HÁ 39 ANOS OS SANDINISTAS TOMAVAM O PODER PELA VIA
REVOLUCIONÁRIA... HOJE SÃO ACOSSADOS PELA DIREITA PRÓ-IMPERIALISTA, SUA ANTIGA
PARCEIRA NA IMPLEMENTAÇÃO DO AJUSTE NEOLIBERAL
Em meio a "Greve Geral" convocada pela organização
de direita "Aliança Cívica para a Democracia e a Justiça", como parte
de mais um dos protestos que vem ocorrendo na Nicarágua desde abril voltados a
derrubar o governo da centro-esquerda burguesa de Daniel Ortega, lembramos que nesse mês, há exatos 39 anos, em
julho de 1979, as colunas guerrilheiras da FSLN entraram em Manágua,
consolidando a vitória da revolução popular sandinista sob o comando de Daniel
Ortega, o movimento insurrecional responsável por quebrar a espinha dorsal do
Estado burguês, derrotando e destruindo o exército nacional bancado pelos EUA.
Dias antes, vendo que a derrota era inevitável, o ditador Somoza fugiu para
Miami, tendo o abrigo do imperialismo ianque então sob a gestão “democrática”
do presidente Cárter. Hoje a Casa Branca patrocina as manifestações
reacionárias justamente para colocar no lugar do governo da centro-esquerda
burguesa da FSLN um títere diretamente controlado pelo imperialismo ianque. Os
Sandinistas estão sendo acossados pela direita pró-imperialista, sua antiga
parceira na implementação do ajuste neoliberal. Nesse cenário, a Nicarágua, sob
o governo de Daniel Ortega, é alvo de protestos orquestrados pela CIA. Sob o
pretexto de combater mais um "ajuste" monetarista da FSLN, setores
reacionários da classe média e juventude de direita (uma espécie de MBL
brasileiro) estão nas ruas desde abril e agora exigem a sumária deposição dos antigos guerrilheiros, atualmente convertidos ao
"Consenso de Washington". Os EUA querem ver fora do governo da
Nicarágua, o mais rápido possível, a direção da FSLN. Os motivos são claros,
Ortega tenta estabelecer um novo eixo econômico de seu país com a China e
Venezuela, naturalmente em uma perspectiva capitalista de desenvolvimento, como
tentou no Brasil os governos petistas com os BRIC's. O governo Trump não pode
admitir esta "via de competição" no próprio "quintal" do
império ianque, por isso impulsiona uma vigorosa campanha logística para
derrubar o governo da FSLN, que ameaça se manter no poder central por um longo
período histórico. Não nutrimos a menor simpatia política pelo atual governo
burguês da FSLN, que "entregou e enterrou" a grande maioria das
conquistas da grande revolução armada que derrubou o ditador Somoza em 1979.
Desgraçadamente Ortega seguiu os conselhos contrarrevolucionários do Castrismo
e negou-se a "transformar a Nicarágua em uma nova Cuba". De lá pra
cá, a FSLN converteu-se em uma organização pequeno burguesa, alinhada ao
"regime da Democracia dos Ricos", e compondo seu governo de
"União Nacional" com setores capitalistas nativos. Porém uma questão
é estabelecer a oposição da classe operária ao Sandinismo, outra completamente
distinta é lutar contra o governo Ortega na mesma trincheira da reação local e
do imperialismo ianque. A melhor forma de comemorar o triunfo revolucionário de julho de 1979 é combater vigorosamente o imperialismo sem abrir mão da ácida crítica programática marxista a esquerda reformista como a FSLN. Este arco político defensor da colaboração de classes ressalta a democracia como valor universal e apresenta o respeito às urnas como “sagrado”, utilizando inclusive esse móvel programático para defender o governo neoliberal de Evo Morales e aconselhar o PSUV de Maduro na Venezuela a seguir a mesma trajetória de capitulação da FSLN na Nicarágua. Como Marxistas sabemos que a profunda degradação política dos Sandinistas teve como "inspiração" os governos do PT, do qual foram diretamente aconselhados (inclusive com assessoria econômica) em mais de uma década de gestão estatal. Se é plena verdade que Daniel Ortega hoje não já não tem o menor traço do antigo guerrilheiro socialista, podemos afirmar o mesmo do "sindicalista combativo" Lula, ambas lideranças políticas corrompidas ideologicamente pelo poder do capital financeiro em suas "gerências" do Estado Burguês. Porém da mesma forma que a reação não poderia tolerar mais de uma década de gestões da Frente Popular no Brasil, com sua política de "compensação social" e conciliação de classes, bastou eclodir com força a crise econômica para que o imperialismo "pautasse" a derrocada do governo petista, impulsionando as "Jornadas de Junho" em 2013. Para entender esse rico processo vamos abordar desde a gênese do Sandinismo, seu ascenso e derrota até o atual retorno de Daniel Ortega a presidência do país, hoje alvo de protestos patrocinados pelo imperialismo.
