ACORDO EUA-IRÃ: OBAMA RECUA TEMPORARIAMENTE PARA COOPTAR COM
“ABRAÇO DE URSO” O GOVERNO PRÓ-OCIDENTE DE ROHANI
Guardadas as devidas diferenças geopolíticas, o acordo
celebrado entre o Irã e o chamado G5+1 (EUA, Reino Unido, França, Alemanha,
China e Rússia) segue a política da Casa Branca para Cuba, que podemos resumir
como um “abraço de urso”. Obama acena com o distensionamento das sanções
econômicas, fato que gera simpatia popular, enquanto exige concessões
políticas, econômicas e militares gigantescas. O acordo prevê limitações ao
enriquecimento de urânio no Irã, para evitar que o país construa bombas
nucleares. Em troca, sanções econômicas impostas contra o Irã serão suspensas.
O acordo, no entanto, ainda não está garantido. O Irã deverá começar a
implementar as medidas exigidas e apenas depois disso os EUA vão suspender as
sanções. Este é o “modelo” das negociações com Havana e Teerã. Enquanto isto, o
imperialismo ianque recrudesce a ofensiva terrorista contra a Venezuela, o que
gera a pergunta para qualquer ativista de esquerda: Qual a “lógica” da política
externa dos EUA? Os Marxistas Revolucionários tem claro que a iniciativa da
Casa Branca está inserida neste momento no contexto da própria crise que
atravessa a ofensiva imperialista contra os povos, em particular no impasse
militar no “Mundo Árabe” após o êxito inicial contra o regime Kadafista na
Líbia. O empantanamento da invasão contra a Síria e as dificuldades de iniciar
a estratégica operação contra o Irã, sem falar na impossibilidade de “dobrar” a
influência militar da Rússia na região, obrigaram o Império a tentar um acordo
provisório com Teerã. Este é um passo importante para a estratégia de governo
de Obama que necessidade da cooperação do regime iraniano para combater o
Estado Islâmico no Iraque e na Síria. O restabelecimento de relações entre EUA
e Irã, suspensas desde 1979, sofre forte resistência da Arábia Saudita, Israel
e Turquia, produzindo um emaranhado no sistema de alianças no convulsionado
Oriente Médio. Na arena diplomática os gestos de “boa vontade” do governo Obama
servem como uma luva para tentar aplacar sua própria crise interna nos dois anos
finais de seu mandato, esperando que o Partido Democrata consiga emplacar
Hillary. Hoje a “mão estendida” de Obama-Kerry para o Regime dos Aiatolás tem
por objetivo liberar as forças até então represadas diante dos conflitos com a
Síria (aliada da Rússia e do Irã) e da pressão de Israel contra qualquer
aproximação com o Teerã. Com um possível “acordo” com o Irã, que retardará por
vários anos o programa nuclear persa, os EUA podem ganhar tempo para conseguir
se fortalecer para um saída militar futura, já que os Clinton apoiam
integralmente a “jogada” de aproximação com Cuba, o que não pode ser dito da
política para o Oriente Médio onde Hillary defende uma imediata e agressiva
ação militar contra Assad. Todas estas contradições estão no tabuleiro político
colocados no acordo que deve ter seus termos finais celebrados no final de
junho. O certo é que as bases das negociações colocam o Irã como alvo das
inspeções dos observadores imperialistas por 10 a 15 anos como ressaltou o
chanceler russo Lavrov e já tem reflexos na luta de classe no Oriente Médio,
onde no Iêmen a milícia xiita Houthis (aliada do Irã) é atacada pela Arábia
Saudita com o apoio dos EUA e não há um resposta à altura de Teerã a ofensiva.
Não negamos o direito do Irã de negociar com o imperialismo o fim das sanções
econômicas contra o país para se preservar como potência regional contra as
investidas de Israel e manter o nível de vida de seu povo, justo objetivo
almejado, porém alertamos que as bases do acordo atual também fornecem tempo
para o imperialismo organizar uma ofensiva militar futura contra o país, como
deseja a víbora Hillary Clinton que deve ganhar as eleições ianques em 2016.
