Morsi decreta Estado de Emergência em meio a profunda crise da transição pactuada, EUA pressiona por novo governo alinhado com a OTAN
Toque de recolher, estado de emergência, repressão nas ruas com dezenas de mortos, feridos e centenas de presos. Esse foi o cenário de “celebração” dos dois anos da fantasiosa “revolução árabe” no Egito. Tais medidas draconianas obviamente não foram impostas pelo pró-imperialista Hosni Mubarak, pelo contrário, foram ditadas justamente pelo governo “revolucionário” parido das mobilizações que se iniciaram em janeiro de 2011 e levaram a queda do desgastado e doente títere da Casa Branca. Dois anos após a queda de Mubarak, a organização Islâmica Irmandade Muçulmana tendo à cabeça Mohammed Morsi, que venceu as eleições de maio através de seu braço político, o reacionário Partido da Liberdade e Justiça, aplica os mesmos ataques desferidos por seu senil antecessor e encontra-se fragilizada sendo completamente refém do exército controlado diretamente pelo imperialismo ianque. Nesse contexto, cabe a “singela” pergunta: essas foram as gigantescas conquistas da “revolução democrática vitoriosa” vendida aos quatro quantos pelos revisionistas do trotskismo? Ao procurarmos na imprensa destas organizações (PSTU-LIT, PO, PCO, PTS-LER, CIO-LSR, MR-CS...) encontramos um silêncio sepulcral diante dos últimos acontecimentos ou uma busca desesperada por dar “explicações” para tal desfecho recorrendo a todo tipo de malabarismo político como o surgimento de um nova “onda revolucionária” contra Morsi.
Quando ocorreu a queda de Mubarak, no início de 2011, a esquerda “oficial” de uma maneira geral e os revisionistas do trotskismo em particular saiu a festejar afirmando que se tratava de uma autêntica “revolução democrática”, afinal o ditador egípcio era odiado pelas massas, que saíram massivamente às ruas exigindo o fim de um regime corrupto e fantoche das forças sionistas. Logo após não faltaram as vozes mais oportunistas da esquerda, como a LIT, para sustentar que “finalmente se respirava a liberdade no Egito”. Outras variantes revisionistas mais delirantes sustentaram que acontecia uma verdadeira “revolução proletária” na secular terra que na história da humanidade ousou desafiar o poderoso império romano. Nós trotskistas da LBI fomos a única corrente a estabelecer uma caracterização marxista da situação concreta, pontuando que pelo seu caráter político as mobilizações no Egito passavam muito longe de configurar sequer uma “revolução democrática”. As multitudinárias mobilizações populares que tomaram as praças reivindicando a derrubada do odiado Mubarak careciam de uma direção e programa autenticamente revolucionário, sendo desta forma facilmente manipuladas pela via “democrática”, ou seja, de uma transição ordenada da ditadura militar “substituída” por um regime político burguês legitimado pelas urnas. Dois anos depois, se retornam os protestos da Praça Tahrir questionando a paródia de uma “transição democrática” inconclusa, revelando a farsa que pariu a junta militar que controla o país.
Desde então, o gabinete de Morsi deu ao presidente poderes para mandar o Exército às ruas “para ajudar a polícia a preservar a segurança nacional”. Morsi também chamou a oposição para conversas no palácio presidencial, na tentativa de restaurar a unidade nacional burguesa. Mas, a principal coalizão oposicionista, a Frente Nacional de Salvação (FNS), rejeitou a proposta, alegando que ela é apenas “cosmética” e “vazia de significado”. Para não deixar qualquer sombra de dúvida acerca do eixo político que galvaniza hoje as massas egípcias, vejamos quem compõe a frente e o seu programa. Em novembro passado, uma parte da fragmentada oposição egípcia se uniu para formar a FNS, criticando um decreto que expandiu os poderes presidenciais e um projeto de Constituição que na opinião da oposição burguesa favorece os grupos islâmicos. A Frente alegava que as medidas representavam uma usurpação do poder por parte de Morsi e seu aliados. Mohamed ElBaradei, ex-diplomata na ONU, ligado diretamente ao imperialismo ianque é o coordenador da Frente, que inclui também o ex-chanceler e ex-chefe da Liga Árabe Amr Moussa e o nasserista Handeen Sabahi. Recentemente, o grupo ameaçou boicotar as eleições parlamentares, prevista para os próximos meses, caso suas exigências – a formação de um governo nacional e a antecipação do pleito presidencial previsto para 2016 – não sejam cumpridas. Lembremos que a esquerda árabe se agrupa em torno do nasserista Handeen Sabahi, apoiado nas eleições pela Coalizão da Juventude Revolucionária e que reúne jovens independentes e de forças políticas de diversas correntes, inclusive pseudo-trotskistas, que estiveram à frente das manifestações da Praça Tahrir. O veterano Sabahi se limita a reivindicar o legado do caudilho nacionalista burguês Abdel Nasser, o mesmo que “forneceu” fuzis danificados e sem munição para que os palestinos expulsassem as tropas sionistas de seu território ocupado. Como se pode constatar, ElBaradei, Amr Moussa e Sabahi, que foi o candidato da esquerda “socialista”, têm longa trajetória de colaboração com o regime Mubarak e o último não ultrapassa os limites do nacionalismo árabe, com seu inerente caráter de classe burguês e “modernizado” com a inclinação em colaborar com a ofensiva do imperialismo na região via OTAN.
