O “TERCEIRO PERÍODO” DOS ERROS DA INTERNACIONAL COMUNISTA
Leon Trotsky (8 de Janeiro de 1930)
1. O que é a radicalização das massas?
Para a Internacional Comunista, a radicalização das massas
passou a ser uma profissão de fé carente de conteúdo, e não a caracterização de
um processo. Os comunistas autênticos — nos ensina l’Humanité — devem
reconhecer o papel dirigente que deve jogar o partido e a radicalização das
massas. Não tem sentido colocar o problema desta maneira. O papel dirigente que
deve jogar o partido é um princípio intocável para todos os comunistas. Quem
não o aceita é um anarquista ou um confucionista, jamais um comunista, ou seja
um revolucionário proletário. Mas em si a radicalização não é um princípio
senão uma caracterização do estado de ânimo das massas. Corresponde ou não essa
caracterização ao período em questão? Há que se buscar as respostas nos fatos.
Para avaliar corretamente o estado de ânimo das massas é mister utilizar os
critérios adequados. Que é a radicalização? Como se manifesta? Quais são suas
características? Qual é o ritmo do processo, em que direção aponta? A péssima
direção do Partido Comunista Francês nem sequer se coloca estas questões. No
máximo fará uma referência ao incremento das greves em um artigo editorial ou
em algum discurso. Mas, ainda neste caso, só se cita as cifras, sem uma análise
séria, nem sequer uma comparação com as cifras dos anos anteriores.
Essa atitude frente ao problema surge não só das malfadadas
resoluções do Décimo Plenário do CEIC, senão também do próprio programa da
Internacional Comunista. A radicalização das massas aparece descrita como um
processo contínuo: as massas são hoje mais revolucionárias que ontem, amanhã
serão mais revolucionárias que hoje. Semelhante mecanicismo não corresponde ao
verdadeiro processo de desenvolvimento do proletariado nem da sociedade
capitalista em seu conjunto. Mas sim corresponde perfeitamente à mentalidade
dos Cachins, dos Monmousseaus(1) e demais oportunistas temerosos.
Os partidos socialdemocratas, sobretudo no pré-guerra, vislumbravam um futuro com um contínuo incremento de votos socialdemocratas, que aumentariam sistematicamente até o limite da tomada do poder. Para um pensador vulgar ou um pseudo-revolucionário, esta perspectiva mantém toda sua vigência; só que ao invés de falar de um contínuo incremento dos votos, fala da contínua radicalização das massas. Esta concepção mecanicista se apoia também no programa Stalin—Bukhárin da Internacional Comunista. Não é demais dizer que, desde a perspectiva de nossa época de conjunto, o proletariado segue um processo que avança rumo à revolução. Mas não se trata de uma progressão ininterrupta, como não o é o processo objetivo de agudização das contradições capitalistas. Os reformistas(2) só veem o ascenso do capitalismo. Os “revolucionários” formais só veem suas baixas. Mas o marxista contempla o processo em seu conjunto, com todos seus altos e baixos conjunturais, sem perder jamais de vista sua dinâmica principal: as catástrofes bélicas, as explosões revolucionárias.
O estado de ânimo político do proletariado não muda
automaticamente em uma mesma direção. A luta de classes mostra subidas seguidas
de quedas, marés e refluxos, segundo as complexas combinações das
circunstâncias ideológicas e materiais, tanto nacionais como internacionais. Um
levante das massas que não é aproveitada ou é mal aproveitada se reverte e
culmina em um período de refluxo, do qual as massas se recuperam cedo ou tarde
sob a influência de novos estímulos objetivos. A nossa é uma época que se
caracteriza por flutuações periódicas extremamente bruscas, por situações que
mudam de maneira muito abrupta, e tudo isso traz, para a direção,
responsabilidades muito árduas no que diz respeito à elaboração de uma
orientação correta.
A atividade das massas propriamente dita se manifesta de
distintas maneiras, segundo as circunstâncias. Em algumas épocas se pode
observar as massas empenhadas por inteiro na luta econômica, demonstrando muito
pouco interesse pelas questões políticas. Ou então, logo após uma série de
derrotas na luta econômica, as massas podem dirigir abruptamente sua atenção à
política. Nesse caso – tal como o determinem a situação concreta e a
experiência anterior das massas -, sua atividade política pode manifestar-se em
luta exclusivamente parlamentar ou na extraparlamentar.
Não colocamos senão algumas variantes, que servem para
caracterizar as contradições do desenvolvimento revolucionário da classe
operária. Aqueles que sabem interpretar os fatos e compreendem seu significado
não vacilarão em reconhecer que estas variantes não são uma elucubração
teórica, senão um reflexo da experiência internacional vivida durante a década
passada.
De qualquer forma, é evidente que toda discussão sobre a
radicalização das massas exige uma definição concreta. Naturalmente, a Oposição
marxista deve se fazer a mesma exigência. Negar de imediato a radicalização é
tão inútil quanto afirmá-la. Devemos caracterizar a situação e sua dinâmica.
As estatísticas das greves na França
Os dirigentes oficiais falam da radicalização da classe
operária francesa tendo em conta quase exclusivamente o movimento grevista. O
crescimento deste é um fato incontroverso, comprovado sistematicamente. O
tomaremos como ponto de partida.
As estatísticas oficiais francesas sobre as greves sempre
são confusas quanto às datas. O último informe sobre greves do ministério do
trabalho finaliza em 1925. Não tenho em mãos os dados de 1926. Para os três
anos seguintes conto com os dados fornecidos pela imprensa comunista. As cifras
de ambas as fontes não se pode comparar. É duvidoso que o ministério do
trabalho registre todas as greves. Por outro lado, é óbvio que os
“revolucionários” superficiais de l’Humanité tendam a exagerar nos números.
Mas, apesar de todos esses inconvenientes, as pautas gerais do movimento surgem
com bastante clareza.
O movimento grevista francês alcançou seu ponto culminante
nos dois anos que se seguiram à guerra. Em 1919 houve 2.100 greves, nas quais
participaram 1.200.000 trabalhadores. Em 1920 houve 1.900 greves e participaram
quase 1.500.000 trabalhadores. Este foi o ano em que houve maior número de
grevistas. A partir de 1921 começa um refluxo sistemático, com uma breve
interrupção que logo analisaremos, que alcança seu ponto mais baixo em
1926-1927. Estas são as cifras, em números redondos: em 1921 saíram à greve
450.000 homens, ou seja, um terço do ano anterior. Em 1922, 300.000 grevistas.
Só em 1923 a curva descendente se deteve, e inclusive registra um leve ascenso:
365.000. Esta alta conjuntural deveu-se, indubitavelmente, aos acontecimentos
relacionados à ocupação do Ruhr e a mobilização revolucionária na Alemanha(3).
Em 1924 o número de grevistas se reduz a 275.000. Não possuímos os dados de
1926. De 1927 só sabemos o número total de greves: houve 230, enquanto que no
período 1919-1925 essa cifra oscilou entre 570 e 2.100. Ainda que este número
constitua um índice mais rudimentar, demonstra, entretanto, que a curva
grevista seguiu uma trajetória descendente de 1921 a 1927. No último trimestre
de 1927 houve 93 greves, com 70.000 grevistas. Supondo de a média de pessoas
que participaram em cada greve se manteve estável durante todo o ano (o que é
uma suposição claramente arbitrária), teremos aproximadamente 170.000 grevistas
em 1927, cifra que é exagerada, não diminuída.
Em 1928 a imprensa comunista registra ao redor de 800
greves, das quais umas 600 se produziram no segundo semestre do ano, com
363.000 grevistas. Consequentemente, para todo o ano de 1928 podemos dar um
número hipotético de 400.000 a 450.000 grevistas. Para 1929 o informe é de
1.200 greves, com uma quantidade de grevistas que se aproxima da de 1928 (quer
dizer, entre 400.000 e 450.000); ou seja, não há incremento a respeito do ano
anterior. A cifra de grevistas em 1928, assim como em 1929, é aproximadamente o
dobro de 1925, praticamente igual à de 1921 e três ou três vezes e meio menor
que a de 1920.
Como já disse, essas cifras não são totalmente exatas, mas
servem para definir a dinâmica do processo. Depois do ponto máximo de
1919-1920, se sucede uma progressão decrescente até 1928, com uma muito breve
interrupção em 1923. Em 1928-1929 se apresenta um aumento indiscutível e
importante no movimento grevista, que se relaciona logicamente – como
mostraremos mais abaixo – com a reanimação da indústria influenciado pela
estabilização da moeda.
