NOS DUZENTOS ANOS DO NASCIMENTO DE NOSSO MAIOR MESTRE: UM
BREVE ENSAIO DA GÊNESE DO PROGRAMA DE MARX SOBRE A ECONOMIA CAPITALISTA
Em homenagem ao bicentenário do nascimento do maior mestre
do proletariado mundial, Karl Marx, este artigo procura reconstruir
"modestamente" os estudos de economia política que nosso cânone
revolucionário realizou em Paris, Manchester e Bruxelas entre 1843 e 1847 e que
culminaram na publicação de "A miséria da filosofia", considerando
historicamente o destino político e pessoal de Marx durante as revoluções de
1848 e o primeiro período de seu posterior exílio em Londres.Também nessa época,
ele consolidou sua convicção de que uma nova revolução social só poderia
surgir a partir de uma crise econômica mundial. Entretanto a economia
política não foi a primeira paixão intelectual de Marx, tratava-se de uma
disciplina que acabava de surgir na Alemanha de sua juventude e seu interesse
por ela só apareceu depois de diversos outros assuntos. Nascido em Trier em
1818, numa família de origem judaica, Marx iniciou sua vida acadêmica em 1835
estudando direito nas universidades de Bonn e Berlim. Em seguida, interessou-se
pela filosofia (particularmente pelo hegelianismo dominante na época) e acabou
se graduando na Universidade de Jena em 1841, com a tese "A diferença
entre as filosofias Demócrita e Epicurea da Natureza". Ele decidiu, então,
iniciar uma carreira acadêmica, mas a filosofia de Georg Wilhelm Friedrich
Hegel deixou de ter apoio oficial quando Friedrich Wilhelm IV subiu ao trono na
Prússia e Marx, tendo sido membro da Juventude Hegeliana, teve de mudar de
planos. Entre 1842 e 1843 ele se dedicou ao jornalismo, cobrindo assuntos
contemporâneos, e trabalhou para o "Rheinische Zeitung", o diário
da cidade de Colônia (Alemanha) do qual ele logo se tornou o jovem editor
chefe. Entretanto, pouco após ter aceitado o posto e começado a publicar seus
próprios artigos sobre questões econômicas, embora apenas em seus aspectos
legais e políticos a censura atacou o jornal e o obrigou a pôr fim na
experiência, “retirando-se do palco público para os estudos”. Ele então
prosseguiu com seus estudos sobre o Estado e as relações legais (áreas nas
quais Hegel era uma autoridade reconhecida) e em 1843 escreveu o manuscrito que
foi postumamente publicado como "Crítica da filosofia do direito de
Hegel", no qual desenvolveu a convicção de que a sociedade civil formava
a base real do regime político, apresentando suas primeiras reflexões sobre a
importância dos fatores econômicos na formação da totalidade das relações
sociais. Marx iniciou então um “estudo crítico rigoroso da economia
política”, apenas depois de se mudar para Paris. A partir desse momento, suas
reflexões, que haviam sido basicamente de uma natureza filosófica, histórica
e política, se voltaram para a nova disciplina que constituiria o cerne de sua
pesquisa futura. De fato, na universidade Marx havia adquirido o hábito de
compilar resumos de obras, frequentemente acompanhados por reflexões que elas
lhe sugeriam. Os chamados "Manuscritos de Paris" são especialmente
interessantes. Ao mesmo tempo em que fazia esses estudos, Marx fez anotações
em três cadernos que seriam publicados postumamente como "Manuscritos
econômico-filosóficos de 1844", no qual ele dá atenção especial ao
conceito de trabalho alienado. Em direção oposta dos principais economistas e
do próprio Hegel, Marx viu esse fenômeno por meio do qual a produção do
trabalhador se opõe a ele como “algo estranho, como um poder independente do
produtor” e não como uma condição natural ou imutável, mas como
característica de uma estrutura específica de relações sociais: O modo
capitalista de produção e o trabalho assalariado. Algumas das pessoas que
visitaram Marx nesse período dão testemunho da intensidade do seu ritmo de
trabalho. O jornalista radical Heinrich Bürgers escreve no final de 1844:
“Marx iniciou investigações profundas no campo da economia política com um
projeto de escrever uma obra crítica que iria refundar a ciência econômica”.
