quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

HÁ SETE ANOS DO LEVANTE POPULAR NA TUNÍSIA: O INÍCIO DA FALSA “REVOLUÇÃO” NO MAGREB AFRICANO QUE ACABOU EM TRANSIÇÃO ORDENADA PELO IMPERIALISMO


MANIFESTAÇÕES DERRUBAM DITADOR BEN ALI: TUNÍSIA, ENTRE O LEVANTE POPULAR E A AUSÊNCIA DE UMA DIREÇÃO REVOLUCIONÁRIA
(Publicado originalmente no site da LBI, 30 de janeiro de 2011)

Colônia francesa até 1956, a Tunísia foi governada durante 23 anos pelo ditador Ben Ali, que assumiu a presidência em 1987 após comandar um golpe de Estado, instaurando um reacionário regime totalitário contra as massas em um ataque às mais elementares liberdades democráticas no país. No último dia 14 de janeiro, Ben Ali foi obrigado a deixar a presidência depois de um mês de protestos populares contra a pobreza, o desemprego e a corrupção no gabinete, manifestações duramente reprimidas e que deixaram mais de 80 mortos. As radicalizadas manifestações populares na Tunísia, iniciadas com a imolação de um trabalhador em protesto contra o desemprego e as miseráveis condições de vida, repercutiram no chamado mundo árabe e colocaram o imperialismo francês e a Casa Branca em alerta, porque mesmo depois da alas burguesas terem conformado um arremedo de governo de transição na tentativa de estabilizar o país, incluindo no gabinete dirigentes sindicais da UGTT, as mobilizações continuam tendo em vista o ódio popular contra a manobra que visa manter, com novos gerentes, o velho regime e as dramáticas condições de vida neste país localizado no norte da África.



Conhecido como Maghreb, o norte da África (Marrocos, Tunísia, Argélia e Sahara Ocidenteal) é fundamental para os interesses econômicos e estratégicos dos EUA e da União Européia, particularmente da França. Possui as maiores jazidas de fosfatos do mundo, além de jazidas de cobre, urânio e ferro. A Argélia encontra-se exatamente ao lado da Tunísia e foi palco recente de protestos contra a falta de alimentos. Nesse contexto, a Liga Árabe, reunida há poucos dias no Egito, declarou que seus governos ficassem alertas frente aos desdobramentos da crise na Tunísia. Países como o Omã, a Jordânia, o Egito e o Iêmen viram suas populações protestarem contra a situação econômica. O insuspeito FMI declarou que as Depois da fuga de Ben Ali para a Arábia Saudita, o Conselho Constitucional da Tunísia proclamou Fued Mebazaa, presidente do Parlamento, como novo presidente do país. Este decretou “estado de emergência”, unificando em torno de si as FFAA e convocou eleições em 60 dias. Porém, centenas de manifestantes marcharam nas ruas da capital, Túnis, para exigir a saída dos aliados do ditador do cambaleante governo de transição. Como parte da manobra, o presidente Fouad Mebazza e o primeiro-ministro deixaram o partido governista (RCD) a fim de compor o gabinete com a oposição burguesa e dirigentes sindicais, estes últimos os reais fiadores do acordo. A UGTT ainda tem grande apoio popular no país e vem dirigindo os recentes protestos contra a permanência de ministros do RCD no “novo” governo, como uma forma de controlar a radicalidade das massas.

IMPERIALISMO ATUA RAPIDAMENTE PARA ESTANCAR A CRISE

Enquanto os novos dirigentes pronunciam discursos sobre a necessidade da democracia tentam normalizar a situação lançando mão do estado de emergência e apoiando-se nas FFAA e na polícia. Trata-se de uma tática da classe dominante para ganhar tempo e abafar os protestos e, no curso deste processo, restaurar o seu controle sobre a situação. A realidade por trás da fachada “democrática” é a manutenção do decreto de estado de emergência, que proíbe reuniões com mais de três pessoas e impõe toque de recolher à noite. O alto-comando das FFAA, vendo o esgotamento do governo Ben Ali, logo se integrou ao governo de transição e foi autorizado a abrir fogo sobre qualquer um que desafie a “lei e a ordem”.

Todos esses “democratas” oriundos do velho regime estão ansiosos para costurar uma saída política burguesa imediatamente em comum acordo com o imperialismo. Barack Obama fez declarações condenando a violência e afirmou “Aplaudo a coragem e a dignidade do povo tunisiano... Exorto a todos os partidos a manter a calma e evitar a violência, e apelo ao governo tunisiano a respeitar os direitos humanos, e a convocar eleições livres e transparentes em futuro próximo que reflitam o verdadeiro desejo e aspirações do povo tunisiano” (O Estado de S.Paulo, 16/01). A mesma cantilena foi pronunciada por Sarkozy e o secretário-geral da ONU.

Por sua vez, os partidos islâmicos, historicamente reprimidos por Ben Ali, estão ganhando peso político nos protestos, visto por um setor das massas como uma força que se opõe ao imperialismo europeu e ianque, aliados da ditadura. Os fundamentalistas diversas vezes foram utilizados pela burguesia como um meio para desviar as massas de uma perspectiva revolucionária. Não por acaso o líder islâmico, Rashid Ghanoushi, foi autorizado a voltar do exílio e tido grande destaque na imprensa burguesa do país.

UM PAÍS A BEIRA DA “REVOLUÇÃO”?