Há todo um “clamor nacional” pela finalização do processo controlado da transição democrática, que em nada se assemelha a uma genuína “revolução democrática”. A ausência de uma direção política minimamente consequente, inclusive do ângulo da democracia burguesa plena, retarda em muito as tendências mais combativas do proletariado egípcio. Nesta conjuntura de completo embotamento da consciência da classe operária, onde não existem os elementos mais básicos de duplo poder, continuar afirmando que está se processando uma nova etapa da “revolução” no Egito, serve aos interesses da confusão e distracionismo muito úteis para a verdadeira reação democrática, posta em marcha pela burguesia e o imperialismo em toda região árabe. Este é o papel que vem cumprindo os revisionistas do trotskismo que não por acaso apoiam na Síria os “rebeldes” pró-OTAN, assim como fizeram na Líbia há dois anos em nome da vitória da “revolução árabe”. A realidade vem mostrando exatamente o contrário, ou seja, em nome da suposta “primavera árabe” a burguesia vem desencadeando uma brutal ofensiva contra as conquistas do proletariado, com o aumento do desemprego e um plano de privatização de vários serviços públicos. Nunca é demais relembrar que a organização “Irmandade Muçulmana” que antes era a força majoritária nos protestos contra Mubarak e agora se encontra no governo sempre esteve bem mais à direita que o próprio movimento de massas, aceitando pactuar com os militares uma transição ainda mais conservadora, que acabou sendo avalizada pela Casa Branca que liberou os subsídios ianques fornecidos ao Egito e se aproximou do governo de Morsi logo que ele conseguiu fechar o acordo entre o Hamas e Israel logo depois da ofensiva no final de 2012 que deixou mais de cem mortos na Palestina.
O sentimento anti-imperialista das massas árabes ainda é marcante em suas consciências e setores cada vez mais representativos do proletariado já começam a perceber o real conteúdo da farsesca “revolução democrática”, este fator vem começando a provocar fissuras no processo de transição política do Egito. Uma revolução socialista, mesmo em sua primeira fase democrática, só poderá ocorrer com a formação de organismos de poder operário, apoiados no embrião de uma força armada do proletariado. Somente charlatães do marxismo, como os revisionistas da LIT-PSTU, podem sustentar a “tese” de revoluções baseadas simplesmente em protestos populares, sem a construção de organismos de duplo poder. Mas o que era apenas uma “tese” equivocada (revisionista) elaborada pelo fundador da LIT, Nahuel Moreno, foi transformada pelos seus discípulos pilantras em um programa político para atuar em conjunto com o imperialismo, contra governos stalinistas e nacionalistas burgueses. Assim foi que os morenistas estiveram no campo militar da OTAN no muro de Berlim, na URSS e na Iugoslávia em meados dos anos 90. Agora, com a mesma defesa da teoria da “revolução made in USA” os morenistas e seus satélites integraram política e militarmente o bloco dos mercenários líbios e sírios para derrotar governos burgueses não alinhados integralmente com a Casa Branca. O PCO, que se coloca no mesmo campo político dos morenistas no Egito, declara pateticamente no artigo com o emblemático título “A Revolução no Egito” (07/01/13): “O governo da Irmandade Muçulmana, que se ergueu sobre os escombros do antigo regime egípcio, está cambaleando... As tarefas da revolução que teve como ápice a derrubada de Mubarak do poder foram deixadas de lado pelo poder que se organizou de dentro do regime derrubado e a partir das facções que foram alijadas do poder pela ditadura militar. Elas se opõem ao poder atualmente constituído pela Irmandade Muçulmana, que governa de braços dados com o que restou da burocracia (os juízes) do antigo regime militar e com o sionismo israelense, e as monarquias do Catar e Arábia Saudita”.
No Egito, o campo político das correntes revisionistas cumprem a função de bloquear o desenvolvimento independente de uma nova vanguarda classista, que molecularmente começam a superar o engodo da “primavera árabe”, se colocando à disposição para combater a invasão imperialista em curso na Síria e no Líbano e posteriormente no Irã. O desastre social e humanitário provocado pela “revolução” dos rebeldes da OTAN na Líbia fez despertar na vanguarda antissionista egípcia, a necessidade de romper com a orientação revisionista, que no segundo turno pregava abertamente o “voto crítico” em Morsi. Seguindo as teses da revolução permanente, os marxistas revolucionários combatem no Egito pela construção de verdadeiros organismos de poder da classe operária, partindo da luta concreta das massas e seu justo ódio contra o gendarme do imperialismo na região, o sionismo, e seus sócios autóctones (militares, Irmandade Muçulmana e Frente Nacional de Salvação) que desejam preservar os acordos de Camp David.