Entusiasmado com a esperança de um levante social iminente, Friedrich Engels,
que conheceu Marx em Paris no verão de 1844 iniciando com ele uma relação de
amizade e uma solidariedade teórico-política que duraria pelo resto de suas
vidas, insistiu na primeira carta de uma correspondência que duraria quarenta
anos, que Marx publicasse seus textos econômicos o mais rápido possível:
“Tome providências para que o material que você coletou seja publicado logo.
Já está mais do que na hora!” (Engels a Marx, início de outubro de 1844). Mas
o sentimento de inadequação que Marx tinha em relação ao seu conhecimento o
impediu de completar e publicar seus manuscritos. Entretanto, ele escreveu com
Engels "A sagrada família", uma tirada polêmica contra Bauer e
outras figuras do movimento da esquerda hegeliana do qual Marx havia se afastado
em 1842. Tendo publicado esse trabalho, Engels lhe escreveu novamente no
início de 1845, insistindo para que o amigo completasse o trabalho em
preparação. Mas a insistência foi inútil. Marx ainda sentia a necessidade
de continuar seus estudos antes de dar forma final aos rascunhos que havia
escrito. De qualquer modo, ele estava certo de que logo poderia publicar e no
dia 1o de fevereiro de 1845 , depois de ter sido expulso da França por ter
colaborado com o "Vorwärts!", um jornal publicado em alemão por trabalhadores,
ele assinou um contrato com o editor Karl Wilhelm, da Darmstadt, para a
veiculação de um trabalho em dois volumes a ser intitulado “Crítica da
política e da economia política”. Em fevereiro de 1845 Marx se mudou para
Bruxelas, onde conseguiu permissão para fixar residência desde que “não
publicasse nada sobre a situação política atual”. Ele permaneceu ali até
março de 1848 com sua esposa Jenny von Westphalen e sua primeira filha, Jenny,
nascida em Paris em 1844. Durante esses três anos, especialmente em 1845, ele
progrediu de modo frutífero em seus estudos de economia política. Em março
de 1845 Marx iniciou o trabalho em uma crítica, que nunca chegou a completar,
do livro do economista alemão Friedrich List sobre “o sistema nacional de
economia política”. Ao mesmo tempo, Marx aprofundou-se em questões associadas
à maquinaria e à indústria de larga escala. Já em Manchester, Marx examinou
a vasta literatura em inglês sobre economia, uma tarefa essencial para o livro
que tinha em mente. Compilou nove cadernos de citações, os "Cadernos de
Manchester", nos quais novamente as principais referências eram de
manuais de economia política e livros sobre a história da economia. Ainda na
capital belga, além dos estudos sobre economia, Marx trabalhou em outro
projeto que considerou necessário diante das circunstâncias políticas. Em
novembro de 1845 ele teve a ideia de escrever com Engels, Joseph Weydemeyer e
Moses Hess uma “crítica da moderna filosofia alemã como exposta por seus
representantes, Feuerbach, Bruno Bauer e Stirner, assim como do socialismo
alemão como exposto por seus diversos profetas”. O texto final, foi publicado
postumamente com o título de "A ideologia alemã". Para rastrear o
progresso da “Economia” em 1846, é novamente necessário analisar as cartas de
Marx a Leske. Em agosto ele informou ao editor que “o manuscrito do primeiro
volume” já estava praticamente pronto “há muito tempo”, mas que ele não
“queria publicá-lo sem uma nova revisão, tanto na questão do conteúdo
quanto do estilo”. Ele continua: “É claro que um escritor que trabalha sem
parar não pode, no final de seis meses, publicar exatamente aquilo que
escreveu seis meses antes”. Entretanto, Marx procuraria concluir o livro no
futuro próximo: “A versão revisada do primeiro volume estará pronta para
publicação no final de novembro. O segundo volume, de natureza mais
histórica, virá logo depois”. Mas esses relatos não correspondiam ao estado
real de seu trabalho, já que nenhum de seus manuscritos poderia ter sido
descrito como “praticamente pronto” na medida em que o editor ainda não havia
recebido nem sequer o primeiro esboço no início de 1847, decidindo assim
anular o contrato. Esses atrasos constantes não deveriam ser atribuídos a
qualquer tipo de descuido da parte de Marx. Ele nunca abandonou a atividade
política nesses anos e na primavera de 1846 promoveu o trabalho do “Comitê de
Correspondência Comunista”, cuja missão era organizar uma aliança entre as
várias ligas de trabalhadores na Europa. Entretanto, o trabalho teórico
sempre foi sua prioridade, como testemunham as pessoas que o visitavam
regularmente nesse período. Suas notas de trabalho e seus escritos publicados
