120 ANOS DO NASCIMENTO DE PRESTES E 38 ANOS DO LANÇAMENTO DA
"CARTA AOS COMUNISTAS": UMA CONTUNDENTE DENÚNCIA HISTÓRICA DA POLÍTICA DE
COLABORAÇÃO DE CLASSES DO PCB
""Companheiros e amigos!
De regresso ao Brasil, pude nos meses já decorridos, entrar
em contato direto com a realidade nacional e melhor avaliar os graves problemas
que enfrenta o PCB, o que me leva ao dever de dirigir-me a todos os comunistas,
a fim de levantar algumas questões que, em minha opinião, tornaram-se candentes
para todos os que, em nosso País, de uma ou de outra forma, interessam-se pela
vitória do socialismo em nossa Terra. E é baseado no meu passado de lutas e de
reconhecida dedicação à causa revolucionária e ao PCB, que me sinto com a
autoridade moral para dizer-lhes o que penso da situação que atravessamos.
Sinto-me no dever de alertar os companheiros e amigos para o
real significado da vasta campanha anticomunista que vem sendo promovida nas
páginas dá imprensa burguesa. Campanha esta visivelmente orquestrada pelo
regime ditatorial, visando a desmoralização, a divisão e o aniquilamento do
PCB. Fica cada vez mais evidente que, através de intrigas e calúnias, o inimigo
de classe – após nos ter desferido violentos golpes nos últimos anos – pretende
agora minar o PCB a partir de dentro, transformando-o num dócil instrumento dos
planos de legitimação do regime. Este é o motivo pelo qual as páginas da grande
imprensa foram colocadas à disposição de alguns dirigentes do PCB, enquanto em
relação a outros o que se verifica é o boicote e a tergiversação de suas
opiniões. Basta lembrar a matéria publicada no Jornal do Brasil de 3 de
fevereiro último, quando esse jornal falseia a verdade ao dizer que me recusei
a manifestar minha opinião e, ao mesmo tempo, serve de veículo a uma série de
calúnias e acusações que lhe teriam sido fornecidas por algum dirigente que não
teve a coragem de se identificar.
Seria de estranhar, se não estivesse claro o objetivo
deliberado de liquidação do PCB, a preocupação, revelada insistentemente, pela
imprensa burguesa com a democracia interna e a disciplina em nossas fileiras.
Os repetidos editoriais e comentários que vem sendo publicados ultimamente a
esse respeito são sintomáticos. Demonstram o propósito do regime de
desarticular as forças de oposição e, em particular, os comunistas para melhor
pôr em prática a estratégia de realizar mudanças em sua estrutura política
visando preservar os interesses dos grupos monopolistas nacionais e
estrangeiros que representa.
Diante de tal situação não posso calar por mais tempo.
Tornou-se evidente que o PCB não está exercendo um papel de vanguarda e
atravessa uma séria crise já flagrante e de conhecimento público, que está
sendo habilmente aproveitada pela reação no sentido de tentar transformá-lo num
partido reformista, desprovido do seu caráter revolucionário e dócil aos
objetivos do regime ditatorial.
Devo destacar que, não obstante o heroísmo e abnegação dos
militantes comunistas que sacrificaram suas vidas e dos demais que contribuíram
ativamente na luta contra a ditadura e para as conquistas já alcançadas por
nosso povo, e pelas causas justas por que tem combatido o PCB em sua longa
existência, é necessário, agora, mais do que nunca, ter a coragem política de reconhecer
que a orientação política do PCB está superada e não corresponde à realidade do
movimento operário e popular do momento que hoje atravessamos. Estamos
atrasados no que diz respeito à análise da realidade brasileira e não temos
respostas para os novos e complexos problemas que nos são agora apresentados
pela própria vida, o que vem sendo refletido na passividade, falta de
iniciativa e, inclusive, ausência dos comunistas na vida política nacional de
hoje.
A crise que atravessa o PCB expressa-se também na falência
de sua direção que, entre outras graves deficiências, não foi capaz de preparar
os comunistas para enfrentar os anos negros do fascismo, facilitando à reação
obter êxito em seu propósito de atingir profundamente as fileiras do PCB,
desarticulando-o em grande parte. Não foi a direção do PCB capaz nem ao menos
de cumprir o preceito elementar de separar com o necessário rigor a atividade
legal da ilegal. Inúmeros companheiros tombaram nas mãos da reação em
conseqüência da incapacidade da direção, que não tomou as providências
necessárias para evitar o rude golpe que atingiu nossas fileiras nos anos de
1974 e 1975.
