16 DE NOVEMBRO DE 1922 - NASCE O GRANDE ESCRITOR PORTUGUÊS:
A CEGUEIRA QUE ACOMETEU O MILITANTE SARAMAGO
(ARTIGO DA LBI PUBLICADO EM 22/06/2010)
O escritor português José Saramago nascido em 16 de novembro
de 1922 faleceu em junho de 2010 aos 87 anos na ilha de Lanzarote, no
arquipélago espanhol das Canárias, onde foi viver em protesto contra o
clericalismo do governo português. Durante o ano de 1991, em plena
"democracia", seu livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo"
foi proibido de se inscrever representando Portugal na disputa pelo Prêmio
Literário Europeu pelo governo do país, herdeiro da inquisição medieval e da
ditadura de Salazar, por ser considerada uma obra "ofensiva para o
catolicismo do povo português". Ao lado de Camões e Fernando Pessoa,
Saramago posta-se como o terceiro maior escritor lusitano. Cumpriu um papel
progressivo na luta contra o obscurantismo religioso em seu país e conta em favor
dele que o jornal do Vaticano, em nota sobre seu falecimento, o amaldiçoe como
"um homem e um intelectual de nenhuma admissão metafísica, ancorado até ao
fim numa confiança arbitrária no materialismo histórico, aliás marxismo"
(L'Osservatore Romano, 19/06). Mas, embora declarasse que "assim como
tenho no corpo um hormônio que me faz crescer a barba, há outro que me obriga a
ser comunista", as posições políticas do escritor, falsamente
identificadas pela reação e reivindicadas pelo próprio como marxistas, revelam
que seus "hormônios stalinistas", desde quando ingressou no PCP em
1969, o condicionaram a ser um escritor pequeno burguês, defensor da
colaboração de classes desde a Revolução dos Cravos, do pacifismo, do mito da
cidadania, além de atuar de acordo com a opinião pública democrática do grande
capital.N ão por acaso, chegou a receber do imperialismo a
condecoração maior dada a um escritor, sendo o único português a receber o
Nobel de Literatura. Em seguida, condenou o Estado operário cubano por combater
a espionagem imperialista e assim como o mais cego de seus personagens em
"Ensaio sobre a cegueira" passou a ser garoto propaganda de Obama.
SARAMAGO E O PCP NA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
No início dos anos 1990, Saramago foi prejudicado pela
democracia que ele ajudou a consolidar, abortando através da política de
conciliação de classes do Partido Comunista Português, a luta por uma autêntica
revolução social que varresse todo o lixo reacionário, clerical e ditador
imposto pela burguesia portuguesa. Vale lembrar que o PCP, do qual Saramago era
militante desde 1969, foi um dos principais articuladores para que a ebulição
revolucionária de 1974, que derrotou a ditadura Salazar e a intervenção
colonialista do país na África, fosse contida nos marcos burgueses. O PCP e
Saramago apostaram na reacionária utopia da transição pacífica para o
socialismo através de uma aliança com os "setores progressistas das forças
armadas".
A participação de Saramago nos acontecimentos de abril de
1974 foi assim recordada pelo partido: "Construtor de Abril, enquanto
interveniente ativo na resistência ao fascismo, ele deu continuidade a essa
intervenção no período posterior ao Dia da Liberdade como protagonista do
processo revolucionário que viria a transformar profunda e positivamente o
nosso país com a construção de uma democracia que tinha como referência
primeira a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País."
(Nota do Secretariado do Comitê Central do PCP, Lisboa, 18/06/2010).
Na construção desta "democracia", o PCP, a cabeça
da Intersindical, a federação sindical a qual dirigia, tratou de se colocar
prontamente ao lado das direções governistas para sabotar as greves operárias
enquanto avançava a repressão política para recompor a ordem burguesa. Sendo
assim, em 25 de Novembro de 1975, o Diário de Notícias, em que era
diretor-adjunto, sofreu intervenção militar e demitiu vários funcionários.
Demitido, Saramago resolve dedicar-se apenas à literatura, substituindo de vez
o jornalista pelo ficcionista: "(?) Estava à espera de que as pedras do
puzzle do destino ‘supondo-se que haja destino, não creio que haja’ se
organizassem. É preciso que cada um de nós ponha a sua própria pedra, e a que
eu pus foi esta: 'Não vou procurar trabalho'", disse Saramago em entrevista
à revista Playboy, em 1988.
Embora tenha escrito algumas obras entre 1947 e 1980
("Terra do Pecado", "Clarabóia", "Manual de Pintura e
Caligrafia", "Deste Mundo e do Outro", "Os Poemas
Possíveis", ...), foi a partir desta demissão que Saramago, filho e neto de
camponeses analfabetos, que havia sido serralheiro, funcionário público e
editor, passou a dedicar-se inteiramente à carreira de escritor. Foi a partir
de 1980, com a publicação de "Levantado do Chão" (1980), que alcançou
notoriedade e quando, pela primeira vez, adota o uso intensivo da vírgula como
sinal de pontuação fundamental, uso que tornou sua marca registrada. Em seguida
virão: "Memorial do Convento" (1982), considerada a sua obra-prima
até o momento; "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (1984), em que situa
o heterônimo pessoano hedonista em Lisboa durante a ditadura de Salazar;
"Jangada de Pedra" (1986), em que a Península Ibérica separa-se da
Europa, numa metáfora para a deriva dos continentes e da espécie;
"História do Cerco de Lisboa" (1989); "O Evangelho Segundo Jesus
Cristo" (1991); "Ensaio sobre a cegueira" (1995) que virou
filme; "Todos os nomes" (1997); "As intermitências da
Morte" (2006) e "Caim" (2009), dentre outros.
