sábado, 27 de abril de 2019

82 ANOS DA MORTE DE GRAMSCI: A REVOLUÇÃO RUSSA E O STALINISMO NA VISÃO DO GENIAL DIRIGENTE COMUNISTA ITALIANO


Passados oitenta e dois da morte do grande comunista Antonio Gramsci em 27 de abril de 1937, é importante retornar à leitura, que em 1917, o militante sardo, então com vinte e seis anos, fez dos acontecimentos da Rússia, e também ao que dessa interpretação permaneceu em sua bagagem teórico-política mais madura como uma formulação rica em revigorar de forma principista o Marxismo. A revolução Bolchevique liderada por Lenin e Trotsky, constituiu para o jovem sardo, transplantado para Turim, um ponto de virada política, teórica e existencial, a partir do qual iniciou o amadurecimento de seu pensamento e a sua história de comunista. Para compreender como Gramsci se relacionou com a Revolução de Outubro é preciso, portanto, partir do reconhecimento de que Gramsci foi sempre, dos anos turineses às obras do cárcere, não apenas um teórico da revolução, mas um revolucionário em sua plenitude, Isso foi sublinhado pelo histórico dirigente do PCI, Palmiro Togliatti, ao afirmar: “Gramsci foi um teórico da política, mas sobretudo foi um político prático, isto é, um combatente. É preciso buscar na política a unidade da vida de Antonio Gramsci: o ponto de partida e o ponto de chegada”. Militância política como revolução, no caso de Gramsci, política como luta pela transformação socialista do mundo. Inicialmente, na vida do futuro dirigente comunista, política como rebelião ativa do proletariado. Como o próprio Gramsci recordou em uma carta, de 1924, à esposa, isto que o havia conduzido a um estado de rebelião em relação às condições sociais do seu tempo e do seu país teve origem nas dolorosas experiências pessoais, que remontavam aos anos de infância, quando (depois da prisão do pai) a família foi lançada na miséria, obrigando o pequeno Nino, ainda menino, a suspender por algum tempo a escola, ao fim do primário, para trabalhar no cartório de registro de imóveis de Ghilarza. Isto que então o tinha salvado de “tornar-se um trapo engomado”, como ele escrevia. Foi o: “Instinto da rebelião, desde menino era contra os ricos, porque não podia estudar, eu que tinha obtido dez em todas as matérias da escola primária, enquanto iam para a escola os filhos do açougueiro, do farmacêutico, do negociante de tecidos”. Já na Sardenha, porém, Antonio havia começado a ler os livros e revistas daquela cultura de oposição a Giolitti e ao giolittismo, que foi o terreno sobre o qual ele inicialmente se formou política e culturalmente. Em 1911, Gramsci se mudou para Turim, para frequentar a faculdade de Letras e Filosofia, graças a uma bolsa de estudo, suficiente apenas para sua sobrevivência. Em Turim aderiu, já antes da Grande Guerra, ao movimento socialista. Mas o seu marxismo, a sua concepção de mundo, era então muito particular: pela sua formação cultural, o marxismo do jovem Gramsci foi subjetivista, antideterminista, antieconomiscista, influenciado precisamente pelo neoidealismo e pelo bergsonismo mediado por Sorel. Um marxismo original, portanto, também ingênuo em alguma medida, baseado no primado absoluto e idealista da vontade. Não faltavam nestes anos traços importantes de uma visão dialética e antideterminista dos processos revolucionários. No artigo “Socialismo e cultura”, por exemplo, Gramsci apresentava uma definição da cultura como conquista e valorização do próprio eu e, portanto crescimento da subjetividade . Era clara, para ele, a importância nos processos de transformação, e também nas grandes revoluções – da aquisição da consciência, das ideias, dos valores. De fato, escrevia Gramsci:”Toda revolução foi precedida por um intenso e permanente trabalho de crítica, de penetração cultural, de impregnação de ideias. O último exemplo, o mais próximo de nós e por isso menos distinto do nosso, é o da Revolução Francesa. O período cultural que a antecedeu, chamado de Iluminismo, tão difamado pelos críticos superficiais da razão teórica, não foi, de modo algum, ou pelo menos não foi apenas um fenômeno de intelectualismo pedante e árido, similar ao que vemos diante de nossos olhos e que encontra sua maior manifestação nas universidades populares de baixo nível. Foi ele mesmo uma magnífica revolução, mediante a qual, como observa agudamente De Sanctis em sua Storia della letteratura italiana: “Formou-se em toda a Europa uma consciência unitária, uma internacional espiritual burguesa, sensível em todos os seus elementos às dores e às desgraças comuns, e que foi a melhor preparação para a sangrenta revolta que depois teve lugar na França”.

