sexta-feira, 24 de agosto de 2012


 
A morte de Vargas e o ocaso do nacional-desenvolvimentismo

Neste dia 24 de agosto completou-se 58 anos do suicídio de Getúlio Vargas. Episódio marcante da história política brasileira, a morte de Vargas ocorreu em meio a uma profunda crise que refletia as contradições do projeto desenvolvimentista de seu governo. Em 1953, a continuidade da política de estímulo à industrialização, uma das principais características do varguismo, começou a sofrer limitações, exigindo a ampliação de investimentos e o aumento das importações de equipamentos e máquinas, o que provocava déficit na balança comercial do país. O mesmo ocorria com a balança de pagamentos, devido à sangria das riquezas nacionais, promovida pelo crescimento das remessas ilegais de lucros pelas empresas estrangeiras que atuavam no país. Esse quadro tornava-se ainda mais grave com a queda dos preços do café no mercado mundial, contribuindo para o declínio da receita externa, o que reacendeu a disputa entre os diferentes setores da burguesia nacional pelas divisas em dólar e pelo controle do Estado burguês a fim de preservar seus interesses. Foi esse o motivo fundamental da crise política que abalou o país nos anos 50 e levou ao suicídio do presidente em agosto de 1954.

A principal força de oposição a Vargas era a União Democrática Nacional (UDN), que expressava os interesses das oligarquias agroexportadoras descontentes com as restrições às importações e à política de controle e confisco cambial, mecanismos que transferiam recurso do setor agrário-exportador para o setor industrial. A UDN também agrupava os estratos superiores da classe média, que temiam a esquerdização e o comunismo. O capital imperialista, que desejava utilizar as divisas do país para a conversão e a emissão de lucros para o exterior, era o aliado mais importante desse partido. O governo Vargas, por sua vez, tinha como base de sustentação o chamado pacto populista, uma espécie de aliança entre a burguesia industrial e as massas trabalhadoras das cidades, incluindo também as facções das oligarquias regionais atreladas ao Estado desde 1930 e setores nacionalistas das Forças Armadas, todos unidos em torno de uma ideologia nacionalista que apresentava o desenvolvimento industrial capitalista como meio de realização de interesses comuns da burguesia e do proletariado.

A burguesia industrial, embora fosse a fração da classe dominante mais diretamente subvencionada pelo Estado, não tinha uma estratégia claramente definida do processo de industrialização. Apesar do significativo crescimento da indústria, que no início da década de 50 já representava 22% da produção nacional, sua expansão dependia da importação de bens de capital. Sentindo-se impotente frente ao capital imperialista, esse setor estava de fato mais interessado em auferir lucros imediatos que na consolidação de uma infra-estrutura econômica capaz de viabilizar um desenvolvimento capitalista independente. O apoio da burguesia industrial ao nacionalismo varguista, portando, estava condicionado à capacidade do governo de manter os incentivos ao crescimento da indústria e o controle político e ideológico sobre as massas trabalhadoras urbanas.

Sob forte pressão da oposição burguesa, Vargas tentou, em primeiro lugar, amenizar a crise política atendendo as exigências de todas as facções burguesas em disputa. Liberou as importações, a entrada e saída de capital e, ao mesmo tempo, aumentou o crédito para a indústria com módicas taxas de juros. Essas medidas, entretanto, além de não saciarem a fome dos bandos capitalistas por consumir os recursos estatais, provocaram o crescimento da inflação, que em 1952 já chegara a 20%, elevando o custo de vida das massas trabalhadoras. Como resposta, e contra a vontade das direções sindicais, em março de 1953, cerca 300 mil operários entraram em greve, em São Paulo, ameaçando ruir as bases do pacto populista sobre o qual se sustentava o governo.

Diante da ascensão das massas como novo elemento da crise e após a tentativa de Getúlio de recuperar suas bases eleitorais junto ao proletariado com a concessão do aumento de 100% do salário mínimo, a burguesia industrial retirou o seu já hesitante apoio ao governo, unindo-se à tradicional oposição udenista e ao imperialismo na preparação de uma saída golpista. Isolado de todas as facções da classe dominante a que tanto havia servido durante anos, o velho caudilho percebia enfim que seu projeto de um capitalismo autônomo não passava de uma utopia, uma ilusão com a qual até as massas trabalhadoras, com as quais não tinha nenhuma identidade de classe, logo romperiam se continuassem avançando em suas lutas. Em 1954, não havia nenhum interesse do governo Vargas em romper com domínio do imperialismo que, passada a II Guerra Mundial, procurava intensificar sua exploração sobre os países semicoloniais. Para as frações da burguesia nacional, incluindo a burguesia industrial, o nacionalismo varguista era importante apenas enquanto instrumento de controle político e ideológico do proletariado. Na verdade, o próprio Vargas fazia da política nacionalista (controle da remessas de lucros da empresas estrangeiras, monopólio da estatal do petróleo e das fontes de energia elétrica, etc.) e utilizava o apoio das massas trabalhadoras como instrumentos de barganha com o imperialismo. Prova disso, foi a última ação de Getúlio que, ao cometer suicidio, provocou uma reação popular que adiou por dez anos o golpe patrocinado pelo imperialismo para aprofundar seu domínio na economia nacional.

A crise política que culminou na morte de Getúlio Vargas, evidenciou a inviabilidade história do desenvolvimento capitalista independente nas semicolônias e que a única saída independente do proletariado para quebrar a dominação do imperialismo é a revolução socialista. Hoje, porém, diante da investida colonialista do imperialismo na América Latina como parte de sua ofensiva reacionária em todo o mundo, iniciada após a queda dos Estados operários do Leste europeu e da URSS, o engodo do nacionalismo burguês volta a ser apresentado como uma alternativa para os trabalhadores. Exemplo disso é chavismo na Venezuela. A retórica antiimperialista de Hugo Chávez chega a “comover” até setores da esquerda que se reivindicam trotskistas. Mas ao contrário do nacionalismo burguês das décadas de 1930-1950, o chavismo não consegue fazer nenhuma concessão significativa para as massas trabalhadoras. No Brasil, frente à política dos governos Dilma e Lula, que visam destruir todas as conquistas sociais e os direitos da classe trabalhadora para intensificar a exploração capitalista e ampliar os lucros da burguesia nacional e do capital imperialista, partidos como o PSOL e o PSTU, mantêm importantes setores da vanguarda classista atrelada a uma política reformista, que tem como base a reacionária utopia do nacional desenvolvimentismo. Na atual etapa histórica de reação ideológica e ausência de referência marxista, mesmo entre os setores mais combativos da classe operária, a tarefa da vanguarda consciente é combater essa política nefasta, cuja única finalidade, como já demonstrou o populismo varguista, é embotar a consciência de classe do proletariado e impedir que as massas exploradas encontrem o caminho da revolução proletária e o socialismo.