sexta-feira, 10 de abril de 2015


ACORDO EUA-IRÃ: OBAMA RECUA TEMPORARIAMENTE PARA COOPTAR COM “ABRAÇO DE URSO” O GOVERNO PRÓ-OCIDENTE DE ROHANI

Guardadas as devidas diferenças geopolíticas, o acordo celebrado entre o Irã e o chamado G5+1 (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, China e Rússia) segue a política da Casa Branca para Cuba, que podemos resumir como um “abraço de urso”. Obama acena com o distensionamento das sanções econômicas, fato que gera simpatia popular, enquanto exige concessões políticas, econômicas e militares gigantescas. O acordo prevê limitações ao enriquecimento de urânio no Irã, para evitar que o país construa bombas nucleares. Em troca, sanções econômicas impostas contra o Irã serão suspensas. O acordo, no entanto, ainda não está garantido. O Irã deverá começar a implementar as medidas exigidas e apenas depois disso os EUA vão suspender as sanções. Este é o “modelo” das negociações com Havana e Teerã. Enquanto isto, o imperialismo ianque recrudesce a ofensiva terrorista contra a Venezuela, o que gera a pergunta para qualquer ativista de esquerda: Qual a “lógica” da política externa dos EUA? Os Marxistas Revolucionários tem claro que a iniciativa da Casa Branca está inserida neste momento no contexto da própria crise que atravessa a ofensiva imperialista contra os povos, em particular no impasse militar no “Mundo Árabe” após o êxito inicial contra o regime Kadafista na Líbia. O empantanamento da invasão contra a Síria e as dificuldades de iniciar a estratégica operação contra o Irã, sem falar na impossibilidade de “dobrar” a influência militar da Rússia na região, obrigaram o Império a tentar um acordo provisório com Teerã. Este é um passo importante para a estratégia de governo de Obama que necessidade da cooperação do regime iraniano para combater o Estado Islâmico no Iraque e na Síria. O restabelecimento de relações entre EUA e Irã, suspensas desde 1979, sofre forte resistência da Arábia Saudita, Israel e Turquia, produzindo um emaranhado no sistema de alianças no convulsionado Oriente Médio. Na arena diplomática os gestos de “boa vontade” do governo Obama servem como uma luva para tentar aplacar sua própria crise interna nos dois anos finais de seu mandato, esperando que o Partido Democrata consiga emplacar Hillary. Hoje a “mão estendida” de Obama-Kerry para o Regime dos Aiatolás tem por objetivo liberar as forças até então represadas diante dos conflitos com a Síria (aliada da Rússia e do Irã) e da pressão de Israel contra qualquer aproximação com o Teerã. Com um possível “acordo” com o Irã, que retardará por vários anos o programa nuclear persa, os EUA podem ganhar tempo para conseguir se fortalecer para um saída militar futura, já que os Clinton apoiam integralmente a “jogada” de aproximação com Cuba, o que não pode ser dito da política para o Oriente Médio onde Hillary defende uma imediata e agressiva ação militar contra Assad. Todas estas contradições estão no tabuleiro político colocados no acordo que deve ter seus termos finais celebrados no final de junho. O certo é que as bases das negociações colocam o Irã como alvo das inspeções dos observadores imperialistas por 10 a 15 anos como ressaltou o chanceler russo Lavrov e já tem reflexos na luta de classe no Oriente Médio, onde no Iêmen a milícia xiita Houthis (aliada do Irã) é atacada pela Arábia Saudita com o apoio dos EUA e não há um resposta à altura de Teerã a ofensiva. Não negamos o direito do Irã de negociar com o imperialismo o fim das sanções econômicas contra o país para se preservar como potência regional contra as investidas de Israel e manter o nível de vida de seu povo, justo objetivo almejado, porém alertamos que as bases do acordo atual também fornecem tempo para o imperialismo organizar uma ofensiva militar futura contra o país, como deseja a víbora Hillary Clinton que deve ganhar as eleições ianques em 2016.

