segunda-feira, 18 de julho de 2016

HÁ 37 ANOS DA TOMADA DO PODER PELA FSLN NA NICARÁGUA: ABSTRAIR AS LIÇÕES MARXISTAS DE UMA REVOLUÇÃO TRAÍDA PELA GUERRILHA PEQUENO BURGUESA


Há exatos 37 anos, em julho de 1979, as colunas guerrilheiras da FSLN entraram em Manágua, consolidando a vitória da revolução popular sandinista sob o comando de Daniel Ortega, o movimento insurrecional responsável por quebrar a espinha dorsal do Estado burguês, derrotando e destruindo o exército nacional bancado pelos EUA. Dias antes, vendo que a derrota era inevitável, o ditador Somoza fugiu para Miami, tendo o abrigo do imperialismo ianque então sob a gestão “democrática” do presidente Cárter. Em comemoração a esta data histórica analisamos neste artigo minuciosamente tanto a vitória da revolução naqueles memoráveis dias como sua derrota pela via eleitoral quase duas décadas depois devido a política democratizante de sua direção pequeno-burguesa. A Revolução Sandinista foi a última insurreição popular armada vitoriosa a derrotar um governo títere do imperialismo, mas a política da direção reformista estrangulou todas as perspectivas de construir um Governo Operário e Camponês e tornar a Nicarágua um Estado operário em extensão para toda a América Central. Atualmente convertida a um partido da centro-esquerda burguesa e paladina do já falido “Socialismo do Século XXI”, a FSLN voltou a governar o país de pela via eleitoral e de forma completamente adaptada a democracia burguesa, sem grandes conflitos com o imperialismo ianque. Abstrair as lições programáticas dessa derrota em nossos dias é fundamental para a vanguarda militante combater a lógica reformista aplicada na Nicarágua já no final dos anos 80, onde o Sandinismo entregou a revolução em uma eleição burguesa em que previamente estava derrotado pela direita pró-ianque. Após vários anos dessa entrega sem luta, o Sandinismo retornou ao governo nacional pela via eleitoral, porém o regime da Nicarágua já não tem nenhum traço das conquistas revolucionárias de 1979. A melhor forma de comemorar o triunfo revolucionário de julho de 1979 é combater vigorosamente o imperialismo sem abrir mão da ácida crítica programática marxista a esquerda reformista como a FSLN. Este arco político defensor da colaboração de classes ressalta a democracia como valor universal e apresenta o respeito às urnas como “sagrado”, utilizando inclusive esse móvel programático para defender, por exemplo, o mandato do governo neoliberal de Dilma Roussef (PT) e aconselhar o PSUV de Maduro na Venezuela a seguir a mesma trajetória de capitulação da FSLN na Nicarágua. Para entender esse rico processo vamos abordar desde a gênese do Sandinismo, seu ascenso e derrota até o atual retorno de Daniel Ortega a presidência do país sem representar qualquer ameaça ao domínio da Casa Branca no continente centro-americano.

DO PRIMEIRO FRACASSO DO NACIONALISMO NICARAGÜENSE À REVOLUÇÃO SANDINISTA

Já em meados do século passado, os EUA tinham a Nicarágua sob seu domínio. Para preservá-lo, as forças militares ianques invadiram o país quatro vezes desde 1855. Em 1928, um latifundiário, Augusto César Sandino, aproveitando-se da redução dos efetivos militares ianques, declara guerra ao governo local, dirigindo um movimento guerrilheiro que por pouco não chegou a ocupar a capital, Manágua, no início da década seguinte. As tropas norte-americanas voltam ao país montando um imenso operativo militar contra o exército de Sandino. Mas os ianques acabam saindo derrotados e obrigados a retroceder. Incapaz de vencê-lo, o governo Roosevelt busca cooptá-lo. É celebrado um acordo que estabelecia a retirada dos marines, a escolha de um presidente constitucional (Sacasa) e, o principal, a formação de uma Guarda Nacional, cujo comandante indicado pelos EUA seria Anastácio Somoza. Pelo acordo, fica estabelecido que a Guarda Nacional não poderia combater a guerrilha. Pouco depois, temendo a possibilidade de um golpe, por parte da Guarda Nacional, Sandino visita o presidente para alertá-lo, oportunidade em que Somoza aproveitou-se para prender e assassinar Sandino e o próprio presidente Sacasa, tomando o poder absoluto no país.