fornecem provas adicionais de sua diligência. Entre o outono de 1846 e
setembro de 1847 ele completou três grandes cadernos com citações, em geral
relacionadas à história da economia. Em dezembro de 1864, depois de ter lido
o "Système des contradictions économique ou Philosophie de la misère",
de Pierre-Joseph Proudhon, que ele achou “muito fraco”, Marx decidiu escrever
uma crítica diretamente em francês, para que seu oponente, que não lia em
alemão, fosse capaz de entendê-lo. O texto ficou pronto em abril de 1847 e
publicado em julho com o título de "Misère de la philosophie: Réponse
à la Philosophie de la misère de M. Proudhon". Tratava-se do primeiro
escrito publicado por Marx sobre economia política, que expunha suas ideias
sobre a teoria do valor, a abordagem metodológica apropriada para uma
compreensão da realidade social e o caráter historicamente transitório dos
modos de produção. Enquanto os conflitos sociais se intensificavam na segunda
metade de 1847, as atividades políticas exigiam mais tempo de Marx. Em junho,
a Liga Comunista, uma associação de trabalhadores e artesãos alemães com
filiais internacionais, foi fundada em Londres; em agosto, Marx e Engels
estabeleceram uma Associação de Trabalhadores Alemães em Bruxelas; e, em
novembro, Marx se tornou vice-presidente da Associação Democrática de
Bruxelas, que se dividia entre uma ala revolucionária e uma parte democrática
mais moderada. No final de 1847, a Liga Comunista deu a Marx e a Engels a
tarefa de escrever um programa político. Pouco tempo depois, em fevereiro de
1848, esse texto foi publicado com o título de "Manifesto do Partido
Comunista". Suas palavras iniciais: “Um espectro ronda a Europa, o
espectro do comunismo”, estavam destinadas a marcar o verdadeiro temor de
classe da burguesia em relação à revolução socialista.
A publicação do "Manifesto Comunista" não
poderia ter sido mais apropriada. Logo em seguida, um movimento revolucionário
de abrangência e intensidade sem precedentes lançou a ordem política e
social do continente europeu numa crise. Os governos estabelecidos tomaram
todas as contramedidas possíveis para pôr fim às insurreições e em março
de 1848 Marx foi expulso da Bélgica para a França, onde uma república
acabara de ser proclamada. Naturalmente, ele deixou de lado seus estudos de
economia política e intensificou suas atividades jornalísticas em prol da
revolução, ajudando a pensar num rumo político socialista. Em abril de 1849
ele publicou uma série de editoriais sobre a crítica da economia política,
pois acreditava que a hora havia chegado, em que “era preciso lidar mais
diretamente com as próprias relações sobre as quais a existência da
burguesia e sua ordem, assim como a escravidão dos trabalhadores, se fundam”.
Cinco artigos baseados em palestras que ele havia proferido em dezembro de 1847
para a Associação de Trabalhadores Alemães em Bruxelas apareceram com o
título "Trabalho assalariado e capital", em que Marx apresentava ao
público, de modo mais extenso do que no passado e na linguagem mais compreensível
possível para os trabalhadores, sua concepção dos modos por meio dos quais o
trabalho assalariado era explorado pelo capital. Entretanto, o movimento
revolucionário que surgiu em toda a Europa em 1848 foi derrotado num curto
espaço de tempo. Entre as razões para a vitória do lado autoritário e
conservador estavam a recuperação da economia, a debilidade da classe
trabalhadora – que em alguns países mal podia contar com uma estrutura
organizacional, e a retirada do apoio das classes médias às reformas, que se
aproximaram da aristocracia para impedir o movimento em direção a um
radicalismo excessivo. Tudo isso permitiu que as forças políticas
reacionárias retomassem um controle firme sobre as rédeas do governo. Após um
período de intensa atividade política, em maio de 1848, Marx recebeu uma ordem
de expulsão da Prússia e voltou à França. Mas, quando a revolução foi
derrotada em Paris, as autoridades ordenaram que ele se mudasse para Morbihan,
então uma região desolada e infestada de malária da Bretanha. Diante desse
“atentado velado contra minha vida”, ele decidiu abandonar a França e ir para
Londres, onde acreditava existir “condições positivas para começar um jornal
em alemão”. Marx permaneceria na Inglaterra como exilado pelo resto da vida,
mas a reação europeia não poderia tê-lo isolado num lugar melhor para que
escrevesse sua crítica da economia política. Na época, Londres era o mais
importante centro econômico e financeiro do mundo, o “demiurgo do cosmos burguês”.