Ao mesmo tempo, graves acontecimentos tiveram lugar na
direção do PCB, que, devido à situação de clandestinidade em que nos encontramos,
estou impossibilitado de revelar de público. Tais circunstâncias estão sendo
utilizadas pela atual direção do PCB para desencadear uma onda de boatos e
calúnias e para, numa tentativa desesperada de se manter no poder e conservar o
status-quo, ocultar a verdade da maioria dos companheiros. Assim, vem sendo
levantada a bandeira da unidade do PCB para na realidade encobrir uma atividade
divisionista e de simples acobertamento de graves fatos ocorridos na direção.
Na verdade, uma real unidade em torno de objetivos politicamente claros e
definidos inexiste há muito tempo.
Nessas condições, sinto-me no dever de alertar os comunistas
para a real situação da atual direção do PCB: uma direção que não funciona como
tal e não é capaz de exercer o papel para o qual foi eleita, um Comitê Central
em que não é exercido o princípio da direção coletiva – caracterizado pela
planificação e o controle das resoluções tomadas pela maioria —, no qual reina
a indisciplina e a confusão, em que cada dirigente se julga no direito de fazer
o que entende. Na prática, inexiste uma direção do PCB. A situação chegou a tal
ponto que fatos e, assuntos reservados, que eram de conhecimento exclusivo dos
membros do CC, estão sendo revelados à polícia por intermédio das páginas da
imprensa burguesa, causando a justa indignação da grande maioria de nossos
companheiros e amigos.
Sem me propor, nesta carta, a analisar as causas profundas
que determinaram a situação a que chegou o movimento comunista em nossa Terra,
considero, no entanto, necessário tornar claros os meus pontos de vista sobre
algumas questões fundamentais, de forma que os companheiros e amigos possam
julgar sobre sua justeza. Ao mesmo tempo, quero deixar claro que não me eximo
de minha parcela de responsabilidade e me considero o principal responsável
pelos erros e deformações existentes no PCB. Minha atitude não é de fugir à
necessária autocrítica – em palavras e na prática —, mas, ao contrário, de
tomar a iniciativa de torná-la pública, procurando, assim, contribuir para o
avanço da luta pelos ideais socialistas em nosso País e para a reorganização do
movimento comunista do Partido Comunista.
Numa atitude diametralmente oposta, a atual direção do PCB –
apesar dos graves acontecimentos ocorridos nos últimos anos – nega-se a uma
séria e profunda autocrítica. Quando muito, satisfaz-se com a realização de
repetidas e já desmoralizadas autocríticas formais, que, entretanto, nunca se
tornam uma realidade palpável. Assim, nega-se a direção atual a reconhecer que
a situação do País sofreu grandes transformações, tornando necessária uma ampla
discussão democrática de todos os problemas, incluindo as resoluções do último
Congresso do PCB. Recusa-se a analisar com espírito crítico se são de todo
acertadas as resoluções desse Congresso e pretende ainda agora apresentá-las
como um dogma indiscutível para, com base nelas, exigir uma suposta unidade
partidária, que lhe permita encobrir e conservar por mais algum tempo a atual
situação do Partido e de sua direção.
Na verdade, a justa preocupação da maioria dos comunistas
com a unidade do PCB vem sendo utilizada pela atual direção como um biombo para
tentar ocultar a falta de princípios reinante nessa direção, o apego aos cargos
e postos, o oportunismo dos que mudam de posição política para atender a interesses
pessoais, a tradicional conciliação em torno de formulações genéricas que nada
definem e que visam apenas a manutenção do status-quo, deixando, ao mesmo
tempo, as mãos livres para que cada dirigente faça o que bem entenda. Citarei
apenas um exemplo: o mesmo Comitê Central que em outubro de 1978 aprovara e
distribuíra ao Partido um documento político, contra o qual votaram apenas dois
membros da direção, poucos meses depois, no começo de 1979, se propunha a
aprovar um novo documento com orientação política oposta ao primeiro, sem antes
ter feito um balanço da aplicação e dos resultados obtidos com a política
apresentada em outubro de 78. O meu repúdio, na qualidade de Secretário Geral
do PCB, a tal tipo de procedimento levou a que a maioria do CC, revelando mais
uma vez sua verdadeira face oportunista e total falta de princípios, recuasse e
se chegasse à aprovação de um documento de conciliação, anódino e inexpressivo,
em maio do ano passado.