A família Somoza se apropria sozinha da melhor e maior parte da economia do país, perpetuando-se por prorrogação de mandatos e eleições manipuladas. Anastácio Somoza é assassinado, mas seu filho, Luiz, assume o poder até 67, quando o Somoza III é "eleito" pela fraude. Em 1962, o intelectual Carlos Fonseca funda um movimento guerrilheiro para combater a tirania Somoza, será a Frente Sandinista de Libertação Nacional. Em 1972, Manágua é devastada por um terremoto que deixa 6 mil mortos e 300 mil feridos. Somoza percebeu nisso sua grande chance de multiplicar seus lucros, interditando o centro da capital e obrigando a todos, inclusive setores empresariais nicaragüenses, a comprar lotes de terras pertencentes ao clã Somoza na periferia de Manágua por preços superfaturados. A ira da classe dominante ainda foi maior, quando se descobriu que a quadrilha governista havia se apropriado de toda a ajuda financeira americana para a reconstrução do país. Foi a gota d’água para que os outros setores da burguesia, até então sócios minoritários da quadrilha palaciana, uma vez sentido-se expropriada, passassem para o lado dos sandinistas. O assassinato de Pedro Chamorro, diretor do principal jornal liberal do país, La Prensa, em 78, aprofundou a fissura interburguesa.

A Guarda Nacional, montada pelos EUA em 1933, era o principal sustentáculo da dinastia Somoza. Desde então, assassinou mais de 50 mil pessoas, 90% delas crianças e jovens entre 8 e 20 anos de idade. Com um profundo ódio ao regime genocida, as forças militares decisivas para o levante, que tomou o poder e destruiu a Guarda Nacional em junho e julho de 79, não vieram da burguesia ou da guerrilha pequeno burguesa do campo, mas fundamentalmente das milícias populares urbanas, como os Comitês de Defesa Sandinistas. Os CDS, organizados por quadras nas cidades copiavam o modelo dos Comitês de Defesa da Revolução Cubana. Mas, o ascenso revolucionário das massas exigia uma direção política decidida para completar a revolução e levar a luta antiimperialista e anticapitalista até as últimas conseqüências, necessidade que só poderia ser atendida por um partido operário revolucionário. Na ausência deste partido, as massas nicaragüenses tiveram de se apegar aos setores mais radicalizados dos liberais nacionalistas, a FSLN.

Sob a inspiração das derrotas impostas ao imperialismo na vizinha revolução cubana (59-60) e pela revolução vietnamita (1975), as massas nicaragüenses aproveitaram-se das fissuras da classe dominante e derrotaram a sanguinária ditadura Somoza. Esta derrota do imperialismo significou uma vitória para o proletariado mundial, impulsionando a luta democrática e antiimperialista, acelerando o debacle de várias ditaduras militares latino-americanas e, particularmente, nos países vizinhos da América Central. Em El Salvador, na Guatemala e Honduras, os massivos protestos e greves operárias levaram à queda de governos cívico-militares e à radicalização da luta de classes sem precedentes históricos naquela faixa terrestre do planeta.

POR QUE, APÓS A REVOLUÇÃO SANDINISTA, A NICARÁGUA NÃO TORNOU-SE UMA NOVA CUBA

A revolução sandinista foi o segundo levante popular num lapso de 20 anos (1959-1979) a derrotar as forças armadas da burguesia e do imperialismo ianque em seu próprio "pátio traseiro". Uma análise marxista das semelhanças e diferenças entre a revolução cubana e a nicaragüense é fundamental para que se entenda que apesar de ambas as direções, Castro e a FSLN, utilizarem a luta armada como via para o poder é na expropriação da burguesia como classe, que está o cerne da questão. Ao contrário de impulsionar a eliminação da propriedade privada sobre os meios de produção no país, a FSLN limitou-se a expropriar as posses da família Somoza (40% das riquezas do país) e buscou conter a luta anticapitalista das massas insurretas, preservando os interesses da burguesia "antisomozista", cavando sua própria cova. Este fator decisivo para a sorte de todo movimento operário insurrecional foi enunciado pelos autores do Manifesto Comunista: "Em toda a parte os comunistas apóiam todo movimento revolucionário contra a ordem social e política vigente. Em todos esses movimentos, põem em primeiro lugar, como questão fundamental, a questão da propriedade, não obstante o grau de desenvolvimento alcançado na época" (Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels).