Marx chegou à Inglaterra no verão de 1849, aos 31 anos. Sua vida na capital
inglesa estava longe de ser tranquila. Sua família, que contava com seis
membros após o nascimento de Laura em 1845, de Edgar em 1847 e de Guido logo
após sua chegada em 1849 (teve de morar por um longo período em condições
precárias no Soho, um dos bairros mais pobres de Londres à época). Além dos
problemas familiares, Marx estava envolvido num comitê de ajuda aos exilados
alemães, que ele financiava com o apoio da Liga Comunista e cuja missão era
dar assistência a diversos refugiados políticos em Londres. Marx aprofundou a
análise econômica iniciada antes de 1848. A partir desse ponto histórico a
crise econômica adquiriu uma importância fundamental em seu pensamento, não
apenas economicamente, mas também sociológica e politicamente. Além disso,
ao analisar os processos de especulação e superprodução galopantes, ele se
aventurou a prever que “se o novo ciclo de desenvolvimento industrial que começou
em 1848 seguir o mesmo curso daquele de 1843-1847, a crise acontecerá em
1852”. A crise futura, enfatizava, também atingiria o campo e “pela primeira
vez a crise industrial e comercial coincidirá com a crise da agricultura”. As
previsões de Marx realizadas nesse período de mais de um ano se provaram
equivocadas. Porém, mesmo nos momentos em que ele estava mais firmemente
convencido de que uma nova onde revolucionária era iminente, suas ideias eram
bem diferentes daquelas de outros líderes políticos europeus exilados em
Londres. Embora Marx estivesse errado a respeito do desenvolvimento da
situação econômica, ele considerava indispensável o estudo do atual estado
das relações econômicas e políticas para os objetivos da atividade política. Ao contrário daqueles que esperavam que outra revolução surgisse do nada,
Marx estava convencido, no outono de 1850, de que ela não aconteceria sem uma
nova crise mundial. A partir desse ponto, ele se distanciou das falsas
esperanças de uma revolução iminente e viveu em “completo isolamento”. Como
escreveu Wilhelm Pieper, um membro da Liga Comunista, em janeiro de 1851: “Marx
leva uma vida bastante retirada e seus únicos amigos são John Stuart Mill e
Loyd. Sempre que se faz uma visita, ele recebe o visitante com categorias
econômicas no lugar de cumprimentos”. Nos anos seguintes, Marx, de fato, viu
poucos amigos em Londres e manteve contato próximo apenas com Engels, que
nesse ínterim tinha se estabelecido em Manchester. Em fevereiro de 1851 Marx
escreveu a Engels: “Fico enormemente satisfeito com o isolamento público e
autêntico no qual nós dois, você e eu, nos encontramos. Está inteiramente
de acordo com nossas atitudes e princípios."
Durante os três anos em que Marx interrompeu seus estudos
de economia política, houve uma sucessão de eventos econômicos, desde a
crise de 1847 até a descoberta de ouro na Califórnia e na Austrália, cuja
importância o levou a retomar a pesquisa, ao mesmo tempo em que revisava suas
anotações antigas para tentar dar a elas uma forma acabada. Suas leituras
adicionais foram resumidas em 26 livros de anotações, dos quais 24 (também
contendo textos de outras disciplinas) ele compilou entre setembro de 1850 e
agosto de 1853, numerando-os entre os chamados "Cadernos de Londres".
