sábado, 25 de abril de 2020

UM 25 DE ABRIL SOB “ESTADO DE EMERGÊNCIA” EM PORTUGAL: GOVERNO DO PS, COM A CUMPLICIDADE DO PCP E DO BLOCO DE ESQUERDA, USA A PANDEMIA PARA DESCARREGAR O ÔNUS DA CRISE CAPITALISTA NAS COSTAS DOS TRABALHADORES
  

Hoje completa-se 46 anos da Revolução dos Cravos, mais de quatro décadas e meia se passaram do histórico e memorável 25 de abril de 1974 que sacudiu as ruas de Portugal! Atualmente, os trabalhadores lusitanos estão sendo governados pelo PS sob o comando de Antônio Costa depois de vários mandatos de gestão de direita PSD/CDS. Estão neste momento de Pandemia de Coronavírus submetidos a um “Estado de Emergência” que ataca conquistas e direitos. Não por acaso, o primeiro-ministro e secretário-geral do PS, António Costa, afirmou: “E, de repente, um vírus pôs em causa, ameaça, tudo aquilo que construímos ao longo destes quatro anos. Até parece que vamos ter de recomeçar tudo do princípio, mas não vamos... Põe em causa aquilo que construímos no emprego, na economia e nas nossas finanças públicas. Mas agora, é também tempo de não só continuar a batalha pela nossa saúde, pela nossa sobrevivência, mas também para que a economia possa de novo retomar a sua trajetória, sustentar emprego, repor rendimento, e construirmos de novo um esforço de relançamento”. Na mesma tonada, o secretário-geral do PCP defendeu nas comemorações do 25 de Abril no parlamento, em tempos de pandemia de covid-19 e alertou contra os discursos dos “cortes” e da austeridade. O deputado Jerónimo de Sousa, de cravo vermelho na lapela, aproveitou o discurso na sessão solene na Assembleia da República para evocar os “valores de Abril”, mas fez igualmente uma série de avisos sobre os “tempos difíceis”. Para o dirigente do PCP, “não é inevitável que o surto epidémico se traduza em regressão na vida dos trabalhadores e povo, dado que a resposta às dificuldades passa por valorizar salários e por políticas dirigidas à defesa e criação do emprego”, em resumo, apresentou uma plataforma de colaboração de classes para o governo do PS. Por sua vez, o Bloco de Esquerda, uma frente social-democrata de “esquerda” propõe “um fundo europeu para responder à crise sem austeridade” e conclui “O país vive sob um Estado de Emergência, único na nossa história democrática. Ele tem sido necessário para medidas de confinamento e de restrição da circulação que têm travado a epidemia, mas não suspende a democracia nem serve para atacar direitos e liberdades conquistadas. A pandemia não descontinuou a Constituição nem 'cerra as portas que Abril abriu'”. O BE como o PSOL no Brasil são partidos sociais-democratas que almejam gerenciar o Estado burguês em crise.

As comemorações desse fato histórico que marcou o fim da ditadura de Salazar e o retorno da democracia burguesa em Portugal ocorrem em um clima de ataques aos direitos pelas mãos dom governo do OS e com a cumplicidade do PCP e BE. Por essa razão, deve ser compreenda a Revolução dos Cravos e seus efeitos ainda hoje sobre a luta de classes não só em Portugal, mas como parte integrante da crise por que passa o continente europeu como um todo. Foi chamada de Revolução dos Cravos porque as tropas lideradas pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), em vez de baionetas, saíram às ruas com cravos na ponta dos fuzis para simbolizar solidariedade com a população. Mas, ao contrário do que afirmam os arautos da conciliação de classes, esse movimento resultou numa profunda derrota para proletariado português, confirmando a inviabilidade histórica de uma transição pacífica para o socialismo. O movimento de 25 de abril de 1974, ao pôr fim ao regime fascista de Salazar-Caetano, que durante 46 anos oprimiu o proletariado português e os povos as colônias de Portugal na África, se constituiu em um golpe militar preventivo para evitar que uma insurreição popular destruísse as bases da ordem capitalista. Um “convidado” inesperado, o proletariado, surge no processo desta transição política que foi operada inicialmente “por cima”, mas a ausência do partido revolucionário no cenário português impede que se transforme a crise política da “agitada” transição em Revolução Socialista.