Tanto o castrismo como os sandinistas são inimigos da democracia operária, ambos buscavam forjar governos de unidade nacional, mas a perspectiva de um governo frente populista fracassou em Cuba e a direção pequeno-burguesa foi forçada por condições excepcionais: a entrada em cena do proletariado das cidades ao qual se combinou à guerrilha rural, a imensa debilidade da classe dominante nativa; a intransigência ultimatista do imperialismo norte-americano, que ao contrário de tentar cooptar o castrismo empurrou-o para uma saída operária. Ou seja, pela impossibilidade de manter a frente popular, os castristas tiveram de ir além de onde queriam no curso de ruptura com a burguesia, sendo levados a expropriar os capitalistas nativos e as empresas multinacionais. Simultaneamente, a URSS e a China suplantaram as relações comerciais rompidas pelo imperialismo, não por qualquer impulso internacionalista das burocracias de Moscou ou de Pequim, mas tentando se utilizar da posição militar estratégica de Cuba em futuras negociações com os EUA.

As diferenças entre o Movimento 26 de Júlio de Castro e a FSLN de Daniel Ortega não são de cunho ideológico, subjetivo, neste aspecto ambos compartilham, desde o princípio de suas empreitadas, as ilusões reacionárias da pequena burguesia de desenvolver um capitalismo nacional, livre das mazelas da opressão imperialista. Enquanto foi possível (59 e meados de 1960) Castro tentou manter-se sob um programa democrático-radical e limitar as expropriações às terras de Fulgêncio Batista.

A histeria anticomunista do imperialismo ianque em 59 (década do macarthismo) não deixou saída para Castro, nem para a amedrontada burguesia cubana, que formou parte do governo de união nacional com Castro e Che no comando do Exército após a derrubada de Batista. Temendo sofrer represálias americanas o covarde patronato da ilha preferiu abandonar a frente popular e fugir do país. Abandonado pela burguesia, acossado pelo imperialismo, econômica (boicote ianque à compra do açúcar cubano e ao refino do petróleo pelas multinacionais instaladas na ilha, as únicas existentes) e militarmente (invasão gusana patrocinada pela CIA em praia Girón), o castrismo foi obrigado a se apegar à classe operária, impulsionando ainda que burocraticamente as milícias populares por cada bairro da cidade (os Comitês de Defesa da Revolução Cubana), e nacionalizar as refinarias petroleiras (Shell, Texaco e Standard Oil), os engenhos de açúcar, as companhias de telefone e eletricidade. O Estado apropriou-se de 90% das indústrias do país.

Se as burocracias dos Estados operários alimentam ilusões reacionárias de estabelecer uma "convivência pacífica" com a burguesia em nível internacional, o sandinismo abortou as perspectivas de transformar a Nicarágua em um Estado operário ainda que burocratizado, com a política contrarrevolucionária de buscar a "convivência pacífica" com o imperialismo dentro e fora do país, o que Castro, pela negativa absoluta do imperialismo, não conseguiu.

Ao contrário de Cuba, na Nicarágua, sob a direção sandinista, 57% da economia se manteve intocada nas mãos do setor privado. Na indústria, apenas 25% da produção passou para as mãos do Estado e mesmo a tímida Reforma Agrária, só veio a ocorrer de fato em meados da década de 80.

"PLURALISMO POLÍTICO" PARA OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS, "NÃO ALINHAMENTO" CONTRA O IMPERIALISMO E "ECONOMIA MISTA" CAPITALISTA: A FÓRMULA DA DERROTA

A guerrilha sandinista representou os setores da classe média alijados do poder, que tentaram conseguir, por meio da luta armada, os direitos democráticos que viram frustrados pela via institucional. Logo, a FSLN comprometeu-se com a burguesia anti-somozista a estabelecer um governo de união nacional que respeitasse a propriedade privada e a restabelecer a democracia burguesa, ou seja, manter o capitalismo nicaragüense sem Somoza.