O oportunismo, o carreirismo e compadrismo, a falta de uma
justa política de quadros, a falta de princípios e a total ausência de
democracia interna no funcionamento da direção, os métodos errados de condução
da luta interna, que é transformada em encarniçada luta pessoal, em que as
intrigas e calúnias passam a ser prática corrente da vida partidária adquiriram
tais proporções, que me obrigam a denunciar tal situação a todos os comunistas.
Não posso admitir que meu nome continue a ser usado para dar cobertura a uma
falsa unidade, há muito inexistente. Reconhecendo que sou o principal
responsável pela atual situação a que chegaram o PCB e sua direção, assumo a
responsabilidade de denunciá-la a todos os companheiros, apelando para que
tomem os destinos do movimento comunista em suas mãos.
Quero lembrar ainda que, para cumprir o papel revolucionário
de dirigir a classe operária e as massas trabalhadoras rumo ao socialismo, é
necessário um partido revolucionário que baseado na luta pela aplicação de uma
orientação política correta conquiste o lugar de vanguarda reconhecida da
classe operária. Um partido operário pela sua composição e pela sua ideologia,
em que a democracia interna, a direção coletiva e a unidade ideológica,
política e orgânica seja uma realidade construída na luta. Somos obrigados a
reconhecer que este não é o caso do PCB. Por isso mesmo, tornou-se imperioso
para todos os comunistas tomar consciência da real situação existente e começar
a reagir, formulando novos métodos de vida partidária realmente democráticos e
efetivamente adequados às tarefas que a luta revolucionária coloca diante de
nós; é necessário reagir às arbitrariedades e deformações que já atingem
proporções alarmantes e dar início a um processo de discussão realmente
democrático, que venha tornar possível a eleição, em todos os níveis partidários,
de direções que realmente sejam a expressão democrática da vontade da maioria
dos comunistas. É necessário lutar por um outro tipo de direção, inteiramente
diferente da atual, com gente nova, com comunistas que efetivamente possuam as
qualidades morais indispensáveis aos dirigentes de um partido revolucionário.
Não é mais admissível a perpetuação da atual direção que está levando o PCB à
falência em todos os terrenos.
A convocação do VII Congresso do PCB, dentro dessa
perspectiva, deve ser transformada no início de um processo de ampla discussão,
por parte de todos os comunistas, não só das linhas gerais de nossa política,
como de uma série de aspectos da atividade da direção. Esta é a oportunidade de
cobrar da direção tudo que aconteceu nos últimos anos: a falta de preparação
para enfrentar a repressão fascista e o conseqüente desmantelamento de todo o
aparelho partidário; as prisões e os desaparecimentos de tantos companheiros e
amigos; a ausência de democracia interna, o arbítrio, a falta de planejamento e
controle das tarefas decididas; o comportamento dos dirigentes diante do
inimigo de classe; a execução prática do chamado "desafio histórico"
aprovado no VI Congresso e a falta de empenho em organizar o partido na classe
operária; a atividade política da direção nas diferentes frentes de trabalho; a
orientação política seguida na Voz Operária; e muitos outros aspectos do
trabalho de direção.
Considero imprescindível destacar que o VII Congresso só
cumprirá um papel realmente renovador, tanto no que diz respeito à elaboração
de uma orientação política correta e adequada às novas condições existentes no
País e verdadeiramente representativa da vontade da maioria dos comunistas,
como no que concerne à eleição de um novo tipo de direção à altura dessa nova
orientação, se os debates preparatórios e todos os procedimentos de sua
realização forem realmente democráticos. Não posso admitir, nem concordar com a
volta ao "arrudismo", à utilização de métodos discricionários e
autoritários na condução da luta interna, à manipulação dos debates, à
rotulação das pessoas com as mais variadas etiquetas do tipo
"esquerdista", "eurocomunista", "ortodoxo",
"duro", etc. Não é admissível que se continue a usar de expedientes,
como a nomeação de delegados a conferências partidárias, para as quais deveriam
ser democraticamente eleitos pelas organizações a que pertencem.