Nesse mesmo período, Marx teve que enfrentar problemas pessoais terríveis,
especialmente a morte de seu filho Guido no ano de 1850, em condições
econômicas precárias a ponto de ele se ver forçado a delegar os cuidados de sua
filha Franziska, nascida em março de 1851, a estranhos. Nestas condições Marx
se voltou mais uma vez para o estudo dos clássicos da economia política. Para
melhorar sua situação financeira, Marx decidiu retomar a atividade
jornalística e começou a procurar um jornal. Em agosto de 1851 ele se tornou
correspondente do "New York Tribune", o jornal de maior circulação
nos Estados Unidos, escrevendo centenas de páginas durante um período intenso
que se estendeu até fevereiro de 1862.Ele escreveu sobre os principais eventos
políticos e diplomáticos da época, além de uma questão econômica e
financeira após a outra, de modo a se tornar em poucos anos um jornalista
respeitado. Marx prosseguindo com sua elaboração política, entre dezembro de 1851
e março de 1852, escreveu "O dezoito brumário de Luís Bonaparte",
mas, devido ao estado de censura de seus escritos na Prússia, teve de publicar
seu texto em Nova York. Em outubro de 1852 o governo prussiano iniciou o
julgamento de membros da Liga Comunista que haviam sido presos no ano anterior.
A acusação era a de que eles haviam participado de uma organização
internacional de conspiradores liderados por Marx contra a monarquia prussiana.
Entre outubro e dezembro, para demonstrar que as acusações eram infundadas,
Marx começou a “trabalhar para o partido contra as maquinações do governo”e
elaborou "Revelações sobre o julgamento comunista em Colônia".
Publicado anonimamente na Suíça em janeiro de 1853, esse curto trabalho não
obteve o efeito desejado, pois uma grande parte da cópia foi confiscada pela
polícia prussiana e o texto circulou apenas nos Estados Unidos, entre um
número reduzido de leitores. Ao contrário do que afirmavam as maquinações
orquestradas pelos ministros do governo prussiano, Marx estava muito isolado
politicamente nesse período. A dissolução da Liga Comunista, que aconteceu
de forma efetiva em 1851 e se tornou oficial no final de 1852, reduziu
enormemente o número de seus contatos políticos. Aquilo que diversas forças
policiais e oponentes políticos definiam como o “grupo de Marx” contava com
poucos membros realmente engajados. Na Inglaterra, além de Engels, os únicos
homens que poderiam ser considerados “marxianos” eram Pieper, Wilhelm Wolff,
Wilhelm Liebknecht, Peter Imandt, Ferdinand Wolff e Ernst Dronke. Em outros
países, onde a maioria dos exilados políticos havia buscado refúgio, Marx
tinha relações próximas apenas com Weydemeyer e Cluss nos Estados Unidos,
Richard Reinhardt em Paris e Lassalle na Prússia. Marx sabia muito bem que
embora esses contatos criassem uma rede que resistia em tempos difíceis, não
eram numerosos o suficiente para “constituir um grupo”. Nesse período a crise
econômica foi um tema constante nos artigos de Marx para o "New York
Tribune". Em “Revolução na China e na Europa”, de junho de 1853, no qual
relacionou a revolução anti-feudal chinesa que começara em 1851 com a
situação econômica geral, Marx novamente expressou sua convicção de que em
breve chegaria “um momento em que a extensão dos mercados não será capaz de
atender à extensão das manufaturas britânicas, e essa desproporção deverá
causar uma nova crise com a mesma certeza como causou no passado”. Em sua
opinião, na sequência da revolução, uma contração imprevista do grande
mercado chinês “acenderá o pavio da mina superlotada do sistema industrial
moderno e causará a explosão da crise geral que há muito tempo se prepara e
que, espalhando-se, será seguida de perto por revoluções políticas no
continente”. É claro que Marx não via o processo revolucionário de modo
determinista, mas estava seguro de que a crise econômica era um pré-requisito
indispensável para sua erupção no cenário mundial.