Podemos afirmar com certeza que o período 1919-1927 conforma
um ciclo independente na vida do proletariado francês, que abarca um levante
abrupto do movimento grevista imediatamente após a guerra e em seguida suas
derrotas e refluxo com a catástrofe alemã de 1923. Este ciclo, em seus aspectos
mais gerais, é característico não só da França, senão também do conjunto da
Europa e, em boa medida, do mundo inteiro. O único elemento exclusivo da França
é que a flutuação entre o pico mais alto e o mais baixo de todo o ciclo é
relativamente pequeno. A França vitoriosa não conheceu uma autêntica crise
revolucionária. O ritmo do movimento grevista francês foi um pálido reflexo dos
gigantescos acontecimentos que aconteceram na Rússia, Alemanha, Inglaterra e
outros países.
Há outras estatísticas que confirmam esta tendência do
movimento grevista francês. No princípio de 1922 a quantidade de grevistas e de
dias de greve sofreu uma queda abrupta. Em 1921 houve uma média de 800
grevistas por greve e um total de 14.000 dias parados. Em 1925 a média era de
300 grevistas por greve, com um total de pouco mais de 2.000 dias. Podemos
supor que em 1926-1927 estas médias não aumentaram. A média de 1929 foi de 400
operários por greve.
Vejamos outro índice, que nos servirá mais adiante. Nos anos
do pós-guerra a cifra mais alta de grevistas corresponde aos mineiros, nos dois
últimos anos ocupam o primeiro lugar os operários têxteis e, em geral, os da
chamada indústria leve.
O que demonstram as estatísticas?
Estas estatísticas confirmam ou refutam a tese de que existe
uma radicalização das massas? Nossa primeira resposta é que tiram a discussão
desse terreno de abstrações no qual Monmousseau diz que sim e Chambelland que
não(4), sem definir o que é a radicalização. As estatísticas dos conflitos
grevistas constituem uma prova irrecusável de que se produziram certas mudanças
na classe operária. Ao mesmo tempo servem para quantificar e caracterizar essas
mudanças. Esboçam a dinâmica geral do processo e, até certo ponto, permitem
prever o futuro ou, dito com mais precisão, as possíveis variantes que se
produzirão no futuro.
Em primeiro lugar afirmamos que as estatísticas de
1928-1929, comparadas com as do período anterior, caracterizam o começo de um
novo ciclo na vida da classe operária francesa. Com base nisso podemos supor
com fundamento que se produziram e estão se produzindo profundos processos
moleculares no seio das massas, em virtude das quais começa a decrescer –
apesar de no lado econômico – o ritmo da curva descendente.
De qualquer forma, as estatísticas demonstram que o ascenso
do movimento grevista é ainda muito modesto, não dão sinal de um crescimento
tempestuoso, que nos permita concluir que se trata de um período revolucionário
ou sequer pré-revolucionário. Notamos, em particular, que não existem
diferenças notáveis entre 1928 e 1929. A maior parte das greves segue afetando
a indústria leve.
Daqui Chambelland tira a conclusão de que não há
radicalização. Seria diferente, afirma ele, se as greves se estendessem às
grandes empresas da indústria pesada e de maquinário. Em outras palavras,
imagina que a radicalização cai do céu. De fato os números demonstram não só
que começou um novo ciclo da luta proletária, senão que esse ciclo está em sua
primeira fase. Depois de uma etapa de derrota e refluxo, e não tendo se
produzido grandes acontecimentos, a reanimação só poderia vir na periferia
industrial, ou seja, nas indústrias leves, nos ramos secundários, nas menores
fábricas da indústria pesada. A extensão do movimento grevista à indústria
metalúrgica, de maquinário e transportes significaria a transição a um nível de
desenvolvimento mais elevado e seria o sinal não só do começo de um movimento
senão também uma virada decisiva no estado de ânimo da classe operária. Contudo
não ocorreu. Mas seria absurdo fechar os olhos diante da primeira fase do
processo, porque ainda não se produziu a segunda, a terceira ou a quarta. A
gravidez já no segundo mês é gravidez. E se a tentativa de forçar seu ritmo
pode conduzir a um aborto, o mesmo pode acontecer se a ignoramos. Naturalmente
devemos agregar a esta analogia que as datas não são tão exatas no terreno
social quanto no da fisiologia.
Fatos e palavras
Ao estudar a radicalização das massas, jamais se deve
esquecer que o proletariado não alcança a “unanimidade” senão no ápice dos
períodos revolucionários. Na vida “cotidiana” sob o regime capitalista o
proletariado está longe de alcançar a homogeneidade. Além disso, a
heterogeneidade das camadas que o compõem se manifesta da maneira mais clara
precisamente nas conjunturas do caminho. As camadas mais exploradas, menos
especializadas ou politicamente mais atrasadas do proletariado costumam ser as
primeiras a sair em luta e, em caso de derrota, as primeiras a abandoná-la. É
precisamente na nova etapa que os operários que não sofreram a derrota na
anterior são os primeiros a mobilizar-se, ainda que seja assim só porque não
participaram da luta. De uma forma ou de outra estes fenômenos também deverão
se manifestar na França.
O mesmo fato se reflete nas vacilações dos operários
organizados, que assinala a imprensa comunista oficial. É verdade, as inibições
dos operários organizados estão excessivamente desenvolvidas. Ao considerar-se
um setor insignificante do proletariado, os operários organizados costumam
desempenhar um papel conservador. Desde que este argumento não vá dirigido
contra a organização, senão contra suas debilidades e contra os dirigentes
sindicais tipo Monmousseau, que não compreendem a essência da organização
sindical e são incapazes de avaliar a importância que esta reveste para a
classe operária. De todas as formas, o papel de vanguarda que estão
desempenhando na atualidade os setores não organizados demonstra que não se
trata de uma luta revolucionária, senão de uma luta econômica unitária, que se
encontra, além disso, no primeiro estágio.
O mesmo fato fica demonstrado no importante papel que
desempenham na greve os trabalhadores estrangeiros, os quais, diga-se de
passagem, cumprirão na França um papel análogo ao dos negros nos Estados
Unidos. Mas isso é coisa do futuro. Na atualidade o papel que cumprem os
operários estrangeiros, muitos dos quais não conhecem o idioma, demonstra uma
vez mais que a luta não é política, mas econômica, e que seu impulso inicial
partiu da conjuntura econômica.
Ainda em relação à frente puramente econômica, não se pode
outorgar à luta o caráter ofensivo que lhe atribuem Monmousseau e Cia. Eles
baseiam sua definição no fato de que um alto percentual das greves se iniciem
por aumento de salário. Estes bons dirigentes esquecem que os operários se veem
obrigados a levantar tais reivindicações devido, por um lado, ao aumento no
custo de vida e, por outro, à intensificação da exploração física, fruto dos
novos métodos industriais (racionalização). O operário tem que exigir o aumento
de salário nominal para defender seu nível de vida. Estas greves só podem ser
“ofensivas” para a contabilidade capitalista. Desde o ponto de vista da tática
sindical seu caráter é estritamente defensivo. É precisamente este aspecto do
problema que todo sindicalista sério deveria compreender ou destacar de todas
as formas possíveis. Mas Monmousseau e Cia. creem estar no direito de ser
sindicalistas indiferentes porque ostentam o título, vejam vocês, de
“dirigentes revolucionários”. Ainda que gritem até ficar roucos que estas
greves defensivas revestem um caráter político e revolucionário ofensivo, não
mudarão o caráter das mesmas nem agregarão uma vírgula a sua importância. Pelo
contrário, ajudam os patrões e o governo a se armar contra os trabalhadores.
A coisa não melhora quando nossos “dirigentes” afirmam que
as greves se tornam políticas em virtude... da intervenção da polícia.
Argumento assombroso! Quando a polícia bate nos grevistas, falam... do
progresso revolucionário dos operários. A história francesa é testemunha de não
poucos massacres de operários em greves exclusivamente econômicas. Nos Estados
Unidos o esmagamento sangrento dos grevistas é norma. Isso significa que os
operários estadunidenses estão embarcados numa luta revolucionária extrema? O
fuzilamento dos grevistas é, naturalmente, um fato de transcendência política.
Mas só um charlatão poderia identifica-lo com o avanço político revolucionário
das massas trabalhadoras, e com isso não favoreceria outros senão os patrões e
sua polícia.