Desde a eleição de Hassan Rohani, o novo presidente tem mantido uma posição mais conciliadora com o imperialismo ianque e as potências ocidentais, sob o pretexto de pôr um fim às sanções contra o Irã. Em setembro de 2013, durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York, Barack Obama telefonou para Hassan Rohani, em um primeiro contato direto entre os líderes dos dois países desde a Revolução de 1979. Essa atitude foi criticada inclusive pelo Guia Supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, que considerou “desapropriadas” algumas ações de Rohani. As potências mundiais voltaram a se reunir com os negociadores iranianos em Genebra nos dias 7 e 8 de novembro de 2013, depois de um encontro realizado entre as duas partes, no qual o Irã apresentou uma nova proposta, mas não se chegou a um acordo porque Rohani alegou que precisava do aval do aiatolá Ali Khamenei, ou seja, chamou as potências capitalistas a pressionarem o Guia Supremo do Irã. Já o líder do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, se apresenta como simpático ao acordo: “Não há dúvida de que o acordo nuclear iraniano vai ser grande e importante para a região. O acordo, se Deus quiser, afasta o espectro de uma guerra regional e de uma guerra mundial”. O imperialismo ianque quer um acordo detalhado, onde se explicite a quantidade de centrífugas que seria permitido ao Irã ter, a quantidade de urânio que pode acumular, e a quantidade de plutônio que pode sair do reator de Arak, entre outras restrições e controles, enquanto os negociadores do Irã aspiram a uma declaração mais geral que não especifique estas imposições para poder seguir negociando nos próximos meses. Os termos que finalmente tenha o acordo preliminar dirão bastante sobre o estado em que se encontram as negociações. Obama aspira a que um acordo com o Irã e a abertura de novos negócios para as empresas norte-americanas, deixe mais difícil para a oposição interna dos republicanos revertê-lo. Por sua vez, com este acordo, os EUA admitem que não correlação de forças para destruir o programa nuclear do Irã, o que implicaria abrir outra frente militar em um país com 80 milhões de pessoas. O objetivo realista é mantê-lo controlado para que a atividade de enriquecimento do Irã esteja por baixo do limiar para a fabricação de armas nucleares.

O Guia Supremo, que tem a última palavra sobre o programa nuclear, forneceu seu apoio aos negociadores iranianos, mas também expressou seu pessimismo sobre a possibilidade de avançar nas negociações e lembrou as décadas de hostilidades e receios do Ocidente em relação ao Irã. A ala mais dura do regime iraniano também é cética e teme que os negociadores, liderados pelo ministro das Relações Exteriores, Mohamed Javad Zarif, façam muitas concessões ao imperialismo. Para o ex-negociador nuclear e candidato derrotado à presidência em junho, Saeed Jalili, “o slogan ‘morte à América’ (entoado durante a cerimônia) não é dirigido ao povo americano, mas ao governo dos Estados Unidos que oprime outros povos”. Segundo ele, “Nós dissemos ao mundo há 34 anos que a embaixada dos Estados Unidos era um local de espionagem e conspiração (...) hoje em dia, até mesmo amigos e aliados dos Estados Unidos chegaram à mesma conclusão”, acrescentou em referência aos recentes escândalos de espionagem americana em todo o mundo. Jalili havia sido criticado por Rohani devido sua recusa em fazer concessões como negociador nuclear. Sob o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, as conversas sobre o assunto praticamente se restringiram a sanções e ameaças. Diante destas reações, o atual presidente iraniano declarou que o Irã não abandonará seus direitos nucleares, incluindo o enriquecimento de urânio, poucas horas depois de uma rodada de negociações internacionais que terminou sem acordo: “Há linhas vermelhas que não podem ser cruzadas. Os direitos da nação iraniana e nossos interesses são uma linha vermelha. E também o são os direitos nucleares no âmbito das regras internacionais, que incluem o enriquecimento de urânio em solo iraniano”. Pelo acordo, o Irã poderá ter 6.104 centrífugas instaladas - atualmente são 19 mil - e apenas pouco mais de 5 mil delas irão realmente enriquecer urânio. Todos as centrífugas em funcionamento serão modelos menos avançados. O resto será armazenado sob a supervisão de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Irá reduzir seu estoque de urânio de baixo enriquecimento - a matéria-prima para a fabricação de uma bomba, se enriquecido ainda mais. Não haverá enriquecimento na instalação subterrânea de Fordow por cerca de 15 anos, inspetores terão acesso não apenas às principais instalações nucleares mas para a rede de fornecimento do programa nuclear do Irã e a minas de urânio e usinas. O Irã será obrigado a conceder acesso aos inspetores da AIEA para investigar locais suspeitos ou atividades clandestinas suspeitas em qualquer lugar do país. O reator de água pesada em Arak, que muitos temiam poder fornecer ao Irã condições para converter urânio em plutônio - para uma potencial bomba - será reconstruído para que não possa ser capaz de produzir plutônio

