O carnaval “globeleza” ou a história da deculturação de um país
Nestes dias, mais uma vez, o povo brasileiro se lança nos “festejos” do carnaval. Longe do espírito popular de sua origem, a “festa da libertação”, eminentemente pagã, é hoje convertida na “festa” da alienação montada a serviço da deculturação do país pelos grandes meios de comunicação de massa, acompanhando o próprio processo de destruição da genuína cultura popular pelos capitalistas. O carnaval “globeleza” promovido pela TV dos Marinhos, cujos holofotes se concentram nos sambódromos do Rio e São Paulo, com milhares de pessoas nas arquibancadas vendo os “vips” desfilarem, além dos “trios elétricos” de “axé” em Salvador, com sua música pasteurizada e bestializante é a melhor expressão desse processo de contrarrevolução no terreno da cultura nacional. Em nada tem a ver com o carnaval popular, de traço boêmio e contestador, próprio dos blocos de rua do passado (os chamados “cordões” e “ranchos” nascidos no final do século XIX). O primeiro “samba enredo” que se tem conhecimento e que se popularizou foi composto por Chiquinha Gonzaga em 1890 (“ô abre alas”) para o cordão “Rosas de Ouro” do carnaval carioca, outrora ungido pela vida boêmia das primeiras décadas do século XX e pelo autêntico samba negro dos morros cariocas que descia para as ruas da cidade para o “horror” da classe dominante branca. Pode-se dizer que desta festa popular que tomava de folia as ruas de forma espontânea e “desordenada” surgiram as “escolas de samba” organizadas profissionalmente, no entanto, hoje também em avançado processo de domesticação pelos padrões impostos pela Rede Globo e seus anunciantes.
A burguesia controla o Carnaval de rua (transformado hoje em sambódromos e trios elétricos milionários voltados unicamente para a “espetacularização” do evento) nos grandes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Olinda e tem interferido não só na organização do evento (algo perceptível, particularmente, nos elevados preços dos ingressos e de tudo que está em torno da festa), como também, na transformação desta festa em um espetáculo para a exibição de valores e comportamentos que não têm qualquer correspondência com o espírito popular de sua origem chamado “entrudo”, ou seja, a festa “de libertação” que antecede a quaresma, uma vez que o Carnaval era sinônimo de subversão dos “bons costumes” da elite oligarca ultrarreacionária. Hoje a “festa” que vemos na TV não representa mais o caráter contestatório político-religioso presente até meados da década de 50 (a sátira política como crítica ao regime político vigente).
O Carnaval, para ser palatável aos “turistas” do mundo inteiro e para os interesses comerciais da televisão, foi pari pasu “embranquecido” e “filtrado” de seus autênticos elementos de samba feito no morro, ou seja, foi instrumentalmente “desfavelizado”. Em decorrência da quebra de seus elementos originais quase desapareceram no Rio de Janeiro temas vinculados à cultura popular e às próprias raízes do Carnaval ou à história em versos da formação do povo negro. Até nos locais onde as tradições sempre foram mais preservadas, como em Olinda e, no ultrapopular “Galo da Madrugada”, no Recife, as garras dos patrocinadores capitalistas já chegaram. Somam-se a isso as festas e os camarotes exclusivos que, entupidos de celebridades descartáveis e “saradas”, servem para rechear centenas de páginas de publicações e programas globais que buscam entreter para alienar as massas.
De um lado, o pasteurizado carnaval “globeleza” e suas escolas de samba, completamente adaptadas aos interesses capitalistas, com músicas de letras vazias, vulgarizando e explorando o corpo das mulheres como uma simples mercadoria a ser “exposta” na mídia e para ser “consumida” virtualmente pelos telespectadores ou em carne e osso pelos “clientes” em seus camarotes de celebridades. Tudo isso em carros alegóricos e trios elétricos milionários bancados pelo Estado em associação com as grandes empresas, privatizando espaços públicos em uma verdadeira política de pão e circo, com a “diferença” de que neste show há que se pagar elevados preços dos ingressos, em geral loteados entre os turistas e “populares” indicados pelas diretorias das escolas de samba para fazer a “torcida organizada” nos desfiles. De outro lado, como produto da barbárie cultural, aparecem os paredões com seus incansáveis axés procurando alienar a população trabalhadora acerca de suas reais condições (ritmos de trabalho alucinantes, arrocho salarial, desemprego...). Seja na “luxúria” dos sambódromos, nos trios elétricos baianos com seu lixo cultural ou ao som dos paredões, a manipulação do carnaval o transforma em cultura de massa atrasada, completamente esvaziado de sentido. Desta forma os grandes meios de comunicação com o auxílio dos governos burgueses, como a frente popular petista, cumprem um papel nefasto de deculturação e alienação, ou seja, destroem qualquer traço de cultura genuinamente popular para melhor dominar o povo explorado, como os portugueses colonialistas fizeram com os índios.
Caminhando no processo de deculturação e alienação nos deparamos com Arlindo Cruz, outrora um sambista ligado a composições populares de qualidade, fazendo o papel de garoto propaganda da Rede Globo e, consequentemente, jogando o samba e sua história no lixo em uma ode a “globalização”, ou seja, ao processo de recolonização cultural e político que vive nosso país. Seguindo o mesmo caminho vem Diogo Nogueira que aparece de programação em programação, assumindo o papel de jovem queridinho da TV dos Marinhos e destruindo todo um legado de seu pai João Nogueira. O jovem sambista mauricinho vai no caminho inverso do “velho”, que na década de 80, quando o samba começou a ser abafado pelo mercado fonográfico e pela mídia cada vez mais controlada pelo jabá, fundou o “Clube do Samba” para resistir à influência cultural ianque devastadora sobre nosso país. Sua ruptura com a Portela e a fundação da escola de samba Tradição foi uma tentativa de romper com esse esquema mercenário. Nessa empreitada teve ao seu lado Paulo César Pinheiro, Nésio Nascimento (filho de Natal da Portela) e nomes da velha-guarda da antiga escola de samba.
Como marxistas revolucionários dizemos que não há nada a “festejar” nestes dias se não rompemos com o móvel cultural desse carnaval mercenário, vazio e banal imposto pela mídia “murdochiana”, a burguesia e seus agentes. Contra a “carnavalização” comercial empurrada acriticamente goela abaixo da população pela mídia, é preciso “brincar” o carnaval com o genuíno espírito de resistência, lutando ideologicamente para dotar o movimento operário de uma clara conscientização programática acerca do que representa o carnaval no regime capitalista e o caráter nefasto da política de aprofundamento da submissão ao imperialismo e da deculturação do país patrocinada pelo governo Lula/Dilma.
Como marxistas revolucionários dizemos que não há nada a “festejar” nestes dias se não rompemos com o móvel cultural desse carnaval mercenário, vazio e banal imposto pela mídia “murdochiana”, a burguesia e seus agentes. Contra a “carnavalização” comercial empurrada acriticamente goela abaixo da população pela mídia, é preciso “brincar” o carnaval com o genuíno espírito de resistência, lutando ideologicamente para dotar o movimento operário de uma clara conscientização programática acerca do que representa o carnaval no regime capitalista e o caráter nefasto da política de aprofundamento da submissão ao imperialismo e da deculturação do país patrocinada pelo governo Lula/Dilma.