Esse subjetivismo anti-determinista e a importância fundamental da vontade se transformavam em uma nítida propensão a tomar parte, a tornar-se ativo, a participar e lutar, a esquivar-se da passividade: esse era o significado do célebre grito “odeio os indiferentes”, lançado em janeiro de 1917, poucas semanas antes da “revolução de fevereiro” na Rússia. As duas Revoluções Russas: Desde os primeiros comentários sobre a “revolução de fevereiro”, Gramsci interpretou os acontecimentos na Rússia como a retomada dos genuínos socialistas que não haviam traído o espírito da Internacional, e viu nos fatos de Petrogrado uma “revolução proletária”. Não estava de todo errado, uma vez que na origem da “primeira revolução” de 1917, precisamente aquela de fevereiro, haviam ocorrido imponentes greves e manifestações a partir das fábricas da então capital da Rússia czarista, como tinha sido decisivo a passagem para o lado dos insurgentes de numerosos pelotões de soldados (no mais das vezes camponeses armados, cansados da guerra, do czarismo e das relações sociais vigentes no campo) que se uniram aos revoltosos. Quais eram para Gramsci as características fundamentais do evento? A “Revolução Russa” era para ele um “ato” proletário, sobretudo porque havia“ignorado o jacobinismo”, ou não tinha “tido que conquistar a maioria com a violência”. Até 1921 – quando mudará de ponto de vista, tendo como referência a obra do grande historiador francês Albert Mathiez, que sublinhará positivamente as semelhanças entre jacobinos e bolcheviques. Gramsci foi decididamente antijacobino. Ignorando as páginas controversas sobre o assunto que se encontram em Marx, ele foi influenciado nos seus anos de juventude sobretudo por Sorel, que tinha sustentado existirem elementos de continuidade autoritária entre jacobinismo e ancien régime.

O jacobinismo, a revolução jacobina, eram para o Gramsci de 1917 fenômenos burgueses, de uma minoria que “servia a interesses particularistas, os interesses da sua classe, e servia a tais interesses com a mentalidade fechada e estreita de todos os que visam a metas particularistas”. Os “revolucionários russos”, ao contrário, não queriam substituir uma ditadura por outra ditadura e – ele sustentava – teriam tido, por meio do sufrágio universal, o apoio da imensa maioria do proletariado russo, se esse apenas tivesse podido exprimir-se livremente, sem estar sujeito aos aparatos repressivos do Estado czarista.

Trata-se de uma visão do processo revolucionário não desprovida de alguma ingenuidade, seja pelo que concernia aos fatos da Rússia, onde as forças da revolução eram na realidade muito mais heterogêneas e divididas internamente do que o discurso gramsciano em um primeiro momento compreendia e fazia supor,  seja pela ideia de que o sufrágio universal bastasse para garantir a afirmação da real vontade do proletariado, que o socialista revolucionário Gramsci compreendia nos termos de uma “passagem a uma nova forma de sociedade”, uma sociedade socialista. Ele não considerava aqui , ao contrário do que fará com grande acuidade nos escritos maduros do cárcere, mas também, em parte, no período consiliarista da revista L’Ordine Nuovo e do “biênio vermelho”, os pré-requisitos da democracia, os elementos tendencialmente igualitários (em termos de cultura, informação, consciência, liberdade em relação às necessidades) que um corpo eleitoral deveria ter para exprimir-se sem “fins particularistas”.