Em comemoração a esta data histórica analisamos neste
artigo minuciosamente tanto a vitória da revolução naqueles memoráveis dias
como sua derrota pela via eleitoral quase duas décadas depois devido a política
democratizante de sua direção pequeno-burguesa. A Revolução Sandinista foi a
última insurreição popular armada vitoriosa a derrotar um governo títere do
imperialismo, mas a política da direção reformista estrangulou todas as
perspectivas de construir um Governo Operário e Camponês e tornar a Nicarágua
um Estado operário em extensão para toda a América Central. Atualmente
convertida a um partido da centro-esquerda burguesa e paladina do já falido
“Socialismo do Século XXI”, a FSLN voltou a governar o país de pela via
eleitoral e de forma completamente adaptada a democracia burguesa, sem grandes
conflitos com o imperialismo ianque. Abstrair as lições programáticas dessa
derrota em nossos dias é fundamental para a vanguarda militante combater a
lógica reformista aplicada na Nicarágua já no final dos anos 80, onde o
Sandinismo entregou a revolução em uma eleição burguesa em que previamente
estava derrotado pela direita pró-ianque. Após vários anos dessa entrega sem
luta, o Sandinismo retornou ao governo nacional pela via eleitoral, porém o
regime da Nicarágua já não tem nenhum traço das conquistas revolucionárias de
1979.
DO PRIMEIRO FRACASSO DO NACIONALISMO NICARAGÜENSE À
REVOLUÇÃO SANDINISTA
Já em meados do século passado, os EUA tinham a Nicarágua
sob seu domínio. Para preservá-lo, as forças militares ianques invadiram o país
quatro vezes desde 1855. Em 1928, um latifundiário, Augusto César Sandino,
aproveitando-se da redução dos efetivos militares ianques, declara guerra ao
governo local, dirigindo um movimento guerrilheiro que por pouco não chegou a
ocupar a capital, Manágua, no início da década seguinte. As tropas
norte-americanas voltam ao país montando um imenso operativo militar contra o
exército de Sandino. Mas os ianques acabam saindo derrotados e obrigados a
retroceder. Incapaz de vencê-lo, o governo Roosevelt busca cooptá-lo. É
celebrado um acordo que estabelecia a retirada dos marines, a escolha de um
presidente constitucional (Sacasa) e, o principal, a formação de uma Guarda
Nacional, cujo comandante indicado pelos EUA seria Anastácio Somoza. Pelo
acordo, fica estabelecido que a Guarda Nacional não poderia combater a
guerrilha. Pouco depois, temendo a possibilidade de um golpe, por parte da
Guarda Nacional, Sandino visita o presidente para alertá-lo, oportunidade em
que Somoza aproveitou-se para prender e assassinar Sandino e o próprio
presidente Sacasa, tomando o poder absoluto no país.
A família Somoza se apropria sozinha da melhor e maior parte
da economia do país, perpetuando-se por prorrogação de mandatos e eleições
manipuladas. Anastácio Somoza é assassinado, mas seu filho, Luiz, assume o
poder até 67, quando o Somoza III é "eleito" pela fraude. Em 1962, o
intelectual Carlos Fonseca funda um movimento guerrilheiro para combater a
tirania Somoza, será a Frente Sandinista de Libertação Nacional. Em 1972,
Manágua é devastada por um terremoto que deixa 6 mil mortos e 300 mil feridos.
Somoza percebeu nisso sua grande chance de multiplicar seus lucros,
interditando o centro da capital e obrigando a todos, inclusive setores
empresariais nicaragüenses, a comprar lotes de terras pertencentes ao clã
Somoza na periferia de Manágua por preços superfaturados. A ira da classe
dominante ainda foi maior, quando se descobriu que a quadrilha governista havia
se apropriado de toda a ajuda financeira americana para a reconstrução do país.
Foi a gota d’água para que os outros setores da burguesia, até então sócios
minoritários da quadrilha palaciana, uma vez sentido-se expropriada, passassem
para o lado dos sandinistas. O assassinato de Pedro Chamorro, diretor do
principal jornal liberal do país, La Prensa, em 78, aprofundou a fissura
interburguesa.