A vitória de Hassan Rohani, um clérigo moderado no espectro xiita, foi montada justamente para evitar a polarização interna. A burguesia iraniana deseja criar as condições para negociar um acordo com o imperialismo ianque que impeça a agressão militar ao país persa em troca de amplas concessões no terreno de sua soberania nacional, isolando os setores mais resistentes a tal giro servil. A base para alcançar este novo objetivo é o recuo no programa nuclear iraniano, uma exigência da Casa Branca para começar as negociações. Quando Rohani foi eleito, Obama lançou um comunicado em que declarou sua disposição de “colaborar” com o novo presidente. O falcão negro afirmou que a eleição de Rohani era “um sinal potencialmente esperançoso se ele fizer jus às suas promessas de campanha de ser aberto sobre o programa nuclear. Para se chegar a esse ponto, precisamos que ele cumpra com as obrigações do programa nuclear, e se ele fizer isso, haverá grande oportunidade para o Irã e as pessoas desse país ter o tipo de futuro que seria justificável quererem” (G1, 16/06/2013). Obama deseja que o atual presidente comande, sob as ordens de Khamenei, um recuo do armamento e da defesa nuclear iraniano, o que significa deixar o caminho livre para o enclave nazi-sionista de Israel não ter um contraponto militar na região e para novas agressões contra países não-alinhados automaticamente com os EUA, como é o caso da Síria! Rohani esteve à frente das negociações nucleares entre 2003 e 2005 sob a presidência do também “reformista” Mohammad Khatami. Na época, o Irã aceitou a suspensão do enriquecimento de urânio após negociações com a troika europeia (França, Grã-Bretanha e Alemanha), mas este caminho foi barrado por Ahmadinejad. Ele cumpriu dois mandados como presidente do país e adotou uma conduta de relativo enfrentamento com o imperialismo, tanto que o país é alvo de várias sanções internacionais deliberadas pela ONU. Em função disso, ele foi claramente alijado do processo eleitoral. Sua aproximação com o chavismo e a centro-esquerda burguesa latino-americana contribuiu para ser rifado, além da contestação pública de algumas decisões de Khamenei.

Lembremos que o objetivo central do Pentágono ao desestabilizar a Síria é neutralizar o regime da oligarquia Assad para debilitar o Hezbollah e seguir sem maiores obstáculos em seu plano de atacar Irã. Ao que tudo indica, “preventivamente”, os Aiatolás agiram logo em busca de um acordo com a Casa Branca e para isso “elegeram” Hassan Rohani, que já foi negociador nuclear iraniano e, como representante dos chamados “reformistas”, tem bastante trânsito junto à União Europeia, Israel e EUA. Também pesou nesta decisão as sanções internacionais impostas ao Irã. As medidas provocaram um aumento do desemprego, fizeram a inflação saltar para mais de 30% e causaram a desvalorização do Rial em quase 70%. O atual presidente prega uma política mais flexível em relação às grandes potências com o objetivo de amenizar as sanções. A vitória de Hassan Rohani marcou o retorno dos chamados “moderados” e “reformistas” ao governo persa, após um longo hiato iniciado depois das manifestações contra a reeleição de Ahmadinejad em junho de 2009, chamadas a época de “Revolução Verde”. Hassan Rohani apoiou os manifestantes que protestaram contra o resultado das eleições e criticou o governo pela repressão aos protestos. O imperialismo também deu respaldo às manifestações contra Ahmadinejad, acusando-o de fraudar as eleições. Na época, não podendo derrubar o governo iraniano, Washington buscou desestabilizá-lo, apoiando-se em um amplo setor da burguesia iraniana, alinhada em torno da candidatura de Mir Hossein Moussavi, uma caixa de ressonância das pressões imperialistas, turbinada após a campanha midiática contra os resultados eleitorais. Desde então a Casa Branca impulsionou a oposição interna contra Ahmadinejad. No lastro da vitória alcançada com a fantasiosa “revolução árabe”, que promoveu com sucesso a transição conservadora no Egito e na Tunísia além de derrubar o regime nacionalista líbio e está impondo a desestabilização do governo da oligarquia Assad na Síria, Obama veio trabalhando e pressionando para construir no Irã um cenário de fortalecimento da oposição “reformista” que hoje volta novamente ao governo, ainda que em sua versão mais domesticada pelo aiatolá Ali Khamenei. O Regime dos Aiatolás entendeu a mensagem da Casa Branca e agiu “elegendo” Hassan Rohani como parte de uma tentativa de um acordo prévio com o imperialismo. A esperança ianque é que nos próximos anos se produza uma “mudança de regime” e que surja um governo mais próximo de seus interesses, seja ele produto de um processo evolutivo e pacífico – em que reformistas vão ganhando terreno e os conservadores se marginalizando – ou por um giro mais brusco da situação por um dinâmica social conflituosa. No caso de que este acordo se rompa, o cálculo de Obama e seus aliados é que teriam um ano para organizar a resposta militar e evitar que o Irã tivesse armamento nuclear.

