quinta-feira, 6 de julho de 2017

DOZE ANOS SEM PIERRE BROUÉ: QUANDO O REVISIONISMO ANIQUILA A VIDA REVOLUCIONÁRIA


No próximo dia 26 de julho completa-se 12 anos da morte de Pierre Broué (Privas, França, 8 de maio de 1926 – Grenoble, França, 26 de julho de 2005), historiador francês, histórico dirigente trotskista. Broué iniciou sua militância política no final da Segunda Guerra Mundial, combatendo a ocupação nazista a seu país. Pela larga influência do partido comunista no interior dos “partisans”, Broué ingressa nas fileiras do stalinismo para logo depois romper e aderir ao trotskismo pelas mãos de Pierre Lambert, em cuja corrente permaneceu por quarenta e cinco anos, até o início dos anos 90, quando abandonou formalmente o trotskismo. Conhecido mundialmente por importantes investigações históricas (arquivos de Leon Trotsky), foi editor dos “Cahiers Leon Trotsky” e autor de livros como a “História do Partido Bolchevique”. Junto ao inglês Alex Callinicos e o argentino Osvaldo Coggiola, era um dos historiadores marxistas mais respeitados na intelectualidade de esquerda militante. Mas ao contrário dos que pretendem apresentar Broué como um “notável acadêmico”, como é o caso do revisionista PTS argentino, sua projeção internacional está diretamente ligada ao papel dirigente que jogou no interior da corrente internacional lambertista. A ex-OCI, hoje uma decadente paródia denominada de “Parti des Travailleurs” na França, teve um lugar fundamental no combate ao liquidacionismo pablista, levando à divisão da IV Internacional e, posteriormente, à sua pulverização crônica. No bojo do Comitê Internacional, fundado em 1953, os dirigentes da OCI como Pierre Broué e Stéphane Just travaram uma luta principista contra os desvios do healysmo (SWP inglês), em particular suas caracterizações ultra sectárias acerca do caráter do Estado cubano, que consideravam capitalista, mesmo após as expropriações realizadas pelo PC cubano sob a liderança de Fidel Castro.


Após o fraturamento do Comitê Internacional no início dos anos 70, a OCI pôs em marcha o projeto da construção do CORQUI (Comitê de Organização e Reconstrução da Quarta Internacional), conjuntamente com o POR boliviano e Política Operária da Argentina. Novamente, Broué elaborou corretamente sobre os processos revolucionários na Bolívia, identificando a Assembléia Popular como um organismo soviético de poder das massas, em contraposição aos oportunistas e sectários que ora capitulavam ao General Torres, ou viravam as costas à organização concreta do proletariado boliviano.

A OCI francesa, em meados dos anos 70, inicia um processo de “entrismo profundo” no interior do Partido Socialista. Com a justificativa de aproximar-se da classe operária, a corrente lambertista estabeleceu não só relações políticas com a social democracia, mas fundamentalmente vínculos materiais que a destruíram como organização trotskista. Quadros da OCI, como o ex-primeiro-ministro Lionel Jospin, ascenderam na estrutura do PS francês, corrompendo ideológica e programaticamente o lambertismo até à medula.

Paralelamente ao processo de degeneração nacional, a OCI passa no plano internacional à tarefa de destruição do CORQUI, forçando artificialmente seus parceiros latinos, Partido Obrero e POR, a romperem com os sindicatos “burgueses”, enquanto na França organizava uma central sindical “amarela”, Force Ouvrière, com a escória corrupta, rejeitada até pelos sindicalistas do PC e PS. Broué novamente destaca-se , ao lado de Just, por caluniar as organizações que não aceitavam as “ordens de Paris”, qualificam o PO da Argentina como “cães de guarda de Videla” e chegam a delatar à polícia militantes que rompiam com a alucinada linha de Lambert para a América Latina. A delação de opositores políticos de esquerda vai se configurar um traço recorrente da tendência lambertista até a atualidade. No Brasil a corrente lambretista "O Trabalho" é uma espécie de polícia política da tendência dominante no PT, "Articulação".

Poucos anos depois do fracasso do CORQUI, a corrente lambertista na França, rebatizada com o nome de PCI, busca uma aproximação com o argentino Nahuel Moreno que recém tinha rompido com o SU, uma espécie de “grande centro” do revisionismo mundial. Em 1980 formam o Comitê Paritário (CP), de vida curtíssima. Broué empresta seu prestígio político para celebrar a criação do CP como o “maior fato da história do Trotskismo, após a fundação da IV Internacional em 38”. Pura farsa histórica, a criação do CP não consegue resistir à vitória eleitoral de Mitterrand na França, inicialmente saudada entusiasticamente por Lambert e Moreno.

Logo o que era um processo de cooptação pelo Partido Socialista passa a ser, com a eleição de Mitterrand, uma integração do PCI ao Estado imperialista francês. Diante da profundidade da social-democratização do lambertismo, Moreno desfaz o CP, fundando a LIT para manter-se “vivo” no cenário trotskista, enquanto o PCI dissolve-se em um amálgama ultra-oportunista chamado nacionalmente de PT, em uma homenagem à “exitosa experiência do PT brasileiro”. No campo internacional, passam a apresentar-se como Acordo Internacional dos Trabalhadores, ACT, uma espécie de “entidade trosko-sindical” que abriga, inclusive, membros da reacionária AFL-CIO norte-americana.

Pierre Broué chancelou, ativamente, a política de Lambert até 1990, mesmo após a expulsão do seu camarada Stéphane Just em 1984 que passou a denunciar os desvios morais e programáticos do lambertismo como gravíssimos. Tive a oportunidade de questionar pessoalmente Broué, em um debate na Universidade Federal do Ceará em 1992, sobre as raízes de sua ruptura com o lambertismo. Broué respondeu-me que não se tratava de mais uma “cisão política”, reivindicando toda a trajetória do lambertismo, e sim de uma ruptura com o próprio Trotskismo em todos os seus aspectos que, para ele, não tinha mais razão de existir após a queda do Muro de Berlim e da destruição da URSS. Confesso que fiquei surpreso com a absoluta inconsistência política e intelectual dos argumentos de Pierre Broué. Para mim, era a constatação física da monumental capacidade de liquidação política do revisionismo a qualquer militante trotskista, até o mais brilhante, que enverede por essa via contrarrevolucionária.


Broué morreu como colaborador teórico da “esquerda” do PS francês, seguindo a trajetória de alguns grupos ultra-reformistas, renegando desta forma todo o seu aporte militante e intelectual trotskista de décadas ao Marxismo Revolucionário.