A Guarda Nacional, montada pelos EUA em 1933, era o
principal sustentáculo da dinastia Somoza. Desde então, assassinou mais de 50
mil pessoas, 90% delas crianças e jovens entre 8 e 20 anos de idade. Com um
profundo ódio ao regime genocida, as forças militares decisivas para o levante,
que tomou o poder e destruiu a Guarda Nacional em junho e julho de 79, não
vieram da burguesia ou da guerrilha pequeno burguesa do campo, mas
fundamentalmente das milícias populares urbanas, como os Comitês de Defesa
Sandinistas. Os CDS, organizados por quadras nas cidades copiavam o modelo dos
Comitês de Defesa da Revolução Cubana. Mas, o ascenso revolucionário das massas
exigia uma direção política decidida para completar a revolução e levar a luta
antiimperialista e anticapitalista até as últimas conseqüências, necessidade
que só poderia ser atendida por um partido operário revolucionário. Na ausência
deste partido, as massas nicaragüenses tiveram de se apegar aos setores mais
radicalizados dos liberais nacionalistas, a FSLN.
Sob a inspiração das derrotas impostas ao imperialismo na
vizinha revolução cubana (59-60) e pela revolução vietnamita (1975), as massas
nicaragüenses aproveitaram-se das fissuras da classe dominante e derrotaram a
sanguinária ditadura Somoza. Esta derrota do imperialismo significou uma
vitória para o proletariado mundial, impulsionando a luta democrática e
antiimperialista, acelerando o debacle de várias ditaduras militares
latino-americanas e, particularmente, nos países vizinhos da América Central. Em
El Salvador, na Guatemala e Honduras, os massivos protestos e greves operárias
levaram à queda de governos cívico-militares e à radicalização da luta de
classes sem precedentes históricos naquela faixa terrestre do planeta.
A revolução sandinista foi o segundo levante popular num
lapso de 20 anos (1959-1979) a derrotar as forças armadas da burguesia e do
imperialismo ianque em seu próprio "pátio traseiro". Uma análise
marxista das semelhanças e diferenças entre a revolução cubana e a nicaragüense
é fundamental para que se entenda que apesar de ambas as direções, Castro e a
FSLN, utilizarem a luta armada como via para o poder é na expropriação da
burguesia como classe, que está o cerne da questão. Ao contrário de impulsionar
a eliminação da propriedade privada sobre os meios de produção no país, a FSLN
limitou-se a expropriar as posses da família Somoza (40% das riquezas do país)
e buscou conter a luta anticapitalista das massas insurretas, preservando os
interesses da burguesia "antisomozista", cavando sua própria cova.
Este fator decisivo para a sorte de todo movimento operário insurrecional foi
enunciado pelos autores do Manifesto Comunista: "Em toda a parte os comunistas
apóiam todo movimento revolucionário contra a ordem social e política vigente.
Em todos esses movimentos, põem em primeiro lugar, como questão fundamental, a
questão da propriedade, não obstante o grau de desenvolvimento alcançado na
época" (Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels).
Tanto o castrismo como os sandinistas são inimigos da
democracia operária, ambos buscavam forjar governos de unidade nacional, mas a
perspectiva de um governo frente populista fracassou em Cuba e a direção
pequeno-burguesa foi forçada por condições excepcionais: a entrada em cena do
proletariado das cidades ao qual se combinou à guerrilha rural, a imensa
debilidade da classe dominante nativa; a intransigência ultimatista do
imperialismo norte-americano, que ao contrário de tentar cooptar o castrismo
empurrou-o para uma saída operária. Ou seja, pela impossibilidade de manter a
frente popular, os castristas tiveram de ir além de onde queriam no curso de
ruptura com a burguesia, sendo levados a expropriar os capitalistas nativos e as
empresas multinacionais. Simultaneamente, a URSS e a China suplantaram as
relações comerciais rompidas pelo imperialismo, não por qualquer impulso
internacionalista das burocracias de Moscou ou de Pequim, mas tentando se
utilizar da posição militar estratégica de Cuba em futuras negociações com os
EUA.
