segunda-feira, 4 de outubro de 2021

04 DE OUTUBRO DE 1917: NASCIA VIOLETA PARRA, A ETERNA TITÃ DA MÚSICA LATINO AMERICANA!

Violeta Parra, cantora e compositora chilena, nasceu em um dia como hoje, 4 de outubro, mas em 1917 e decidiu deixar este mundo em 5 de fevereiro de 1967. A artista partiu aos 50 anos, carregando a poesia de "Gracias a la vida" e outros manifestos poderosos musicados em grandes obras políticas. Violeta foi um dos principais nomes ligados à chamada Nueva Canción Chilena, movimento identificado com as transformações sociais do país entre os anos 1960 e 1970.

A cultura dominante tenta despojá-la de seu gume e rebeldia, e a reivindica mundialmente por seu caráter folclorista e talentosa artista multifacetada. Mas Violeta Parra é muito mais que isso, porque sua obra representa a vontade essencial da arte popular: refletir a voz, as demandas e urgências do povo, principalmente dos pobres do campo e da cidade.

Violeta del Carmen Parra Sandoval, mais conhecida como Violeta Parra, nasceu no dia 4 de outubro de 1917, em San Fabián e Alico, no sul do Chile. Filha de um professor de música e de uma camponesa, não teve uma infância fácil. A família não era de uma classe privilegiada, necessitando fazer diversas viagens dependendo de onde o pai conseguia emprego.

Numa dessas viagens, em 1927, a família muda-se para a povoação de Villa Alegre. Lá Violeta conhece o circo e experimenta um contato mais próximo com a cultura popular. Sua mãe fazia trabalhos de costura para sustentar a família numerosa e ensinava canções populares aos filhos e filhas; mais tarde essas canções inspirariam a menina a partir para os mais afastados povoados, entrar em contato direto com as angustias e dores do público, fazendo o uso de um gravador, recolhendo canções dos mais velhos, usando ela também da linguagem popular, e, por fim, com o objetivo de compilar canções e retratar a cultura chilena em seus versos.

Aos nove anos já era cantora e tocava violão. Frequentou a escola que mais tarde teve que abandonar para trabalhar e ajudar financeiramente a família. Com seus irmãos, cantou em restaurantes, pousadas, circos, bordeis e nas ruas.

Após a morte do pai vai morar em Santiago. Em 1933, como escreve Ana Cansado em seu artigo “Violeta Parra, referência da música e da arte chilena”, dedica-se definitivamente a carreira musical e forma com a irmã Hilda a dupla “Las Hermanas Parra”; a dupla canta músicas folclóricas, boleros, rancheras, corridos mexicanos e outros estilos, nos bares do bairro Mapocho como "El Tordo Azul" e "El Popular".

Chegou a acompanhar uma companhia de teatro por todo o país com o nome artístico de “Violeta de Mayo”. Regressou a Santiago para trabalhar na campanha presidencial de Gabriel González Videla que foi o candidato da Aliança Democrática, formada por radicais, comunistas e democráticos e foi presidente do Chile entre 1946 e 1952.

Tinha o espirito inquieto. Cantou em bares na zona portuária, trabalhou em rádio e participou num grupo de teatro: não se adequava ao ideal convencional de uma esposa. Em 1948, após a decepção amorosa, separou-se do marido, Luis Cereceda. Na ocasião teria declarado: “estou me separado. Ele não apreciava meu trabalho e eu nada fazia quando estava em sua companhia. Ele queria uma mulher que limpasse e cozinhasse”.

Começou a pesquisar as raízes folclóricas chilenas em 1952, compondo os primeiros temas musicais que a fariam famosa. Como conta Ana Cansado, aprendeu, com Don Isaías Angulo, um camponês e guitarrista, a tocar o guitarrón, um instrumento chileno original de 25 cordas que era pouco conhecido no meio urbano. E, incentivada pelo seu irmão Nicanor, começou a investigar, a compilar e a ensinar a autêntica música folclórica em todo o Chile. Abandonou o seu antigo repertório e deu recitais, e promoveu cursos de folclore nas Universidades de Iquique e Concepción, em escolas de verão e no Instituto Chileno-Francês de Valparaíso.