Quando o Conselho Geral do Congresso Sindical britânico
qualificou a greve geral revolucionária de 1926 de manifestação pacífica, sabia
o que fazia(5). Foi uma traição planificada intencionalmente. Mas quando
Monmousseau e Cia. qualificam uma série de greves econômicas isoladas de um
ataque revolucionário contra o Estado burguês, ninguém pensaria em acusá-los de
traidores conscientes. É duvidoso que esta gente seja capaz de atuar
conscientemente. Mas muito pequeno é o favor que fazem aos trabalhadores.
No próximo capítulo veremos como estes grandes heróis
revolucionários prestam outros serviços à patronal ao ignorar a reanimação
comercial e industrial, ao subestimar sua importância, ou seja, ao subestimar
os ganhos dos capitalistas e minar, por conseguinte, os fundamentos das lutas
operárias econômicas.
Tudo isso se faz, desde já, para maior glória do “terceiro
período”.
As crises conjunturais e a crise do capitalismo
No Quinto Congresso da Confederação Geral do Trabalho
Unitária (CGTU), A. Vassart atacou Chambelland em um longo discurso que
posteriormente foi publicado em um folheto com prólogo de Jean Bricot(6). Neste
discurso Vassart tratou de defender a perspectiva revolucionária contra a
perspectiva reformista. Nos solidarizamos plenamente com a intenção. Mas,
desgraçadamente, os argumentos que emprega em defesa da perspectiva
revolucionária só servem para fortalecer a posição dos reformistas. Seu
discurso contém múltiplos erros teóricos e de fatos. Alguém poderia questionar
‘para que atacar este discurso particularmente errôneo?’. Vassart todavia pode
aprender muito. Seria feliz se pudesse crer. Mas é difícil porque o discurso
apareceu em um folheto propagandístico. O prólogo pertence a Jean Bricot, que
é, pelo menos, primo do próprio Monmousseau, e ele dá ao folheto um caráter
programático. O fato de que nem o autor nem o editor perceberam os erros
flagrantes que contém o discurso revela o lamentável nível teórico dos atuais
dirigentes do comunismo francês. Jean Bricot ataca incansavelmente a Oposição
marxista. Como logo demonstraremos, lhe seria mais conveniente sentar e estudar
o ABC. A condução do movimento operário é incompatível com a ignorância, disse
Marx a Weitling.
No congresso, Chambelland expressou o superficial pensamento
– baseado exclusivamente em suas posições reformistas – de que a estabilização
capitalista durará aproximadamente trinta ou quarenta anos mais, ou seja, que
nem sequer a nova geração proletária que surge agora poderá fazer a revolução.
Chambelland não apresentou argumentos sérios para fundamentar esse lapso
fantasioso. A experiência histórica das duas décadas passadas e a análise
teórica da situação atual refutam por completo a perspectiva de Chambelland.
Como o refuta Vassart? Em primeiro lugar demonstra que
inclusive antes da guerra o sistema capitalista não pôde existir sem convulsões.
“Entre 1850 e 1910 se produziu uma crise econômica a cada
quatorze anos aproximadamente (?), engendrada pelo sistema capitalista” (página
14).
Mais adiante:
“Se antes da guerra houve uma crise a cada quatorze anos,
este fato se contradiz com a afirmação de Chambelland, que não prevê uma crise
séria para os próximos quarenta anos” (página 15).
Não é difícil compreender que, com este tipo de argumento,
com o qual se confunde as crises conjunturais com a crise revolucionária do
capitalismo em seu conjunto, Vassart não faz mais do que reforçar as posições
errôneas de Chambelland.
Em primeiro lugar, esse ciclo conjuntural de quatorze anos
nos é surpreendente. De onde Vassart tira esse número? É a primeira vez que o
vemos. E como é que Jean Bricot, que nos ensina com tanta autoridade (quase
equivalente à do mesmíssimo Monmousseau), não percebeu tamanho erro,
tratando-se sobretudo de um problema que tem uma importância tão imediata e
vital para o movimento operário? Antes da guerra qualquer sindicalista sabia
que se produzia uma crise ou, pelo menos, uma depressão a cada sete ou oito
anos. Se observamos o lapso de um século e meio, vemos que jamais transcorreram
mais de onze anos entre uma crise e a seguinte. O ciclo era de uma duração
média de aproximadamente oito anos e meio e, além disso, no período pré-bélico
se demonstrou que o ciclo conjuntural tendia a acelerar-se, não a frear-se, em
virtude da renovação da maquinaria técnica. Nos anos do pós-guerra as
flutuações conjunturais eram de caráter turbulento, o que se reflete no fato de
que as crises sucediam-se com frequência maior que antes da guerra. Como é que
os principais sindicalistas franceses desconhecem fatos tão elementares? Como
se pode dirigir um movimento grevista sem ter um panorama realista das mudanças
econômicas conjunturais? Todo comunista sério pode e deve insistir que os
dirigentes da CGTU, e principalmente Monmousseau, respondam esta pergunta.
Assim se coloca a situação desde o ponto de vista dos fatos.
Não fica melhor do ponto de vista da metodologia. O que Vassart demonstra, na
realidade? Que não se pode conceber o desenvolvimento capitalista sem
contradições conjunturais; existiam antes da guerra e existirão no futuro. Nem
o próprio Chambelland nega este lugar comum, o que não significa que este
simples fato abra uma perspectiva revolucionária. Pelo contrário; no transcurso
do último século e meio o mundo capitalista atravessou dezoito crises conjunturais,
e isso de maneira alguma nos permite supor que o capitalismo cairá na décima
nona ou na vigésima. A verdade é que os ciclos conjunturais desempenham na vida
do capitalismo um papel análogo, por exemplo, ao dos ciclos da circulação
sanguínea no organismo: a inevitabilidade da revolução depende tanto da
periodicidade das crises como a inevitabilidade da morte depende do pulso
rítmico.
No Terceiro Congresso da Internacional Comunista (1921), os
ultra-esquerdistas de então (Bukhárin, Zinoviev, Rádek, Thaelmann, Thalheimer,
Pepper, Bela Kun e outros) prognosticaram que o capitalismo não voltaria a
conhecer uma reanimação industrial porque havia entrado em seu período final (o
terceiro?)(7) que se desenvolveria sobre a base de uma crise permanente até que
se fizesse a revolução. No congresso se produziu uma grande polêmica ideológica
em torno a essa questão. Dediquei boa parte de meu informe a demonstrar que na
época do imperialismo as leis que governam os ciclos industriais seguem
vigentes e que as flutuações conjunturais serão uma das características do
capitalismo enquanto ele subsista(8): o pulso só se detém com a morte. Mas o
ritmo do pulso, junto com outros sintomas, serve ao médico para determinar se o
organismo é forte ou débil, são ou enfermo (claro que não me refiro aos médicos
da escola de Monmousseau). Vassart, porém, trata de demonstrar que a revolução
é inevitável e próxima porque as crises e booms se sucedem a cada quatorze
anos.
Não teria sido difícil para Vassart evitar esses erros crassos
se pelo menos tivesse estudado o informe e a polêmica do Terceiro Congresso da
Internacional Comunista. Mas, lamentavelmente, está proibida a leitura dos
documentos mais importantes dos quatro primeiros congressos, quando a autêntica
ideologia marxista era a norma na Internacional Comunista. Para a nova geração
de dirigentes a história do pensamento marxista começa no Quinto Congresso e
especialmente no Décimo Plenário do CEIC. O maior crime deste aparato
burocrático obtuso e cego reside em sua interpretação mecânica de nossa
tradição teórica.
Conjuntura econômica e radicalização
Se Vassart não conhece a dinâmica dos ciclos comerciais e
não compreende a relação entre as crises conjunturais e as crises
revolucionárias do sistema capitalista em seu conjunto, a interdependência
dialética da conjuntura e a luta da classe operária não lhe é menos estranha. A
concepção de Vassart sobre essa interdependência é tão mecânica quanto a de seu
adversário Chambelland; suas conclusões, ainda que opostas, são igualmente
errôneas.
Chambelland diz:
“Em certo sentido, a radicalização das massas é o barômetro
que permite avaliar a situação do capitalismo em um dado país. Se o capitalismo
está em decadência, as massas necessariamente se radicalizam” (página 23).
