Os que defenderam a frente única com Kadaffi para derrotar os “rebeldes” da OTAN na Líbia devem “votar em Chávez contra o imperialismo” na Venezuela?
As eleições presidenciais venezuelanas ocorrerão em 7 de outubro. Chávez está em plena campanha eleitoral contra o candidato apoiado diretamente pelo imperialismo, Henrique Capriles Radonski, herdeiro político dos golpistas de 2002 e, de fato, um dos que comandaram a tentativa de invasão da embaixada cubana em Caracas naqueles dias macabros. Esse quadro de profunda polarização política e ideológica ultrapassa as fronteiras da Venezuela e tem obrigado o conjunto da “esquerda” e os trotskistas revolucionários em particular a se posicionar, levando até mesmo setores críticos ao “Socialismo do Século XXI” a adotarem a posição de “votar em Chávez contra o imperialismo” porque, caso não a tomassem, estariam supostamente “fazendo o jogo da direita arquirreacionária”. Ainda que Chávez tenha grande vantagem sobre Capriles, segundo as últimas pesquisas eleitorais, chegando abrir 30% de dianteira, seu débil quadro de saúde, o fortalecimento da oposição de direita nas últimas eleições parlamentares e a própria campanha virulenta contra o “ditador venezuelano” promovida pela mídia “murdochiana” planetária, que copia o mesmo script golpista usado na farsesca “revolução árabe” contra Kadaffi e Assad, apontam para um futuro governo de crise e isolado internacionalmente. Esse quadro se agrava profundamente quando grande parte das ilusões das massas depois de 14 anos de mandato do caudilho bolivariano já se dissiparam, com os trabalhadores votando no “comandante” em grande medida como uma espécie de “mal menor” ante o retorno das oligarquias parasitárias direitistas ao Palácio Miraflores. Frente a essa complexa realidade, qual a posição dos revolucionários diante das eleições presidenciais venezuelanas? Os genuínos trotskistas, que ao contrário da canalha revisionista, defenderam o estabelecimento de uma frente única com o coronel Kadaffi para derrotar os “rebeldes” da OTAN na Líbia e combatem os mercenários do ELS na Síria que desejam por fim ao governo da oligarquia Assad para impor em Damasco um títere a serviço da Casa Branca, devem “votar em Chávez contra o imperialismo” nas eleições presidenciais de outubro?
Chávez adentrou ao Palácio Miraflores em 1998 como chefe de um governo capitalista e gerente dos negócios da burguesia à frente de seu Estado. Continua exercendo esse papel ainda que tenha entrado em choque com setores do empresariado que o apoiaram inicialmente e ter sofrido uma tentativa de golpe por parte do imperialismo ianque em 2002. Com a elevação do preço do barril, Chávez desenvolveu uma série de políticas compensatórias e de cooptação do movimento de massas que deram base social ao seu governo, ao mesmo tempo em que patrocinou um discurso nacional-populista. A ofensiva da oposição burguesa forçou Chávez em um primeiro momento a adotar uma fraseologia com traços cada vez mais anti-imperialistas, nacionalistas e populistas. Toda essa verborragia, porém, não se converteu em qualquer medida efetiva de expropriação das transnacionais e dos bancos, na negativa de pagar a dívida externa escorchante e na ruptura com o FMI.