O caráter espontâneo do movimento, responsável por seu alto grau de radicalização, revela tragicamente, por outro lado, a ausência de uma perspectiva revolucionária que tenha como norte a tomada do poder pelos explorados. As condições políticas e sociais de esgotamento da ditadura levaram a fuga de Ben Ali. Mas, a questão colocada é quais são os próximos passos a tomar. A ausência de um partido revolucionário com peso de massas e de um programa marxista para os combates em curso são as lacunas fundamentais que limitam os horizontes da luta, produto da etapa contra-revolucionária em que vivemos desde a queda da URSS. Por mais radicalidade e heroísmo das massas, como vemos agora na Tunísia, a inexistência de um norte comunista estratégico é um bloqueio subjetivo e objetivo para a vitória sobre as mais diversas variantes burguesas que se apresentam no tabuleiro neste momento dramático.

Longe de querer enxergar essa dura realidade, o PCO, em seu já delirante catastrofismo declara que “A Tunísia à beira da revolução” (sítio Causa Operária, 14/01) e, portanto, “Todos os acontecimentos do último mês mostram que atual crise capitalista faz a situação política mundial caminhar a passos largos no sentido da revolução proletária”. A CMI de Alan Woods vende o enredo no mesmo tom “Há mais de uma semana a Tunísia está vivendo uma revolução de dimensões épicas que acaba de derrubar o ditador Zine al-Abidine Ben Ali depois de 23 anos no poder” (Esquerda Marxista, 18/01). Apesar disso, Woods defende como alternativa para “avançar a rebelião” a “convocação de uma Assembleia Constituinte Revolucionária”. Estes revisionistas, mais uma vez, buscam por revoluções espontâneas em cada esquina como um produto “natural” do crash financeiro de 2008 e da própria crise capitalista mundial. Desprezam a debilidade ideológica das massas, a ausência de organizações revolucionárias marxistas com peso social e a própria etapa por que atravessamos, marcada pela tendência à fascistização dos regimes políticos nos países avançados, pelas sucessivas derrotas econômicas na Europa (Grécia, França, Portugal, Espanha, Irlanda...) e por lutas defensivas que têm como horizonte limite a manutenção de conquistas atacadas pela ofensiva do capital.

Os arautos da revolução iminente defendem para a realidade criada por seus próprios delírios, saídas burguesas como a Assembleia Constituinte e eleições, mas nunca defenderam a necessidade do armamento operário e muito menos a criação de organismos de poder proletário para se tomar o poder! Os que venderam o conto da revolução se refugiam na defesa de uma Constituinte “vermelha” para, sob essa cortina-de-fumaça, não levantarem as consignas próprias e necessárias de um verdadeiro processo revolucionário: greve geral política, ocupações de fábricas e terras, milícias operárias armadas, organismo de duplo poder para derrubar a ditadura e abrir caminho para um Governo Operário e Camponês. Como farsantes, enxergam uma revolução em cada manifestação de massas, mas fogem das medidas necessárias para sua vitória se ela de fato estivesse na ordem do dia!

A LER, tentando encobrir os revezes que o proletariado sofreu no último período pós-crash, devaneia sobre a Tunísia em tom ufanista “A ausência de uma ferramenta política de organização revolucionária para os trabalhadores tunisianos não significa que a história girará mais lentamente ou retrocederá para as massas oprimidas nacionais” (sítio LER, 12/01). Como não vivemos nos entorpecendo, como faz o PTS argentino, e muito menos patrocinando ilusões na vanguarda, alertamos que na Tunísia a tendência é que a ordem burguesa seja restaurada e não colocada abaixo pela via revolucionária e insurrecional. A contra-revolução tende a ser realizada de forma que oculte a roupagem ditatorial, lançando mão do expediente de um “governo de unidade nacional” integrado por partidos políticos burgueses e membros da central sindical UGTT. São esses acertos que estão em curso neste momento, com as direções sindicais forçando maior participação no gabinete, via novas manifestações de rua e exigindo um peso menor dos aliados de Ben Ali. O que o ditador Ben Ali não conseguiu com repressão aberta dos últimos dias, os candidatos a novos gestores a serviço do capital esperam alcançar através de uma manobra de fachada democrática, mas cujo objetivo continua sendo manter a dominação de classe e a exploração capitalista!

POR UMA SAÍDA INDEPENDENTE FRENTE À MANOBRA DO GOVERNO DE UNIDADE NACIONAL

Frente a esse quadro dramático e com as manifestações em curso é necessário lutar para colocar abaixo o governo burguês de transição, exigir o fim imediato do estado de emergência e formar comitês de autodefesa para barrar a repressão estatal. Para conquistar essas reivindicações, deve-se organizar uma greve geral política, com ocupações de terra e fábrica, chamar ao armamento operário e que essas ações tenham como norte estratégico a luta por um Governo Operário e Camponês.

A classe operária é a única força social capaz de enterrar o antigo regime em bancarrota. O proletariado deve se colocar à cabeça das manifestações com um programa revolucionário que supere as manobras tramadas pelos dirigentes da UGTT e os demais partidos burgueses, apontando uma saída independente dos trabalhadores da cidade e do campo. Devemos lutar para que não se repita na Tunísia mais uma falsa “revolução” voltada a acomodar os interesses capitalistas no país como ocorreu recentemente na Tailândia e no Quirguistão. Para as massas que lutaram antes contra Bin Ali e agora estão em oposição nas ruas ao “governo de transição”, cabe construir uma alternativa política independente dos bandos burgueses, forjar um autêntico partido revolucionário marxista e marchar com independência política pela senda do combate de classe pela revolução socialista.