A partir dali Chambelland tira a conclusão de que, posto que
as greves francesas só afetam aos operários da periferia, posto que as
indústrias metalúrgicas e químicas se veem muito pouco afetadas, o capitalismo
ainda não entrou em decadência. Prevê quarenta anos de desenvolvimento.
Como lhe responde Vassart? Segundo ele, Chambelland
“não vê a radicalização porque não vê os novos métodos de
exploração” (página 30).
Vassart repete o conceito de que se se reconhece que a
exploração se intensificou e se compreende que se intensificará ainda mais, “só
resta afirmar a radicalização das massas” (página 31).
Ao ler estas polêmicas tem-se a sensação de encontrar-se
frente a dois homens que se perseguem com os olhos vendados. Não é certo que
uma crise, sempre e em todas as circunstâncias, radicaliza as massas. Exemplo:
Itália, Espanha, os Bálcãs, etc. Não é certo que a radicalização da classe
operária corresponde necessariamente ao período de decadência do capitalismo.
Exemplo: o cartismo inglês(9), etc. Vassart, como Chambelland, substitui com
cadáveres a história viva do movimento operário. E a conclusão de Chambelland é
igualmente errônea. Não se pode negar o começo da radicalização porque as
greves ainda não abarcam os principais setores operários; pode-se e deve-se
avaliar concretamente a extensão, profundidade e intensidade da radicalização.
É evidente que Chambelland aceita o fato da radicalização
quando já o conjunto da classe operária está na ofensiva. Mas a classe operária
não necessita de dirigentes dispostos a intervir quando tudo está pronto. É
necessário possuir a capacidade de observar os primeiros sintomas de
reanimação, ainda que sejam débeis e se circunscrevam à esfera econômica, para
adaptar as táticas e observar atentamente o desenvolvimento do processo.
Enquanto isso, nem porum instante deve se perder de vista o caráter geral de
nossa época, que demonstrou mais de uma vez, e voltara a demonstrar, que entre
os primeiros sintomas de reanimação e o levante tempestuoso que inicia uma
situação revolucionária, não se passam quarenta anos senão um quinto ou um
décimo disso.
Vassart não se sai melhor. Cria um paralelo automático entre
exploração e radicalização. Como negar a radicalização das massas – pergunta
Vassart aborrecidamente – se a exploração aumenta dia após dia? Esta concepção
metafísica infantil concorda perfeitamente com o espírito de Bukhárin. A
radicalização deve demonstrar-se com fatos, não com deduções. Não é difícil
reverter a conclusão de Vassart. Podemos colocar a questão da seguinte maneira:
como podem os capitalistas aumentar a exploração dia após dia se se enfrentam
com a radicalização das massas? Justamente a carência de espírito combativo é o
que permite intensificar a exploração. É verdade que tais argumentos,
enunciados sem comentários, também são unilaterais, mas estão muito mais
próximos da realidade que as elucubrações de Vassart.
O problema é que o aumento da exploração nem sempre eleva o
espírito combativo do proletariado. Assim, em meio a uma baixa conjuntural,
quando aumenta o desemprego, sobretudo se depois de uma derrota, o incremento
da exploração não provoca a radicalização das massas, senão, pelo contrário,
sua desmoralização, atomização e desintegração. O vimos, por exemplo, nas minas
de carvão inglesas imediatamente depois da greve de 1926. O vimos em maior
escala na Rússia, quando a crise industrial de 1907 coincidiu com o esmagamento
da revolução de 1905. Se nos dois últimos anos o aumento da exploração provocou
um crescimento do movimento grevista, o que é evidente, as bases desse processo
se encontram na reanimação conjuntural da economia, não em seu declínio.
O medo dos processos econômicos
Mas os oportunistas ultra-esquerdistas que dirigem a
Internacional Comunista temem a reanimação industrial: para eles é uma
contrarrevolução econômica. Seu esquerdismo se sustenta em bases superficiais,
porque a reanimação da conjuntura industrial e comercia seria, em primeiro
lugar, um golpe mortal para suas estúpidas teorias sobre o “terceiro e último
período”. Esta gente não deduz suas perspectivas revolucionárias dos
contraditórios processos reais, senão de esquemas falsos. E dali surgem seus
funestos erros táticos.
Pode parecer inverdade que os oradores oficiais no congresso
da CGTU tenham tratado de trazer um panorama o mais sombrio possível do estado
do capitalismo francês. A descrição stalinista da situação da indústria
francesa, que exagera enormemente a envergadura atual do movimento grevista, dá
a impressão de que as greves futuras não têm a menor possibilidade de seguir
adiante. Vassart foi um deles. Justamente em virtude de que ele, com
Monmousseau, é incapaz de distinguir entre as crises fundamentais do
capitalismo e as crises de conjuntura, e que neste caso acredita com
Chambelland que a subida conjuntural poderá postergar a revolução por várias
décadas, Vassart teme a reanimação industrial. Nas páginas 21 a 24 de seu
folheto demonstra que a atual reanimação industrial francesa é “artificial” e
“momentâneo” (página 24). No Comitê Nacional de dezembro, Richetta pintou
zelosamente um quadro da indústria têxtil francesa em crise. Se é assim, então
a onda de greves, que até o momento foi o único sintoma da radicalização,
carece de bases econômicas ou as está perdendo rapidamente. No melhor dos
casos, Vassart e Richetta proporcionam aos representantes do capital um
argumento infalível para não fazer concessões econômicas aos trabalhadores e,
mais importante ainda, proporcionam aos reformistas um argumento decisivo
contra as greves econômicas, porque todos devem compreender que não se pode
desenvolver uma perspectiva de lutas econômicas a partir de uma crise crônica.
Estes lamentáveis sindicalistas não leem a imprensa
econômica? Poderiam responder que a imprensa capitalista tem um otimismo
fingido. Contudo, não se trata dos editoriais. Dia a dia, mês a mês, os diários
publicam informes de mercado, balanços dos bancos, das empresas industriais e
comerciais e ferroviárias. Algumas das cifras foram reproduzidas em La
Verité(10). Os números mais recentes constituem uma prova adicional da
tendência à elevação da indústria francesa. O último suplemento econômico
semanal que chegou em minhas mãos (Le Temps(11), 9 de dezembro de 1929) informa
sobre uma assembleia geral de acionistas da indústria metalúrgica do norte e
leste da França. Não conhecemos a posição de M. Cuvelette sobre a filosofia do
“terceiro período”, e devemos confessar que não nos interessa muito. Entretanto
é muito hábil para somar lucros e recolher dividendos. Cuvelette faz o seguinte
resumo de todo o ano anterior: “A situação do mercado interno foi
excepcionalmente favorável”. Espero que ninguém veja nesta informação um mero
alarde de otimismo platônico; está respaldada por dividendos de quarenta
francos contra dividendos de vinte e cinco francos do ano anterior. Este fato,
é ou não é importante para as lutas econômicas da indústria metalúrgica?
Pareceria que sim. Mas, desgraçadamente, pelas costas de Cuvelette se levantam
as vozes de Vassart e Bricot, ou a do mesmíssmimo Monmousseau, clamando: “Não
escuteis as palavras deste otimista que não sabe que está fundido até as
orelhas no ‘terceiro período’!”. Quem pode duvidar de, se algum operário comete
o erro de acreditar em Monmousseau e não em Cuvelette, tem que chegar
forçosamente à conclusão de que não existem bases para lançar com êxito uma
luta econômica, menos ainda falar de uma ofensiva?
A escola Monmousseau – se é que se pode dar esse título a
uma instituição que ensina as pessoas a esquecer o que aprendeu em matéria de
pensar, ler e escrever – tem medo da reativação econômica. Há que dizer com
toda clareza que para a classe operária francesa – que nos dois últimos anos
renovou sua composição em duas ocasiões, durante e depois da guerra, ao
ingressar em suas fileiras grandes contingentes de jovens, mulheres e
estrangeiros aos quais ainda não assimilou por completo – um desenvolvimento
maior da reativação industrial criaria uma escola extraordinária, lhe
permitiria aglutinar suas forças, mostraria aos setores mais atrasados a
importância do papel que cumprem na estrutura capitalista e assim elevaria o
nível de consciência do conjunto da classe a novas alturas. Dois ou três anos,
talvez um só, de luta econômica ampla e triunfante rejuvenesceriam o
proletariado. Depois de uma reanimação econômica bem aproveitada, uma crise
conjuntural poderia dar um grande impulso à autêntica radicalização política
das massas.