PREMIADO PELA BURGUESIA MUNDIAL COM O NOBEL, RENUNCIA À
DEFESA DE CUBA ANTE AS INVESTIDAS IMPERIALISTAS
Em 1995, dois anos após o "auto-exílio" do
escritor, o governo português afaga o ego de Saramago concedendo-lhe o prêmio
Camões, o mais importante da literatura da língua portuguesa, por "Ensaio
sobre a cegueira". Na seqüência, em 1998, recebeu o Premio Nobel da
Literatura. Anos depois, no auge da campanha da Casa Branca "em defesa dos
direitos humanos" pela restauração do capitalismo e da democracia burguesa
em Cuba, Saramago rompe com a Ilha num artigo ao jornal El País declarando:
"Até aqui cheguei. De agora em diante Cuba segue o seu caminho, eu
fico" (14/04/2003). Como representante da "intelectualidade
progressista", o escritor português usou toda sua autoridade de
"comunista" para condenar o direito do Estado operário de executar
três espiões da CIA que se reuniram com ninguém menos que James Cason,
representante do Escritório de Interesses dos EUA na ilha, seqüestraram uma
lancha e preparavam atos contra-revolucionários. Na época, a LBI polemizou com
o escritor e outros "progressistas" do gênero ( Os revolucionários
defendem que o Estado operário condene aofuzilamento os agentes da
contrarrevolução, 31/05/2003).
DELÍRIOS SOBRE O FRACASSO DO CAPITAL FINANCEIRO E APELOS À
"DIGNIDADE HUMANA" DIANTE DA CRISE MUNDIAL
Diante da lambança que foi a crise mundial capitalista para
a grande burguesia mundial, quando as 10 maiores fortunas do planeta saltaram
de U$ 88 bilhões para U$ 342 bilhões durante a crise de 2008-2009, demonstrando
que para esta parcela da sociedade o capital financeiro deu certo em que pese a
miséria gerada pela crise, Saramago faz declarações piedosas e delirantes:
"O fracasso do capitalismo financeiro, hoje tão óbvio, deveria ajudar-nos
na defesa da dignidade humana acima de tudo" (A hora dos valores humanos,
La Vanguardia, Barcelona, 10/12/2008)
SARAMAGO, OBAMA E A QUESTÃO PALESTINA
Mesmo quando combate a truculência do sionismo, o prêmio
Nobel da literatura o faz segundo um conciliador pacifista, não por oposição ao
papel imperialista que cumpre o Estado israelense no Oriente Médio. Em sua
mensagem "Educar para a paz" afirma: "É muito mais fácil educar
os povos para a guerra do que para a paz. Para educar no espírito bélico basta
apelar aos mais baixos instintos. Educar para a paz implica ensinar a
reconhecer o outro, a escutar os seus argumentos, a entender as suas
limitações, a negociar com ele, a chegar a acordos. Essa dificuldade explica
que os pacifistas nunca contem com a força suficiente para ganhar? as
guerras". ("Israel vive às custas do Holocausto", em Palestina
existe!, Madrid, Foca, 2002 [Prólogo e edição de Javier Ortiz] [Entrevista de
Javier Ortiz]). Por sinal, ele alenta ilusões no pacifismo imperialista sendo
um dos maiores entusiastas da ascensão de Obama na Europa.
Para Saramago, "um negro com nome muçulmano, 44º
presidente da nação norte-americana. De repente, o mundo parece-me mais limpo,
mais prometedor. Por favor, não me roubem esta esperança" (O Caderno de
Saramago, 29/01/2009). Todo apoio literal de Saramago à causa palestina, pelo qual
ganhou muita fama como pacifista na última década, é pouco para encobrir a
culpa por ter estimulado como poucos no planeta ilusões cretinas em Obama
justamente quando o novo governante acabava de orquestrar o maior ataque
israelense a Gaza.
