domingo, 21 de abril de 2013


“Julgamento do Carandiru” e do “Mensalão”: dois extremos de uma farsa jurídico-política do Estado burguês

O chamado “Julgamento do Carandiru”, iniciado na segunda-feira, 15, cujo processo condenou 23 PMs acusados de participar do Massacre do Carandiru em 1992, correu quase simultaneamente à publicação do acórdão do STF sobre o “mensalão”, o qual ratifica a prisão do ex-chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu. As “coincidências”, porém, se encerram aqui. “A ordem para a entrada [no presídio do Carandiru] foi absolutamente necessária e legítima” (Folha de S.Paulo, 16/4), declarou o ex-governador de São Paulo, Luiz Antonio Fleury Filho, durante o julgamento, admitindo ter ordenado a invasão do Carandiru por parte da polícia, cujo desfecho configurou um dos maiores massacres da população carcerária na história, com o assassinato a sangue-frio de 111 presos já rendidos – embora testemunhos afirmem ser pelo menos o dobro o número de mortos pela ação criminosa da PM. 360 “meganhas” da ROTA, Tropa de Choque e COE invadiram o presídio portando pesada artilharia, metralhadoras, escopetas, fuzis, pistolas e bombas, tudo usado contra os presos já rendidos em suas celas, razão pela qual muitos foram fuzilados pelas costas ou com tiro na cabeça. Mas o crime não se encerra nas execuções. Fleury, em campanha eleitoral na época, ordenou que o local do crime fosse alterado e divulgou o balanço fraudado da matança somente dois dias após. Paralelo ao “julgamento do Carandiru” corria a expectativa da publicação do acórdão do STF sobre o “mensalão” que, sob a tese do “domínio do fato” alimentado pela mídia “murdochiana”, condenou José Dirceu como “mandante” do esquema sem reunir provas substanciais contra o “capo” da Articulação do PT no alegado “operativo de compra de votos no Congresso Nacional” para aprovar reformas do governo Lula. O que por si só já é um absurdo, uma vez que a reforma constitucional era descaradamente pró-imperialista, por que o governo teria que “comprar” votos? Em um processo em que predominam os interesses do regime político, como o do “mensalão”, provas materiais ou testemunhais são absolutamente dispensáveis em nome das “evidências factuais” obtidas da mídia “murdochiana” ou de escroques como Marcos Valério. Assim funciona a Justiça no Brasil: enquanto há um julgamento onde provas, testemunhas, declarações são abundantes, os principais mandantes do crime não sentam sequer no banco dos réus; noutro o dirigente partidário foi condenados à prisão porque “não apresentou provas de sua inocência”, uma pérola jurídica criada para defender os interesses do Planalto na corrida presidencial de 2014 eliminando Lula e a Articulação em benefício de um novo mandato de Dilma.

De modo algum se trata de se defender a figura degenerada de Dirceu, responsável por inúmeras negociações com transnacionais para abrir as portas da economia do país para sanguessugas rentistas e outras "maracutaias" com o grande capital. Foi condenado precisamente por seu passado de guerrilheiro, de dirigente marxista, portanto, afastá-lo, junto com Lula, cumpriu uma necessidade do regime para a construção do consenso entre o imperialismo ianque e as reacionárias oligarquias dominantes em torno da reeleição da presidente Dilma. No caso do “julgamento do Carandiru”, eivado de provas e testemunhas contra os mandantes do massacre, que foram “preservados” tanto juridicamente como pela imprensa venal, condenou apenas os soldados de baixa patente, apesar de Fleury ter “confessado” em depoimento ter dado ordens para a polícia invadir o Pavilhão 9 do Carandiru. Não satisfeito, lançou uma cínica provocação, “que se hoje acontecesse novamente, repetiria tudo da mesma forma!”. Assim, condenar o ex-governador e sua anturragem equivaleria a condenar o aparato repressivo do Estado burguês “in toto”, ou seja, o seu braço armado, a polícia enquanto instituição. Evidentemente, a Justiça, por seu caráter de classe, não chegaria a este ponto, ao contrário, trataria de preservar o bom andamento do establishment em sua sanha “moralizadora” e “ética”, defendida inclusive pela chamada “oposição de esquerda” (PSOL, PSTU...).

Este é o modus operandi da institucionalidade burguesa da qual a Justiça é a sua mais fiel depositária, demonstrando o nível a que pode chegar a farsa jurídico-política dos julgamentos que envolvem o “mensalão” e o massacre do Carandiru. Os principais “artífices” do massacre do Carandiru, por exemplo, não só nunca foram a julgamento como muitos estão na ativa praticando homicídios de farda contra a população pobre das periferias. O único que sofreu uma “penalização” foi o comandante da operação, Ubiratan Guimarães, porém, ao ser eleito deputado estadual em 2002 pelo PTB com o emblemático número 14111, reivindicando descaradamente o massacre, posição que facilitou recorrer da sentença e ser absolvido por unanimidade pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2006, poucos meses antes de ser... assassinado em um crime supostamente passional.

A condenação da antiga cúpula petista, unindo interesses comuns desde a “oposição de esquerda” passando pela anturragem Dilmista (Palocci no comando) até os Demo-tucanos, responde a uma preparação estratégica rumo às eleições presidenciais de 2014. A reeleição de Dilma vem sendo costurada por amplos setores da burguesia nacional, com aval explícito do imperialismo ianque que conduzem o regime para um recrudescimento político, onde a criminalização dos movimentos sociais e a liberdade de expressão são os principais elementos e sintomas. Cabe, portanto, ao marxismo revolucionário não depositar nenhuma confiança nas esferas comprometidas com a manutenção férrea da institucionalidade burguesa. O combate deve acontecer de fato nas ruas, fábricas, nas campanhas salariais que se aproximam, através da ação direta do proletariado se batendo de frente com o regime capitalista e seus gerentes de plantão.