Ao mesmo tempo, não se deve esquecer que as guerras e
revoluções de nossa época não são fruto das crises conjunturais, mas das
contradições, elevadas até suas últimas consequências, entre o desenvolvimento
das forças produtivas e a existência das fronteiras nacionais do Estado
burguês. A guerra imperialista e a Revolução de Outubro revelaram o alcance
dessas contradições. O novo papel da América do Norte as acentuou. Quanto mais
importante for o desenvolvimento das forças produtivas em tal ou qual país ou
em uma série de países, menos a reanimação industrial tardará em chocar-se com
as contradições fundamentais da indústria mundial e mais forte será a reação
econômica e política, nacional e internacional. Em todo caso, uma importante
reativação da economia não constituiria para o comunismo francês uma armadilha
senão um tremendo estímulo, porque daria lugar a um poderoso movimento grevista
como pré-anúncio de uma ofensiva política. Não faltarão as situações
revolucionárias. É provável, porém, que falte a capacidade de aproveitá-las.
Porém, está garantido que a conjuntura industrial francesa
seguirá em curva ascendente? Não nos atrevemos a fazer semelhante afirmação, Há
todo tipo de possibilidade em jogo. De qualquer forma, não depende de nós. O
que sim depende de nós, o que constitui uma obrigação para nós, é não fechar os
olhos diante dos fatos em nome de esquemas lamentáveis, senão contemplar a
marcha do processo econômico tal como se dá na realidade e elaborar a tática
sindical com base nesses fatos. Aqui falamos de tática em contraposição a
estratégia. Esta não é determinada pelas mudanças conjunturais, senão das
tendências fundamentais do processo. Mas apesar de que a tática está
subordinada à estratégia, esta só se realiza por meio daquela.
Para a Comintern, como para a Profintern(12), a tática
consiste nos ziguezagues periódicos e a estratégia é a soma aritmética desses
ziguezagues. Por isso a vanguarda proletária sofre uma derrota após a outra.
Quais são os sintomas da radicalização política?
Naturalmente, o problema da radicalização das massas não se
esgota na análise do movimento grevista. Qual é o nível da luta política? E,
sobretudo, quantos militantes tem o Partido Comunista e qual é o alcance de sua
influência?
É notável que, ao falar da radicalização, os dirigentes
oficiais ignorem diretamente o problema de seu próprio partido. Contudo os
fatos demonstram que, a partir de 1925 o número de militantes diminuiu de ano
em ano: 1925, 83.000 militantes; 1926, 65.000; 1927, 56.000; 1928, 52.000;
1929, 35.000. Para os anos anteriores utilizamos as cifras oficiais do
secretário da Comintern, Piatnitski; para 1929, as de Semard. Estas cifras, de
qualquer ângulo que forem olhadas, são bem exageradas; de qualquer forma,
tomadas de conjunto, a curva do partido é descendente; em cinco anos sua
militância se reduziu a menos da metade.
Poderia se supor que a qualidade vale mais que a quantidade
e que no partido só ficam comunistas firmes. Suponhamos que seja assim. Mas não
é essa a questão. O processo de radicalização das massas de forma alguma pode
provocar o isolamento dos quadros; pelo contrário, deve provocar o ingresso ao
partido de militantes firmes e conseguir que os que não são tanto cheguem a
sê-lo. A radicalização das massas só se pode conciliar com a diminuição regular
da militância partidária quando se considera que o papel do partido na vida da
classe operária é a quinta roda de um carro. As palavras calam quando os fatos
falam. A curva do partido seguiu uma trajetória uniformemente decrescente, não
só durante 1925-1927, em meio ao refluxo da maré grevista, senão também durante
os dois últimos anos, quando o número de greves começou a aumentar.
Neste momento os honoráveis Pangloss do comunismo oficial
nos interromperão para fazer referência à “desproporção” entre o tamanho do
partido e sua influência. Esta é, na atualidade, a fórmula da Internacional
Comunista, inventada pelos astutos para enganar os tontos. Entretanto esta
fórmula ritual consagrada não só não explica nada, senão que em certo sentido
piora as coisas. A experiência do movimento operário demonstra que na medida em
que um partido revolucionário adquire um caráter cada vez mais “parlamentar” –
enquanto as demais variáveis não se alteram – sua influência tende a
transcender seu tamanho. É muito mais fácil ser oportunista que marxista,
porque aquele se baseia nas massas em geral. Isso se vê com toda clareza se
comparamos o Partido Socialista com o Comunista(13). Consequentemente, o
crescimento sistemático da “desproporção”, junto com a diminuição do número de
comunistas organizados, só pode significar que o Partido Comunista Francês está
se transformando de revolucionário em parlamentar e municipalista. Os recentes
escândalos “municipais”(14) demonstraram que este processo se desenvolveu até
certo ponto no curso dos últimos anos, e é de se temer que sucedam escândalos “parlamentares”.
De qualquer forma, a diferença entre o Partido Comunista de hoje e os agentes
socialdemocratas da burguesia segue sendo enorme. Os Pangloss da direção
caluniam o Partido Comunista Francês quando falam de uma gigantesca
desproporção entre seu tamanho e sua influência. Não é difícil demonstrar que,
lamentavelmente, a influência política do comunismo aumentou muito pouco nos
últimos anos.
Para os marxistas não é nenhum segredo que as eleições
parlamentares e municipais distorcem e inclusive falsificam tendenciosamente os
estados de ânimo das massas. Apesar disso, a dinâmica do processo político se
reflete nas eleições parlamentares; esta é uma das razões pelas quais os
marxistas participam ativamente nas eleições. Mas, o que revelam os resultados?
Nas eleições legislativas de 1924 o Partido Comunista recebeu 875.000 votos,
pouco menos de 10% do total(15). Nas eleições de 1928 o partido obteve pouco
mais de um milhão de votos (1.064.000), ou seja, 11,33% do total. Assim, o peso
específico do partido no seio do eleitorado aumentou em 1,33%. Se o processo
segue avançando a esse passo, a perspectiva de Chambelland de “paz social” por
trinta ou quarenta anos será muito... revolucionária.
O Partido Socialista, cuja “inexistência” havia sido proclamada
por Zinoviev e Lozovski em 1924, obteve em 1928 quase 1.700.000 votos, mais de
dezoito porcento do total, ou seja, superou o voto comunista em 150%(16).
Os resultados das eleições municipais produzem poucas
mudanças no panorama global. Em alguns centros industriais (Paris, o Norte), os
comunistas indubitavelmente ganharam votos às custas dos socialistas. Assim, em
Paris, de 1925 a 1929, o voto comunista aumentou de 18,9% a 21,8%, ou seja em
3%, enquanto no mesmo período os votos socialistas diminuíram de 22,4 % a
18,1%, ou seja em 4%. Estes fatos possuem uma importância sintomática inegável,
mas até o momento, são de caráter estritamente local e veem-se muito diminuídos
pelo “municipalismo” antirrevolucionário que personificam Louis Sellier(17) e
os pequeno-burgueses de sua laia. Graças aos Sellier, as eleições municipais
não registraram verdadeiras mudanças em comparação com as parlamentares do ano
anterior.
A vida política mostra outros índices que, no melhor dos
casos, contradizem a charlatanice prematura em torno da radicalização política
das massas que, supostamente, se iniciou dois anos atrás. Que saibamos, a
circulação de l’Humanité não aumentou. As campanhas para reunir fundos para
l’Humanité são, é verdade, alentadoras. Mas, tendo em vista o ataque
reacionário feito contra o jornal, essas campnhas também teriam rendido frutos
a um, dois ou três anos.
Não se pode esquecer nem por um instante que no 1º de
agosto(18) o partido foi incapaz de mobilizar todos os trabalhadores que haviam
votado nele, nem sequer todos os operários sindicalizados. Segundo os informes,
provavelmente exagerados, de l’Humanité, na manifestação de 1º de agosto em
Paris participaram ao redor de cinquenta mil trabalhadores, menos da metade dos
operários sindicalmente organizados. As cifras correspondentes às províncias
são infinitamente inferiores. Digamos de passagem que isto também revela que o
“papel dirigente” do Burô Político no aparato da CGTU não é garantia de que o
partido cumpra o mesmo papel entre os operários sindicalizados. Mas estes não
constituem mais que uma pequena fração da classe. Se o levante revolucionário é
um fato irrefutável, de que serve uma direção partidária que, no momento
crítico do conflito sino-soviético, foi incapaz de arrastar um quarto – ou melhor,
um décimo – do eleitorado a uma mobilização anti-imperialista? Ninguém exige da
direção partidária que consiga o impossível. Não se pode manipular uma classe.