Ao chegar ao poder, a Frente Sandinista proclamou a descoberta de uma via intermediária entre a ditadura do capital e a ditadura proletária. O esquema dos sandinistas baseava-se no seguinte tripé utópico e reacionário: "pluralismo político", "não alinhamento na política internacional" e "economia mista". O resultado é que além de preservar boa parte da burocracia estatal e das instituições jurídicas, a FSLN tentou proteger da ira popular elementos supostamente "honestos e patrióticos" do exército genocida de Somoza, e não poucos foram incorporados ao Exército sandinista. Foi impedido o justiciamento da guarda somozista, e até dos assassinos mais odiados. Somente três anos após a revolução, quando a maioria dos assassinos do antigo regime já se encontrava fora do país é que foram instaurados os tribunais populares e, ainda assim, de maneira bastante tímida e controlada. Protegidos da vingança das massas, os genocidas da Guarda Nacional fugiram para a fronteira de Honduras onde foram reagrupados pela CIA, dando origem a mais sanguinária guerrilha contra-revolucionária já montada na América Latina, os Contras. Esta atitude complacente da FSLN para com os criminosos de Somoza possibilitou uma larga vantagem à contrarrevolução imperialista na guerra civil que durou toda a década de 80 e pela qual os explorados pagaram com o seu sangue, com mais de 100 mil nicaragüenses mortos.

Enquanto era criminosamente tolerante com a burguesia e a reação, a FSLN estrangulava as forças da revolução, reprimindo a classe operária, as organizações de esquerda. O governo sandinista combinou a intervenção estatal nos sindicatos que ousassem fazer greve com a repressão seletiva às organizações de esquerda. Em alguns casos, o governo preferiu fechar fábricas ocupadas por trabalhadores em greve, para não fazer concessão às suas reivindicações, do que abrir o "mal precedente" de ser forçado a ir além dos limites pelo movimento operário. Logo nas primeiras semanas após a revolução, foi posto na ilegalidade o grupo stalinista pró-Albânia Frente Obrero (FO) e seu periódico, El Pueblo, foi confiscado, por este grupo estar organizando ocupações de terras. No mês de agosto, o governo expulsou do país a Brigada Simón Bolívar (BSB), ligada ao pseudo-trotskista argentino Nahuel Moreno. Os principais dirigentes do Movimento de Ação Popular (MAP) e da Liga Marxista Revolucionária foram presos, assim como alguns líderes sindicais do Partido Socialista (PSN, stalinistas pró-Moscou). Mas a maior repressão à esquerda foi o encar-ceramento de mais de cem militantes do Partido Comunista (PCN) sob a acusação de boicotar a produção (em outras palavras, dirigir greves), cerca de três deles foram condenados a mais de dois anos de prisão por estarem a frente de uma ocupação de fábrica. Quase todos os ativistas de esquerda foram encarcerados sob a mesma calúnia que lembram as mais sórdidas pugnas stalinistas. São acusados de serem "agentes da CIA". Sem dúvida, a dissolução das milícias populares, a repressão sandinista às greves, ocupações de fábricas e de terras, seguidas da prisão de ativistas de esquerda que lutam por mais conquistas para a revolução, prestou um serviço imensamente maior aos propósitos da CIA, como nenhum mercenário que ela já assalariou.

Além dos trabalhadores urbanos e suas organizações sindicais e políticas de esquerda, os camponeses e as minorias étnicas indígenas também foram vítimas do governo sandinista pequeno burguês. A FSLN estava fortemente empenhada em manter seus compromissos com o latifúndio anti-somozista e evitou a todo o custo uma verdadeira reforma agrária no país. A Lei de Reforma Agrária só foi formalmente votada em julho de 1981, dois anos depois da revolução, mas a efetiva repartição de terras só veio a ocorrer em 1984. O campesinato pobre que, em rota de coalizão com os médios e grandes proprietários no final da década de 70, esperavam do sandinismo a reforma agrária, melhores condições de crédito agrícola e de vida, viram suas ilusões se desfazerem a cada ano. E pior, enquanto os preços de todos os outros bens de consumo cresciam com a hiperinflação, os preços dos gêneros agrícolas foram congelados pelo governo.

Com as populações indígenas, as coisas não foram diferentes: o covarde governo sandinista, enquanto mantinha intocáveis as terras dos grandes latifundiários tratou de se apoderar das terras indígenas e de seus recursos naturais, oprimindo sua cultura e seu idioma. O resultado não poderia ser outro: os indígenas surnus, miskitos e ramas, assim como os camponeses pobres arruinados pelo governo sandinista foram jogados nas mãos da reação e do imperialismo, alistando-se em massa no exercito mercenário dos Contras.