Pesquisou ritmos, danças e canções populares chilenas, chegando a catalogar cerca de 3 mil canções tradicionais. Algumas dessas canções foram publicadas no livro: "Cantos folclóricos chilenos" e no disco "Cantos campesinos", editado originalmente em Paris, onde viveu um bom tempo. Aliás, seu trabalho não se restringiu apenas ao Chile: a artista viveu na Europa, levando a música campesina chilena ao velho mundo. Cantou em diversos países, como Polônia, Itália, Alemanha e União Soviética.

Chegou ter uma exposição no Louvre 1964 de suas pinturas, óleos, serapilheiras e esculturas, tendo sido a primeira artista latino-americana a ter uma exposição individual no museu. Ela era, portanto, também artista plástica, e retratou nas suas obras, assim como em suas composições, peculiaridades da cultura chilena e latino-americana.

Também em 1953, foi contratada pela Rádio Chilena para produzir programas radiofónicos de música folclórica que impulsionaram um rigoroso estudo das manifestações artísticas populares. Gravou pela editora Odeón, duas das suas canções mais conhecidas: "Qué pena siente el alma" e "Casamiento de negros". Recebeu em 1955 o Prêmio Caupolicán, para a “Melhor Folclórista do Ano” da Associação de Cronistas de Espetáculos, pelas gravações de “Qué pena siente el alma” e “Casamiento de negros” e pelo seu trabalho como locutora e difusira do folclore nacional.

É conhecida como percursora da Nova Canção Chilena, movimento musical que surgiu na América Latina na década de 1960 e que fazia canções com denúncia social nas quais incorporava elementos do folclore musical latino-americano. Sua música é universal, estendendo-se por diversos continentes, representando a cultura chilena e sempre fiel as suas raízes.

Diversos artistas trataram de reinterpretar suas músicas. Não só pela emoção das composições, mas também pela identidade que elas formam. Ao ser regravada, a voz de Violeta continua ressoando as raízes do povo de um continente inteiro e cantando resistência, reconhecimento, amor e liberdade. Continua, enfim, sendo ouvida.

 Violeta Parra é a precursora indiscutível da “nova canção chilena”, movimento artístico que dotou o folclore de conteúdo social e político. Por mais que o velho Estado do Chile faça um museu com seu nome, onde só cabe uma Violeta Parra inofensiva, o povo e os artistas populares democráticos recordam-se dela por suas letras de denúncia sem quartel. Porque, para a cultura dominante, reconhecer o aspecto político em Violeta Parra seria uma bofetada em sua cara imunda de exploração e injustiça social.

A irrupção de Violeta Parra na história da música chilena acompanha e é reflexo da agudização da luta de classes nos anos de 1950-60, anos de levantamentos operários e camponeses.

Violeta é oriunda de Ñuble, província localizada no centro-sul do Chile. Essa região, historicamente dominada pelo latifúndio, foi o campo fértil para o desenvolvimento de uma rica cultura folclórica, da qual Violeta Parra foi parte. Filha de um professor de música e uma camponesa, ela e seus oito irmãos sofreram a perseguição por parte do governo do fascista Carlos Ibáñez. Após a morte do pai, Violeta e seus irmãos passam a cantar em festas de campo e circos para suportar a pobreza junto a sua família. Durante a infância e juventude cantou em bares, restaurantes populares, viajando para a capital Santiago no princípio dos anos de 1930.

Nessa época, a “canção chilena” era aquela promovida pelas classes dominantes, grandes burgueses e latifundiários que procuravam mostrar uma cultura à sua imagem e semelhança. Assim, o folclore oficial, como descreve Osvaldo Rodríguez, busca dar “uma imagem paternal e bondosa do latifundiário, que perpetuará a tradição das ‘famílias servis’ que nascem, vivem e morrem nas fazendas patriarcais”.