Mas o que imprime na mobilização de agosto o selo do fracasso é a monstruosa
“desproporção” entre os gritos vitoriosos da direção e a resposta real das
massas.
A respeito das organizações sindicais, sua curva descendente
– a julgar pelos números oficiais – foi paralela à do partido, com um ano de
diferença. Em 1926 a CGTU tinha 475.000 filiados; em 1927, 452.000; em 1928,
375.000. A perda de 100.000 filiados por parte dos sindicatos, em um momento no
qual a maré grevista do país estava em ascenso, demonstraria sem sombra de
dúvida que a CGTU não reflete os processos fundamentais inerentes às lutas
econômicas das massas. A CGTU, projeção aumentada do partido, simplesmente
experimenta com alguma demora a decadência deste.
Os dados aqui apresentados confirmam em dobro as conclusões
nas quais chegamos com base em nossa análise do movimento grevista.
Recapitulemos: 1919-1920 foram testemunhos do momento culminante da luta
proletária na França. Imediatamente depois se iniciou o refluxo, que começou a
reverter-se lentamente no terreno econômico. Em troca, no terreno político o
refluxo ou estancamento prossegue até o dia de hoje, pelo menos no que diz
respeito à maioria dos trabalhadores. O despertar à luta econômica de certos
setores proletários é um fato irrecusável, mas este processo apenas está em sua
primeira etapa. O ramo que participa na luta é principalmente o da indústria
leve, com predomínio evidente dos trabalhadores não organizados – que
compreendem um grande número de estrangeiros – sobre os organizados.
O que deu ímpeto a esta onda de greves foi a reanimação
econômica, simultânea ao aumento no custo de vida. As primeiras etapas do
ascenso das lutas econômicas geralmente não vem acompanhadas de um ascenso
revolucionário. Assim acontece neste caso. Pelo contrário: até é possível que
as lutas econômicas debilitem por um tempo os interesses políticos da classe
operária ou, pelo menos, de alguns setores da mesma.
Se consideramos, além disso, que a reanimação econômica da
indústria francesa já tem dois anos de duração, que não há desemprego nos ramos
fundamentais da indústria e inclusive existe em algumas uma grande escassez de
mão-de-obra, não é difícil chegar à conclusão de que, dadas as circunstâncias
tão favoráveis para a luta sindical, a onda grevista é bem modesta. Os índices
que melhor revelam seu caráter moderado são a passividade das massas, fator que
que vem da etapa precedente, e a lentidão da própria reativação industrial.
Quais são as perspectivas imediatas?
Seja qual fosse o ritmo das mudanças conjunturais, só é
possível conseguir uma estimativa aproximada da mudança das fases no ciclo. O
mesmo sucedeu com o capitalismo do pré-guerra, mas nesta etapa é mais difícil
prognosticar a conjuntura. Depois do caos provocado pela guerra o mercado
mundial não atingiu uma conjuntura uniforme, ainda que se aproximou bastante em
comparação com os cinco primeiros anos do pós-guerra. Por isso há que ser muito
cuidadoso ao esboçar o prognóstico das mudanças que se alternam na conjuntura
mundial.
Na atualidade vemos como variantes mais prováveis as
seguintes:
1. A crise da bolsa de valores de Nova York é o pré-anúncio
de uma crise comercial e industrial nos Estados Unidos, que alcançará grande
magnitude nos próximos meses. O capitalismo estadunidense se vê obrigado a
voltar-se decisivamente ao mercado mundial. Abre-se uma época de competição
enlouquecida. As mercadorias europeias retrocedem ante o ataque avassalador. A
crise europeia se inicia posteriormente à dos Estados Unidos, mas por isso
mesmo é de extrema gravidade.
2. A queda da bolsa de valores não provoca uma crise
comercial e industrial imediata, senão uma depressão conjuntural. O golpe que a
especulação sofre no mercado de valores leva a uma melhor correlação entre o
papel moeda e a realidade comercial e industrial, e entre esta e o poder
aquisitivo real do mercado. Passada a depressão e o período de reajuste, a
curva da conjuntura comercial e industrial volta a ascender, ainda que em menor
graus que na etapa anterior. Não se pode excluir esta variante. O capitalismo
norte-americano conta com enormes recursos, muitos dos quais correspondem ao
orçamento governamental (pedidos, subsídios, etc.).
3. A retirada de fundos para a especulação nos Estados
Unidos gera atividade comercial e industrial. A sorte desta dependerá de
fatores puramente europeus, além de mundiais. Inclusive na eventualidade de que
os Estados Unidos atravessem uma aguda crise econômica, a Europa seria capaz de
sustentar por um determinado período uma tendência elevatória, já que não se
pode duvidar que o capitalismo norte-americano levará poucos meses a se refazer
e lançar o ataque decisivo ao mercado mundial.
4. Por último, possivelmente a verdadeira marcha do processo
combine elementos de todas as variantes mencionadas acima, seguindo uma curva
oscilante com pequenos altos e baixos.
O processo que sofre a classe operária, sobretudo tal como
se reflete no movimento grevista, se caracterizou desde o começo do capitalismo
por sua estreita ligação com o ciclo conjuntural. Mas esse vínculo não é
mecânico. Ocorre que, em certas circunstâncias que transcendem o ciclo
comercial e industrial (mudanças abruptas na economia ou na política mundial,
crises sociais, guerras, revoluções), a onda grevista seja expressão das
tarefas históricas revolucionárias fundamentais da classe operária, não das
reivindicações imediatas que surgem da conjuntura em questão. Assim, por
exemplo, as greves do pós-guerra na França não eram do tipo conjuntural;
expressavam a crise profunda do conjunto da sociedade capitalista. À luz deste
critério, observamos que o movimento grevista atualmente em curso na França
possui um caráter fundamentalmente conjuntural; seu curso e seu ritmo
dependerão diretamente das oscilações do mercado, das sucessivas fases
conjunturais e da envergadura e intensidade das mesmas. Dada, pois, a
instabilidade do período que atravessamos, é absolutamente ilícito proclamar a
existência de um “terceiro período” sem a menor relação com o desenvolvimento
real dos acontecimentos econômicos.
Resta dizer que, ainda no caso de se produzir uma conjuntura
favorável na América do Norte e uma reanimação comercial e industrial na
Europa, não se poderá evitar uma nova crise. Não duvidamos que quando esta se
produzir os dirigentes afirmarão que seu “prognóstico” foi plenamente
confirmado, que a estabilização do capitalismo não se produziu e que a luta de
classes se agudizou. É evidente que não custa muito fazer tal “prognóstico”. Se
alguém prediz diariamente um eclipse solar, em algum momento da vida verá
cumprida sua predição. Mas ninguém consideraria um astrônomo semelhante
profeta. A tarefa dos comunistas não consiste em prognosticar crises,
revoluções e guerras todos os dias senão em preparar-se para o surgimento de
guerras e revoluções mediante a sóbria avaliação das circunstâncias e situações
que se produzem nos períodos entre as guerras e revoluções. Há que prever que
depois de cada ascenso se produzirá uma crise. Há que advertir as massas da
iminência da crise. Mas as massas estarão melhor preparadas para recebê-la se
aproveitam, com uma boa direção, o ascenso econômico. No último plenário do
Comitê Nacional da CGTU se expressaram ideias bastante sãs. Por exemplo,
Claveri e Dorelle se queixaram de que no último congresso da CGTU (setembro de
1929) se ignorou o problema das reivindicações econômicas das massas
trabalhadoras. De qualquer forma estes oradores não se detiveram a pensar como
seria possível que um congresso sindical passasse por cima precisamente do que
deveria constituir sua primeira e principal tarefa. No espírito da chama
“autocrítica”, os principais oradores atacaram a direção da CGTU, com um vigor
jamais implementado pela Oposição.
Naturalmente, o mesmo Dorelle provocou bastante confusão ao
se referir, em nome do “terceiro período”, ao caráter político das greves.