Por sua vez, todas as liberdades e concessões eram permitidas à burguesia anti-somozista, representada no governo por Violeta Chamorro (proprietária do principal jornal da burguesia liberal, La Prensa, utilizado na guerra psicológica para desestabilizar o regime) e Adolfo Robelo, ligado aos latifundiários algodoeiros. Ambos se retiraram do governo em 1980 para chantagear o sandinismo a fazer mais concessões à reação. Adolfo Robelo dedica-se a organizar a guerrilha anti-sandinista montada na Costa Rica, enquanto dirige o Movimento Democrático Nicaragüense (MDN), partido que apesar de dedicar-se a atividades de sabotagem da revolução e ao massacre de camponeses, mantém-se ainda na legalidade.

Apesar dos bancos terem sido nacionalizados, outros setores fundamentais da economia foram deixados nas mãos dos capitalistas que provocaram o racionamento e a escassez de produtos de primeira necessidade para forçar a alta dos preços ou simplesmente desmoralizar o governo sandinista. Uma vez que a burguesia foi preservada, ela continuou a impor sobre o Estado burguês sandinista seus interesses de classe que eram de assumir de novo o poder para restabelecer o sistema convencional capitalismo-imperialismo, enfraquecido com a derrubada da tirania pró-imperialista.

Evitando o erro cometido em Cuba, a política levada adiante por Reagan para a Nicarágua nunca teve como objetivo a derrubada do governo sandinista. Washington pretendia manter os sandinistas no poder e vencer a revolução pelo esgotamento. Em 1983, impõem sanções econômicas sobre a Nicarágua e enviam uma tropa para patrulhar a costa nicaragüense. Em 85, os EUA rejeitam a proposta de paz da FSLN e decretam embargo total. A única forma de salvar a revolução seria romper o cerco imperialista através da impulsão das revoluções em El Salvador e Guatemala, mas os sandinistas fazem tudo ao contrário.

No plano internacional, a direção nacionalista da FSLN jogou um papel abertamente contrarrevolucionário, não apoiando e, inclusive, sabotando os movimentos guerrilheiros nos países vizinhos, particularmente na Guatemala e em El Salvador. Tentou dar todas as garantias aos EUA de que não fornecia ajuda militar a FMLN. Ao passo que reconhecia e estreitava suas relações com os governos genocidas antiguerrilheiros armados pela CIA nestes países, apoiava tacitamente a URNG e a FMLN para usar este apoio nas negociações com o imperialismo e as burguesias da América Central. Cínico e criminoso papel dos sandinistas, se já não seguiam o exemplo de Cuba – diga-se de passagem, sob os conselhos do próprio Castro – levando a luta antiimperialista até a expropriação da burguesia como classe, ainda aconselhavam a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional salvadorenha a nem tomar o poder, como haviam feito a FSLN.

Uma vez que conseguiu impor o refluxo ao movimento de massas, a FSLN preparou o caminho da reação imperialista de volta ao poder pela via da democracia burguesa. A elite militar sandinista tratou de enriquecer-se, apropriando-se de boa parte das terras expropriadas durante a Revolução.

A vitória sobre a ditadura e a expropriação dos Somoza possibilitou conquistas sociais (refeitórios e creches comunitárias gratuitas, subsídios à alimentação, ampliação do seguro social, aumento dos recursos para a universidade pública para 2% do orçamento nacional etc.) e ampliação dos direitos políticos e de organização sindical. Mas em pouco tempo estas conquistas foram sendo devoradas ou suprimidas paulatinamente a medida que o sandinismo fortalecia o Estado capitalista e restabelecia as relações de dependência e opressão nacional sob o imperialismo, submetendo finalmente o país a um esforço de guerra no combate aos Contras, levando ao caos a economia do país. Em 88, a inflação chega aos 30 mil % ao ano. Após desmoralizar, atomizar e empurrar para a prostração as massas nicaragüenses, os desmoralizados sandinistas perdem as eleições para Violeta Chamorro em março de 1990, mantendo-se no governo através dos postos que ocupava na burocracia militar.