Na década de 1950, Violeta inicia sua viagem para o fundo e profundo, para os rincões periféricos do campo e da cidade, a desentranhar a própria seiva de onde emana a pulsação viva da cultura popular.

Violeta percorreu os rincões de cada povoado, compilando a verdadeira canção do Chile, desentranhando a riquíssima tradição oral, tanto musical como poética, guardada pelos pobres. Ali descobriu, nas suas próprias palavras que: “O Chile é o melhor livro de folclore já escrito”.

Durante a década de 1950 a luta de classes agita-se no país. E assim nascem as primeiras composições políticas da cantora lúcida e mordaz, implacável contra o explorador e sempre terna com o povo trabalhador. Nas palavras de Violeta Parra, “a obrigação de cada artista é a de pôr seu poder criador a serviço dos homens. Já está velho o cantar dos riozinhos e florzinhas. Hoje a vida é mais dura e o sofrimento do povo não pode ficar sem atenção do artista”.

Violeta militou no Partido Comunista do Chile, que nessa época já havia abandonado o marxismo e tomado o caminho eleitoreiro. Mas, apesar de sua curta militância política, Violeta Parra amava o povo e isso a movia a tomar posição sempre pelos mais pobres, e inclusive a definir a si mesma como uma comunista em sua canção A carta. Essa canção foi composta em 1960, motivada pela cruel repressão a um protesto popular no bairro José Maria Caro, na cidade de Santiago, durante o governo de Jorge Alessandri, a quem Violeta aponta como “um sanguinário”.

Cada verso de suas composições é como uma chicotada ao descrever a miséria das massas: ao descrever “fileiras de casinhas” quando percorria Santa Juana, localidade mineira do Norte do Chile, enquanto o sol queimava em cima; ao descrever o despojo do povo Mapuche quando, antecipadamente, cantou que “já não são os espanhóis os que lhes fazem chorar”; ao denunciar a pobreza e a cumplicidade criminosa da Igreja Católica com o velho Estado quando dizem ao pobre que “Deus não quer nenhuma revolução, nem panfletos, nem sindicatos, que ofendem seu coração”; quando sentencia que o “Chile compõe o centro da injustiça”.

Os que a conheceram descrevem-na como uma mulher inquieta, efervescente e cheia de vida, e também que “possuía uma personalidade forte e difícil” (Joan Jara, esposa de Víctor Jara). O cantor Patricio Manns, um dos organizadores da Peña de los Parra1 assinala que Violeta “detinha um caráter no qual se sintetizava uma das mais profundas ternuras femininas que jamais conheci e um terremoto voluntarioso e agressivo, dominante e avassalador”.

Outro cantor popular chileno, Gitano Rodríguez, a propósito de uma visita de Violeta ao porto de Valparaíso, destaca que “as pessoas a respeitavam e a queriam, apesar de muito poucos saberem de onde vinha, quem era e quais eram os fios que teciam sua armadura genial”. E sintetiza sua impressão, assinalando que Violeta cantava “canções que tinham a virtude de ser autênticas pedradas na fachada do oficialismo cultural da época”.

Em fevereiro de 1967, Violeta Parra se suicida na sua carpa de La Reina, outrora um lugar festivo. O Gitano Rodríguez sintetiza: “era o ponto final de sua interminável carta de amor e de dor, de seu canto de gritos e de penas, de sua fúria e ternura ancestrais, de sua alegria de mulher, de seus amores intermináveis como a chuva, de seus jogos infantis, sua clareza de arrebol e o intrincado emaranhado de seu coração de caracol”. No entanto, o eco desse canto segue aceso nos corações que palpitam no ritmo da rebelião e luta contra a injustiça. Mulher, artista, pesquisadora, poeta, compositora, politica: Violeta tem todos estes atributos, e deixa um legado imenso para a América Latina e para o mundo.