A agitação política em Portugal refletia, sobretudo, o sacrifício de milhares de combatentes que lutaram pela independência das colônias portuguesas na África (Moçambique, São Tomé e Príncipe, Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde), onde a iminente derrota militar portuguesa desencadeou um processo de desagregação no Exército, aprofundando a putrefação do regime. Dessa forma, a origem do MFA encontra-se no clima de instabilidade que se manifestou em meados de 1973 no interior das forças armadas com o surgimento do denominado Movimento dos Capitães, aglutinando oficiais de média patente, insatisfeitos com suas remunerações e com a perda de prestígios dos oficiais do quadro permanente. Em nenhum momento, mesmo quando assumiu seus objetivos políticos, o MFA representou uma ameaça de ruptura com a disciplina e a hierarquia. Ao contrário, já no seu nascimento foram escolhidos como chefes do movimento o General Spínola e o General Costa Gomes, chefe do Estado Maior das Forças Armadas.

Atensão na esfera militar também era reflexo da trágica situação da economia portuguesa no contexto da crise capitalista mundial de 1973-1975, que exigia uma reorientação econômica, através da nacionalização dos bancos e de setores básicos da produção, e a adequação do regime político para salvaguardar o capitalismo. Enquanto crescia a radicalização das massas que exigiam profundas mudanças, incluindo o fim da guerra na África, a maior preocupação dos líderes do MFA era realizar o golpe antes do dia 1º de Maio, quando estavam previstas grandes mobilizações dos trabalhadores, que poderiam levar à queda o já apodrecido governo de Marcelo Caetano. Os líderes militares pretendiam obter o apoio das massas mostrando-se como os responsáveis pelo fim do odiado regime de opressão, evitando, dessa forma, que o proletariado tomasse em suas próprias mãos as iniciativas políticas que conduzissem à transformação revolucionária da sociedade. Nesse contexto, a prisão de Caetano e de seus principais ministros, que em seguida foram enviados para Funchal, na Ilha da Madeira, teve como único objetivo afastá-los dos centros de agitação política, onde seriam alvos fáceis do ódio popular.

O expressivo apoio das massas trabalhadoras à Revolução dos Cravos foi fruto das profundas ilusões democrático-burguesas, alimentadas pelos stalinistas do Partido Comunista (PCP) e pelo Partido Socialista (PSP), que compuseram o governo provisório e chamaram o proletariado a depositar confiança no novo regime burguês tutelado pelas mesmas forças reacionárias que haviam dado sustentação a quase meio século de ditadura fascista. Apesar da política e colaboração de classes dessas direções, a luta espontânea das massas resultou no estabelecimento de uma situação pré-revolucionária, em que qualquer tentativa do governo provisório do General Spínola e da Junta de Salvação Nacional para deter a resistência da classe operária e esmagar suas organizações, poderia conduzir rapidamente ao surgimento de organismos de poder proletário. Esse ascenso revolucionário manifestou-se em inúmeras greves, obrigando o governo a fazer várias concessões econômicas e políticas.Porém, o avanço das massas rumo à conquista do poder político, com o estabelecimento da ditadura do proletariado, esbarrou na completa ausência de uma direção política capaz de centralizar as lutas operárias, apontando a necessidade da destruição do putrefato Estado burguês tendo como perspectiva a construção do socialismo. O stalinista PCP, liderado por Álvaro Cunhal, fez do slogan “aliança do povo com as forças armadas” a pedra fundamental de sua política de colaboração de classes. Em nome dessa “aliança”, a Intersindical, federação sindical liderada pelo PCP, foi colocada prontamente ao lado do governo na sabotagem e repressão às greves operárias. A Revolução dos Cravos ocorreu sete meses depois do desastroso desfecho da chamada “via chilena para o socialismo”, com o sangrento golpe fascista de Pinochet. Entretanto, a lição abstraída pelo stalinismo da experiência chilena, foi de que deveria estreitar os seus laços com as forças armadas do Estado burguês, buscando encontrar aí os seus aliados “progressistas” para levar adiante sua estratégia da revolução democrático-burguesa. A política de conciliação de classes dos stalinistas e dos socialdemocratas do PS de Mário Soares levou a formação do bloco MFA/PS/PCP.