Dorelle exigiu que os sindicalistas comunistas revolucionários – não existe
outro tipo de sindicalista revolucionário na atualidade – ensinem a todo
grevista a relação que existe entre os casos isolados de exploração e o regime
contemporâneo em seu conjunto, com a conseguinte relação entre as
reivindicações operárias imediatas e a revolução proletária. Isto é o ABC para
um marxista, mas em si não determina o caráter da greve. Uma greve política não
é aquela na qual os comunistas realizam agitação política, senão uma greve na
qual os operários de todos os ramos e fábricas saem à luta por objetivos
políticos específicos. A agitação revolucionária no meio da greve é uma tarefa
que se deve realizar em todas as circunstâncias, mas a participação dos
operários em greves políticas, ou seja, revolucionárias, é uma das formas de
luta mais avançadas e só se dá em circunstâncias excepcionais, que nem o
partido nem os sindicatos podem fabricar de acordo com seus desejos. Confundir
as greves econômicas com greves políticas provoca um estado de confusão que
impede aos dirigentes sindicais ter enfoques adequados para as greves
econômicas, organizá-las e elaborar um programa prático de reivindicações
operárias.
Todavia as coisas pioram no terreno da orientação econômica
geral. A filosofia do “terceiro período” necessita uma crise econômica,
imediatamente e a qualquer custo. Portanto, nossos sábios sindicalistas fecham
os olhos diante do ascenso sistemático da conjuntura econômica na França
durante os últimos dois anos, apesar de que sem uma avaliação concreta da
conjuntura é impossível encontrar as consignas correspondentes e lutar por elas
com êxito. Seria conveniente a Claveri e Dorelle estudar exaustivamente o
problema. Se a reanimação econômica francesa dura mais um ano (o que não é de
se descartar), o desenvolvimento e a extensão das lutas econômicas serão
questões supremas na ordem do dia. A adaptação a essas circunstâncias não só é
tarefa dos sindicatos senão também do partido. Não basta proclamar em abstrato
o direito do comunismo a desempenhar um papel dirigente; há que se ganhar esse
direito na ação, não nos estreitos marcos do aparato sindical senão no cenário
da luta de classes. À fórmula anarquista e sindicalista de autonomia sindical o
partido deve opor uma atividade teórica e política sério nos sindicatos, de
forma a tornar-se mais fácil que estes orientem-se em meio aos acontecimentos
econômicos e políticos e elaborem reivindicações e métodos de luta acertados.
As mudanças inevitáveis que provocaria a crise na reativação
significariam uma mudança nas tarefas, ao passar para o segundo lugar as lutas
econômicas. Já temos dito que a vinda de uma crise provavelmente sirva para dar
ímpeto à atividade política das massas. Sua força dependerá de dois fatores: a
duração e envergadura da reativação e o grau de agudeza da crise que a
sucederá. Quanto mais abrupta e decisiva a mudança, mais explosiva será a
mobilização das massas. É natural. Por inércia as greves geralmente alcançam
seu pico no momento em que a subida econômica começa a decompor-se. É como se,
em plena corrida, os operários se chocassem contra uma parede. Nesse caso é
muito pouco o que podem conquistar as greves econômicas. Iniciada a recessão,
os capitalistas recorrerão facilmente ao lock-out. Nesse momento a consciência
de classe dos trabalhadores, que se aprofundou, começa a buscar outros canais.
Quais? Não depende somente das situações conjunturais senão também da situação
global do país.
Não se pode predizer com fundamento que a próxima crise
conjuntural criará imediatamente uma situação revolucionária na França; para
isso devem convergir uma série de fatores que transcendem a crise conjuntural.
Neste momento só se pode fazer conjecturas teóricas. Levantar hoje a consigna
de uma greve geral política, sobre a base de uma crise futura que levará as
massas a tomar o caminho revolucionário, é querer matar a fome de hoje com a
ceia de amanhã. Quando Molotov afirmou no Décimo Plenário que a greve geral
está na ordem do dia na França, demonstrou definitivamente que não conhece a
França, nem a ordem, nem o dia. Os anarquistas e sindicalistas não aceitam
sequer a ideia de uma greve geral na França. O comunismo oficial, com suas
tentativas de substituir o trabalho revolucionário sistemático por saltos
aventureiristas no vazio, segue a corrente.
A atividade política das massas, antes de passar a formas
mais explosivas, atravessa um período de maior ou menor duração que pode se
expressar em uma maior participação nas assembleias, mais ampla circulação de
literatura comunista, maior quantidade de votos nas eleições, maior ingresso de
militantes no partido. Pode a direção adotar de antemão uma orientação já
elaborada com base no pressuposto de que os acontecimentos avançarão
tumultuosamente, sem saber o que resultará disso? Não. Deve estar preparada
para distintos ritmos de marcha. Só assim o partido poderá acompanhar o ritmo
das massas, sem mudar o sentido revolucionário de sua marcha.
Em resposta às considerações anteriores já se escuta uma
voz, suave como uma lixa, que me acusa de cair no “economicismo” por um lado e
no otimismo capitalista pelo outro, sem esquecer, desde já, os desvios
socialdemocratas. É que para os Molotovs, tudo que não podem compreender – ou
seja, muito – cai sob o rótulo de desvio socialdemocrata, assim como para os homens
primitivos a explicação de quase tudo que acontece no universo reside na
atividade dos espíritos malignos. Semard e Monmousseau, dignos discípulos de
Molotov, nos ensinarão que as mudanças conjunturais não esgotam o problema, que
existem muitos outros fatores, tais como a racionalização na indústria e a
iminência da guerra. Essa gente fala de “muitos fatores”, e é incapaz de
explicar em que consiste um só desses. Sim - responderemos -, uma guerra
subverteria todas as perspectivas e abriria, por assim dizer, uma nova
cronologia. Mas, em primeiro lugar, não sabemos quando nem por que vias virá a
guerra. Em segundo lugar, para enfrentar a guerra com os olhos abertos devemos
estudar cuidadosamente todas as curvas do caminho que conduz a ela. A guerra
não cai do céu; sua problemática e seu início estão estreitamente vinculados ao
problema do mercado mundial.
A arte da orientação
A arte da direção revolucionária é principalmente a da
correta orientação política. Em todas as circunstâncias o comunismo prepara a
vanguarda política e, através dela, a classe operária em seu conjunto para a
conquista revolucionária do poder. Mas o faz de diferentes maneiras, segundo os
distintos setores do movimento operário e os distintos períodos.
Um dos elementos mais importantes da orientação é a
determinação do estado de ânimo das massas, de sua atividade e disposição para
a luta. Este estado de ânimo, porém, não está determinado de antemão. Muda sob
a influência de certas leis que regem a psicologia das massas que se põem em
movimento por circunstâncias sociais objetivas. Dentro de certos limites, é
possível quantificar o temperamento das massas: circulação da imprensa,
presença nas assembleias, eleições, manifestações, greves, etc. Para
compreender a dinâmica do processo, é preciso determinar por que e em que
sentido muda o estado de ânimo da classe operária. Mediante a combinação de
dados subjetivos e objetivos se pode determinar de forma experimental a
dinâmica do processo, digamos, efetuar um prognóstico fundamentado cientificamente,
sem o qual seria inconcebível fazer a luta revolucionária com seriedade. Mas um
prognóstico político não possui a exatidão do plano de uma construção; é uma
hipótese de trabalho. Enquanto se orienta a luta em tal ou qual direção, é
necessário seguir atentamente as mudanças dos elementos objetivos e subjetivos
do processo para endereçar o rumo tático conforme se necessite. Se é verdade
que a verdadeira marcha do processo jamais corresponde plenamente com o
prognóstico, isso não nos exime da necessidade de fazer prognósticos políticos.
Mas não devemos nos embriagar com esquemas acabados, senão comparar
constantemente a marcha do processo histórico e fazer os ajustes
correspondentes.
Por sua própria natureza, o centrismo que domina agora a
Internacional Comunista, como corrente intermediária que vive de ideias
distantes, é incapaz de elaborar um prognóstico histórico. Na república
soviética o centrismo se construiu como direção nas circunstâncias dadas como
reação contra Outubro, em meio ao refluxo da revolução, quando o empirismo e o
ecletismo lhe permitiram nadar a favor da corrente. E ao anunciar que a marcha
do processo conduzia automaticamente ao socialismo em um só país, se livrou da
necessidade de elaborar uma orientação mundial(19).
Mas os partidos comunistas dos países capitalistas, que
apesar disso têm que lutar pelo poder ou preparar-se para essa luta, não podem
viver sem prever. Para eles é questão de vida ou morte ter uma orientação
cotidiana correta. Mas não são capazes de aprender esta importantíssima arte
porque se veem obrigados a fazer as piruetas que lhes ordena a burocracia
stalinista. O centrismo burocrático, que por um período poderá viver do capital
acumulado pelo poder proletário já conquistado, é absolutamente incapaz de
preparar os partidos jovens para a tomada do poder. Essa é a maior e principal
contradição que sofre hoje a Internacional Comunista.