A democracia no processo de realização do VII Congresso
precisa ser defendida com empenho por todos os comunistas. É necessário que
todos – e em particular os dirigentes – falem abertamente o que pensam; devemos
repudiar o comportamento dos que calam de público para falarem pelas costas ou
transmitirem informações sigilosas à imprensa burguesa sem ter sequer a coragem
de se identificar.
Quero ainda dizer que tenho conhecimento do quanto estou
sendo caluniado e atacado pelas costas. Isso é mais uma prova dos métodos
falsos a que me referi acima. Devo deixar claro que, não obstante ser o
primeiro a achar que, inclusive pela minha idade já avançada, deveria deixar a
direção do PCB, só poderei concordar com a minha substituição num Congresso
realmente democrático. Não aceitarei meu afastamento decidido por algum tipo de
Congresso-farsa, manipulado e antidemocrático, em que os próprios destinos do
PCB e de nossa causa revolucionária corram perigo.
Sei que poderei vir a ser derrotado no Congresso; o
importante, entretanto, é que este seja realmente democrático e verdadeiramente
representativo da maioria dos comunistas. E para isso é necessário que sejam
criadas as devidas condições, pois na situação atual, de virtual
desmantelamento do PCB pela reação, de permanência da Lei de Segurança Nacional
e de séria crise interna, são praticamente impossíveis um debate e uma
participação realmente democráticos num Congresso realizado na clandestinidade.
Temos que reconhecer que, nessas condições, o VII Congresso seria uma farsa,
inaceitável para a grande maioria dos comunistas. Trata-se, portanto, de
prioritariamente dar início a uma ampla campanha pela legalização do PCB,
desmascarando o anticomunismo daqueles que a pretexto de defender uma suposta
democracia pugnam pela manutenção dos odiosos preceitos da Lei de Segurança
Nacional que proíbem a reorganização do Partido Comunista. É preciso esclarecer
as amplas massas de nosso povo, mostrando-lhes que o PCB sempre esteve nas
primeiras fileiras de todas as lutas democráticas em nosso País e sempre foi a
principal vítima da repressão e do fascismo.
É necessário deixar claro que a legalização do PCB terá que
ser uma conquista do movimento de massas e de todas as forças realmente
democráticas em nosso País. Os trâmites legais junto ao Tribunal Superior
Eleitoral estarão fadados ao fracasso, se a legalidade do PCB não se
transformar numa exigência das massas, que, nas ruas, imponham sua vontade,
como o fizeram em 45. A ditadura jamais nos concederá a legalidade sem luta; o
que ela tenta, neste momento, é, aproveitando-se da crise interna do PCB,
forçá-lo a um acordo. Acordo este que significaria um compromisso com a
ditadura, incompatível com o caráter revolucionário e internacionalista do PCB,
compromisso que colocaria o Partido a reboque da burguesia e a serviço da
ditadura e inaceitável, portanto, à classe operária e a todos os verdadeiros
revolucionários.
Empenhar-se numa intensa campanha pela legalização do PCB e
pela conseqüente realização do VII Congresso na legalidade não deve,
entretanto, servir de obstáculo ao início do debate preparatório para o
Congresso, que poderá ir-se ampliando com o desenvolvimento da própria campanha
pelo registro legal do PCB. A luta pela nossa legalidade é inseparável do
empenho para que a democracia interna venha a ser uma realidade. Devemos ter
claro que num país como o nosso, com a complexidade dos problemas que temos
pela frente, é necessário um Partido Comunista de massas, o que só poderá se
transformar em realidade se vier a ser um partido verdadeiramente democrático,
não apenas em seu empenho na luta pela democracia em nossa Terra, como também
em todos os aspectos de seu funcionamento.