Duas tendências contraditórias se chocam, cruzam-se e misturam-se naqueles meses. Uma é a do permanente esforço, concentrado em torno do MFA, de reabilitar um centro de poder de Estado minimamente eficiente. Ao longo de quase todo o período revolucionário, as principais forças da esquerda, PCP e PS, integram este caudal, procurando influenciar a conformação do novo poder e assegurar uma parcela deste. Nesta busca de respeitabilidade institucional, o PCP se empenha mesmo na desmobilização de greves consideradas “selvagens” e garante que não faz da saída da OTAN uma prioridade política; ao mesmo tempo, prevendo a adversidade de eleições gerais num país com as características do Portugal, concentra-se na “institucionalização” do MFA enquanto legitimidade de Estado paralela à da Assembleia Constituinte a eleger. Quanto ao Partido Socialista, prepara o sufrágio, essencial para a reconstituição de uma legitimidade que se possa impor à dinâmica popular. Soares concilia as proclamações pelo socialismo (aliás, partilhadas por todo o espetro político) com o slogan “Europa Conosco”, que remete para a integração no mercado comum europeu, de cujas potências recebe relevantes apoios. A outra é radicalização operária, o protagonismo popular e a auto-organização das massas, que enfrentam as suas necessidades urgentes e a pressão da crise (pouco depois do choque petrolífero de 1973) gerando a sua própria cultura política e estruturas de intervenção. Esta tendência extravasa largamente as margens da autoridade do Estado, sob a forma de movimentos de ocupação de casas pela população confinada a barracões, a edificação direta de bairros e serviços sociais, escolas, centros de saúde, a constituição de organismos de bairro, de empresa, a auto-gestão operária, a fundação de unidades cooperativas de produção nas áreas agrícolas ocupadas. Em cada uma destas experiências são vividas contradições, impasses, conflitos e conquistas de profundo significado e duradouro alcance. Elas são o violento despertar de partes importantes de uma sociedade atrasada e despolitizada, onde a auto-organização da classe trabalhadora foi praticamente invisível durante quatro décadas. Aprende-se em dias e semanas a realizar uma revolução que se dirige desde logo ao coração do sistema – a propriedade, fosse ela fundiária, imobiliária, industrial.

No campo do trotskismo, a Liga Comunista Internacional, ligado ao SU de Ernest Mandel, foi incapaz de chamar a classe operária a construir embriões de poder proletário, sob a desculpa infame de que ainda era “muito cedo para levantar demandas políticas”. Um verdadeiro partido trotskista tinha obrigatoriamente que apontar o caráter burguês do MFA, denunciar a política de colaboração de classes do PC, levantar um programa de reivindicações transitórias e exigir o rompimento com o MFA, tendo em vista arrancar o proletariado da influência ideológica e política da burguesia e seus agentes stalinistas. Não por acaso integraram o social-democrata Bloco de esquerda hoje, até que o direitismo do BE tornou sua permanência insustentável.

Após 46 anos da Revolução dos Cravos permanecem vivas como lições para os trabalhadores de todo o mundo, tanto a inviabilidade da utopia reacionária da transição pacífica ao socialismo, vendida pelos reformistas do PS de volta ao governo, quanto a falência da concepção etapista da revolução defendida pelo stalinismo e copiada pelos setores revisionistas do trotskismo que integram o Bloco de Esquerda, como o SU. A derrota do proletariado português foi produto da ausência de uma direção revolucionária capaz de romper com o domínio do PCP e do PS, que desarmaram o movimento operário diante do governo burguês do MFA, preparando conscientemente o terreno para o triunfo da contrarrevolução, a partir dos acontecimentos de 25 de novembro de 1975, que arrancou gradativamente todas as conquistas do proletariado. O desfecho da Revolução dos Cravos foi mais um exemplo histórico, que confirmou pela via negativa, que só a estratégia política da revolução permanente, sob a direção de um autêntico partido revolucionário poderá derrotar a burguesia, abrindo caminho, através da destruição do Estado burguês, para a construção do socialismo. Aos genuínos marxistas cabe a tarefa de intervir ativa e pacientemente sobre estas lutas para elevar o nível de consciência dos setores mais radicalizados, a fim de fazê-las avançar da resistência defensiva atual para a disputa pela conquista do poder político contra seus algozes, superando a criminosa influência política que a centro-esquerda reformista e seus satélites revisionistas exercem sobre o proletariado. A materialização deste longo processo de evolução da consciência dos trabalhadores é a construção de um partido internacionalista e revolucionário que lute por derrotar a União Europeia imperialista, sob a qual a vida das massas converte-se em uma bárbara escravidão, para edificar em seu lugar uma Federação das Repúblicas Socialistas da Europa, apontando a única saída verdadeiramente progressista para o velho continente e para Portugal.