22 DE NOVEMBRO DE 1910: A REVOLTA DA CHIBATA COMO EXPRESSÃO
DA LUTA DOS TRABALHADORES NEGROS CONTRA A EXPLORAÇÃO CAPITALISTA
Publicamos em comemoração da Revolta da Chibata o artigo
elaborado pela LBI em 2010, quando o levante dos marinheiros negros completou
100 anos. O debate sobre a luta dos explorados negros dentro da sociedade de
classe brasileira está mais vivo do que nunca, na medida que a burguesia ataca
e explora o conjunto da classe, em especial os trabalhadores negros que são
também alvo de racismo. Entretanto, os Marxistas Revolucionários compreendem
esse combate como parte da luta da classe trabalhadora contra os capitalistas,
para liquidar o modo de produção burguês na senda da Ditadura do Proletariado e
não “apenas” como uma questão de raça ou cor. Nesse sentido, nos opomos pelo
vértice a ideologia pequeno-burguesa do “empoderamento negro” dentro do
capitalismo e como forma de “democratizar” as instituições senis deste regime
político, como vem apregoando a esmagadora maioria da “esquerda” reformista e
mesmo aqueles que se proclamam revolucionários. Os trabalhadores negros, ao
lado de seus irmãos de classe brancos, mestiços e dos povos originários
(“índios”) devem unir-se por seus interesses históricos e imediatos, que não
estão limitados a questão da raça e da cor mas sim aos seus objetivos
estratégicos socialistas enquanto trabalhadores e oprimidos pela classe
dominante.
100 ANOS DA REVOLTA DA CHIBATA: HERÓICA BATALHA DOS
MARINHEIROS NEGROS DESNUDA INCAPACIDADE DA REPÚBLICA BURGUESA DE LIQUIDAR A
ESCRAVIDÃO MODERNA
(ARTIGO PUBLICADO PELA LBI 18/11/2010)
A Revolta da Chibata, insurreição dos marinheiros liderada
por João Cândido completa cem anos neste 22 de novembro. Ao contrário da
maioria dos levantes militares ocorridos durante a chamada República Velha
(1889-1930), fruto das disputas políticas entre as frações oligárquicas ou dos
anseios pequeno-burgueses do movimento tenentista, a revolta dos marinheiros em
1910 refletiu a luta das massas oprimidas pelo regime de exploração capitalista
erguido sobre as estruturas remanescentes do período escravista, o latifúndio e
a produção agrícola voltada para a exportação, herança de um país submetido à
condição de semicolônia do imperialismo.
A principal reivindicação dos marinheiros era o fim dos
castigos físicos. Acabar com o suplício da chibata, o sofrimento e a humilhação
de serem surrados com até 250 chibatadas diante dos seus companheiros e dos
oficiais, como corretivo pela prática de ações consideradas como faltas
disciplinares por seus superiores hierárquicos racistas. A maioria dos
marinheiros era de negros e mestiços, já os oficiais da Marinha do Brasil
provinham de tradicionais famílias oligárquicas de fortes tradições
monarquistas e escravocratas. Isso explica porque, mesmo após ter sido
oficialmente abolida há mais de 20 anos (Lei Áurea de 1888), a escravidão
continuava reinando nas reacionárias forças armadas brasileiras.
Nas primeiras décadas da república burguesa, a forma de
recrutamento para as forças armadas ainda continuava a mesma do período
imperial, ou seja, os pobres e marginalizados eram muitas vezes laçados ao
estilo capitão do mato e conduzidos à força para o serviço militar, sendo
apresentados como voluntários.
