HÁ SETE ANOS DO LEVANTE POPULAR NA TUNÍSIA: O INÍCIO DA
FALSA “REVOLUÇÃO” NO MAGREB AFRICANO QUE ACABOU EM TRANSIÇÃO ORDENADA PELO
IMPERIALISMO
MANIFESTAÇÕES DERRUBAM DITADOR BEN ALI: TUNÍSIA, ENTRE O
LEVANTE POPULAR E A AUSÊNCIA DE UMA DIREÇÃO REVOLUCIONÁRIA
(Publicado originalmente no site da LBI, 30 de janeiro de
2011)
Colônia francesa até 1956, a Tunísia foi governada durante
23 anos pelo ditador Ben Ali, que assumiu a presidência em 1987 após comandar
um golpe de Estado, instaurando um reacionário regime totalitário contra as
massas em um ataque às mais elementares liberdades democráticas no país. No
último dia 14 de janeiro, Ben Ali foi obrigado a deixar a presidência depois de
um mês de protestos populares contra a pobreza, o desemprego e a corrupção no
gabinete, manifestações duramente reprimidas e que deixaram mais de 80 mortos.
As radicalizadas manifestações populares na Tunísia, iniciadas com a imolação
de um trabalhador em protesto contra o desemprego e as miseráveis condições de
vida, repercutiram no chamado mundo árabe e colocaram o imperialismo francês e
a Casa Branca em alerta, porque mesmo depois da alas burguesas terem conformado
um arremedo de governo de transição na tentativa de estabilizar o país,
incluindo no gabinete dirigentes sindicais da UGTT, as mobilizações continuam
tendo em vista o ódio popular contra a manobra que visa manter, com novos
gerentes, o velho regime e as dramáticas condições de vida neste país
localizado no norte da África.
Conhecido como Maghreb, o norte da África (Marrocos,
Tunísia, Argélia e Sahara Ocidenteal) é fundamental para os interesses
econômicos e estratégicos dos EUA e da União Européia, particularmente da
França. Possui as maiores jazidas de fosfatos do mundo, além de jazidas de
cobre, urânio e ferro. A Argélia encontra-se exatamente ao lado da Tunísia e
foi palco recente de protestos contra a falta de alimentos. Nesse contexto, a
Liga Árabe, reunida há poucos dias no Egito, declarou que seus governos
ficassem alertas frente aos desdobramentos da crise na Tunísia. Países como o
Omã, a Jordânia, o Egito e o Iêmen viram suas populações protestarem contra a
situação econômica. O insuspeito FMI declarou que as Depois da fuga de Ben Ali
para a Arábia Saudita, o Conselho Constitucional da Tunísia proclamou Fued
Mebazaa, presidente do Parlamento, como novo presidente do país. Este decretou
“estado de emergência”, unificando em torno de si as FFAA e convocou eleições
em 60 dias. Porém, centenas de manifestantes marcharam nas ruas da capital,
Túnis, para exigir a saída dos aliados do ditador do cambaleante governo de
transição. Como parte da manobra, o presidente Fouad Mebazza e o primeiro-ministro
deixaram o partido governista (RCD) a fim de compor o gabinete com a oposição
burguesa e dirigentes sindicais, estes últimos os reais fiadores do acordo. A
UGTT ainda tem grande apoio popular no país e vem dirigindo os recentes
protestos contra a permanência de ministros do RCD no “novo” governo, como uma
forma de controlar a radicalidade das massas.
IMPERIALISMO ATUA RAPIDAMENTE PARA ESTANCAR A CRISE
Enquanto os novos dirigentes pronunciam discursos sobre a
necessidade da democracia tentam normalizar a situação lançando mão do estado
de emergência e apoiando-se nas FFAA e na polícia. Trata-se de uma tática da
classe dominante para ganhar tempo e abafar os protestos e, no curso deste
processo, restaurar o seu controle sobre a situação. A realidade por trás da
fachada “democrática” é a manutenção do decreto de estado de emergência, que
proíbe reuniões com mais de três pessoas e impõe toque de recolher à noite. O
alto-comando das FFAA, vendo o esgotamento do governo Ben Ali, logo se integrou
ao governo de transição e foi autorizado a abrir fogo sobre qualquer um que
desafie a “lei e a ordem”.
Todos esses “democratas” oriundos do velho regime estão
ansiosos para costurar uma saída política burguesa imediatamente em comum
acordo com o imperialismo. Barack Obama fez declarações condenando a violência
e afirmou “Aplaudo a coragem e a dignidade do povo tunisiano... Exorto a todos
os partidos a manter a calma e evitar a violência, e apelo ao governo tunisiano
a respeitar os direitos humanos, e a convocar eleições livres e transparentes
em futuro próximo que reflitam o verdadeiro desejo e aspirações do povo
tunisiano” (O Estado de S.Paulo, 16/01). A mesma cantilena foi pronunciada por
Sarkozy e o secretário-geral da ONU.
Por sua vez, os partidos islâmicos, historicamente
reprimidos por Ben Ali, estão ganhando peso político nos protestos, visto por
um setor das massas como uma força que se opõe ao imperialismo europeu e
ianque, aliados da ditadura. Os fundamentalistas diversas vezes foram
utilizados pela burguesia como um meio para desviar as massas de uma
perspectiva revolucionária. Não por acaso o líder islâmico, Rashid Ghanoushi,
foi autorizado a voltar do exílio e tido grande destaque na imprensa burguesa
do país.
UM PAÍS A BEIRA DA “REVOLUÇÃO”?