"PACTOS DEMOCRÁTICOS": A POLÍTICA DE COOPTAÇÃO DO IMPERIALISMO

A estratégia do imperialismo triunfou, graças às utopias reacionárias e suicidas dos reformistas da FSLN. A Nicarágua foi um laboratório que permitiu ao governo Reagan, desenvolver sua política contrarrevolucionária de combate ao comunismo em toda a América Latina, utilizando-se das vacilações das direções nacionalistas, combinando o enfrentamento militar com a cooptação política, através de "aberturas democráticas" controladas. Apesar da imensa ajuda militar norte-americana para sufocar os movimentos de libertação nacional, foi sem dúvida a política contrarrevolucionária das direções guerrilheiras, como os sandinistas (anistiando os repressores, negando-se a romper com a burguesia e o imperialismo, estrangulando politicamente a classe operária e perseguindo camponeses e indígenas), que possibilitou o triunfo das forças da reação.

As direções nacionalistas pequeno burguesas mostraram a custo de muito sangue o fracasso da via reformista armada na Nicarágua, El Salvador e Guatemala. A direção sandinista transformou-se em nova burguesia interessada em manipular o movimento de massas em favor da preservação e ampliação de "suas" conquistas materiais e de seu poder político como partido burguês coadjuvante do regime pró-imperialista. Também nos dois outros países centro-americanos, a FMLN e a URNG renderam-se vergonhosamente aos regimes capitalistas títeres do imperialismo, participando ativamente do circo eleitoral burguês, via para o poder que antes criticavam por não ter acesso a ela.

A CRÍTICA MARXISTA DO GUERRILHEIRISMO PEQUENO BURGUÊS

A tática do foco guerrilheiro ou a guerra popular pela formação dos Exércitos de Libertação Nacional é a encarnação militarizada da luta da pequena burguesia por seu espaço no poder, caracteriza-se pelo centrismo frente à burguesia, ao imperialismo e à classe operária, por aventuras heróicas, pelo terrorismo individual, ações desesperadas e por tentar dissolver os interesses classistas do proletariado nos objetivos policlassistas das classes médias. A pequena burguesia é heterogênea e ocupa uma posição secundária em relação aos meios de produção. Seja ela urbana ou agrária (o campesinato) tem suas aspirações sociais quase sempre vinculadas à burguesia e excepcionalmente ao proletariado; quase invariavelmente busca enriquecer, acumular patrimônio e explorar cada vez mais o trabalho alheio, tendo como modelo a grande burguesia.

A pequena burguesia não pode organizar a sociedade segundo seus próprios interesses, ou converte-se em grande burguesia, ou sob uma combinação de pressões excepcionais da luta de classes (negativa da burguesia em constituir frentes populares, ofensiva revolucionária das massas, guerras) é obrigada a expropriar a burguesia, tornando-se burocracia dirigente de um Estado operário deformado, como ocorreu na Iugoslávia, China, Cuba e Vietnã.

O poder social da guerrilha não influi diretamente sobre os meios de produção e, portanto, não organiza a classe mais progressista da sociedade capitalista, o proletariado, nem entra em choque com os interesses de preservação da propriedade privada. Um exemplo atual é o fato de permanecerem intocáveis e até prosperarem as empresas capitalistas nas zonas controladas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

Suas ações de terrorismo individual ou guerrilha isolada do proletariado se opõem à estratégia da classe operária e prejudicam o desenvolvimento da consciência de classe dos trabalhadores, substituída pela crença de que sua libertação da opressão virá pelas mãos de heróis vingadores. O guerrilheirismo tem sido um dos principais obstáculos para a construção de partidos revolucionários na América Latina, porque tem desviado o recrutamento de lutadores sociais que perdem suas ilusões no cretinismo parlamentar e no tradeunionismo das direções tradicionais para esta modalidade militarizada da política reformista. Por sua vez, criando simpatias messiânicas nas massas, a guerrilha trata de desdenhar da luta política e econômica dos trabalhadores e abortar a criação de conselhos populares e milícias proletárias e camponesas disciplinadas pela democracia operária, o que tentam substituir por organismos militarizados burocráticos.

A política reformista, mesmo em sua versão armada, é contrarrevolucionária desde sua gênese. E a regra é que as direções pequeno burguesas traiam o proletariado, através da política de frentes populares, o último recurso da burguesia contra a revolução proletária. A direção centrista do processo revolucionário tenta formar uma frente ampla com todos os setores oposicionistas liberais da burguesia contra a reação, fazendo um criminoso compromisso de respeitar a propriedade privada e as relações capitalistas de dominação. Esta foi a política do menchevismo (e também a posição de Stálin e Kamenev na direção do Partido Bolchevique) logo após a revolução de fevereiro de 1917, chamando uma ampla aliança anti-czarista. O mesmo desvio cometeram os centristas republicanos na Guerra Civil espanhola, diluindo o proletariado na frente popular antifranquista.