Longe de expressar uma unidade do regime político, o governo de Rohani demonstra a fissura crescente dentro da cúpula teocrática do Regime dos Aiatolás, corroída pela sedução imperialista, que teve em Obama um poderoso operador. Tanto a situação “linha dura” xiita quanto a oposição “reformista” buscaram uma reaproximação estratégica com o imperialismo ianque, mas com clara diferenças de grau e velocidade. Os revolucionários não são partidários do Regime dos Aitolás no Irã, embora reconheçamos os avanços anti-imperialistas conquistados pelas massas em 1979. Sempre alertamos que a burguesia iraniana, diante de seu isolamento internacional e das sanções impostas pela ONU, estava buscando um acordo estratégico com o imperialismo ianque e europeu. A escolha de Hassan Rohani reforça tremendamente este rumo de aberta concessão política, econômica e militar. Ainda assim, não está descartado um incremento da pressão do imperialismo ianque e de Israel sobre o país, exigindo sua rendição completa, perspectiva que sofre grande resistência interna, particularmente pelas massas iranianas que viram a barbárie imposta à Líbia e a destruição em curso na Síria. Justamente por isto, o governo de Hassan Rohani não está sendo tranquilo, já que uma capitulação vergonhosa pode levar a enfrentamentos entre as diversas alas do regime. Frente a esta situação ainda incerta, defendemos integralmente o direito deste país oprimido a possuir todo arsenal militar atômico ao seu alcance. É absolutamente sórdido e cretino que o imperialismo ianque e seus satélites pretendam proibir o acesso à tecnologia atômica aos países que não se alinham com a Casa Branca, quando esta arma “até os dentes” Estados gendarmes como Israel com farta munição atômica. Como marxistas, não dissimulamos em um só momento o caráter burguês e obscurantista dos regimes nacionalistas do Irã ou do próprio Hezbollah. Mas estes fatos em nada mudam a posição comunista diante de uma possível agressão imperialista contra uma nação oprimida. Não nos omitiremos de estabelecer uma unidade de ação com o Regime dos Aiatolás, diante de uma agressão imperialista, ainda que este esteja claramente dando sinais que irá capitular. Por esta mesma razão, chamamos o proletariado persa a construir uma alternativa revolucionária dos trabalhadores que possa combater consequentemente o imperialismo e derrotar todas as alas do regime, denunciando desde já o papel servil do governo Rohani. É bom lembrar que os marxistas já estabeleceram uma frente única com os aiatolás na derrubada do Xá Reza Pahlevi e seu regime pró-imperialista, apesar de conhecermos o caráter de classe da direção religiosa muçulmana. A perspectiva de um governo democrata comandado pela víbora Hillary em 2016 ou uma gerência ainda mais à direita de corte abertamente fascista comandado possivelmente por um representante do “Tea Party” ou alguém muito próximo de suas posições arquirreacionárias pode abrir caminho, mesmo com todas as concessões feitas pelo regime dos Aiatolás e o governo Rohani, para uma vingança contra a humilhação sofrida pelos EUA na desastrosa tentativa de intervenção militar no Irã, ainda sob o governo democrata de Jimmy Carter. Não temos nenhuma dúvida que o império pretende somar para suas empresas transnacionais as reservas de petróleo do Irã às da Líbia e do Iraque para, desta forma, deter a hegemonia absoluta do controle energético do planeta. Somente idiotas úteis à Casa Branca podem ignorar estes fatos e declarar “solidariedade” às ações militares da OTAN contra os “bárbaros ditadores” que se recusam a aceitar a “democracia made in USA”. Os marxistas revolucionários defendem integralmente o direito do Irã a possuir todo arsenal militar atômico ao seu alcance para se defender do imperialismo e do sionismo. Porém, compreendem que a tarefa de defender o Irã inclusive contra sua burguesia nativa está, antes de tudo, nas mãos do proletariado mundial e das massas árabes. Somente elas podem lutar consequentemente pela derrota do imperialismo em todo o Oriente Médio, abrindo caminho para sepultar a exploração capitalista interna que condena a miséria os explorados da região.