As diferenças entre o Movimento 26 de Júlio de Castro e a
FSLN de Daniel Ortega não são de cunho ideológico, subjetivo, neste aspecto
ambos compartilham, desde o princípio de suas empreitadas, as ilusões reacionárias
da pequena burguesia de desenvolver um capitalismo nacional, livre das mazelas
da opressão imperialista. Enquanto foi possível (59 e meados de 1960) Castro
tentou manter-se sob um programa democrático-radical e limitar as expropriações
às terras de Fulgêncio Batista.
A histeria anticomunista do imperialismo ianque em 59
(década do macarthismo) não deixou saída para Castro, nem para a amedrontada
burguesia cubana, que formou parte do governo de união nacional com Castro e
Che no comando do Exército após a derrubada de Batista. Temendo sofrer
represálias americanas o covarde patronato da ilha preferiu abandonar a frente
popular e fugir do país. Abandonado pela burguesia, acossado pelo imperialismo,
econômica (boicote ianque à compra do açúcar cubano e ao refino do petróleo
pelas multinacionais instaladas na ilha, as únicas existentes) e militarmente
(invasão gusana patrocinada pela CIA em praia Girón), o castrismo foi obrigado
a se apegar à classe operária, impulsionando ainda que burocraticamente as
milícias populares por cada bairro da cidade (os Comitês de Defesa da Revolução
Cubana), e nacionalizar as refinarias petroleiras (Shell, Texaco e Standard
Oil), os engenhos de açúcar, as companhias de telefone e eletricidade. O Estado
apropriou-se de 90% das indústrias do país.
Se as burocracias dos Estados operários alimentam ilusões
reacionárias de estabelecer uma "convivência pacífica" com a
burguesia em nível internacional, o sandinismo abortou as perspectivas de
transformar a Nicarágua em um Estado operário ainda que burocratizado, com a
política contrarrevolucionária de buscar a "convivência pacífica" com
o imperialismo dentro e fora do país, o que Castro, pela negativa absoluta do
imperialismo, não conseguiu.
Ao contrário de Cuba, na Nicarágua, sob a direção
sandinista, 57% da economia se manteve intocada nas mãos do setor privado. Na
indústria, apenas 25% da produção passou para as mãos do Estado e mesmo a
tímida Reforma Agrária, só veio a ocorrer de fato em meados da década de 80.
"PLURALISMO POLÍTICO" PARA OS
CONTRARREVOLUCIONÁRIOS, "NÃO ALINHAMENTO" CONTRA O IMPERIALISMO E
"ECONOMIA MISTA" CAPITALISTA: A FÓRMULA DA DERROTA
A guerrilha sandinista representou os setores da classe
média alijados do poder, que tentaram conseguir, por meio da luta armada, os
direitos democráticos que viram frustrados pela via institucional. Logo, a FSLN
comprometeu-se com a burguesia anti-somozista a estabelecer um governo de união
nacional que respeitasse a propriedade privada e a restabelecer a democracia
burguesa, ou seja, manter o capitalismo nicaragüense sem Somoza.
Ao chegar ao poder, a Frente Sandinista proclamou a
descoberta de uma via intermediária entre a ditadura do capital e a ditadura
proletária. O esquema dos sandinistas baseava-se no seguinte tripé utópico e
reacionário: "pluralismo político", "não alinhamento na política
internacional" e "economia mista". O resultado é que além de
preservar boa parte da burocracia estatal e das instituições jurídicas, a FSLN
tentou proteger da ira popular elementos supostamente "honestos e
patrióticos" do exército genocida de Somoza, e não poucos foram
incorporados ao Exército sandinista. Foi impedido o justiciamento da guarda
somozista, e até dos assassinos mais odiados. Somente três anos após a
revolução, quando a maioria dos assassinos do antigo regime já se encontrava
fora do país é que foram instaurados os tribunais populares e, ainda assim, de
maneira bastante tímida e controlada. Protegidos da vingança das massas, os
genocidas da Guarda Nacional fugiram para a fronteira de Honduras onde foram
reagrupados pela CIA, dando origem a mais sanguinária guerrilha
contra-revolucionária já montada na América Latina, os Contras. Esta atitude
complacente da FSLN para com os criminosos de Somoza possibilitou uma larga
vantagem à contrarrevolução imperialista na guerra civil que durou toda a
década de 80 e pela qual os explorados pagaram com o seu sangue, com mais de
100 mil nicaragüenses mortos.