Finalmente, em algum momento entre o fim de 1854 e o início
de 1855, Marx retomou seus estudos de economia política. Porém, após a
interrupção de três anos, ele decidiu reler seus antigos manuscritos antes
de prosseguir. Porém, justamente no momento em que Marx parecia pronto para
reiniciar seu trabalho, dificuldades pessoais mais uma vez causaram uma
mudança de planos. Em abril de 1855, ele foi afetado profundamente pela morte
de Edgar, seu filho de oito anos. A saúde e a situação econômica de Marx
permaneceram desastrosas por todo o ano de 1855 e sua família aumentou com o
nascimento de Eleanor, em janeiro. Ele frequentemente reclamava a Engels sobre
problemas nos olhos, nos dentes e uma tosse terrível, além do fato de que “a
decadência física também afeta o cérebro". Uma outra complicação foi
causada por um processo que Freund, o médico da família, moveu contra Marx
por falta de pagamento. Para escapar disso tudo, teve de passar algum tempo
entre meados de setembro e início de dezembro vivendo com Engels em Manchester
e permanecendo escondido em casa por algumas semanas após seu retorno. A
solução foi encontrada devido a um “acontecimento feliz”: uma herança de 100
libras após a morte de um tio de noventa anos de Jenny.
Assim, Marx só conseguiu retomar seu trabalho sobre
economia política em junho de 1856, escrevendo alguns artigos para o "The
People’s Paper" sobre o Crédit Mobilier, o principal banco comercial da
França, que ele considerava “um dos fenômenos econômicos mais peculiares de
nosso tempo”. No final de 1856, ao contrário das crises anteriores, a
tempestade econômica não começou na Europa, mas nos Estados Unidos. Nos
primeiros meses de 1857 os bancos de Nova York aceleraram o volume de
empréstimos, apesar da queda nos depósitos. O aumento da atividade
especulativa resultante piorou as condições econômicas gerais e, depois que
a filial de Nova York do Ohio Life Insurance and Trust Company se declarou
insolvente, o pânico que se seguiu levou a inúmeras falências. A perda de
confiança no sistema bancário produziu contração de crédito, redução dos
depósitos e a suspensão das ordens de pagamento. Pressentindo a natureza
extraordinária dos acontecimentos, Marx imediata- mente retomou seu trabalho.
Em 23 de agosto de 1857 (exatamente um dia antes do colapso do Ohio Life que
semeou pânico na opinião pública), ele começou a escrever sobre o colapso
econômico. O início explosivo da crise lhe deu um motivo adicional que havia
estado ausente nos anos anteriores. Após a derrota de 1848, Marx tinha
enfrentado toda uma década de retrocessos políticos e grande isolamento
pessoal. Porém, com a eclosão da crise, ele vislumbrou a possibilidade de
participar de uma nova rodada de revoltas sociais e achou que sua tarefa mais
urgente era a análise dos fenômenos econômicos que seriam importantes para o
início da revolução. Isso significava escrever e publicar o quanto antes o
trabalho que havia planejado por tantos anos. De Nova York a crise se espalhou
rapidamente para o resto dos Estados Unidos e, após algumas semanas, para
todos os centros do mercado mundial na Europa, na América do Sul e no Oriente,
tornado-se a primeira crise financeira internacional da história. Notícias
desses desenvolvimentos causaram grande euforia em Marx, servindo de
combustível para uma grande explosão de produção intelectual. O período
entre o verão de 1857 e a primavera de 1858 foi um dos mais prolíficos de sua
vida, ele escreveu mais em apenas alguns meses do que nos anos anteriores. Em
dezembro de 1857, escreveu a Engels: “Estou trabalhando como um louco todas as
noites nos meus estudos econômicos para ter pelo menos um esquema geral",
chamado posteriormente de "Grundrisse". O trabalho de Marx se tornou
mais notável e abrangente. Entre agosto de 1857 e maio de 1858 ele completou
oito cadernos conhecidos como os "Grundrisse" enquanto escreveu, como
correspondente do "New York Tribune", dezenas de artigos sobre o
desenvolvimento da crise na Europa, entre outras coisas. Por fim, entre outubro
de 1857 e fevereiro de 1858, compilou três cadernos de anotações,
intitulados "Cadernos da crise". Ao contrário das anotações que
fizera anteriormente, nesse caso não se tratava de uma compilação de
passagens dos trabalhos de outros economistas, mas de uma grande quantidade de
notas, tomadas de diversos jornais diários, sobre os principais
desenvolvimentos da crise, tendências da bolsa de valores, flutuações do
mercado e falências importantes na Europa, nos Estados Unidos e outras partes
do mundo. No que se refere aos "Grundrisse", na última semana de
agosto, Marx fez um plano para o caderno “M” que deveria servir como a
introdução para o trabalho; em seguida, em meados de outubro, ele deu
continuidade aos outros sete cadernos (I-VII). No primeiro e em parte do
segundo, escreveu o chamado "Capítulo sobre o dinheiro", que lida
com o dinheiro e o valor, enquanto nos outros ele escreveu o chamado
"Capítulo sobre o capital". Aí ele aloca centenas de páginas sobre
o processo de produção e circulação de capital e introduz alguns dos temas
mais importantes de todo o manuscrito, tais como o conceito de mais-valia e as
formações econômicas que precederam o modo de produção capitalista.
