Em meio a
crise italiana surge um “grillo” a serviço da estabilização do regime
As eleições
parlamentares italianas resultaram em uma profunda divisão do quadro político
nacional, abrindo uma grave crise na gerência burguesa. Nenhum partido ou
coligação conseguiu número suficiente de cadeiras na Câmara e no Senado para
formar um governo estável e já se discute a convocação de novas
eleições. Porém, a grande surpresa foi o Movimento Cinco Estrelas, do
comediante Beppe Grillo, que alcançou 25,55% na Câmara (ocupando 108 vagas) e
23,80% para o Senado (54 vagas), galvanizando o chamado “voto de protesto”
contra as forças tradicionais que sustentam o regime. A coalizão liderada pelo
secretário do Partido Democrata (PD), Pier Luigi Bersani, obteve 29,54% dos
votos (340 deputados) em coligação com os chamados “verdes” (Ecologia e Liberdade)
contra os 29,18% da coalizão de direita de Silvio Berlusconi encabeçada pelo Partido Povo e Liberdade (124 deputados).
Pela legislação antidemocrática italiana, o PD recebeu o bônus por ter obtido
o primeiro lugar, mas ainda assim sua frente eleitoral não alcançou a maioria
no parlamento. A coalizão do ex-primeiro-ministro Mario Monti foi
fragorosamente derrotada, com 10,54% dos votos para a Câmara e 9,13% para o
Senado. O Partido dos Comunistas Italianos (PdCI) e a Refundação Comunista (RC)
que se aliaram em torno da chamada “Revolução Civil”, sob a liderança de
Antonio Ingroia, amargou um rotundo fracasso e não conseguiu atingir sequer a
cláusula de barreira de 4%, ficando fora do Parlamento. Neste quadro de
divisão, o movimento liderado por Grillo expressa um fenômeno político que vem
marcando os países que atravessam forte crise econômica na União Européia, como
França e Grécia, o voto em partidos e movimentos que se apresentam de alguma forma como
dissidências abertas das legendas tradicionais de
“esquerda”, um processo que marca a profunda confusão ideológica
reinante a partir da própria ofensiva ideológica mundial aberta desde a queda
do Muro de Berlim.
O Movimento
Cinco Estrelas apareceu como o “novo” aos olhos dos setores populares
descontentes tanto com a direita representada por Berlusconi como com os
sociais-democratas do PD, ex-comunistas convertidos à ordem burguesa. Quem
poderia galvanizar esse sentimento pela “esquerda”, a RC e o PdCI,
foram pelo contrário castigados nas urnas, porque se negam a defender uma
política de ruptura aberta com o regime em meio a grave crise econômica. Como
reconhece Paolo Ferrero, secretário nacional do Partido da Refundação Comunista
“É grande a desilusão e o desânimo. Quero agradecer aos companheiros e
companheiras e propor uma reflexão. Os dados são claros: perdemos. A 'Revolução
Civil' ficou esmagada entre o voto de protesto dado a Grillo e o voto útil dado
a Bersani” (Vermelho, 26.02). Neste marco, Grillo personificou a repulsa ao
partidos tradicionais, como já tinha ocorrido na França com a candidatura da
Frente de Esquerda de Mélenchon e na Grécia com o Syriza. Note-se que estes
fenômenos se inscrevem nos marcos das opções que a burguesia tem para dar um
fôlego a crise política que vem atravessando os países castigados pelo debacle econômico.
Em 2009, Grillo reivindicou concorrer à liderança do Partido Democrático, mas
não teve sucesso em seu objetivo. Nas eleições desta semana superou em votos do
PD. Grillo não é um “palhaço” como vem apresentando a mídia burguesa mas uma
espécie figura que personalisa um difuso populismo de centro-esquerda, reclama
um “rendimento de cidadania” de 1000 euros para desempregados e pessoas sem
rendimentos, corte nas despesas militares, saída da zona euro, diminuição dos
salários dos políticos ou a redução da semana de trabalho a 20 horas e o mais
importante, a renovação das chamadas “instituições politicas”. Os
seus ataques nos discursos contra a “classe política” em abstrato, sem
questionar o sistema capitalista e sua relação de poder é um instrumento demagógico
que visa canalizar o enorme descontentamento da população com o regime,
principalmente das classes médias, mas mantendo os mecanismos de exploração
capitalista.
Por mais
“exótica” que seja esta figura midiática, Grillo também está a serviço da
manutenção do regime, suas propostas “alternativas” se inserem em um contexto
de contestação dos próprios partidos políticos e dos sindicatos, apoiando-se
nas “redes sociais” e nos "cidadãos" de forma isolada, como deseja
fazer Marina Silva e sua Rede no Brasil, que representa os interesses de
setores do imperialismo ianque em nosso país. Por trás desse discurso
horizontal e pretensamente libertário encontra-se os interreses do capital,
encoberto por “novas formas de fazer política”. Tanto que em seu blog Grillo
assegurou que “Seremos 150 dentro do
Parlamento, entre o Senado e a Câmara dos Deputados e muitos milhões fora”.
Segundo Alessandro Di Battista, membro do movimento de Grillo e hoje deputado
por Roma “Demonstramos que para colocar as instituições de pé não necessitamos
de dinheiro público. Demonstramos que nós, cidadãos, podemos tomar nosso país.
Isso nos dá uma satisfação imensa. Entramos, abrimos o parlamento como se fosse
uma lata de atum e ensinamos a todo o povo da Itália que ele tem sentir orgulho
de ser italiano. Caralho! Nós não somos em nada uma organização de esquerda.
Pensamos que as ideias devem ser logicas e não ideológicas. Aqui no Cinco
Estrelas há pessoas que vêm da esquerda, outras da direita, mas são sobretudo
cidadãos lindos e honestos. Somos um grupo de cidadãos organizados que pode
governar melhor que os políticos profissionais” (Carta Maior, 25.02). Como
observamos, trata-se de uma “alternativa” que se propõe a colocar de pé as
instituições desgastadas do regime, dando-lhes uma sobrevida no interior do
capitalismo.
A derrota da
direita italiana e da própria “esquerda” convertida a agente do capital não
virá pela via eleitoral, ao contrário, uma nova gerência do PD a frente do
Estado imperialista só reforçará as tendências direitistas presentes em um
período de agravamento da crise capitalista, como vem ocorrendo na França com
Hollande. Por sua vez, Grillo e seu Cinco Estrelas representam uma contestação
que não ataca as raízes da crise: o poder dos capitalistas sobre a política e a
economia. Os bolcheviques leninistas apontam vigorosamente a senda da frente
única operária de ação direta, com absoluta independência de classe em relação
aos setores “progressistas” e “alternativos” da burguesia, como é o caso tanto
da atual da social democracia europeia já convertida em força política
capitalista e do movimento de Grillo. Nas eleições parlamentares da Itália, a
esquerda revolucionária não tinha candidato ou partido em que votar e, caso
venha ocorrer um novo pleito, deve reforçar a denúncia das duas candidaturas
siamesas, Partido Povo da Liberdade de Berlusconni e PD, ambas comprometidas com o draconiano
programa de “ajustes” do FMI (até pouco tempo dirigido por um quadro
“socialista”) além do Movimento Cinco Estrelas, que em nome do suposto
"horizontalismo" combate abertamente a construção de um partido
revolucionário e se opõe abertamente ao socialismo. Somente a ação direta e
revolucionária das massas será capaz de estabelecer as bases, não para “uma
nova política” como prega Grillo, mas sim para fundação da república socialista
dos povos europeus que tenha como base a expropriação da burguesia e a
liquidação de seu Estado!