Enquanto era criminosamente tolerante com a burguesia e a
reação, a FSLN estrangulava as forças da revolução, reprimindo a classe
operária, as organizações de esquerda. O governo sandinista combinou a
intervenção estatal nos sindicatos que ousassem fazer greve com a repressão
seletiva às organizações de esquerda. Em alguns casos, o governo preferiu
fechar fábricas ocupadas por trabalhadores em greve, para não fazer concessão
às suas reivindicações, do que abrir o "mal precedente" de ser
forçado a ir além dos limites pelo movimento operário. Logo nas primeiras
semanas após a revolução, foi posto na ilegalidade o grupo stalinista
pró-Albânia Frente Obrero (FO) e seu periódico, El Pueblo, foi confiscado, por
este grupo estar organizando ocupações de terras. No mês de agosto, o governo
expulsou do país a Brigada Simón Bolívar (BSB), ligada ao pseudo-trotskista
argentino Nahuel Moreno. Os principais dirigentes do Movimento de Ação Popular
(MAP) e da Liga Marxista Revolucionária foram presos, assim como alguns líderes
sindicais do Partido Socialista (PSN, stalinistas pró-Moscou). Mas a maior repressão
à esquerda foi o encar-ceramento de mais de cem militantes do Partido Comunista
(PCN) sob a acusação de boicotar a produção (em outras palavras, dirigir
greves), cerca de três deles foram condenados a mais de dois anos de prisão por
estarem a frente de uma ocupação de fábrica. Quase todos os ativistas de
esquerda foram encarcerados sob a mesma calúnia que lembram as mais sórdidas
pugnas stalinistas. São acusados de serem "agentes da CIA". Sem
dúvida, a dissolução das milícias populares, a repressão sandinista às greves,
ocupações de fábricas e de terras, seguidas da prisão de ativistas de esquerda
que lutam por mais conquistas para a revolução, prestou um serviço imensamente
maior aos propósitos da CIA, como nenhum mercenário que ela já assalariou.
Além dos trabalhadores urbanos e suas organizações sindicais
e políticas de esquerda, os camponeses e as minorias étnicas indígenas também
foram vítimas do governo sandinista pequeno burguês. A FSLN estava fortemente
empenhada em manter seus compromissos com o latifúndio anti-somozista e evitou
a todo o custo uma verdadeira reforma agrária no país. A Lei de Reforma Agrária
só foi formalmente votada em julho de 1981, dois anos depois da revolução, mas
a efetiva repartição de terras só veio a ocorrer em 1984. O campesinato pobre
que, em rota de coalizão com os médios e grandes proprietários no final da
década de 70, esperavam do sandinismo a reforma agrária, melhores condições de
crédito agrícola e de vida, viram suas ilusões se desfazerem a cada ano. E pior,
enquanto os preços de todos os outros bens de consumo cresciam com a
hiperinflação, os preços dos gêneros agrícolas foram congelados pelo governo.
Com as populações indígenas, as coisas não foram diferentes:
o covarde governo sandinista, enquanto mantinha intocáveis as terras dos
grandes latifundiários tratou de se apoderar das terras indígenas e de seus
recursos naturais, oprimindo sua cultura e seu idioma. O resultado não poderia
ser outro: os indígenas surnus, miskitos e ramas, assim como os camponeses
pobres arruinados pelo governo sandinista foram jogados nas mãos da reação e do
imperialismo, alistando-se em massa no exercito mercenário dos Contras.
Por sua vez, todas as liberdades e concessões eram
permitidas à burguesia anti-somozista, representada no governo por Violeta
Chamorro (proprietária do principal jornal da burguesia liberal, La Prensa,
utilizado na guerra psicológica para desestabilizar o regime) e Adolfo Robelo,
ligado aos latifundiários algodoeiros. Ambos se retiraram do governo em 1980
para chantagear o sandinismo a fazer mais concessões à reação. Adolfo Robelo
dedica-se a organizar a guerrilha anti-sandinista montada na Costa Rica,
enquanto dirige o Movimento Democrático Nicaragüense (MDN), partido que apesar
de dedicar-se a atividades de sabotagem da revolução e ao massacre de
camponeses, mantém-se ainda na legalidade.
Apesar dos bancos terem sido nacionalizados, outros setores
fundamentais da economia foram deixados nas mãos dos capitalistas que
provocaram o racionamento e a escassez de produtos de primeira necessidade para
forçar a alta dos preços ou simplesmente desmoralizar o governo sandinista. Uma
vez que a burguesia foi preservada, ela continuou a impor sobre o Estado
burguês sandinista seus interesses de classe que eram de assumir de novo o
poder para restabelecer o sistema convencional capitalismo-imperialismo,
enfraquecido com a derrubada da tirania pró-imperialista.