Entretanto, esse esforço imenso não permitiu que ele completasse o trabalho.
Na realidade, porém, não houve sinal do tão aguardado
movimento revolucionário que supostamente irromperia com a crise. Dessa vez,
outra razão que impediu que Marx completasse o manuscrito foi sua consciência
de que ele ainda estava longe de dominar criticamente todo o material. Os
"Grundrisse", portanto, permaneceram um rascunho. Após ter
trabalhado cuidadosamente, entre agosto e outubro de 1858, na introdução do
"Capítulo sobre o dinheiro", no manuscrito ele publicou em 1859 um
livro curto que não obteve ressonância pública: "Uma contribuição
para a crítica da economia política". Oito anos de estudos intensos e
enorme esforço intelectual passariam antes da publicação do Livro I de
"O capital". Se levarmos em conta não apenas os trabalhos mais
conhecidos já traduzidos, mas também os manuscritos e livros de anotações,
a imensidão e a riqueza do projeto teórico de Marx surgem sob uma ótica de
superação do capital pela via da revolução e da instauração da Ditadura do Proletariado.
As pesquisas de Marx entre o período dos "Manuscritos
econômico-filosóficos de 1844" e de "A ideologia alemã", e em
seguida entre os "Grundrisse" e os vários rascunhos de "O
capital", finalmente se tornaram acessíveis aos investigadores de esquerda.
Isso tornou possível seguir os diversos estágios intermediários da
evolução de suas ideias tanto nos anos 1850 quanto após a publicação do
primeiro volume de "O capital", sugerindo uma interpretação mais
rigorosa de sua teoria revolucionária. O suposto mito da negação da teoria
"rígida" da luta de classes pela "descoberta" de novas
formulações de Marx (sobre a teoria do valor) não pode se sustentar em nenhuma
investigação científica séria e que não esteja a serviço da desmoralização do
Marxismo enquanto teoria revolucionária do proletariado mundial. Foi o que
tentaram alguns membros da chamada "Escola de Frankfurt", a partir da
publicação dos manuscritos "Grundrisse" de Marx no ano de 1941 em
Moscou pelo Instituto Marx-Engels e Lenin, sob a orientação desastrada de
Stalin logo após mandar assassinar Riazanov, um grande teórico e dirigente
Bolchevique que estava organizando um resgate rigoroso de toda produção
intelectual dispersa de Marx, recolhida cuidadosamente na Alemanha e
Inglaterra. A primeira publicação dos "Grundrisse", sob a égide do
regime stalinista, esteve crivada de deformações (tanto intencionais como de
natureza linguística) das quais os novos "teóricos" do Kremlin sequer
podiam perceber. Sem Riazanov e Rosdolsky (o primeiro fuzilado pela GPU e o
segundo preso pela SS nazista) a primeira edição do "Grundrisse" foi
feita sob o sangue dos dois maiores estudiosos dos manuscritos de Marx, Lenin
chegou a afirmar que Riazanov conhecia até a autenticidade das vírgulas de Marx.
Sob a supervisão editorial e teórica dos que depois vieram a conformar o
"Eurocomunismo", os "Grundrisse" ganharam o status de mito
antimarxista (um Marx "light") nas principais universidades do
planeta, tanto que hoje muito é difícil aferir o que realmente de Marx foi
deturpado em sua publicação. No ano em que celebramos os duzentos anos do
nascimento de Karl Marx, os Marxistas Revolucionários devem cerrar fileiras no
combate teórico e prático contra as tentativas de "revisão acadêmica"
do legado programático Comunista, que continua mais atual e vigoroso do que
nunca, seja na constatação da decadência histórica do capitalismo, ou em cada
heróica batalha travada pela classe operária mundial!