NOSSA HOMENAGEM A PIXINGUINHA: O GENIAL NETO DE ESCRAVOS QUE CRIOU AS BASES DA
MÚSICA BRASILEIRA!
Tudo começou no dia 23 de abril de 1898 quando o mundo agraciou a vinda do neto de escravos, Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha – uma derivação do dialeto africano “Pinzindin” (menino bom) dado por sua avó – considerado o “mestre dos mestres” musicais. No entanto, inicialmente fora muito incompreendido, pois na condição de pesquisador incansável de sonoridades até então desconhecidas, misturava ritmos e sons afros (frigideiras, tamborins, cuícas e gogôs usados marginalmente nos terreiros de umbanda e nos morros cariocas) com a música negra norte-americana, fundia ritmos de Ernesto Nazareth com Chiquinha Gonzaga numa mistura dialética que culminaria em “Choro” nos moldes modernos. Por esta razão, Pixinguinha estava anos luz à frente de seu tempo na elaboração mais rígida e não por isso menos improvisada de suas imemoriáveis interpretações. Aos poucos sua sonoridade ia encantando que a ouvisse e entendesse. Ganhou reconhecimento e admiração de ícones do quilate de Heitor Villa-Lobos, Louis Armstrong e mais tarde de Vinicius de Moraes, Tom Jobim... Tal foi sua importância para o cenário nacional da música popular que o dia 23 de abril passou a ser considerado o “Dia Nacional do Choro”. Portanto, o resgate da obra do grande mestre da MPB é essencial para o combate à política de deculturação do país promovida por governos burgueses e a frente popular, ambos a serviço da recolonização cultural e da ofensiva ideológica imposta pelo imperialismo ianque sobre os povos de todo o planeta.
Esta imensa verve musical foi herdada de sua família que o
influenciava diretamente durante sua infância no Bairro Ramos no Rio de
Janeiro. A família de músicos conduziu-o muito cedo à vida noturna de bares,
cabarés, cassinos. Claro, criança não deixava de lado a bola de gude e as pipas
como todo moleque se divertia; seu amadurecimento para a vida foi bastante
precoce. Aos 12 anos já tocava com maestria o cavaquinho, mas sua grande paixão
foi a flauta que aprendeu a tocar com o pai, sendo ao longo de sua carreira
considerado o maior flautista brasileiro. Sua primeira composição foi feita aos
13 anos, em 1911, “Lata de leite” que reflete o costume dos “chorões” (os
membros dos grupos de chorinho) de beberem leite deixado às portas das casas
quando de madrugada retornavam as suas moradias. Com 14 anos assumiu a direção
de harmonia de rancho carnavalesco e aos 17 tocava em orquestras em casas
noturnas do Rio de Janeiro, tornando-se muito conhecido na zona boêmia da Lapa.
Sua carreira teve o pontapé inicial, pode-se assim dizer, quando começou a
tocar nas salas de espera de cinemas com seu célebre grupo “Os oito Batutas” em
1919, nas quais apenas os melhores músicos se apresentavam, chamando mais
atenção do público do que os filmes que passavam nas telas! São desta época as
suas primeiras experimentações, cujas melodias hoje são clássicas da MPB:
“Rosa”, “Carinhoso” (instrumental) e “Sofres porque queres”. Logo despertou a
curiosidade de empresários ligados aos meios musicais que lhe convidou para
apresentações pelo Brasil e depois na Europa. “Os oito Batutas”, assim, chegam
em Paris em 1922 para uma temporada de um mês. Contudo, o sucesso fora tão
surpreendente que lá permaneceu por seis meses, período em que aproveitou para
aperfeiçoar sua técnica e harmonia ao conviver nos meandros da música europeia
e com o jazz (muito apreciado na França), experiência essencial para o modo de
ser “Pixinguinha” e aos moldes modernos do “chorinho”. A partir daí suas
composições foram profundamente marcadas por estes elementos, proporcionando
que aprendesse a tocar saxofone, o qual trouxe como sua nova paixão em sua
volta para o Brasil e que iria ser seu principal instrumento na década de 40.