Evitando o erro cometido em Cuba, a política levada adiante
por Reagan para a Nicarágua nunca teve como objetivo a derrubada do governo
sandinista. Washington pretendia manter os sandinistas no poder e vencer a
revolução pelo esgotamento. Em 1983, impõem sanções econômicas sobre a
Nicarágua e enviam uma tropa para patrulhar a costa nicaragüense. Em 85, os EUA
rejeitam a proposta de paz da FSLN e decretam embargo total. A única forma de
salvar a revolução seria romper o cerco imperialista através da impulsão das
revoluções em El Salvador e Guatemala, mas os sandinistas fazem tudo ao
contrário.
No plano internacional, a direção nacionalista da FSLN jogou
um papel abertamente contrarrevolucionário, não apoiando e, inclusive,
sabotando os movimentos guerrilheiros nos países vizinhos, particularmente na
Guatemala e em El Salvador. Tentou dar todas as garantias aos EUA de que não
fornecia ajuda militar a FMLN. Ao passo que reconhecia e estreitava suas
relações com os governos genocidas antiguerrilheiros armados pela CIA nestes
países, apoiava tacitamente a URNG e a FMLN para usar este apoio nas
negociações com o imperialismo e as burguesias da América Central. Cínico e
criminoso papel dos sandinistas, se já não seguiam o exemplo de Cuba – diga-se
de passagem, sob os conselhos do próprio Castro – levando a luta
antiimperialista até a expropriação da burguesia como classe, ainda
aconselhavam a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional salvadorenha a nem
tomar o poder, como haviam feito a FSLN.
Uma vez que conseguiu impor o refluxo ao movimento de
massas, a FSLN preparou o caminho da reação imperialista de volta ao poder pela
via da democracia burguesa. A elite militar sandinista tratou de enriquecer-se,
apropriando-se de boa parte das terras expropriadas durante a Revolução.
A vitória sobre a ditadura e a expropriação dos Somoza
possibilitou conquistas sociais (refeitórios e creches comunitárias gratuitas,
subsídios à alimentação, ampliação do seguro social, aumento dos recursos para
a universidade pública para 2% do orçamento nacional etc.) e ampliação dos
direitos políticos e de organização sindical. Mas em pouco tempo estas
conquistas foram sendo devoradas ou suprimidas paulatinamente a medida que o
sandinismo fortalecia o Estado capitalista e restabelecia as relações de
dependência e opressão nacional sob o imperialismo, submetendo finalmente o
país a um esforço de guerra no combate aos Contras, levando ao caos a economia
do país. Em 88, a inflação chega aos 30 mil % ao ano. Após desmoralizar,
atomizar e empurrar para a prostração as massas nicaragüenses, os
desmoralizados sandinistas perdem as eleições para Violeta Chamorro em março de
1990, mantendo-se no governo através dos postos que ocupava na burocracia
militar.
A estratégia do imperialismo triunfou, graças às utopias
reacionárias e suicidas dos reformistas da FSLN. A Nicarágua foi um laboratório
que permitiu ao governo Reagan, desenvolver sua política contrarrevolucionária
de combate ao comunismo em toda a América Latina, utilizando-se das vacilações
das direções nacionalistas, combinando o enfrentamento militar com a cooptação
política, através de "aberturas democráticas" controladas. Apesar da
imensa ajuda militar norte-americana para sufocar os movimentos de libertação
nacional, foi sem dúvida a política contrarrevolucionária das direções
guerrilheiras, como os sandinistas (anistiando os repressores, negando-se a
romper com a burguesia e o imperialismo, estrangulando politicamente a classe
operária e perseguindo camponeses e indígenas), que possibilitou o triunfo das
forças da reação.
As direções nacionalistas pequeno burguesas mostraram a
custo de muito sangue o fracasso da via reformista armada na Nicarágua, El
Salvador e Guatemala. A direção sandinista transformou-se em nova burguesia
interessada em manipular o movimento de massas em favor da preservação e
ampliação de "suas" conquistas materiais e de seu poder político como
partido burguês coadjuvante do regime pró-imperialista. Também nos dois outros
países centro-americanos, a FMLN e a URNG renderam-se vergonhosamente aos
regimes capitalistas títeres do imperialismo, participando ativamente do circo
eleitoral burguês, via para o poder que antes criticavam por não ter acesso a
ela.
