80 ANOS DO INÍCIO DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA
O Blog da LBI publica o texto escrito por Trotsky no calor
dos acontecimentos da guerra civil espanhola, que teve seu início há 80 anos
atrás, em julho de 1936. No artigo, o velho comunista exilado e perseguido por
Stálin analisa as três tendências políticas que atuavam no seio do campo
republicano na luta contra o fascismo, disputando a influência entre
a vanguarda militante: o bolchevismo representado pela IV Internacional, o
menchevismo e o anarquismo. No curso desse debate Trotsky também polemizou com
o POUM de Andres Nin, grupo centrista que acabou capitulando a Frente Popular
e, apesar disso, teve seu dirigente assassinado pela KGB. Trotsky definia que
uma posição justa diante da guerra civil espanhola, ou seja, do conflito entre
os monárquicos sob o comando de Franco e republicanos burgueses era postar-se
no campo republicano empunhando um programa revolucionário para impor através
da dinâmica da revolução permanente na luta de classes a ditadura do
proletariado e não para resgatar o regime democrático burguês e suas
instituições como defendiam o stalinismo e as chamadas forças democráticas e
progressistas que compunham a Frente Popular. Esse arco político reformista foi
responsável em última medida, devido sua política de colaboração de classes e ao
apoio limitado prestado pela URSS à resistência antifranquista, por levar a frente republicana à derrota e, posteriormente, ao esmagamento sangrento da revolução
espanhola, "um novo elo trágico" dessa política criminosa como
caracterizou o velho bolchevique no brilhante artigo que reproduzimos abaixo.
MENCHEVISMO E BOLCHEVISMO NA ESPANHA
Leon Trotsky 1936
As operações militares da Abissínia e do Extremo Oriente são
meticulosamente estudadas por todos os estados-maiores militares que preparam a
futura grande guerra. Os combates do proletariado espanhol, estes relâmpagos
anunciadores da futura revolução internacional, devem ser estudados com não
menos atenção pelos estados-maiores revolucionários; é com esta condição
somente que os acontecimentos que se aproximam não nos tomarão desprevenidos.
Três concepções enfrentam-se, com forças desiguais, no campo dito republicano:
o menchevismo, o bolchevismo e o anarquismo. No que concerne aos partidos
republicanos burgueses, eles não têm nem ideias, nem importância política
independente e não fizeram mais que manter-se sobre as costas dos reformistas e
dos anarquistas. Além do mais, não seria mais que um exagero dizer que os
chefes do anarco-sindicalismo espanhol fizeram de tudo para desmentir sua
doutrina e reduzir a sua importância praticamente a zero. De fato, no campo
republicano, duas doutrinas se estão enfrentando: o bolchevismo e o
menchevismo.
Segundo as concepções dos socialistas e dos stalinistas,
vale dizer, os mencheviques da primeira e segunda debandada, a revolução
espanhola devia resolver mais que as tarefas democráticas; eis porque era
necessário constituir um bloco com a burguesia "democrática". Toda
tentativa do proletariado de sair dos quadros da democracia burguesa era, deste
ponto de vista, não apenas prematura como verdadeiramente funesta. Além disso,
o que estava na ordem-do-dia não era a revolução, mas a luta contra Franco. O
fascismo é não a reação feudal, mas burguesa: que contra esta reação burguesa
não se possa lutar com sucesso a não ser com os métodos da revolução proletária
é uma noção que o menchevismo, ele próprio um ramo do pensamento burguês, não
quer e não pode tornar sua.
O ponto de vista do bolchevismo, expresso, hoje, somente
pela jovem seção da IV Internacional, procede da teoria da Revolução
Permanente, a saber, que mesmo as tarefas puramente democráticas, tais como a
liquidação da propriedade fundiária feudal, não podem ser solucionadas sem a
conquista do poder pelo proletariado, isto, por sua vez, coloca na ordem-do-dia
a revolução socialista. Ademais, os próprios operários espanhóis, dos primeiros
passos da revolução, atribuíram a si mesmos, na prática, não apenas tarefas
democráticas, mais, também, tarefas puramente socialistas. Exigir que não se
saia da democracia burguesa é, de fato, não apenas brincar de revolução
democrática, mas renunciar a ela. Somente pela transformação das relações
sociais no campo é que se pode fazer do camponês, principal massa da população,
uma poderosa arma contra o fascismo. No entanto, os proprietários fundiários
são ligados por laços indissolúveis à burguesia bancária, industrial e
comercial e à inteligentsia burguesa que depende dela. O partido do
proletariado encontra-se, deste modo, diante da necessidade de escolher: ou com
as massas camponesas ou com a burguesia . Incluir na mesma coalizão os
camponeses e a burguesia liberal, não pode ter senão um objetivo: ajudar a
burguesia a enganar os camponeses e a isolar os operários. A revolução agrária
somente pode ser realizada contra a burguesia, em conseqüência, somente pelas
medidas da ditadura do proletariado. Não existe nenhum regime médio
intermediário.