Tal era seu talento que Pixinguinha ultrapassou com
“maestria” todos os preconceitos da época ao introduzir instrumentos
desconhecidos na música popular como o pistão, trombone e clarineta. Não foi
fácil, nada caiu do céu. Estamos falando do final do século XIX início do XX,
de um período bem recente à abolição da escravatura após a qual no Brasil o
negro era considerado “vagabundo”, “bêbado”, “malandro” etc. A aristocracia
dominante da época queria impedir que os “morenos” tocassem nos cinemas, pois
“o lugar deles é nos cabarés e no baixo meretrício”, afirmavam os detratores;
uma “orquestra de negros” era inadmissível. Mesmo com o estrondoso sucesso
obtido na França – que a elite branca brasileira considerou desmoralizante para
o país, chegando ao extremo de pedir ao Ministério do Exterior que impedisse a
viagem –, Pixinguinha e seu grupo foram barrados num grande hotel carioca e
obrigados a entrar pela porta dos fundos do mesmo, o que o levou a compor a
música “Lamento” (para a qual Vinicius de Moraes fez a letra 30 anos depois).
Sofreu duras acusações advindas do preconceito e ódio de classe de quem não
entendia a dialética transformadora de Pixinguinha, salientando que ele não
fazia música brasileira: “Lamento”, “Amigo do Povo”, “Carinhoso” segundo os
críticos da época são de influência norte-americana. Na verdade, concentra em
seu âmago a brasilidade e a matriz negra enraizada em obras-primas como “A vida
é um buraco”, “Benguelê”, “Cafezal em flor” (parceria com Eugênio Fonseca),
“Conversa de crioulo”, “Festa de branco” (com Baiano), “Patrão prenda seu gado”
(com Donga e João da Baiana), “Vou vivendo”, “Fala baixinho”, “No elevador”,
“Rosa” (com Otávio de Souza) e tantas outras mais. “Choro” ou “chorinho”, não
obstante os críticos ignorantes representantes das classes dominantes brancas,
remonta as antigas festas que reuniam escravos nas grandes fazendas em danças
denominadas “xolo” que com o passar dos anos assumiu a corruptela de “Choro”,
ritmo pesquisado e estudado a fundo por pelo nosso genial Pixinguinha.
Incansável, enfrentando todos os tipos de preconceitos e
adversidades, organizou e participou de vários grupos musicas como a “Orquestra
Tipica Pixinguinha-Donga” (1928), os “Diabos do Céu” (1930), a “Guarda Velha”
(1932) e a “Orquestra Columbia de Pixinguinha”. Com o grupo “Guarda Velha”
acompanhava os cantores Chico Alves, Mário Reis e Carmem Miranda. Foi o
pioneiro no quesito orquestrador exclusivo de gravadora de discos pela RCA e
fundador do arranjo de música. Trabalhou em arranjos celebrizados na voz de
cantores como Francisco Alves e Mário Reis. Em meados da década de 40 quando
trocou a flauta pelo saxofone, o mestre já estava muito fraco e debilitado,
sofrendo neste período dois enfartes. Em 1964, no emblemáico ano do golpe
militar que impôs a ditadura, teve uma complicação cardíaca, tendo que ficar
internado por mais de um mês, mesmo assim compôs mais de 20 músicas, entre elas
“Manda brasa”, “Vou para Casa”. Em 1971, a esposa Beti (sua companheira durante
45 anos) sofre um enfarto, o coração de Pixinguinha também não aguenta. Beti
falece em junho de 1972, abalando profundamente a já combalida saúde do grande
mestre. 17 de fevereiro de 1973, durante um batizado, em pleno Carnaval,
Pixinguinha sente-se mal, com dificuldades para respirar. Desta vez o coração
não lhe perdoou, deixou-o na mão e parou de bater aos 75 anos.
A obra de Pixinguinha não se encerra em si mesma, foi o fio
condutor para outros compositores erguerem novos edifícios musicais sobre a sua
pesquisa e a construção da gênese da MPB. Nestes tempos de ofensiva ideológica
do imperialismo que visa destruir tudo que representa de resistência cultural
de raízes, é tarefa de todo revolucionário publicitar a obra grandiosa de
Pixinguinha para as novas gerações, cuja juventude hoje lamentavelmente está
cada vez mais idiotizada e sem preocupações com a história do país por força da
mídia “murdochiana” a serviço do capital financeiro internacional. Que o legado
cultural de um povo seja o combate do proletariado e da maioria esmagadora dos
explorados contra a dominação de um punhado de capitalistas. A obra grandiosa
de Pixinguinha expressa no homem simples que era, sem menor dúvida, encontra-se
no patamar das melhores criações de todo o mundo!