A CRÍTICA MARXISTA DO GUERRILHEIRISMO PEQUENO BURGUÊS
A tática do foco guerrilheiro ou a guerra popular pela
formação dos Exércitos de Libertação Nacional é a encarnação militarizada da
luta da pequena burguesia por seu espaço no poder, caracteriza-se pelo centrismo
frente à burguesia, ao imperialismo e à classe operária, por aventuras
heróicas, pelo terrorismo individual, ações desesperadas e por tentar dissolver
os interesses classistas do proletariado nos objetivos policlassistas das
classes médias. A pequena burguesia é heterogênea e ocupa uma posição
secundária em relação aos meios de produção. Seja ela urbana ou agrária (o
campesinato) tem suas aspirações sociais quase sempre vinculadas à burguesia e
excepcionalmente ao proletariado; quase invariavelmente busca enriquecer,
acumular patrimônio e explorar cada vez mais o trabalho alheio, tendo como
modelo a grande burguesia.
A pequena burguesia não pode organizar a sociedade segundo
seus próprios interesses, ou converte-se em grande burguesia, ou sob uma
combinação de pressões excepcionais da luta de classes (negativa da burguesia
em constituir frentes populares, ofensiva revolucionária das massas, guerras) é
obrigada a expropriar a burguesia, tornando-se burocracia dirigente de um
Estado operário deformado, como ocorreu na Iugoslávia, China, Cuba e Vietnã.
O poder social da guerrilha não influi diretamente sobre os
meios de produção e, portanto, não organiza a classe mais progressista da
sociedade capitalista, o proletariado, nem entra em choque com os interesses de
preservação da propriedade privada. Um exemplo atual é o fato de permanecerem
intocáveis e até prosperarem as empresas capitalistas nas zonas controladas
pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Suas ações de terrorismo individual ou guerrilha isolada do
proletariado se opõem à estratégia da classe operária e prejudicam o
desenvolvimento da consciência de classe dos trabalhadores, substituída pela
crença de que sua libertação da opressão virá pelas mãos de heróis vingadores.
O guerrilheirismo tem sido um dos principais obstáculos para a construção de
partidos revolucionários na América Latina, porque tem desviado o recrutamento
de lutadores sociais que perdem suas ilusões no cretinismo parlamentar e no
tradeunionismo das direções tradicionais para esta modalidade militarizada da
política reformista. Por sua vez, criando simpatias messiânicas nas massas, a
guerrilha trata de desdenhar da luta política e econômica dos trabalhadores e
abortar a criação de conselhos populares e milícias proletárias e camponesas
disciplinadas pela democracia operária, o que tentam substituir por organismos
militarizados burocráticos.
A política reformista, mesmo em sua versão armada, é
contrarrevolucionária desde sua gênese. E a regra é que as direções pequeno
burguesas traiam o proletariado, através da política de frentes populares, o
último recurso da burguesia contra a revolução proletária. A direção centrista
do processo revolucionário tenta formar uma frente ampla com todos os setores
oposicionistas liberais da burguesia contra a reação, fazendo um criminoso
compromisso de respeitar a propriedade privada e as relações capitalistas de
dominação. Esta foi a política do menchevismo (e também a posição de Stálin e
Kamenev na direção do Partido Bolchevique) logo após a revolução de fevereiro
de 1917, chamando uma ampla aliança anti-czarista. O mesmo desvio cometeram os
centristas republicanos na Guerra Civil espanhola, diluindo o proletariado na
frente popular antifranquista.
Uma vez no poder, a direção pequeno burguesa sofre de um
verdadeiro pânico de romper com a burguesia e tenta frear o ímpeto
anticapitalista das massas, conciliar com a reação burguesa e perseguir a
esquerda revolucionária, esmagando qualquer forma de organização independente
do proletariado. Desta maneira, a direção centrista pequeno burguesa começa a
fragilizar as forças da revolução, minar as conquistas (sociais, políticas e
econômicas) surgidas do triunfo da revolução e prepara o caminho para a volta
da reação ao poder.
Sem a existência de circunstâncias extremamente excepcionais
(a extrema fragilidade da classe dominante que teme constituir um governo de
coalizão de frente popular, ascenso do movimento de massas através de greves
gerais, expropriações, formação de milícias populares, a existência do Estado
operário da URSS como contrapeso ao imperialismo), que fariam tais movimentos
pequeno burgueses irem além de suas limitações democratizantes, o mais longe
que tais movimentos podem chegar é à mesa de negociação de sua rendição
militar, em troca de um registro legal de acesso à democracia burguesa.