Por outro lado, o presidente “bolivariano” vem entregando vários dirigentes militares das FARC para os cárceres fascistas colombianos. A colaboração entre os serviços de inteligência da Venezuela com o aparato repressivo da Colômbia, diretamente controlado pela CIA e que tem auxílio do Mossad, é responsável pelo sucesso de operações militares que levaram a morte de quadros das FARC, como recentemente a do comandante Afonso Cano e outros guerrilheiros. Alguma corrente política, ainda que tenha denunciado a conduta de Chávez, caracterizou que seu governo tenha se convertido em um peão do imperialismo na América Latina por conta desta colaboração vergonhosa com Santos e a CIA? Absolutamente! Muitos grupos apoiadores da farsesca “revolução árabe” como a CMI de Allan Woods que bradaram aos quatro cantos que Kadaffi era um “ditador sanguinário pró-imperialista” na Líbia sequer denunciam o apoio da Venezuela à perseguição as FARC e a prisão de vários de seus militantes pelo exército bolivariano! Para os revisionistas mais esquecidos, lembremos que o governo Chávez tem sido abertamente conivente com o assassinato de sindicalistas, principalmente aqueles que fazem oposição a seu governo, como foi o caso de três dirigentes operários da central venezuelana União Nacional dos Trabalhadores (UNT) que tiveram suas vidas ceifadas em 2008 ou os companheiros da Mitsubishi em 2009. A guarda nacional chavista reprime as greves e age em apoio aos grupos armados contratados pelos patrões para atacar os trabalhadores, principalmente nas greves que paralisam a produção de empresas transnacionais como Pepsi-Cola, Mitsubishi Motors Corporation... Se o critério “teórico” para definir o caráter do regime político como pró-imperialista for os contratos com as transnacionais do petróleo, então o governo Chávez seria por esta tese um dos mais fiéis aliados de Obama no continente! O governo da Venezuela, grande produtor de óleo, estabelece concessões muito maiores neste setor do que as praticadas na Líbia quando comandada por Kadaffi, inclusive com empresas norte-americanas como a Texaco, que mantém bases de extração e distribuição no país. Chávez nunca cortou o fornecimento de petróleo para os EUA. Existiria “prova” mais contundente do apoio de Chávez ao imperialismo ianque, que usa o petróleo venezuelano para manter suas guerras de rapina contra os povos? Para os marxistas revolucionários sempre esteve cristalino o caráter, alcances e limitações históricas de um regime nacionalista burguês, seja instaurado na África, Ásia ou América Latina. Chávez colabora com o imperialismo, assim como Kadaffi o fez, porque é da própria essência política do nacionalismo das classes dominantes estabelecer vínculos com o grande amo do Norte, mas a Venezuela mantém, como a Líbia mantinha, regimes de exploração de petróleo com uma grande reserva nacional, ou seja, do ponto de vista do Estado a participação da iniciativa privada é minoritária. Por esta razão se desenvolvem atritos permanentes com o imperialismo que considera estes países como “fechados e estatizantes”. A evolução (involução) do nacionalismo burguês do século XXI, no marco da etapa de profunda crise do modo de produção capitalista, o coloca cada vez mais próximo da estreita colaboração econômica e política com as metrópoles imperialistas, este frágil equilíbrio só se rompe quando o império decide atacar o país semicolonial no sentido de se apoderar do conjunto do botim, este foi o caso da guerra da Líbia e poderá ser amanhã o capítulo venezuelano.