Desde a eleição de Hassan Rohani, o novo presidente tem
mantido uma posição mais conciliadora com o imperialismo ianque e as potências
ocidentais, sob o pretexto de pôr um fim às sanções contra o Irã. Em setembro
de 2013, durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York, Barack Obama telefonou
para Hassan Rohani, em um primeiro contato direto entre os líderes dos dois
países desde a Revolução de 1979. Essa atitude foi criticada inclusive pelo
Guia Supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, que considerou “desapropriadas”
algumas ações de Rohani. As potências mundiais voltaram a se reunir com os
negociadores iranianos em Genebra nos dias 7 e 8 de novembro de 2013, depois de
um encontro realizado entre as duas partes, no qual o Irã apresentou uma nova
proposta, mas não se chegou a um acordo porque Rohani alegou que precisava do
aval do aiatolá Ali Khamenei, ou seja, chamou as potências capitalistas a
pressionarem o Guia Supremo do Irã. Já o líder do Hezbollah, Sayyed Hassan
Nasrallah, se apresenta como simpático ao acordo: “Não há dúvida de que o
acordo nuclear iraniano vai ser grande e importante para a região. O acordo, se
Deus quiser, afasta o espectro de uma guerra regional e de uma guerra mundial”.
O imperialismo ianque quer um acordo detalhado, onde se explicite a quantidade
de centrífugas que seria permitido ao Irã ter, a quantidade de urânio que pode
acumular, e a quantidade de plutônio que pode sair do reator de Arak, entre
outras restrições e controles, enquanto os negociadores do Irã aspiram a uma
declaração mais geral que não especifique estas imposições para poder seguir
negociando nos próximos meses. Os termos que finalmente tenha o acordo
preliminar dirão bastante sobre o estado em que se encontram as negociações.
Obama aspira a que um acordo com o Irã e a abertura de novos negócios para as
empresas norte-americanas, deixe mais difícil para a oposição interna dos
republicanos revertê-lo. Por sua vez, com este acordo, os EUA admitem que não
correlação de forças para destruir o programa nuclear do Irã, o que implicaria
abrir outra frente militar em um país com 80 milhões de pessoas. O objetivo
realista é mantê-lo controlado para que a atividade de enriquecimento do Irã
esteja por baixo do limiar para a fabricação de armas nucleares.
O Guia Supremo, que tem a última palavra sobre o programa
nuclear, forneceu seu apoio aos negociadores iranianos, mas também expressou
seu pessimismo sobre a possibilidade de avançar nas negociações e lembrou as
décadas de hostilidades e receios do Ocidente em relação ao Irã. A ala mais
dura do regime iraniano também é cética e teme que os negociadores, liderados
pelo ministro das Relações Exteriores, Mohamed Javad Zarif, façam muitas
concessões ao imperialismo. Para o ex-negociador nuclear e candidato derrotado
à presidência em junho, Saeed Jalili, “o slogan ‘morte à América’ (entoado
durante a cerimônia) não é dirigido ao povo americano, mas ao governo dos
Estados Unidos que oprime outros povos”. Segundo ele, “Nós dissemos ao mundo há
34 anos que a embaixada dos Estados Unidos era um local de espionagem e
conspiração (...) hoje em dia, até mesmo amigos e aliados dos Estados Unidos chegaram
à mesma conclusão”, acrescentou em referência aos recentes escândalos de
espionagem americana em todo o mundo. Jalili havia sido criticado por Rohani
devido sua recusa em fazer concessões como negociador nuclear. Sob o
ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, as conversas sobre o assunto praticamente se
restringiram a sanções e ameaças. Diante destas reações, o atual presidente
iraniano declarou que o Irã não abandonará seus direitos nucleares, incluindo o
enriquecimento de urânio, poucas horas depois de uma rodada de negociações
internacionais que terminou sem acordo: “Há linhas vermelhas que não podem ser
cruzadas. Os direitos da nação iraniana e nossos interesses são uma linha
vermelha. E também o são os direitos nucleares no âmbito das regras internacionais,
que incluem o enriquecimento de urânio em solo iraniano”. Pelo acordo, o Irã
poderá ter 6.104 centrífugas instaladas - atualmente são 19 mil - e apenas
pouco mais de 5 mil delas irão realmente enriquecer urânio. Todos as
centrífugas em funcionamento serão modelos menos avançados. O resto será
armazenado sob a supervisão de inspetores da Agência Internacional de Energia
Atômica (AIEA). Irá reduzir seu estoque de urânio de baixo enriquecimento - a
matéria-prima para a fabricação de uma bomba, se enriquecido ainda mais. Não
haverá enriquecimento na instalação subterrânea de Fordow por cerca de 15 anos,
inspetores terão acesso não apenas às principais instalações nucleares mas para
a rede de fornecimento do programa nuclear do Irã e a minas de urânio e usinas.