A gravidade da crise que atravessa o PCB, a flagrante
ausência de democracia interna e as profundas deformações no terreno da
organização não estão dissociadas dos erros e desvios em nossa orientação
política. Não se pode separar a elaboração de uma estratégia revolucionária da
estratégia de construção de uma organização revolucionária. Ambas se
condicionam reciprocamente. A estratégia revolucionária é a condição da
eficiência da organização, e a organização é a condição da formulação de uma
estratégia correta.
Sem pretender, nesta carta, uma análise aprofundada dos
erros a meu ver cometidos na elaboração de nossa orientação política em
diferentes períodos da história do PCB – tarefa que me proponho a realizar
posteriormente —, quero apenas me referir a algumas questões que me parecem de
maior atualidade e urgência, deixando clara minha posição.
Assim, considero importante destacar que, apesar do total
arbítrio e do autoritarismo dominantes no País a partir do golpe reacionário de
1964, os governos que se sucederam em 16 anos não resolveram nem um só dos
problemas fundamentais da Nação. Ao contrário, foram todos agravados. Aumentou
a miséria dos trabalhadores, agravaram-se as desigualdades sociais, cresceu
consideravelmente a dependência do País ao imperialismo, tornou-se mais crítica
a situação do campo com as transformações capitalistas ocorridas na agricultura
e as modificações introduzidas no sistema latifundiário que levaram, entre
outras conseqüências, à proliferação do minifúndio e dos chamados
"bóias-frías". Simultaneamente, cresceu vertiginosamente a
criminalidade e a violência nas grandes cidades, agravaram-se problemas antigos
como o do menor abandonado, do desemprego, a falta de assistência médica, o
analfabetismo e a prostituição de menores. Isto comprova, mais uma vez, que o
desenvolvimento capitalista não é capaz de resolver os problemas do povo e nem
sequer de amenizá-los.
A solução desses e demais problemas fundamentais exige
transformações sociais profundas, que só poderão ser iniciadas por um poder que
efetivamente represente as forças sociais interessadas na liquidação do domínio
dos monopólios nacionais e estrangeiros e na limitação da propriedade da terra,
com o fim do latifúndio. E é por isso que a luta atual pela derrota da ditadura
e a conquista das liberdades democráticas é inseparável da luta por esse tipo
de poder que, pelo seu próprio caráter, representará um passo considerável no
caminho da revolução socialista no Brasil.
Vejo a luta pela democracia em nossa Terra como parte
integrante da luta pelo socialismo. É no processo de mobilização pela conquista
de objetivos democráticos parciais, incluindo as reivindicações não apenas
políticas, mas também econômicas e sociais, que as massas tomam consciência dos
limites do capitalismo e da necessidade de avançar para formas cada vez mais
desenvolvidas de democracia, inclusive para a realização da revolução
socialista.
É de acentuar que no Brasil sempre dominaram regimes
políticos autoritários. Mesmo nos melhores períodos de vigência da Constituição
de 1946, as liberdades sempre foram muito limitadas e, principalmente, os
trabalhadores nunca tiveram seus direitos mais elementares respeitados e
reconhecidos. Tivemos sempre democracia para as elites, enquanto, para as
grandes massas de nosso povo, o que sempre existiu foram a violência policial,
tanto dos chefes políticos e caciques do interior, como das autoridades nas
grandes cidades, e o total desrespeito pela pessoa humana e pelos direitos do
cidadão.
Justamente por isso, nós comunistas, ao lutarmos agora pela
derrota da ditadura, devemos fazê-lo esclarecendo as massas e dirigindo-as rumo
à conquista de um regime efetivamente democrático. Lutamos agora por um regime
em que sejam assegurados os direitos políticos, econômicos e sociais dos
trabalhadores. A derrota da ditadura deve levar a um regime em que os
trabalhadores tenham o direito de participarem ativamente na solução de todos
os problemas da Nação; que assegure o desmantelamento do atual aparelho
repressivo, que dê fim ao velho "hábito" das torturas, inclusive para
os presos comuns; que garanta o voto livre, universal e direto para todos os
cidadãos, incluindo os analfabetos e militares dele ainda privados; que
assegure o direito ao trabalho, à educação e saúde, férias remuneradas e
aposentadoria para todos os trabalhadores; em que sejam respeitados todos os
direitos dos trabalhadores, destacando-se a total independência do movimento
sindical do Estado, dos patrões e dos partidos políticos.