Um outro elemento bastante ingênuo parece, além disso, a convicção gramsciana de que a revolução ,que ele interpreta de modo idealista em primeiro lugar como fato espiritual, devesse provocar imediatamente uma mudança de costumes e de índole, até mesmo entre os “malfeitores”, prontos a se tornarem, instantaneamente, por efeito taumatúrgico do evento revolucionário, uma nova exemplificação da “moral absoluta” kantiana. Assim escreve Gramsci: “Numa penitenciária, os condenados por crimes comuns, ao saber que estavam livres, responderam que não se sentiam no direito de aceitar a liberdade porque tinham de expiar suas culpas. Em Odessa eles se reuniram no pátio da prisão e juraram voluntariamente que se tornariam honestos e que buscariam viver de seu próprio trabalho”. Além da veracidade muito parcial dos episódios citados, é notável nesse contexto a afirmação gramsciana de que “a liberdade faz os homens livres”. Palavras nas quais parece sublinhada a possibilidade e o valor da autoeducação para a liberdade, em condições sociais e culturais liberadas das antigas formas de servidão e dos velhos modos de pensar. Uma visão antropológica otimista, de tipo rousseauniano, poderia-se dizer, encontrada junto à forte influencia de Kant, explicitamente citado.

Em 25 de outubro segundo o calendário russo (em 7 de novembro segundo o ocidental) houve a tomada do Palácio de Inverno, a conquista do poder pelos sovietes hegemonizados pelo partido bolchevique. É célebre o comentário de Gramsci, escrito no final de novembro: “Tratava-se, para o socialista sardo, de uma “revolução contra O Capital”(o livro de Marx), contra quem havia feito daquele livro e do marxismo uma leitura economicista e determinista, “etapista”, pela qual não teria sido possível nenhuma revolução socialista na Rússia atrasada antes de um adequado desenvolvimento da “etapa capitalista”, da indústria e, portanto, da classe operária russa. Ao invés disso, escrevia Gramsci: os maximalistas apossaram-se do poder, estabeleceram sua ditadura, e estão elaborando as formas socialistas às quais a revolução deverá finalmente adaptar-se a fim de continuar a se desenvolver harmoniosamente, sem choques excessivos, partindo das grandes conquistas realizadas até agora”. 

O Marxismo Leninismo dos bolcheviques era “concebido” por Gramsci à imagem e semelhança das suas ideias de então. É ainda uma vez a vontade política que triunfa na visão de Gramsci: são os seres humanos associados que podem compreender os fatos econômicos, e os julgam, e os adequam à sua vontade, até que essa se torne o motor da economia, a plasmadora da realidade objetiva, a qual vive, e se move, e adquire o caráter de matéria telúrica em ebolição, que pode ser dirigida para onde a vontade quiser, do modo como a vontade quiser. Uma lição ainda atual: as leis supostamente objetivas (segundo as ideologias liberais e neoliberais) da economia e do mercado podem ser compreendidas e “domadas”, mudadas; são produto dos seres humanos e podem ser por esses revogadas. Além da jogada jornalística de efeito (a “revolução contra O Capital” de Marx), na realidade o artigo apreendia algumas motivações profundas que haviam tornado possível o Outubro russo: somente a guerra tinha possibilitado um evento inaudito e inesperado. Marx havia “previsto o previsível”, não pôde prever a Primeira Guerra Mundial, o seu caráter sem precedentes, que “teria suscitado na Rússia a vontade coletiva popular” em um tempo muito mais rápido do que o normal (afirmava Gramsci: “Os cânones de crítica histórica do marxismo captam a realidade”). “Na Rússia, porém, a guerra serviu para despertar as vontades. Através dos sofrimentos acumulados ao longo de três anos, tais vontades se puseram em uníssono muito rapidamente. A carestia era uma ameaça constante, a fome, a morte pela fome podia atingir todos, dizimar de um só golpe dezenas de milhões de homens. As vontades se puseram em uníssono”, era assim definição de Gramsci sobre a história. A Rússia tinha tido a sua revolução porque Lenin soube ler a “conjuntura”, diríamos hoje, soube fazer “a análise concreta da situação concreta” (como gostava de dizer o dirigente bolchevique). Os eventos históricos são sempre individuais, a política e a história são para Gramsci disciplinas idiográficas: toda generalização abstrata está errada.

