sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

SALTO DE 7,7% DO PIB: UMA ILUSÃO PARA CAMUFLAR A PROFUNDA CRISE CAPITALISTA


Uma imagem absolutamente prosaica poderá ajudar a entender o que vem ocorrendo com a economia capitalista brasileira em tempos de pandemia e desemprego geral. Imagine que alguém tenha despencado num poço de pouco mais de 11 metros de profundidade. Agora imagine que essa pessoa tenha conseguido escalar perto de oito metros desde o fundo do poço, ao longo dos três meses seguintes, é essa a ilusão do suposto crescimento do PIB trimestral brasileiro. Desorientada, a equipe econômica do governo neofascista prefere discutir a retomada de medidas de arrocho fiscal já no próximo ano, como forma de conter o estouro do endividamento público, desconsiderando a escalada do desemprego e o agravamento da recessão econômica.

Nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) acumulou retração próxima a 11,0% nos seis primeiros meses deste ano e experimentou um salto de 7,7% na comparação entre o terceiro e o segundo trimestres deste ano. Na mediana das previsões, segundo a insuspeita agência Bloomberg, o mercado esperava um crescimento de 8,7%, com algumas instituições mais “animadas” chutando crescimento de 9,1%, a exemplo do BTG Pactual. Algumas observações a respeito desse “salto”, absolutamente enganoso, porque não reflete de fato uma retomada substancial e duradoura. Primeira: uma parte relevante desse desempenho foi sustentado pelo “pacote” de medidas fiscais (gastos mesmos) que o Congresso e o “mercado” levaram o governo a adotar. 

Entre julho e setembro, o gasto total relacionado à Covid-19 somou R$ 229,558 bilhões (algo como 12,1% do valor acumulado pelo PIB no terceiro trimestre). Entre março e outubro, essa despesa somou R$ 440,559 bilhões, o que significa dizer que o terceiro trimestre respondeu por 52,1% dos desembolsos totais até ali. Mas esse tipo de gasto sofreu forte retração desde agosto, quando havia alcançado R$ 93,133 bilhões, chegando a pouco menos de R$ 29,127 bilhões em outubro, num corte de 68,73% (o que deverá influir no desempenho da atividade econômica nos trimestres seguintes, mas de forma negativa desta vez).

O “salto” do PIB no terceiro trimestre, como parece evidente, ainda não havia sido suficiente para que a economia pudesse sair do poço em que desabou. Segundo a Folha de S. Paulo, o coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Claudio Considera, acredita que a economia vem saindo lentamente da recessão, com grandes incertezas à frente sobre o ritmo dessa recuperação. Não se trata, definitivamente, de uma “retomada em V”, como tem alardeado o sr. Paulo Guedes e seus seguidores (ou seja, um tombo vigoroso em curto espaço de tempo, seguido de uma recuperação igualmente forte e em alta velocidade). “O ‘V’ tem a ver com o buraco que nós caímos, não com a subida que tivemos. É um ‘V’ meio maroto, que ainda não chegou ao ponto antes da pandemia. Não sabemos se a perninha [para cima] dele vai continuar firme”, afirmou Considera. 

O caso da indústria, que perdeu um quarto de seu PIB entre o final de 2019 e junho deste ano e cresceu 14,8% no terceiro trimestre, comparado ao trimestre imediatamente anterior, é exemplar. O setor claramente havia paralisado uma porção relevante de seu parque de fábricas e voltou a religar gradualmente suas máquinas após a suspensão das medidas de restrição à circulação de pessoas (lembrando que alguns setores, a exemplo das indústrias de alimentos e de medicamentos, continuaram operando). 

Ainda assim, o PIB industrial mostra recuo de 0,9% em relação ao terceiro trimestre do ano passado e acumula perdas de 5,1% frente aos nove primeiros meses de 2019. O PIB da indústria de transformação, que havia encolhido 1,1% e 19,1% no primeiro e no segundo trimestres deste ano, saltou 23,7% no terceiro (sempre considerando os três meses imediatamente anteriores). Em relação ao terceiro trimestre de 2019, recuou 0,2% e ainda experimentava uma queda acumulada de 7,4% entre janeiro e setembro deste ano em relação aos mesmos nove meses de 2019. No setor de serviços, mais afetado pela crise sanitária, a atividade avançou 6,3% no terceiro trimestre (frente aos três meses anteriores), com retrocedeu 5,3% em três trimestres. 

Em mais um dado para ajudar a colocar a taxa de crescimento no terceiro trimestre em perspectiva sombria, é o índice do IBGE para o PIB, com os devidos ajustes sazonais, que registra baixa de 6,3% frente ao mesmo intervalo de 2019. Desde o terceiro trimestre de 2016, ou seja, ao longo de 16 trimestres, o PIB variou somente 0,8%. Mais um “detalhe” a comprovar o “voo da galinha” da economia, a queda de 3,4% acumulada pelo PIB em 12 meses até o terceiro trimestre do ano foi o segundo pior resultado para o período em toda a série histórica iniciada em 1996, “perdendo” apenas para o tombo de 4,1% acumulado nos quatro trimestres encerrados em setembro de 2016, durante a última recessão no período do golpe institucional contra o governo da Frente Popular. Em síntese podemos caracterizar, reunindo os próprios dados oficiais, que o esforço da mídia corporativa e da equipe neoliberal do rentista Paulo Guedes em apresentar a retomada do crescimento, são absolutamente inúteis diante da perspectiva da crise global do capitalismo, agora refém da banca internacional do capital financeiro.