MARINHEIROS AMOTINADOS APONTAM CANHÕES PARA A CAPITAL RIO DE
JANEIRO
Além de exigir a abolição da chibata, os marinheiros
reivindicam também a implantação de uma escala de trabalho para reduzir a
exaustiva jornada diária, o aumento do soldo, direito à educação e a anistia
para os participantes da revolta. Sob a liderança de João Cândido, que assumiu
o comando do encouraçado "Minas Gerais", os marujos sublevados
tomaram inicialmente os navios "São Paulo", "Bahia" e
"Deodoro", concentrando em suas mãos o maior poder de fogo da
esquadra. Realizando habilidosas manobras pela Baía da Guanabara, apontaram os
canhões para a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, e exigiram do
governo recém eleito do Presidente Marechal Hermes da Fonseca o atendimento de
suas reivindicações, dando a este um prazo de 12 horas.
Ao todo, 2.379 marinheiros aderiram ao levante. Mas mesmo os
que não tomaram parte diretamente não deixaram de prestar solidariedade, como
foi o caso do radiotelegrafista do navio Timbira, que não aderiu à revolta, mas
foi preso por avisar João Cândido sobre os planos dos oficiais da Marinha de
realizarem um ataque durante a noite.
Um fato que surpreendeu os oficiais e as elites em geral foi
a capacidade de organização dos marinheiros, considerados pela classe dominante
como homens ignorantes. Os planos para uma insurreição já estavam preparados
havia algum tempo. Mesmo assim, os marinheiros souberam manter o mais absoluto
segredo, elemento fundamental para o sucesso de uma atividade conspirativa.
Toda a operação foi dirigida por um comando geral, do qual faziam parte João
Cândido, do Minas Gerais, Gregório Nascimento, do São Paulo, André Avelino, do
Deodoro, Ricardo do Freitas e Francisco Dias Martins, do Bahia. Desse grupo,
Francisco Dias Martins, o "Mão Negra", foi o responsável pela redação
dos comunicados enviados ao governo. Não foi, portanto, um movimento
espontâneo, mas uma ação preparada com todos os segredos da arte conspirativa.
UMA ÉPOCA DE ASCENSO DAS LUTAS DOS TRABALHADORES COMO CLASSE OPRIMIDA E EXPLORADA
A Revolta da Chibata ocorreu numa época de ascenso das lutas
dos explorados. No início da década, em 1904, o Rio de Janeiro já havia sido
sacudido pela Revolta da Vacina, quando a população rebelou-se contras os
baixos salários e as péssimas condições de vida imposta pelo regime oligárquico
que considerava a questão social como uma "questão de polícia". No
mesmo ano de 1910 estourou a Revolução Mexicana, numa crescente onda
revolucionária que culminou com o triunfo da gloriosa Revolução de Outubro de
1917 na Rússia. Não foi por acaso que a burguesia tremeu a ver tremular nos
mastros dos navios rebelados a bandeira vermelha do proletariado, que
instintivamente foi erguida pelos marinheiros como sinal de adesão à revolta.
A utilização do método da ação direta, obrigando o Estado
burguês a ceder suas reivindicações sob o poder das armas, foi uma importante
lição que os marinheiros negros da Revolta da Chibata deixaram para as massas
exploradas e oprimidas. Mas o movimento tinha seus limites. Além de não
estabelecer vínculos com as lutas da classe trabalhadora, os marinheiros
comandados por João Cândido tinham a ilusão que poderiam assegurar suas
conquistas nos marcos do Estado burguês. Dessa forma, confiaram no chefe da
república oligárquica, o Marechal Hermes da Fonseca e na farsa montada pelo
Congresso Nacional: depuseram as armas, entregando o comando dos navios aos
oficiais reacionários sedentos por vingança, após a aprovação da anistia.
Mais uma vez confirmou-se uma máxima: o que a burguesia cede
com uma das mãos sob a pressão da luta dos explorados, retira logo em seguida
com as duas mãos. A violenta perseguição e repressão que se seguiu, com a
prisão tortura e assassinatos dos lideres e participantes do levante é uma
prova irrefutável de que nenhuma conquista do povo negro e das massas
trabalhadoras exploradas em geral pode estar realmente assegurada enquanto os
exploradores mantiverem o poder político em suas mãos através do seu Estado
opressor.