Certamente, as características do regime democrático a ser
instaurado no País com o fim da ditadura dependerão fundamentalmente do nível
de unidade, organização e consciência alcançado pelo movimento operário e
popular. Cabe aos comunistas empenhar-se no esforço de mobilização da classe
operária e demais setores populares para alcançar formas cada vez mais
avançadas de democracia e, nesse processo, chegar à conquista do poder pelo
bloco de forças sociais e políticas interessadas em realizar as profundas transformações
a que me referi acima, e que deverão constituir os primeiros passos rumo ao
socialismo, e, portanto, à mais avançada democracia que a humanidade já conhece
– a democracia socialista.
Nós, comunistas, não podemos abdicar de nossa condição de
lutadores pelo socialismo, restringindo-nos à suposta "democracia"
que nos querem impingir agora os governantes, nem às conquistas muito limitadas
alcançadas pela atual "abertura", que na prática exclui as grandes
massas populares. Não podemos concordar com uma situação que assegure
liberdades apenas para as elites, em que a grande maioria da sociedade continua
na miséria e sem a garantia dos mais elementares direitos humanos.
Um partido comunista não pode, em nome de uma suposta
democracia abstrata e acima das classes, abdicar do seu papel revolucionário e
assumir a posição de freio dos movimentos populares, de fiador de um pacto com
a burguesia, em que sejam sacrificados os interesses e as aspirações dos
trabalhadores. Ao contrário, para os comunistas, a luta pelas liberdades
políticas é inseparável da luta pelas reivindicações econômicas e sociais das
massas trabalhadoras. E no Brasil atual, a classe operária está dando provas,
cada vez mais evidentes, de que não está mais disposta a aceitar a
"democracia" que sempre lhe foi imposta pelas elites e pelas classes
dominantes. Os trabalhadores estão passando a exigir sua participação efetiva
em um novo regime democrático a ser construído com o fim da ditadura, o que
significa que lutarão por uma democracia em que tenham não apenas o direito de
eleger representantes ao parlamento, mas lhes sejam assegurados melhores
salários e condições mais dignas de vida, em que seus direitos sejam uma
realidade e não apenas uma ficção. E o dever dos comunistas é dirigir essas lutas
dos trabalhadores, contribuindo para sua unidade, organização e
conscientização, mostrando-lhes que é necessário caminhar para o socialismo,
única forma de assegurar sua real emancipação.
Simultaneamente, apresenta-se a questão da aliança dos
comunistas com outras forças sociais e políticas. No momento atual, o objetivo
mais importante a ser alcançado é a derrota da ditadura e, para isto, a
conseqüente conquista de reivindicações políticas que ampliem cada vez mais a
brecha já aberta no regime e levem ao estabelecimento de uma democracia no
País. Não devemos, portanto, poupar esforços no sentido de aglutinar as mais
amplas forças sociais e políticas, mesmo aquelas mais vacilantes e que sabemos
que nos abandonarão em etapas ulteriores da luta. Seria, no entanto, abdicar de
nosso papel revolucionário tratarmos apenas dos entendimentos "por
cima", com os dirigentes dos diversos partidos políticos ou correntes de
opinião, com as personalidades políticas, esquecendo-nos que para os comunistas
o fundamental é a organização, a unificação e a luta permanente pela elevação
do nível político da classe operária e das massas populares. Só assim
contribuiremos para fortalecer o movimento popular e a frente oposicionista de
luta contra a ditadura, compelindo seus setores liberais burgueses mais
vacilantes e se definirem com mais clareza, e contribuindo, também,
fundamentalmente, para que os trabalhadores venham a ser a força dirigente do
conjunto das forças heterogêneas unificadas em ampla frente única.
Só assim agindo, realizarão os comunistas uma política capaz
de impulsionar o movimento de massas, uma política que não pode ser a de ficar
a reboque dos aliados burgueses, mas, ao contrário, a de não poupar esforços
para que as massas assumam a liderança do processo de luta contra a ditadura e
pela conquista da democracia, assim como de sua ampliação e aprofundamento
continuado.