O caráter espontâneo do movimento, responsável por seu alto
grau de radicalização, revela tragicamente, por outro lado, a ausência de uma
perspectiva revolucionária que tenha como norte a tomada do poder pelos
explorados. As condições políticas e sociais de esgotamento da ditadura levaram
a fuga de Ben Ali. Mas, a questão colocada é quais são os próximos passos a
tomar. A ausência de um partido revolucionário com peso de massas e de um
programa marxista para os combates em curso são as lacunas fundamentais que
limitam os horizontes da luta, produto da etapa contra-revolucionária em que
vivemos desde a queda da URSS. Por mais radicalidade e heroísmo das massas,
como vemos agora na Tunísia, a inexistência de um norte comunista estratégico é
um bloqueio subjetivo e objetivo para a vitória sobre as mais diversas
variantes burguesas que se apresentam no tabuleiro neste momento dramático.
Longe de querer enxergar essa dura realidade, o PCO, em seu
já delirante catastrofismo declara que “A Tunísia à beira da revolução” (sítio
Causa Operária, 14/01) e, portanto, “Todos os acontecimentos do último mês
mostram que atual crise capitalista faz a situação política mundial caminhar a
passos largos no sentido da revolução proletária”. A CMI de Alan Woods vende o
enredo no mesmo tom “Há mais de uma semana a Tunísia está vivendo uma revolução
de dimensões épicas que acaba de derrubar o ditador Zine al-Abidine Ben Ali
depois de 23 anos no poder” (Esquerda Marxista, 18/01). Apesar disso, Woods
defende como alternativa para “avançar a rebelião” a “convocação de uma
Assembleia Constituinte Revolucionária”. Estes revisionistas, mais uma vez,
buscam por revoluções espontâneas em cada esquina como um produto “natural” do
crash financeiro de 2008 e da própria crise capitalista mundial. Desprezam a
debilidade ideológica das massas, a ausência de organizações revolucionárias
marxistas com peso social e a própria etapa por que atravessamos, marcada pela
tendência à fascistização dos regimes políticos nos países avançados, pelas
sucessivas derrotas econômicas na Europa (Grécia, França, Portugal, Espanha,
Irlanda...) e por lutas defensivas que têm como horizonte limite a manutenção
de conquistas atacadas pela ofensiva do capital.
Os arautos da revolução iminente defendem para a realidade
criada por seus próprios delírios, saídas burguesas como a Assembleia
Constituinte e eleições, mas nunca defenderam a necessidade do armamento
operário e muito menos a criação de organismos de poder proletário para se tomar
o poder! Os que venderam o conto da revolução se refugiam na defesa de uma
Constituinte “vermelha” para, sob essa cortina-de-fumaça, não levantarem as
consignas próprias e necessárias de um verdadeiro processo revolucionário:
greve geral política, ocupações de fábricas e terras, milícias operárias
armadas, organismo de duplo poder para derrubar a ditadura e abrir caminho para
um Governo Operário e Camponês. Como farsantes, enxergam uma revolução em cada
manifestação de massas, mas fogem das medidas necessárias para sua vitória se
ela de fato estivesse na ordem do dia!
A LER, tentando encobrir os revezes que o proletariado
sofreu no último período pós-crash, devaneia sobre a Tunísia em tom ufanista “A
ausência de uma ferramenta política de organização revolucionária para os
trabalhadores tunisianos não significa que a história girará mais lentamente ou
retrocederá para as massas oprimidas nacionais” (sítio LER, 12/01). Como não
vivemos nos entorpecendo, como faz o PTS argentino, e muito menos patrocinando
ilusões na vanguarda, alertamos que na Tunísia a tendência é que a ordem
burguesa seja restaurada e não colocada abaixo pela via revolucionária e
insurrecional. A contra-revolução tende a ser realizada de forma que oculte a
roupagem ditatorial, lançando mão do expediente de um “governo de unidade
nacional” integrado por partidos políticos burgueses e membros da central
sindical UGTT. São esses acertos que estão em curso neste momento, com as
direções sindicais forçando maior participação no gabinete, via novas
manifestações de rua e exigindo um peso menor dos aliados de Ben Ali. O que o
ditador Ben Ali não conseguiu com repressão aberta dos últimos dias, os
candidatos a novos gestores a serviço do capital esperam alcançar através de
uma manobra de fachada democrática, mas cujo objetivo continua sendo manter a
dominação de classe e a exploração capitalista!
POR UMA SAÍDA INDEPENDENTE FRENTE À MANOBRA DO GOVERNO DE
UNIDADE NACIONAL
Frente a esse quadro dramático e com as manifestações em
curso é necessário lutar para colocar abaixo o governo burguês de transição,
exigir o fim imediato do estado de emergência e formar comitês de autodefesa
para barrar a repressão estatal. Para conquistar essas reivindicações, deve-se
organizar uma greve geral política, com ocupações de terra e fábrica, chamar ao
armamento operário e que essas ações tenham como norte estratégico a luta por
um Governo Operário e Camponês.
A classe operária é a única força social capaz de enterrar o
antigo regime em bancarrota. O proletariado deve se colocar à cabeça das
manifestações com um programa revolucionário que supere as manobras tramadas
pelos dirigentes da UGTT e os demais partidos burgueses, apontando uma saída
independente dos trabalhadores da cidade e do campo. Devemos lutar para que não
se repita na Tunísia mais uma falsa “revolução” voltada a acomodar os
interesses capitalistas no país como ocorreu recentemente na Tailândia e no
Quirguistão. Para as massas que lutaram antes contra Bin Ali e agora estão em
oposição nas ruas ao “governo de transição”, cabe construir uma alternativa
política independente dos bandos burgueses, forjar um autêntico partido
revolucionário marxista e marchar com independência política pela senda do
combate de classe pela revolução socialista.