Do ponto de vista da teoria, o que choca sobretudo na
política de Stálin é o completo esquecimento do ABC do leninismo. Com um atraso
de algumas dezenas de anos – e que anos! –, a Internacional Comunista
restabeleceu completamente em seus direitos a doutrina do menchevismo. Mais
ainda, esforçou-se para dar a esta doutrina uma expressão mais
"conseqüente" e, por isso mesmo, mais absurda. Na Rússia czarista, no
início de 1905, a fórmula "revolução puramente democrática" tinha a
seu favor, em todo caso, infinitamente mais argumentos que em 1937 na Espanha.
Não é de se espantar que, na Espanha contemporânea, a política "operária
liberal" do menchevismo tenha se tornado a política anti-operária,
reacionária do stalinismo. De um golpe, a doutrina do menchevismo, esta
caricatura do marxismo, foi, por sua vez, caricaturizada.
A TEORIA DA FRENTE POPULAR
Seria, no entanto, ingenuidade pensar que, na base da política
do Comintern na Espanha estivessem alguns "erros" teóricos. O
stalinismo não se guia pela teoria marxista, nem por qualquer teoria que seja,
mas, empiricamente, pelos interesses da burocracia soviética. Entre eles
mesmos, os cínicos de Moscou riem-se da "filosofia" da Frente Popular
à la Dimitrov. Eles têm, porém, à sua
disposição, para enganar as massas, numerosos quadros de propagandistas desta
fórmula sagrada, sinceros ou canalhas, ingênuos ou charlatães. Louis Fischer,
com sua ignorância e auto-suficiência, seu estado de espírito de argumentador
provinciano organicamente surdo para a revolução, é o representante mais
repugnante desta confraria pouco atraente. A "união das forças
progressistas", o "triunfo das idéias da Frente Popular", o
"dano causado pelos trotskistas à unidade das fileiras
antifascistas"... Quem acreditaria que o Manifesto Comunista foi escrito
há 90 anos?
Os teóricos da Frente Popular não vão, no fundo, além da
primeira regra da aritmética, a da adição: a soma dos comunistas, dos
socialistas, dos anarquistas e dos liberais é superior a cada um dos termos
desta soma. No entanto, a aritmética não é suficiente neste caso. É necessário
utilizar, no mínimo, a mecânica: a lei do paralelogramo de forças verifica-se
inclusive na política. A resultante é, como se diz, tanto menor quanto mais as
forças divergem entre si. Quando os aliados políticos puxam em direções opostas
a resultante é igual a zero. O bloco dos diferentes agrupamentos políticos da
classe operária é absolutamente necessário para resolver as tarefas comuns. Em
determinadas circunstâncias histórias, onde um bloco como este é capaz de
arrastar para si as massas pequeno-burguesas oprimidas cujos interesses são
próximos dos do proletariado, a força comum de tal bloco pode mostrar-se muito
maior que a resultante das forças que o constituem. Ao contrário, a aliança do
proletariado com a burguesia , cujos interesses, no momento atual, nas questões
fundamentais, formam um ângulo de 180 graus, não pode, via de regra, mais que
paralisar a força revolucionária do proletariado.
A guerra civil, onde a força da violência apenas tem pouca
ação, exige dos seus participantes um devotamento supremo. Os operários e os
camponeses só são capazes de assegurar a vitória quando eles travam a luta pela
sua própria emancipação. Submetê-los nestas condições à direção da burguesia, é
assegurar antecipadamente sua derrota na guerra civil. Estas verdades não são,
de modo algum, o fruto de uma análise puramente teórica. Ao contrário, elas
representam a conclusão irrefutável de toda a experiência histórica, ao menos a
partir de 1848. A história moderna das sociedades burguesas está repleta de
frentes populares de todos os tipos, quer dizer, combinações políticas as mais
diversas para enganar os trabalhadores. A experiência espanhola é um novo elo
trágico.