O Irã será obrigado a conceder acesso aos inspetores da AIEA para investigar
locais suspeitos ou atividades clandestinas suspeitas em qualquer lugar do
país. O reator de água pesada em Arak, que muitos temiam poder fornecer ao Irã
condições para converter urânio em plutônio - para uma potencial bomba - será
reconstruído para que não possa ser capaz de produzir plutônio
A vitória de Hassan Rohani, um clérigo moderado no espectro
xiita, foi montada justamente para evitar a polarização interna. A burguesia
iraniana deseja criar as condições para negociar um acordo com o imperialismo
ianque que impeça a agressão militar ao país persa em troca de amplas
concessões no terreno de sua soberania nacional, isolando os setores mais
resistentes a tal giro servil. A base para alcançar este novo objetivo é o
recuo no programa nuclear iraniano, uma exigência da Casa Branca para começar
as negociações. Quando Rohani foi eleito, Obama lançou um comunicado em que
declarou sua disposição de “colaborar” com o novo presidente. O falcão negro
afirmou que a eleição de Rohani era “um sinal potencialmente esperançoso se ele
fizer jus às suas promessas de campanha de ser aberto sobre o programa nuclear.
Para se chegar a esse ponto, precisamos que ele cumpra com as obrigações do
programa nuclear, e se ele fizer isso, haverá grande oportunidade para o Irã e
as pessoas desse país ter o tipo de futuro que seria justificável quererem”
(G1, 16/06/2013). Obama deseja que o atual presidente comande, sob as ordens de
Khamenei, um recuo do armamento e da defesa nuclear iraniano, o que significa
deixar o caminho livre para o enclave nazi-sionista de Israel não ter um
contraponto militar na região e para novas agressões contra países
não-alinhados automaticamente com os EUA, como é o caso da Síria! Rohani esteve
à frente das negociações nucleares entre 2003 e 2005 sob a presidência do
também “reformista” Mohammad Khatami. Na época, o Irã aceitou a suspensão do
enriquecimento de urânio após negociações com a troika europeia (França, Grã-Bretanha
e Alemanha), mas este caminho foi barrado por Ahmadinejad. Ele cumpriu dois
mandados como presidente do país e adotou uma conduta de relativo enfrentamento
com o imperialismo, tanto que o país é alvo de várias sanções internacionais
deliberadas pela ONU. Em função disso, ele foi claramente alijado do processo
eleitoral. Sua aproximação com o chavismo e a centro-esquerda burguesa
latino-americana contribuiu para ser rifado, além da contestação pública de
algumas decisões de Khamenei.
Lembremos que o objetivo central do Pentágono ao
desestabilizar a Síria é neutralizar o regime da oligarquia Assad para
debilitar o Hezbollah e seguir sem maiores obstáculos em seu plano de atacar
Irã. Ao que tudo indica, “preventivamente”, os Aiatolás agiram logo em busca de
um acordo com a Casa Branca e para isso “elegeram” Hassan Rohani, que já foi
negociador nuclear iraniano e, como representante dos chamados “reformistas”,
tem bastante trânsito junto à União Europeia, Israel e EUA. Também pesou nesta
decisão as sanções internacionais impostas ao Irã. As medidas provocaram um
aumento do desemprego, fizeram a inflação saltar para mais de 30% e causaram a
desvalorização do Rial em quase 70%. O atual presidente prega uma política mais
flexível em relação às grandes potências com o objetivo de amenizar as sanções.
A vitória de Hassan Rohani marcou o retorno dos chamados “moderados” e
“reformistas” ao governo persa, após um longo hiato iniciado depois das
manifestações contra a reeleição de Ahmadinejad em junho de 2009, chamadas a
época de “Revolução Verde”. Hassan Rohani apoiou os manifestantes que
protestaram contra o resultado das eleições e criticou o governo pela repressão
aos protestos. O imperialismo também deu respaldo às manifestações contra
Ahmadinejad, acusando-o de fraudar as eleições. Na época, não podendo derrubar
o governo iraniano, Washington buscou desestabilizá-lo, apoiando-se em um amplo
setor da burguesia iraniana, alinhada em torno da candidatura de Mir Hossein
Moussavi, uma caixa de ressonância das pressões imperialistas, turbinada após a
campanha midiática contra os resultados eleitorais. Desde então a Casa Branca
impulsionou a oposição interna contra Ahmadinejad. No lastro da vitória
alcançada com a fantasiosa “revolução árabe”, que promoveu com sucesso a
transição conservadora no Egito e na Tunísia além de derrubar o regime
nacionalista líbio e está impondo a desestabilização do governo da oligarquia
Assad na Síria, Obama veio trabalhando e pressionando para construir no Irã um
cenário de fortalecimento da oposição “reformista” que hoje volta novamente ao
governo, ainda que em sua versão mais domesticada pelo aiatolá Ali Khamenei. O
Regime dos Aiatolás entendeu a mensagem da Casa Branca e agiu “elegendo” Hassan
Rohani como parte de uma tentativa de um acordo prévio com o imperialismo. A
esperança ianque é que nos próximos anos se produza uma “mudança de regime” e
que surja um governo mais próximo de seus interesses, seja ele produto de um
processo evolutivo e pacífico – em que reformistas vão ganhando terreno e os
conservadores se marginalizando – ou por um giro mais brusco da situação por um
dinâmica social conflituosa. No caso de que este acordo se rompa, o cálculo de
Obama e seus aliados é que teriam um ano para organizar a resposta militar e
evitar que o Irã tivesse armamento nuclear.