O Gramsci maduro reformulará a sua visão do processo revolucionário, chegando a defini-lo como um momento de equilíbrio e de influência recíproca entre “relações de forças” e iniciativa revolucionária. Começam de fato a estar presentes em Gramsci, da Revolução Russa em diante, sob a inspiração de Lenin, considerações e argumentações mais coerentes com a tradição marxista. O pensamento gramsciano maduro não perderá de vista a importância da vontade e da subjetividade, mas a realidade histórico-social.

Será nos Cadernos um “campo de possibilidade” que as condições objetivas oferecem ao sujeito, no interior do qual se produzirá um certo resultado ao invés de outro, de acordo com as ações e as capacidades do próprio sujeito. O forte subjetivismo juvenil será superado propriamente a partir da nova situação que Outubro havia criado e que recolocava também a visão gramsciana sobre um terreno inédito e mais concreto. Foi precisamente a partir da adesão de Gramsci ao movimento político internacional, nascido com a “segunda revolução” russa, que o seu marxismo começou a libertar-se das incrustações idealistas e espiritualistas que o condicionavam.

Gramsci passa nos anos seguintes por experiências difíceis e cruciais. Em primeiro lugar o “biênio vermelho” (1919-1920), quando ele se torna um dos mais importantes e originais representantes do pensamento consiliarista europeu, assumindo de fato a liderança do movimento turinense dos Conselhos de fábrica e desenvolvendo uma concepção do autogoverno das classes trabalhadoras original e, também, parcialmente diversa em relação ao modelo sovietista russo. Os Conselhos de Gramsci, muito mais que os Sovietes, afundam as próprias raízes diretamente na articulação do mundo produtivo, na fábrica, e dali se expandem (na elaboração teórica do revolucionário sardo) ao resto da sociedade, sempre visando a organização e a articulação do trabalho e dos trabalhadores11.Trata-se, para o Gramsci desse período, de reunificar o cidadão e o burguês de que fala Marx em “Sobre a questão judaica”, trata-se de recompor a cisão entre sociedade civil e sociedade política que o grande revolucionário alemão tinha identificado como típica da sociedade burguesa, pondo o Conselho ao mesmo tempo como o coletivo ao qual é confiada a gestão da produção e como célula de base do Estado proletário e socialista.

A derrota do movimento operário turinense possibilitou a Gramsci compreender melhor a complexidade e variedade da sociedade italiana, o fato de que nem toda a Itália era Turim, ou “Ocidente”, uma sociedade industrial moderna, caracterizada pela concentração de massas operárias da grande fábrica, tendencialmente unitárias sob o aspecto da mentalidade, dos interesses e da disciplina; mas também fez compreender os limites do Partido Socialista Italiano, dito revolucionário, mas imobilista, dividido e desordenado. A consciência de tais limites gerou o impulso de formar imediatamente um partido comunista também na Itália, aceitando a liderança de Amadeo Bordiga.

Da derrota do movimento operário e socialista no “biênio vermelho” nasce, também, a dramática fase da reação fascista, obrigando Gramsci a repensar sua estratégia política e o predispondo a se apropriar do ensinamento do último Lenin sobre a possibilidade de uma revolução imediata no Ocidente nos mesmos moldes da Revolução de Outubro.