Uma vez no poder, a direção pequeno burguesa sofre de um verdadeiro pânico de romper com a burguesia e tenta frear o ímpeto anticapitalista das massas, conciliar com a reação burguesa e perseguir a esquerda revolucionária, esmagando qualquer forma de organização independente do proletariado. Desta maneira, a direção centrista pequeno burguesa começa a fragilizar as forças da revolução, minar as conquistas (sociais, políticas e econômicas) surgidas do triunfo da revolução e prepara o caminho para a volta da reação ao poder.

Sem a existência de circunstâncias extremamente excepcionais (a extrema fragilidade da classe dominante que teme constituir um governo de coalizão de frente popular, ascenso do movimento de massas através de greves gerais, expropriações, formação de milícias populares, a existência do Estado operário da URSS como contrapeso ao imperialismo), que fariam tais movimentos pequeno burgueses irem além de suas limitações democratizantes, o mais longe que tais movimentos podem chegar é à mesa de negociação de sua rendição militar, em troca de um registro legal de acesso à democracia burguesa.

Nos conflitos objetivos entre o imperialismo ou o Estado burguês e os movimentos guerrilheiros que não estejam a serviço do imperialismo, os revolucionários marxistas se colocam incondicionalmente do lado dos últimos, conformando frentes de ação com estas forças. Ao mesmo tempo, criticando os métodos do terrorismo individual e a política de buscar uma saída negociada com a manutenção da propriedade privada. Os revolucionários não descartam a possibilidade de formar brigadas separadas da guerrilha ou de ingressar com células comunistas, com sua própria política e disciplina, dentro dos exércitos guerrilheiros para impulsionar o armamento de todo o povo, a expropriação do conjunto da classe capitalista e para subordiná-los aos conselhos e milícias operárias e camponesas.

A VOLTA DA FSLN NO COMANDO DE UM DÓCIL GOVERNO DA CENTRO-ESQUERDA BURGUESA

Atualmente convertida a um partido da centro-esquerda burguesa e paladina do já falido “Socialismo do Século XXI”, a FSLN voltou a governar o país de forma completamente adaptada a democracia burguesia e sem grandes conflitos com o imperialismo ianque, chegando, no máximo, a ajudar o chavismo a impulsionar organismos políticos “independentes” da OEA, como a Unasul e a Celac. O retorno de Daniel Ortega a presidência do país em nossos dias não representa qualquer ameaça ao domínio da Casa Branca no continente centro-americano, ao contrário, faz parte da própria política levada a cabo por Obama até agora da "reação democrática", apoiada pelo Papa Francisco e muitas vezes celebrada como “progressista” pela esquerda reformista.

Passados 37 anos do triunfo da revolução sandinista e de sua posterior derrota pela via “democrática” para a reação burguesa podemos afirma que ao contrário das organizações centristas pequeno-burguesas como a FSLN, um verdadeiro partido revolucionário baseia-se fundamentalmente na vanguarda consciente da classe mais progressista do capitalismo, a classe operária, nos seus organismos de poder (milícias proletárias, conselhos populares, sovietes), suas formas de organização de luta (greves, ocupações, expropriações) e seus métodos (violência revolucionária e ditadura proletária), o que o torna porta-voz de uma classe com determinação a impor uma nova forma de organização da economia (planificação econômica, coletivização dos meios de produção, controle da produção interna pelos sovietes e controle do comércio exterior pelo Estado operário) e da política, fusão das funções dos poderes do Estado burguês (Legislativo, Executivo e Judiciário) em um único organismo de poder, o soviete, baseado na mais ampla democracia operária. A ausência desse programa revolucionário foi a grande lição nos legada pelo fracasso do Sandinismo, que hoje governa a Nicarágua como um dócil governo da centro-esquerda, convertido a gerente dos negócios da burguesia em comum acordo com o imperialismo, no máximo aplicando ao lado dos ajustes neoliberais algumas “políticas compensatórias” que mantém intactas as estruturas do poder capitalista de um país  que foi palco de uma heroica luta revolucionária dos trabalhadores do campo e da cidade, com milhares pagando com sangue não só para derrotar a ditadura somozista mas para erguer o Socialismo na pátria de Sandino!