Egito: A chacina de Port Said e a “etapa democrática da revolução”
Mais de setenta mortos assassinados a “sangue frio” na cidade de Port Said, em uma simples partida de futebol pelo campeonato egípcio. A tragédia inicialmente apresentada pela grande mídia como uma briga das torcidas do time local, Al Masry e o Al Ahly, da cidade do Cairo, foi na verdade uma emboscada “armada” pelos serviços de segurança do governo da junta militar contra os organizadores da torcida do Ahly. O motivo de tamanha barbaridade, que além dos mortos deixou um saldo de mais de trezentos feridos, teria sido o envolvimento dos dirigentes do Ahly nas manifestações populares que levaram a queda do decrépito Mubarak. Mas o objetivo dos generais, que hoje controlam a transição do regime, é bem mais profundo do que uma sinistra vingança política. Os gorilas assassinos pretendiam disseminar um “clima” de temor e pânico no Egito, na tentativa de granjear apoio nos setores reacionários da classe média, receosa de uma possível “anarquia” e a falta de “segurança” no país.
Os trágicos acontecimentos, e que não foram os primeiros fomentados com estas características pela junta militar como o massacre dos Coptas, revelaram mais uma vez que o Egito está muito longe de ter atravessado uma “revolução democrática”, como sustentam os ideólogos da Casa Branca e desgraçadamente a esquerda revisionista que há muito perdeu a bússola de uma verdadeira revolução. Os militares pró-ianques que se livraram do fardo Mubarak diante das mobilizações populares e sob orientação direta do Pentágono, estão diante de um impasse no atual processo da transição política conservadora, qual seja, entregar o governo nas mãos da Irmandade Muçulmana, contrariando as pretensões iniciais da ascensão do ex-dirigente da ONU, El Baradei. As recentes eleições parlamentares, para a assembleia constituinte, potenciaram a força da Irmandade e seu Partido da Liberdade e Justiça, levando as possibilidades de uma eleição direta presidencial de Baradei a quase zero.
Neste marco travado da “transição democrática”, Obama orientou a permanência da junta militar por um máximo de tempo possível, até conseguir chegar a um acordo pleno com a Irmandade, principalmente no que tange ao respeito aos acordos militares firmados entre Egito e Israel, desde os tempos de Anuar Sadat, morto por uma ação espetacular da própria Irmandade em 1981. No aniversário de um ano da farsante “revolução”, que sequer alterou o regime militar em plena vigência, as massas sem nenhum instrumento de poder já começam a se impacientar com a letargia do processo de transição. Por sua vez o imperialismo ianque está no momento absorvido com a “questão Síria”, organizando com apoio das burguesias árabes (incluindo aí a egípcia ) a sabotagem militar ao regime Assad adversário de Israel. El Baradei anunciou sua intenção de desistir da disputa presidencial, cobrando dos EUA uma postura mais firme diante dos militares.
A ausência de uma direção revolucionária e de organismos reais de duplo poder, mais além da lotação multitudinal da Praça Tahir, faz do proletariado egípcio um espectador passivo do processo de “transição democrática”, iniciado por iniciativa de Washington. As reações espontâneas das massas, como a ocupação da embaixada de Israel em Cairo no ano passado, carecem de um eixo central de classe e inclusive são bastantes rebaixadas do ponto de vista de uma radicalidade democrática, se limitando a exigir o cumprimento do calendário das eleições presidenciais. As reivindicações operárias e as lutas por melhores condições de vida da população tem sido subordinadas pelas direções “revolucionárias” ao cronograma das ilusões institucionais da “primavera árabe”, retardando a organização independente do proletariado, o que só atesta o caráter fraudulento da chamada “revolução árabe”.
Como marxistas leninistas, compreendemos uma revolução, mesmo que em sua “etapa democrática” como a abrupta e violenta mudança de regime político, e não como um processo controlado pelas mesmas elites dominantes do “staff” institucional anterior. A revolução permanente, que funde em um mesmo fio condutor todas as fases da revolução, pressupõe ocorrer o armamento do proletariado e uma crise nos marcos do Estado burguês e não simplesmente em seu regime político ou governo de turno. Como afirmou Trotsky, dirigente da revolução bolchevique: “Mesmo na ausência de uma direção genuinamente comunista, a classe operaria deve estar armada em seus organismos de poder para que aconteça uma revolução de novo tipo”. Está absolutamente cristalino que nada parecido com isso ocorre hoje no Egito!