Não podemos, pois, compactuar com aqueles que defendem
"evitar tensões", freando a luta dos trabalhadores em nome de
salvaguardar supostas alianças com setores da burguesia. Ao contrário, sem cair
em aventuras, é hoje, mais do que nunca, necessário contribuir para transformar
as lutas de diferentes setores de nosso povo em um poderoso movimento popular,
bem como é dever dos comunistas tomar a iniciativa da luta pelas reivindicações
econômicas e políticas dos trabalhadores, visando sempre alcançar a derrota da
ditadura e a conquista de uma democracia em que os trabalhadores comecem a
impor sua vontade.
Com base na argumentação acima desenvolvida, não se pode
deixar de chegar à conclusão lógica de que é totalmente infundada a
contraposição, que vem sendo a mim atribuída, entre uma suposta "frente de
esquerda" e uma "frente democrática" ou de oposição. Jamais
coloquei o problema dessa maneira, o que não passa de mais uma deturpação do
meu pensamento, útil àqueles que precisam tergiversar minhas idéias para poder
combatê-las. Penso que, para chegarmos à construção de uma efetiva frente
democrática de todas as forças que se opõem ao atual regime, é necessário que
se unam as forças de "esquerda" – quer dizer, aquelas que lutam pelo
socialismo – no trabalho decisivo de organização das massas "de baixo para
cima"; que elas se aglutinem, sem excluir também entendimentos entre seus
dirigentes, com base numa plataforma de unidade de ação, e que, dessa maneira,
cheguem a reunir em torno de si os demais setores oposicionistas, tornando-se a
força motriz da frente democrática. Esta é a perspectiva revolucionária de
encaminhamento da luta contra a ditadura, a que mais interessa à classe
operária e a todos os trabalhadores. Será a constituição em nosso País, pela
primeira vez, da unidade de diversas forças que lutam pelo socialismo.
Colocam-se contra essa possibilidade os que preferem ficar a reboque da
burguesia e que buscam, com isto, mais uma vez, chegar em nosso País a uma
democracia para as elites, da qual não participariam os trabalhadores.
Quando me referi à necessidade das diferentes forças de
"esquerda" caminharem juntas, tenho em vista a nova situação que vem
se formando no País. Estamos vivendo um período, quando a reanimação do
movimento operário e popular vem revelando, por um lado, que todas as forças de
"esquerda", incluindo o PCB, tem cometido graves erros, tanto de
avaliação da situação nacional, como de encaminhamento das soluções necessárias
e possíveis e, consequentemente, de atuação. E, por outro lado, a necessidade
de formação de uma liderança efetiva, capaz de dirigir as lutas de massas
dentro de uma perspectiva revolucionária correia e adequada à situação
brasileira. Está, portanto, na ordem do dia a questão da unidade de todos que
se propõem a lutar efetivamente por uma perspectiva socialista para o Brasil.
No que diz respeito ao PCB, sou de opinião de que, tendo
sido correto combater os desvios "esquerdistas" e
"golpistas", após o golpe de 1964, caímos do outro lado, em posições
próximas do reboquismo e da passividade. Devemos reconhecer, inclusive, que o
PCB não teve a capacidade de apresentar uma alternativa (principalmente uma
estratégia) correta de luta contra a ditadura, contribuindo, assim, para que
muitos revolucionários honestos, particularmente os jovens que não queriam-se
conformar com o arbítrio instaurado no País, enveredassem pelo caminho de ações
individuais ou desligadas das massas e que só poderiam conduzir a sucessivas
derrotas.
É importante ainda chamar a atenção dos comunistas para o
fato de nas fileiras do PCB ter-se convertido a luta justa contra os desvios
"esquerdistas" e "golpistas" numa obsessão quase cega, que
nos tem levado frequentemente a identificar qualquer atitude ou posição
combativa pelas causas justas dos trabalhadores com um suposto
"esquerdismo" ou "golpismo".
Tudo isso torna imprescindível que se inicie entre os
comunistas, tanto dentro, como fora do PCB, um amplo processo de análise
autocrítica das posições das diferentes forças de "esquerda" e, em
particular, do PCB. É necessário rever com espírito autocrítico a orientação
política que mantivemos em diferentes períodos históricos e em especial, as
resoluções aprovadas no VI Congresso e nos anos que se seguiram. Devemos
examinar a que resultados concretos fomos levados pela aplicação de tais
resoluções e fazer um esforço coletivo que conduza à elaboração de soluções
adequadas à situação do Brasil de hoje, partindo do princípio de que nosso
objetivo final, enquanto comunistas, só pode ser um: a construção da sociedade
socialista e do comunismo em nossa Terra. E para isso, é imprescindível que
todos aqueles que queiram contribuir para a vitória desses objetivos unam suas
forças e procurem chegar a um programa comum, sem cair nem na cópia de modelos
estrangeiros, nem na negação das leis gerais do desenvolvimento social.