Longe de expressar uma unidade do regime político, o governo
de Rohani demonstra a fissura crescente dentro da cúpula teocrática do Regime
dos Aiatolás, corroída pela sedução imperialista, que teve em Obama um poderoso
operador. Tanto a situação “linha dura” xiita quanto a oposição “reformista”
buscaram uma reaproximação estratégica com o imperialismo ianque, mas com clara
diferenças de grau e velocidade. Os revolucionários não são partidários do
Regime dos Aitolás no Irã, embora reconheçamos os avanços anti-imperialistas
conquistados pelas massas em 1979. Sempre alertamos que a burguesia iraniana,
diante de seu isolamento internacional e das sanções impostas pela ONU, estava
buscando um acordo estratégico com o imperialismo ianque e europeu. A escolha
de Hassan Rohani reforça tremendamente este rumo de aberta concessão política,
econômica e militar. Ainda assim, não está descartado um incremento da pressão
do imperialismo ianque e de Israel sobre o país, exigindo sua rendição
completa, perspectiva que sofre grande resistência interna, particularmente
pelas massas iranianas que viram a barbárie imposta à Líbia e a destruição em
curso na Síria. Justamente por isto, o governo de Hassan Rohani não está sendo
tranquilo, já que uma capitulação vergonhosa pode levar a enfrentamentos entre
as diversas alas do regime. Frente a esta situação ainda incerta, defendemos
integralmente o direito deste país oprimido a possuir todo arsenal militar
atômico ao seu alcance. É absolutamente sórdido e cretino que o imperialismo
ianque e seus satélites pretendam proibir o acesso à tecnologia atômica aos
países que não se alinham com a Casa Branca, quando esta arma “até os dentes”
Estados gendarmes como Israel com farta munição atômica. Como marxistas, não
dissimulamos em um só momento o caráter burguês e obscurantista dos regimes
nacionalistas do Irã ou do próprio Hezbollah. Mas estes fatos em nada mudam a
posição comunista diante de uma possível agressão imperialista contra uma nação
oprimida. Não nos omitiremos de estabelecer uma unidade de ação com o Regime
dos Aiatolás, diante de uma agressão imperialista, ainda que este esteja
claramente dando sinais que irá capitular. Por esta mesma razão, chamamos o
proletariado persa a construir uma alternativa revolucionária dos trabalhadores
que possa combater consequentemente o imperialismo e derrotar todas as alas do
regime, denunciando desde já o papel servil do governo Rohani. É bom lembrar
que os marxistas já estabeleceram uma frente única com os aiatolás na derrubada
do Xá Reza Pahlevi e seu regime pró-imperialista, apesar de conhecermos o
caráter de classe da direção religiosa muçulmana. A perspectiva de um governo
democrata comandado pela víbora Hillary em 2016 ou uma gerência ainda mais à
direita de corte abertamente fascista comandado possivelmente por um
representante do “Tea Party” ou alguém muito próximo de suas posições
arquirreacionárias pode abrir caminho, mesmo com todas as concessões feitas
pelo regime dos Aiatolás e o governo Rohani, para uma vingança contra a
humilhação sofrida pelos EUA na desastrosa tentativa de intervenção militar no
Irã, ainda sob o governo democrata de Jimmy Carter. Não temos nenhuma dúvida
que o império pretende somar para suas empresas transnacionais as reservas de petróleo
do Irã às da Líbia e do Iraque para, desta forma, deter a hegemonia absoluta do
controle energético do planeta. Somente idiotas úteis à Casa Branca podem
ignorar estes fatos e declarar “solidariedade” às ações militares da OTAN
contra os “bárbaros ditadores” que se recusam a aceitar a “democracia made in
USA”. Os marxistas revolucionários defendem integralmente o direito do Irã a
possuir todo arsenal militar atômico ao seu alcance para se defender do
imperialismo e do sionismo. Porém, compreendem que a tarefa de defender o Irã
inclusive contra sua burguesia nativa está, antes de tudo, nas mãos do
proletariado mundial e das massas árabes. Somente elas podem lutar
consequentemente pela derrota do imperialismo em todo o Oriente Médio, abrindo
caminho para sepultar a exploração capitalista interna que condena a miséria os
explorados da região.