Nos conflitos objetivos entre o imperialismo ou o Estado
burguês e os movimentos guerrilheiros que não estejam a serviço do
imperialismo, os revolucionários marxistas se colocam incondicionalmente do
lado dos últimos, conformando frentes de ação com estas forças. Ao mesmo tempo,
criticando os métodos do terrorismo individual e a política de buscar uma saída
negociada com a manutenção da propriedade privada. Os revolucionários não
descartam a possibilidade de formar brigadas separadas da guerrilha ou de
ingressar com células comunistas, com sua própria política e disciplina, dentro
dos exércitos guerrilheiros para impulsionar o armamento de todo o povo, a
expropriação do conjunto da classe capitalista e para subordiná-los aos
conselhos e milícias operárias e camponesas.
A VOLTA DA FSLN NO COMANDO DE UM DÓCIL GOVERNO DA CENTRO-ESQUERDA
BURGUESA
Atualmente convertida a um partido da centro-esquerda
burguesa e paladina do já falido “Socialismo do Século XXI”, a FSLN voltou a
governar o país de forma completamente adaptada a democracia burguesia e sem
grandes conflitos com o imperialismo ianque, chegando, no máximo, a ajudar o
chavismo a impulsionar organismos políticos “independentes” da OEA, como a
Unasul e a Celac. O retorno de Daniel Ortega a presidência do país não
representou qualquer ameaça ao domínio imperialista no continente
centro-americano, ao contrário, fez parte da própria política levada a cabo
pelo antigo governo Obama como uma tática da "reação democrática",
apoiada pelo Papa Francisco e muitas vezes celebrada como “progressista” pela
esquerda reformista, e que somente agora está sendo fustigada pela linha
ultra-reacionária do Departamento de Estado sob o comando do tresloucado Trump.
Passados 39 anos do triunfo da revolução sandinista e de sua
posterior derrota pela via “democrática” para a reação burguesa podemos afirma
que ao contrário das organizações centristas pequeno-burguesas como a FSLN, um
verdadeiro partido revolucionário baseia-se fundamentalmente na vanguarda
consciente da classe mais progressista do capitalismo, a classe operária, nos
seus organismos de poder (milícias proletárias, conselhos populares, sovietes),
suas formas de organização de luta (greves, ocupações, expropriações) e seus
métodos (violência revolucionária e ditadura proletária), o que o torna
porta-voz de uma classe com determinação a impor uma nova forma de organização
da economia (planificação econômica, coletivização dos meios de produção,
controle da produção interna pelos sovietes e controle do comércio exterior
pelo Estado operário) e da política, fusão das funções dos poderes do Estado
burguês (Legislativo, Executivo e Judiciário) em um único organismo de poder, o
soviete, baseado na mais ampla democracia operária.
A ausência desse programa revolucionário foi a grande lição
nos legada pelo fracasso do Sandinismo, que hoje governa a Nicarágua como um
dócil governo da centro-esquerda, convertido a gerente dos negócios da
burguesia, aplicando ao lado dos ajustes neoliberais algumas “políticas
compensatórias” que mantém intactas as estruturas do poder capitalista de um
país que foi palco de uma heroica luta
revolucionária dos trabalhadores do campo e da cidade, com milhares pagando com
sangue não só para derrotar a ditadura somozista mas para erguer o Socialismo
na pátria de Sandino! O Sandinista Ortega, uma espécie de "Chavez que já
foi Fidel", apesar de sua "dura" política econômica monetarista
que não pretende quebrar o pacto capitalista celebrado com a velha burguesia
somozista, sofre uma oposição cerrada dos setores patronais diretamente
vinculados ao imperialismo ianque, inconformados com os sucessivos êxitos
eleitorais de Daniel e sua esposa. Os Marxistas Revolucionários que não nutrem
a menor simpatia política pelo "Neosandinismo", responsável por
sufocar a maioria das conquistas da gloriosa revolução nicaraguense de 1979,
não podem apoiar as iniciativas "populares" da reação burguesa
impulsionadas pelo Departamento de Estado dos EUA. Ao comemorarmos os 39 anos
da Revolução Nicaraguense reafirmamos em meio a "Greve Geral"
convocada pela direita reacionária contra o governo da centro-esquerda burguesa
da FSLN que, como Lenin nos ensinou, "o pior inimigo dos povos é o
imperialismo", com Ortega nos entrincheiramos para derrotá-lo, porém com
nossa própria política e os métodos de combate revolucionário da classe
operária mundial!