Quando me referi à necessidade de formular o programa dos
comunistas, tenho em vista chegarmos, através de um processo de discussão
efetivamente livre, à elaboração do caminho para o socialismo nas condições
brasileiras e à sua aprovação de forma democrática.
Como já tive ocasião de assinalar, a própria prática social
vem mostrando o quanto as forças de "esquerda" estão atrasadas na
realização desse objetivo. Não pretendo apresentar nesta carta uma proposta de
programa. Sou de opinião que essa tarefa só poderá ser realizada com a
colaboração de todos que, em nosso País, estão empenhados na luta pelo socialismo,
comunistas ou não, membros do PCB, de outras organizações de
"esquerda" ou "independentes".
Penso que o eixo central desse programa deve ser tal que
apresente, com a necessária clareza, qual o processo que, nas condições de
nosso País, poderá e deverá ligar a luta atual pela derrota definitiva da
ditadura e a conquista de um regime democrático com a luta pelo socialismo no
Brasil.
Trata-se, portanto, de se enfrentar e dar solução a um
conjunto de questões teóricas e práticas de grande complexidade. Questões que
só poderão ser elaboradas através do estudo aprofundado das transformações
econômicas, sociais, políticas e culturais que se vêm processando em nosso
País, bem como das novas condições em que se encontra o mundo na atualidade.
Penso que, na elaboração do programa é necessário partir de
algumas idéias básicas que pretendo desenvolver posteriormente, para os debates
do VII Congresso. Em primeiro lugar, partir do pressuposto de que cabe aos
comunistas, desde já, organizar e unir as massas trabalhadoras na luta pelas
reivindicações econômicas e políticas que se apresentam no próprio processo de
luta contra a ditadura. É partindo dessas lutas, da atividade cotidiana junto
aos mais diferentes setores populares, principalmente junto à classe operária,
que poderemos avançar no sentido do esclarecimento das massas para que cheguem
à compreensão da necessidade das transformações radicais de cunho
antimonopolista, antiimperialista e antilatifundiário. É necessário mostrar aos
trabalhadores que os grandes problemas que afetam a vida de nosso povo só
poderão ser solucionados com a liquidação do poder dos monopólios nacionais e
estrangeiros e do latifúndio, e que isto só será conseguido com a formação de
um bloco de forças antimonopolistas, antiimperialistas e antilatifundiárias,
capaz de assumir o poder e de dar início a essas transformações. Poder que,
pelo seu próprio caráter, significará um passo decisivo rumo ao socialismo. E
para que esse processo tenha êxito, é indispensável que a classe operária – a
única conseqiientemente revolucionária – seja capaz de exercer o papel
dirigente do referido bloco de forças. Mas este papel dirigente só se conquista
na luta. O dever dos comunistas é exatamente o de contribuir para que esse
objetivo seja alcançado.
Companheiros e amigos!
Esta carta constitui como que a reafirmação da confiança que
tenho nos comunistas e na classe operária, na sua capacidade de reflexão sobre
a grave situação que atravessa o PCB. Chegou o momento em que é indispensável
que os comunistas rompam com a passividade e tomem os destinos do PCB em suas
mãos, rebelando-se contra as arbitrariedades e os métodos mandonistas de
direção, e tratando de eleger, em todos os níveis partidários, direções que
realmente sejam a expressão democrática da maioria dos comunistas. Penso ter
evidenciado o quanto tem de excepcional a situação que me levou a formular este
apelo a todos os comunistas para iniciar um processo de mudanças radicais que
deverá ser coroado com a discussão e aprovação democráticas de uma orientação verdadeiramente
revolucionária e a eleição também democrática de um novo tipo de direção à
altura desta nova orientação."
Rio de Janeiro, Março de 1980.
Luiz Carlos Prestes