Direita golpista “saliva” diante do agravamento da doença de Chávez e da fatiga do “Socialismo do Século XX”
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, enfrentou nesse 12 de dezembro mais uma longa cirurgia em Cuba para tratar do câncer que lhe acomete na região pélvica na altura da bacia. Segundo afirmou Nícolas Maduro, o processo pós-operatório de sua recuperação será “complexo e duro”. Durante discurso em cadeia nacional de rádio e televisão, Maduro, com um aspecto sombrio e o rosto carregado de tensão, declarou que “a operação foi complexa, difícil, delicada, o que nos diz que o processo pós-operatório também será complexo e duro”. Tal afirmação significa que a doença está em um grau agudo e pode inclusive inviabilizar a posse de Chávez para o novo mandato presidencial, prevista para 10 de Janeiro. Até lá a Venezuela enfrenta as eleições regionais em 16 de dezembro, nas quais se escolherão os 23 governadores de estados. Obviamente, a situação encontra-se extremamente polarizada, tanto pelo agravamento da doença do “comandante bolivariano” como pelo crescimento da direita golpista nas últimas eleições presidenciais com a candidatura de Henrique Capriles, o mesmo que durante o golpe de 2002 tentou invadir a embaixada cubana.
Antes de embarcar para Cuba, Chávez declarou publicamente que caso não pudesse completar o mandato que finaliza agora Nícolas Maduro deveria assumir. Mas o problema é bem mais “duro e complexo”. Pela constituição venezuelana, se Chávez morrer ou não tiver condições de tomar posse para seu quarto mandato, no dia 10/01, caberá ao presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, assumir interinamente e convocar novas eleições presidenciais. Se Chávez se recuperar, tomar posse, mas morrer ou se tornar incapaz de concluir os quatro primeiros anos do mandato, o vice-presidente - no caso, Maduro - assume e convoca eleição em 30 dias. Por isto, pela TV, em um apelo dramático minutos antes de viajar a Havana, Chávez pediu que os venezuelanos elegessem o vice-presidente Maduro, caso ele não consiga continuar no comando do país e se novas eleições forem convocadas: “Nesse cenário, sob o qual a Constituição requer a realização de novas eleições presidenciais, vocês todos têm de eleger Nicolás Maduro como presidente. Peço isso de coração”. Está assim aberta uma séria instabilidade que coloca em risco o já fatigado “Socialismo de Século XXI”, com a direita golpista “salivando” com o agravamento da doença de Chávez e vendo a possibilidade de “tomar” o Palácio Miraflores pela via eleitoral: “Estamos trabalhando com todos os cenários possíveis, mas uma coisa está clara: é o povo venezuelano (não Chávez) que vai decidir o seu futuro”, afirmou à Reuters a líder da oposição Maria Corina Machado, após uma reunião estratégica do Mesa da Unidade Democrática (MUD) na segunda-feira. A principal disputa da eleição de domingo (16/12) ocorre em Miranda, que engloba parte do município de Caracas, onde Henrique Capriles, derrotado por Chávez nas eleições presidenciais de outubro, tenta se reeleger. Mais do que um novo mandato, Capriles busca se firmar como opção preferencial da MUD, coalizão burguesa de direita cuja único objetivo é derrotar o chavismo. Por sua vez, será a primeira eleição dos últimos 14 anos sem a presença direta de Chávez e agora com o PSUV sob o comando de Maduro.
As variáveis que determinam o futuro político do país dependem, fundamentalmente, da gravidade do câncer e do tratamento a que Chávez está sendo submetido. Sem dúvida, a doença foi gerada pela tensão política causada nos últimos anos, em que o regime esteve acossado pela direita golpista, fazendo concessões atrás de concessões para a burguesia, enquanto seguia atacando o movimento de massas. Chávez sabia plenamente das dificuldades de governar a partir de 2013, mas optou por candidatar-se e venceu as eleições de outubro. Agora trabalha com uma transição que fortaleça o nome de Nícolas Maduro, ex-sindicalista e motorista de ônibus. Um PSUV dividido entre as diversas camarilhas da chamada boliburguesia, revela por outra via também a antessala do ocaso do regime. Mas, até mesmo se conseguisse emplacar por algum tempo um “chavismo sem Chávez”, esse arremedo não se sustentaria, porque a fantasiosa “revolução bolivariana” não é produto de uma ruptura com as relações sociais capitalistas e não gerou nenhuma grande conquista histórica (como na Líbia, por exemplo) ao movimento de massas que justificasse sua defesa, ou seja, tem pés de barro. Desta forma, rapidamente a burguesia e sua fração de direita tomariam o controle do governo, seja pela via eleitoral ou de um golpe de estado cívico-militar. Uma saída mais consensual, inclusive já amplamente ventilada no círculo mais próximo do presidente, seria a transição ordenada do regime tendo a frente um representante pretensamente “chavista” da cúpula das FFAA que paulatinamente alinharia o governo integralmente aos ditames da Casa Branca, como representa o nome do ex-militar e presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello.