Declarou Saramago: "Talvez todos sejamos crentes desta
nova fé política que irrompeu nos Estados Unidos como um tsunami benévolo que
tudo vai levar adiante separando o trigo do joio e a palha do grão, talvez
afinal continuemos a acreditar em milagres, em algo que venha de fora para
salvar-nos no último instante, entre outras coisas, desse outro tsunami que
está arrasando o mundo. Obama, nos seus múltiplos discursos e entrevistas,
disse tanto de si mesmo, com tanta convicção e aparente sinceridade, que a
todos já nos parece conhecê-lo intimamente e desde sempre. O presidente dos
Estados Unidos que hoje toma posse resolverá ou intentará resolver os tremendos
problemas que o estão esperando, talvez acerte, talvez não, e algo nas suas
insuficiências, que certamente terá, vamos ter de lhe perdoar, porque errar é
próprio do homem como por experiência tivemos de aprender à nossa custa. O que
não lhe perdoaríamos jamais é que viesse a negar, deturpar ou falsear uma só
das palavras que tenha pronunciado ou escrito. Poderá não conseguir levar a paz
ao Médio Oriente, por exemplo, mas não lhe permitiremos que cubra o fracasso,
se tal se der, com um discurso enganoso. Sabemos tudo de discursos enganosos,
senhor presidente, veja lá no que se mete." (O Caderno de Saramago,
20/01/2009).
Isso depois de semanas consecutivas de massacre orientado já
pela nova administração que manteve no cargo o Secretário de Defesa da
sanguinolenta era Bush, Robert Gates e que, juntamente com Tel Aviv, arquitetou
em seus mínimos detalhes a pior ofensiva militar israelense já sofrida pelos
palestinos. Um massacre encomendado na véspera da posse de Obama para livrar a
cara do novo governante.
Com estas declarações no dia da posse de Obama, o escritor
português contagia com uma cegueira branca e imperialista perniciosa seus
leitores sobre o verdadeiro envolvimento do novo ocupante da Casa Branca. O
"negro, com o nome muçulmano, miraculoso e benévolo", havia acordado
com Bush e Israel uma ação terrorista nazi-sionista que se prolongasse, no
máximo, até a véspera de sua posse para que este entre em cena como o
"artífice" de uma trégua... baseada na paz dos cemitérios, sobre as
ruínas da Gaza, os cadáveres de quase 1000 palestinos, sendo mais de ¼ crianças
e o máximo debilitamento militar e político do Hamas.
Saramago, no máximo, criticou o "silêncio
cúmplice" de Obama, em tom indignado, na qualidade de um apoiador traído,
mas ainda perdoando "porque errar é próprio do homem" e afirmou:
"Não é do melhor augúrio que o futuro presidente dos Estados Unidos venha
repetindo uma e outra vez, sem lhe tremer a voz, que manterá com Israel a
'relação especial' que liga os dois países, em particular o apoio incondicional
que a Casa Branca tem dispensado à política repressiva (repressiva é dizer
pouco) com que os governantes (e porque não também os governados?) israelitas
não têm feito outra coisa senão martirizar por todos os modos e meios o povo
palestino. Se a Barack Obama não lhe repugna tomar o seu chá com verdugos e
criminosos de guerra, bom proveito lhe faça, mas não conte com a aprovação da
gente honesta". Mas, como representante da intelectualidade e da
"gente honesta", Saramago continuou hipotecando apoio político a
Obama. A LBI polemizou com o escritor português e com as correntes que se
limitaram a criticar Obama por ser cúmplice e não protagonista do massacre
sionista a Gaza.
Depois de dez meses da administração do facínora de rosto
negro em Washington, depois do mesmo ter triplicado o número de soldados e
mercenários no Afeganistão, de ter realizado o sanguinário golpe militar em
Honduras, dentre outras atrocidades, o que tem a dizer Saramago sobre Obama no
dia em que este recebeu o Nobel da Paz? "Quando uma esperança nasce há que
saudá-la conforme o seu merecimento, e este parecia não ter limites. É possível
que comece a dizer-se que o Prêmio Nobel da Paz foi prematuro, mas não o é se o
tomarmos como um investimento? Graças a ele talvez Obama ganhe ainda maior
consciência de quanto o necessitamos." (Barack Obama, Por José Saramago,
9/10/2010). Vale lembrar que o Comitê Nobel norueguês que deu o prêmio a Obama
(e também a Saramago em Literatura) ressaltou que o fez pelos seus esforços do
mandatário ianque em favor do desarmamento nuclear,... do Irã, da Coréia do
Norte, mas não de Israel e tampouco dos EUA. Sobre isto, o militante Saramago
chegou ao mais alto grau de amaurose.
O escritor esperava que Obama adquirisse talvez
"dignidade humana" e consciência de como gente, até atéia como
Saramago, necessitava de alguém para santificar e depositar suas esperanças
diante do vale de lágrimas da barbárie imperialista. Por sua vez, dispondo a
seu favor da cegueira como as que o Nobel da literatura dissemina, o Nobel da
paz aprofundou o rastro de destruição de Bush, incrementou a ocupação militar
do Haiti com seus marines e apoiou o "direito" dos nazi-sionistas a
fulminar até uma flotilha de pacifistas interessados em doar comidas e remédios
para os palestinos de Gaza. Contradizendo Saramago com as palavras que o
próprio usou em seu texto "Esquerda", se o mundo alguma vez conseguir
ser melhor, será porque os marxistas revolucionários não se deixaram cegar ao
ver o inimigo se apresentar em pele de cordeiro. Sejamos mais conscientes e
orgulhemo-nos do nosso papel na História.