Em junho de 1922, Gramsci foi enviado pelo seu partido a Moscou como representante italiano junto à Internacional comunista. No “País dos Sovietes” residiu até finais de 1923, para depois deslocar-se para Viena e retornar a Itália em maio de 1924. Iniciou em Moscou uma fase de conhecimento mais profundo do pensamento de Lenin e do comando dirigente bolchevique, agora terminada a guerra civil, empenhado na tentativa de edificação de uma inédita sociedade socialista. Eram anos de redescoberta de uma certa gradualidade: a NEP (Nova Política Econômica) que buscava recuperar uma relação de aliança com os camponeses, fortemente comprometida nos anos da guerra civil e do “comunismo de guerra”.

Perdida a esperança de uma súbita revolução no Ocidente, e amadurecida a convicção de uma capacidade de resistência do capitalismo bem superior às primeiras ingênuas previsões, Lenin relançou a política da “frente única”, ou seja, da aliança com os socialistas contra as forças burguesas. A lição que vinha do último Lenin era a de uma crise capitalista que não necessariamente assumiria dimensões catastróficas, dando início a um vitorioso processo revolucionário.

Foi a partir de Lenin que Gramsci amadureceu a convicção de que no Ocidente não se poderia “fazer como na Rússia”, uma vez que (escrevia de Viena aos companheiros que lhe eram mais próximos, em grande parte os mesmos do L’Ordine Nuovo, com os quais, encarregado pelo Comintern, se propunha a criar um novo grupo dirigente do partido, distante do extremismo bordighiano). A determinação, que na Rússia era direta e lançava as massas nas estradas ao assalto revolucionário, na Europa central e ocidental se complicavadevido a todas essas superestruturas políticas criadas pelo maior desenvolvimento do capitalismo, tornando mais lenta e mais prudente a ação das massas e demandando, portanto, ao partido revolucionário toda uma estratégia e uma tática bem mais complexa e de maior fôlego do que aquelas que foram necessárias aos bolcheviques no período entre março e novembro de 1917.

Passando por todos esses eventos históricos dramáticos, nos anos que se seguem a 1917 e, depois, de 1921 até 1926, ano em que é preso, Gramsci chega, certamente, a uma reelaboração complexa da sua bagagem teórica juvenil.Alguns fios da qual, e não secundários, podem ser encontrados na trama das obras do cárcere, mas inseridos em um quadro de conjunto sob muitos aspectos diverso. No Gramsci maduro, ao lado da vontade revolucionária se coloca a consciência mais objetiva possível da situação, a análise histórica e social minuciosa do terreno (sobretudo nacional) sobre o qual se desenvolve a luta. Esta análise, aplicada primeiro à realidade italiana, e depois ao Ocidente capitalista, levava à conclusão da não repetibilidade de uma revolução de tipo soviético.

Em outras palavras, Gramsci no Cárcere concentra-se na diferença morfológica entre Oriente e Ocidente e, consequentemente, entre guerra de movimento e guerra de posição14. E chega a afirmar que a Revolução Russa é a última revolução de tipo oitocentista, a última revolução-insurreição, pelo menos na Europa ou no mundo avançado. Parece-me que Ilitch havia compreendido a necessidade de uma mudança da guerra manobrada, aplicada vitoriosamente no Oriente em 1917, para a guerra de posição, que era a única possível no Ocidente, onde, como observa Krasnov, num breve espaço de tempo os exércitos podiam acumular quantidades enormes de munição, onde os quadros sociais eram por si sós ainda capazes de se tornarem trincheiras municiadíssimas. Parece-me este o significado da fórmula da ‘frente única’, que corresponde à concepção de uma só frente da Entente sob o comando único de Foch. Só que Wladimir Ilitch não teve tempo de aprofundar sua fórmula, mesmo considerando que ele só podia aprofundá-la teoricamente, quando, ao contrário, a tarefa fundamental era nacional, isto é, exigia um reconhecimento do terreno e uma fixação dos elementos de trincheira e de fortaleza representados pelos elementos da sociedade civil etc. No Oriente o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente havia entre o Estado e a sociedade civil uma justa relação e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de “fortalezas e casamatas”