Na batalha pela sucessão de Chávez, o grande rival de Maduro era Cabello, até então o número dois no partido. Aparentemente, todo o PSUV, incluindo Cabello, parece ter fechado um consenso em torno de Maduro, o que reduz momentaneamente a possibilidade de uma crise política no partido de Chávez no curto prazo. Mas as diferenças existentes entre os aliados do presidente venezuelano faz com que seja impossível garantir que não haverá instabilidade no chavismo em médio prazo. O certo é que desde já representantes das diversas camarilhas “bolivarianas” se preparam para se credenciar como uma alternativa burguesa diante da débil saúde de seu “comandante”, tirando as lições da própria conduta de Chávez que vem paulatinamente trabalhando em um grande acordo com a burguesia e o imperialismo. As relações “carnais” com a Colômbia de Santos, tendo para isto Chávez sacrificado claramente seu prestígio “anti-imperialista” entre a vanguarda, são uma demonstração clara de que ele e seu staff estão sempre dispostos a atacar o movimento de massas e os lutadores para conseguirem as bênçãos dos amos do Norte. A alta cúpula das FFAA, principal pilar de sustentação política do regime, que dará a palavra final da transição em comum acordo com Washington, buscará se apropriar do espólio político de Chávez de forma figurativa para comandar com mais legitimidade este processo. O certo é que todas essas frações, com interesses particulares dentro do aparato estatal, com ou sem Chávez, desejam manter o regime de exploração capitalista, seja com cores “nacionalistas” ou entreguistas.
Mais que uma agrura pessoal, a doença de Chávez é uma expressão do ocaso do “Socialismo do Século XXI”. O presidente da Venezuela desde meados de 2012 anunciou que estava com câncer, produto de um tumor na região pélvica, na altura da bacia. A necessidade de Chávez ter que se tratar em segurança em Cuba, já que poderia ser alvo de um atentado contra sua vida na própria Venezuela durante o tratamento médico e o fato da divulgação da gravidade da doença ter agora sido reconhecida publicamente, vem provocando uma crise política aberta patrocinada pela ofensiva da direita. Para buscar uma transição ordenada para um novo governo possivelmente sem a sua presença, Chávez estabeleceu no último período acordos de cooperação político-militar com a Colômbia, que resultaram na entrega de lutadores anti-imperialistas e dirigentes das FARC para os cárceres do facínora Santos e levaram a celebração de um pacto reacionário que legitimou o governo golpista em Honduras pela via da volta de Zelaya ao país centro-americano. Obviamente, não se tratou de um movimento isolado, mas de todo um planejado processo de recuo no já limitado programa de reformas burguesas de corte nacionalista implementado pelo ex-tenente coronel. Embora ainda detenha o apoio popular majoritário, Chávez vem perdendo paulatinamente sua base social para a oposição de direita que, pelo profundo desgaste de sua gestão, se lança como uma alternativa eleitoral viável para os capitalistas e, via de regra, usam as FFAA para chantageá-lo.
Para os trabalhadores venezuelanos e latino-americanos, que acompanham apreensivos e buscam intervir de forma independente no desenrolar dos acontecimentos, fica a lição de que é preciso, desde já, preparar uma alternativa política dos explorados tanto ao chavismo decadente como à direita reacionária. O exemplo de Honduras, onde a Frente Nacional de Resistência (FNRP) avalizou a política de legitimação do governo golpista, demonstra que não se deve confiar nas direções “bolivarianas”, é preciso denunciá-las vigorosamente e preparar o terreno para a construção de um genuíno partido revolucionário capaz de enfrentar a onda de reação “democrática” ou mesmo a direita fascista, fazendo um combate programático completamente oposto à cantilena pregada por toda sorte de revisionistas e pela esquerda em geral de que está em curso uma “revolução” na Venezuela, cabendo agora mais do que nunca segundo estes senhores, com a doença do “comandante”, cerrar fileiras em apoio ao governo burguês centro-esquerdista de Chávez e sua corte. Como marxistas revolucionários alertamos que este é o caminho da derrota sangrenta nas mãos da direita reacionária. Longe dessa senda suicida, cabe aos trabalhadores defenderem pela via da ação direta suas conquistas e forjar um programa comunista proletário para a conquista do poder político sobre os escombros do Estado.