O “acordão” comercial que prevaleceu nas finais do Campeonato Brasileiro de futebol e a trajetória de vida do “Doutor Sócrates”, dois paradigmas opostos do esporte nacional
O desfecho do Campeonato Brasileiro da primeira divisão ocorrida neste último domingo foi o corolário da manipulação dos resultados das partidas, mecanismo cada vez mais intrínseco ao funcionamento do bilionário futebol profissional. Apesar do pretenso equilíbrio da competição, sendo a “decisão” levada para a última rodada, tanto pelo título de campeão como na fuga do rebaixamento, não resta a menor dúvida que o destino de quem seria o campeão e quem amargaria o rebaixamento para a segunda divisão já estava traçado. O empate acertado entre Vasco e Flamengo garantiu ao rubro negro sua vaga (e sua cota milionária junto à Globo) na Libertadores, com o time cruzmaltino não ameaçando o título previamente “combinado” para ser do Corinthians, que apenas empatou com o Palmeiras, este antecipadamente confirmado na “Sul Americana”. Já o Cruzeiro comprou a goleada homérica sobre o Atlético Mineiro se livrando do “rebaixamento”, negociata que foi denunciada pela enfurecida torcida do “Galo”. O campeonato conquistado pelo Corinthians, portanto, não foi fruto simplesmente da qualidade futebolística da equipe, mas da combinação entre os interesses de grandes empresários e o grande peso político de sua diretoria, na CBF comandada pelo mafioso Ricardo Teixeira. Vale lembrar que o presidente do Corinthians, Andrés Sanches, foi confirmado pela entidade, na véspera da decisão do título do brasileirão da “Série A”, como o novo diretor de seleções da entidade.
A praticamente dois anos da Copa do Mundo de Futebol a ser realizada no país, o cargo de Andrés na CBF é um dos mais importantes, já que negociará desde os contratos da seleção até a taxa (“jabá”) que tradicionalmente os empresários pagam para conseguir (comprar) a convocação de seus jogadores, principalmente os de baixa qualidade técnica, um mecanismo de especulação para valorizar vertiginosamente o valor no mercado de contratações voltado para a Europa. O prestígio do presidente do Corinthians na CBF já lhe rendeu a construção de um estádio bancado integralmente pelo dinheiro público, o “Itaquerão”, onde será realizada a partida de abertura da Copa do Mundo 2014. Essa ascensão de Andrés na máquina da CBF não decorre do fato de presidir o clube de maior torcida no país, mas do seu know how nos esquemas envolvendo grandes empresários, o governo da frente popular e especuladores que utilizam o futebol como meio para lavar dinheiro, sonegação fiscal e toda a sorte de falcatrua. Outro aspecto importante é que com os holofotes sobre o carbonizado Ricardo Teixeira, nada melhor que um nome associado a um time de massa, ligado ao ex-presidente Lula e com desenvoltura mafiosa para auxiliar o cartola da CBF a alavancar os negócios (desvios) nas transações “comerciais”, envolvendo essa verdadeira galinha dos ovos de ouro, a Copa do Mundo.
Nesse sentido, nada melhor que um título de campeão brasileiro para aumentar o apoio popular ao dirigente corintiano, cacifando-o ainda para assumir o posto de braço direito do arquimafioso Ricardo Teixeira. A coincidência trágica de tudo isso foi a morte do “Doutor Sócrates”, o maior jogador da história do Corinthians, ocorrida no mesmo dia em que o clube “conquistava” de forma fraudulenta o campeonato brasileiro. O “Doutor”, como era chamado por ser formado em medicina, representava o futebol arte não apenas por seu alto nível técnico e inteligência, mas por combater exatamente a manipulação do futebol pela burguesia. Foi assim que participou ativamente do movimento democrático burguês pelas “Diretas Já” em 84 e criou a chamada “Democracia Corintiana”, organismo dos jogadores pelo qual decidiam através do voto desde a renovação e contração de jogadores até os horários dos treinamentos e o fim do confinamento (as concentrações). Destoando do estereótipo dos jogadores de futebol, alienados e despolitizados, Sócrates acompanhava e se posicionava diante de importantes fatos da luta de classes, apesar das limitações políticas e programáticas da esquerda reformista na qual se referenciava. Um bom exemplo que marcou essa trajetória foi a inquebrantável posição de defesa incondicional do Estado operário cubano, reafirmada com todo vigor em sua última entrevista no programa da jornalista Marília Gabriela no SBT que foi ao ar no dia 26/10, assim como a denúncia do assassinato de Kadaffi pela OTAN na Líbia.
O Corinthians, assim como o futebol brasileiro num todo, presenciou neste final de semana, diferentes situações, dois paradigmas diametralmente antagônicos. De um lado, em pleno apogeu, o pacto empresarial que determinou o farsesco campeonato para o clube paulista como consequência da completa apropriação desta importante manifestação da cultura corporal do nosso povo pelo grande capital, transformando-a em mercadoria e instrumento dos interesses capitalistas. Do outro, desgraçadamente em agonia, os que lutam contra essas forças reacionárias e alienantes do futebol, tendo a convicção, assim como tinha o “Doutor Sócrates”, da necessidade da abolição do modo de produção capitalista através da revolução como a única forma de garantir a emancipação de toda atividade criativa da humanidade.