarnado. Seu aspecto é o de um homem de 65 anos. Ao caminhar agita incessantemente os braços. Não pode andar muito a pé e se cansa logo. Agrada-lhe se esticar ou sentar na rede. Tem freqüentes e súbitos acessos de ira, e aí fica como louco, se lança na rede e desanda em palavrões e maldições contra todos quanto o rodearem. Gosta de proferir sarcasmos contra os ausentes, não lê senão literatura francesa de caráter leviano, é um ginete consumado e dança valsa com paixão. Agrada-lhe ouvir-se falar, e pronunciar brindes o deleita. Na adversidade e quando está privado de ajuda exterior torna-se completamente isento de paixões e ataques temperamentais. Então se torna aprazível, paciente, afável e até humilde. Oculta magistralmente seus defeitos sob a urbanidade de um homem educado no chamado beau monde, possui um talento quase asiático para a dissimulação e conhece muito melhor os homens do que a maior parte de seus compatriotas”.



Por um decreto do Congresso de Nova Granada, os restos mortais de Bolívar foram transladados em 1842 para Caracas, onde se erigiu um monumento em sua memória.