No Ocidente, a moderna estrutura da sociedade de massas, a articulação nova entre Estado e sociedade civil, o peso e a importância dos aparatos de formação do consenso são todos fatores que levam o revolucionário sardo a revolucionar profundamente o conceito de revolução, não só em relação à visão subjetivista e idealista de seu período juvenil, mas também no que diz respeito à concepção clássica, e às vezes esteriotipada, da tradição marxista e leninista. Não porque Gramsci se afaste do marxismo ou da tradição revolucionária, com uma abordagem classicamente reformista – como às vezes se sustentou.A vontade (revolucionária), a vontade coletiva indispensável para a transformação social e política, não perde importância, mas essa agora parte da compreensão da necessidade do conhecimento do novo terreno no qual se é chamado a atuar, e se faz anunciadora daquilo que Gramsci chamou de “reforma intelectual e moral”.

A vontade de mudança social não perde,contudo,a sua ancoragem de classe, o seu coração no mundo econômico e das relações sociais. A pergunta fundamental que Gramsci se faz nos Cadernos é de fato a seguinte: “como nasce o movimento histórico sobre a base da estrutura”. Sobre a base da estrutura, escreve Gramsci, que assenta a sua teoria da revolução bem firme no terreno das relações econômico- sociais, mas indagando-se, sobretudo, pelos seus aspectos “superestruturais” e sua “autonomia relativa”, uma vez que compreende toda a complexidade da ação política na época moderna: recusa as concepções economicistas fundadas sobre o binômio crise econômica-revolução (que tinham sido a base do marxismo da Segunda Internacional, mas apropriadas também pela Terceira Internacional), identifica como fundamentais os aparatos públicos e privados que formam o senso comum; assinala a importância das transformações moleculares; e considera decisivo lançar o desafio da conquista do consenso. Sublinha, portanto, a importância decisiva de uma elaboração cultural e ideológica que saiba oferecer uma nova e persuasiva “concepção de mundo”, que saiba formar um novo senso comum de massa – sempre, porém, a partir daquela leitura ortodoxa da sociedade dividida em classes que aprendera com Marx e tendo em vista a necessidade daquela capacidade de iniciativa política como lhe ensinara Lenin.

Em 1926, às vésperas da prisão de Gramsci em Roma, houve a famosa troca de cartas com Togliatti, que se encontrava em Moscou.  Na sua primeira carta Gramsci defendia a adesão à linha majoritária do Partido Comunista Russo (de Bukharin), à qual o partido italiano era mais próximo porque essa, por enquanto continuava a sustentar a política leninista de aliança com os camponeses, mas se punha vigorosamente contra as modalidades com as quais vinha sendo conduzida a luta contra a minoria de esquerda de Trotsky e Zinoviev, temendo à ruptura da unidade da “velha guarda” leninista – e que ameaçavam a credibilidade de todo o grupo dirigente comunista mundial. Gramsci expressava, em última análise, preocupações com o fato de que as massas não teriam compreendido os termos de um conflito tão violento, e temia pelo próprio futuro do movimento comunista internacional.

Um decênio havia transcorrido desde a Revolução de Outubro e dos entusiásticos comentários gramscianos de 1917. Gramsci não teria jamais renegado a sua tomada de posição ao lado do país nascido da primeira revolução socialista da história, mas tinha compreendido como os objetivos revolucionários e ardentemente desejados, estavam dando lugar, irremediavelmente, a uma perspectiva reformista rebaixada da revolução mundial, ou seja o stalinismo e sua teoria do “socialismo em só país”. O reducionismo stalinista representava a antítese de toda a elaboração realizada por Gramsci, porém o dirigente comunista sabia do difícil momento histórico vivido na Itália e não poderia “bater de frente” com a liderança máxima da Internacional. Gramsci agindo de forma subliminar, soube elaborar uma contundente crítica teórica a deformação grosseira do marxismo feita por Stalin, sem causar uma ruptura aberta no PCI. Desta forma passou a história do socialismo não como um opositor frontal do stalinismo, mas como um teórico que enriqueceu o Marxismo, mesmo que de uma maneira “heterodoxa”,  e sem apontar uma alternativa de construção partidária a degeneração da Internacional Comunista.