Ao denunciar essas características do governo nacionalista burguês de Chávez, os genuínos trotskistas se delimitam dos revisionistas canalhas da UIT, representados no Brasil pela CST (PSOL), que lançaram a candidatura de Orlando Chirino à presidência pelo PSL (Partido Socialismo e Liberdade). Estes atacam Chávez pela ótica do imperialismo, chegando a afirmar que este “se auto titula um governo de esquerda, popular e democrático, mas se nega a apoiar as revoluções dos povos árabes contra seus ditadores. Chegando ao cumulo de defender os ditadores genocidas como Kadaffi, da Líbia, ou Bashar Al Assad da Síria, qualificando-os de ‘governos anti-imperialistas’” (sítio UIT, 07/08). Segundo a UIT, “Chirino, junto ao PSL, levantou valentemente o apoio à revolução dos povos árabes e denuncia os massacres perpetrados pelo ditador sírio Al Assad, enquanto o governo venezuelano o respalda”. Ao contrário desses revisionistas a soldo da Casa Branca, Chávez deve ser criticado justamente por só prestar apoio formal e demagógico à luta contra agressão imperialista da OTAN na Líbia e agora contra os “rebeldes” mercenários na Líbia, sem enviar armas, homens e apoio militar a esses países. Por ironia, os revisionistas que defendem o “Socialismo do Século XXI” como a CMI de Alan Woods, ou mesmo defenderam em um passado recente (LIT), são os mesmos que apoiam a tal “revolução árabe”, ou melhor dizendo, a contrarrevolução dos “rebeldes” comandados militarmente pela OTAN e politicamente por Barack Obama. Chávez sabe que a direita golpista está ávida para desferir um golpe letal contra seu governo. Esta manobra pode assumir a feição de uma falsa “mobilização democrática” tramada com a ajuda da CIA. O apoio do imperialismo aos “insurretos” monárquicos na Líbia “vendidos” ao mundo como “amantes da democracia” é o modus operandi que a Casa Branca pretende usar na Venezuela para colocar em marcha a contrarrevolução. Apoiar os supostos “rebeldes”, antes na Líbia e agora na Síria como faz a esquerda revisionista, seria o mesmo que se somar às orquestrações dos golpistas venezuelanos que também se dizem “inimigos da ditadura”, já que tanto na Líbia como na Venezuela essas forças políticas e sociais representam a contrarrevolução, assumindo o objetivo de liquidar conquistas históricas do proletariado.
Como nunca alimentamos falsas expectativas na farsa da “revolução bolivariana” não estamos “decepcionados” com a conduta do governo Chávez em seus 14 anos de mandato. Como nos ensinou Trotsky, devemos chamar as coisas pelo seu devido nome e falar a verdade às massas por mais amarga que seja. Isto nos exige a vigorosa denúncia de Chávez. O proletariado deve ter uma política absolutamente independente do nacionalismo burguês, estabelecendo unidades táticas e pontuais em casos concretos, como nos golpes fascistas e guerras de rapina imperialista, estabelecendo uma profunda demarcação de campos com a reação pró-imperialista que jamais deve ser confundida com o “movimento de massas”. Foi assim que os genuínos trotskistas fizeram estabelecendo uma frente única com Kadaffi na Líbia e assim o fazem na Síria hoje, o que nada tem a ver com prestar apoio político a esses governos burgueses de corte nacionalista e muito menos apoiá-los eleitoralmente. Os leninistas reafirmam a incapacidade da burguesia nacional em travar uma luta consequente contra o imperialismo e a reação doméstica pró-imperialista. Por esta razão, não criamos a menor ilusão em Kadaffi e seu covarde sfaff político-militar, como não fizemos com Chávez quando do golpe militar de 2002, apesar de lutar pela derrota da ação tramada por setores da FFAA e o imperialismo na Venezuela, inclusive em frente única de ação com os apoiadores do bolivarianismo, ainda que com total independência política frente a este movimento burguês.
Para os trabalhadores venezuelanos e latino-americanos, que acompanham atentamente a realidade venezuelana e buscam intervir de forma independente no desenrolar dos acontecimentos, deve-se abstrair a lição de que é preciso, desde já, preparar uma alternativa política dos explorados tanto ao chavismo decadente como à direita reacionária. É necessário preparar o terreno para a construção de um genuíno partido revolucionário capaz de enfrentar a onda de reação “democrática” ou mesmo a direita fascista no caso de um novo golpe “cívico-militar”, fazendo um combate programático completamente oposto à cantilena pregada por toda sorte de revisionistas de que está em curso uma “revolução” na Venezuela, cabendo agora mais do que nunca segundo estes senhores, com a doença do “comandante”, cerrar fileiras em apoio eleitoral ao governo burguês centro-esquerdista de Chávez. Como marxistas revolucionários alertamos que este é o caminho da derrota sangrenta nas mãos da direita reacionária. Longe dessa senda suicida, cabe aos trabalhadores defenderem pela via da ação direta suas conquistas e forjar um programa comunista proletário para a conquista do poder político sobre os escombros do Estado capitalista.