A história da direção centrista é a história de seus funestos
erros de orientação. Depois que os epígonos(20) desaproveitaram a situação
revolucionária alemã de 1923, que provocou profundas mudanças em toda situação
europeia, a Internacional Comunista atravessou três etapas de erros fatais.
1924-1925: período de erros ultra-esquerdistas: a direção
considerou que havia uma situação revolucionária adiante quando a mesma já
havia passado. Nesse momento chamavam os marxistas-leninistas de “direitistas”
e “liquidadores”.
1925-1927: período do oportunismo descarado, que coincidiu
com o tempestuoso levante do movimento operário britânico e a revolução
chinesa. Nos taxaram nada menos que de “ultra-esquerdistas”.
Por fim, em 1928 se anuncia o “terceiro período”, que repete
os erros zinovievistas de 1924-1925 em um plano histórico mais elevado. O
“terceiro período” não terminou; pelo contrário, segue em plena ação,
destroçando a seu passo organizações e povos.
Não é casual que os três períodos se caracterizem pela
decadência contínua da direção. No primeiro período: Zinoviev, Bukhárin,
Stalin. No segundo: Stalin, Bukhárin. No terceiro: Stalin e... Molotov. Tudo
conforma um quadro coerente.
Vejamos mais de perto a direção e a teoria do “terceiro
período”.
Molotov “entra com os dois pés”
O plenário do CEIC que se reuniu um ano depois do Sexto
Congresso não podia limitar-se a repetir o que esta já havia dito; devia
apontar mais alto. Na edição do órgão teórico do Partido Comunista soviético
que apareceu nas vésperas do plenário se lê o seguinte:
“Em todo o mundo capitalista a maré grevista está em
ascenso. Esta onda abarca tanto os países imperialistas altamente desenvolvidos
quanto as colônias atrasadas e se relaciona em certos momentos e lugares com
uma obstinada luta revolucionária e a guerra civil. As massas não organizadas
se veem arrastadas à luta, e participam ativamente na mesma [...] A crescente
insatisfação e o giro à esquerda das massas abarca também milhões de operários
agrícolas e camponeses oprimidos.” (Bolchevique, nº 12, junho de 1929, pág. 9).
Este quadro não deixa lugar a dúvidas. Se é verdade que a
maré grevista se estende por todo o mundo, arrastando “milhões de operários
agrícolas e camponeses oprimidos”, relacionando-se com a “luta revolucionária e
a guerra civil”, é óbvio que nos encontramos diante de uma situação
revolucionária e a tarefa do momento é, sem dúvida, a luta aberta. Aceitemos
não entrar na discussão sobre se essas circunstâncias correspondem ou não a um
“terceiro período”, ou se não levam número.
É sabido que batuta do Décimo Plenário estava nas mãos do
maestro Molotov. No discurso programático que pronunciou ante os dirigentes da
Internacional Comunista disse:
“Tendo em vista a realidade do movimento proletário mundial,
só um oportunista obtuso [!], um liberal infeliz [!], poderia deixar de
compreender que entramos com os dois pés no reino dos imensos acontecimentos
revolucionários de importância internacional” (Pravda, nº 177).
“Com os dois pés”: que poder de síntese!
Ao compasso da batuta de Molotov, o Bolchevique de agosto de
1929 disse:
“Com base na análise da luta operária nos principais países
capitalistas, o Décimo Plenário afirmou que se desenvolve e aprofunda o
processo de giro à esquerda e radicalização das massas, que na atualidade
começa a alcançar a magnitude de um princípio de levante revolucionário (pelo
menos em alguns países, como Alemanha, França e Polônia)” (nº 15, pág. 4).
Não resta dúvida, Molotov afirmou taxativamente, senão com a
cabeça pelo menos com os pés, que este período é revolucionário. E posto que
ninguém gosta de ser considerado um “oportunista obtuso” ou um “liberal
infeliz”, pareceria que a posição de Molotov está a salvo de toda crítica por
parte do plenário. Sem se dar ao trabalho de fazer análises políticas ou
econômicas, por razões cuja validez reconhecemos, Molotov se limitou a ler uma
pequena ladainha de greves em distintos países (Ruhr, Lodz, norte da França,
Bombay, etc), sendo essa a única prova de que “entramos no reino de imensos
acontecimentos revolucionários”. Assim se criam os períodos históricos!
Aos comitês centrais e publicações das seções nacionais só
restava garantir que seus próprios pés, adiantando-se no possível a suas
cabeças, penetrassem o quanto antes nos “imensos acontecimentos
revolucionários”. Mas, não é suspeito que a situação revolucionária surja
simultaneamente em todo o mundo, nos países adiantados e nas colônias,
ignorando a “lei do desenvolvimento desigual”(21), ou seja, a única lei
histórica que Stalin conhece pelo menos de nome? Na realidade, é absurdo falar
de simultaneidade. Como vemos, em vez de fazer uma análise da situação mundial,
somam-se alguns conflitos isolados que ocorrem em distintos lugares do mundo e
em situações distintas. De todos os países europeus, a Áustria é talvez o único
que conheceu uma crise que, se houvesse um Partido Comunista com influência,
poderia ter havido um processo revolucionário imediato. Mas a Áustria nem é
mencionada. Em troca França, Alemanha e Polônia são “os países que [segundo
Molotov] encontram-se na primeira fila do levante revolucionário”. Já
analisamos a onda grevista francesa e o lugar que ocupa no desenvolvimento da
classe operária e do país. Em breve esperamos abordar uma análise detalhada dos
sintomas fundamentais que caracterizam a luta da classe operária alemã. Mas
nossas conclusões a respeito da França, que segundo o Décimo Plenário é um dos
três países mais revolucionários da Europa, demonstram que a análise de Molotov
é uma combinação de três fatores: ignorância teórica, irresponsabilidade
política e aventureirismo burocrático. Estes elementos não caracterizam o
“terceiro período”, mas sim a burocracia centrista... em todos os períodos.
Greves econômicas e crise
“Onde está a base do levante revolucionário?” Molotov
experimenta uma análise e imediatamente nos apresenta os frutos de suas
elucubrações. “A base do levante revolucionário não se pode encontrar senão na
crescente crise geral do capitalismo e no aprofundamento das contradições
fundamentais do sistema capitalista”.
Quem não está de acordo é um “liberal infeliz”. Mas onde ele
leu que a origem das greves econômicas “não se pode encontrar senão” na crise?
Ao invés de analisar a situação econômica real, e examinar sua relação com o
movimento grevista em curso, Molotov vai ao contrário: enumera meia dúzia de
greves e daí tira a conclusão de que a crise capitalista é “crescente”. Assim
sua análise termina... nas nuvens.
Sabemos que a causa do ascenso do movimento grevista em uma
série de países reside nas melhoras experimentadas pela conjuntura econômica em
curso nos dois últimos anos. Isso aconteceu principalmente na França. É verdade
que a reativação industrial, que está distante de abarcar toda a Europa, segue
sendo bastante modesta, mesmo na França, e seu futuro é incerto. Mas uma
mudança conjuntural em qualquer sentido, por menor que seja, não passa sem
afetar a vida do proletariado. Se diariamente se produzem demissões em massa os
trabalhadores que mantém seu emprego não têm a mesma moral que numa época na
qual se incorporam novos trabalhadores, ainda que não sejam muitos. Não é menor
a influência da conjuntura sobre as classes dominantes. Em um período de
reativação industrial, que sempre suscita nos operários a esperança de que se
melhore ainda mais no futuro, os capitalistas tendem a aliviar as contradições
internacionais, precisamente para garantir que a conjuntura favorável siga
desenvolvendo-se. Isso é o que convencionou-se chamar de “espírito de Locarno e
Genebra”(22).
O passado nos brinda com bons exemplos da relação entre
fatores conjunturais e fundamentais.
Entre 1896 e 1913 produziu-se, com breves interrupções, uma
poderosa expansão industrial. Em 1913 se transformou numa recessão que, como
sabem todas as pessoas bem informadas, significou o começo da crise prolongada.
A ameaça de uma mudança na conjuntura, depois de um período de auge sem
precedentes, criou um estado de extremo nervosismo na classe dominante e serviu
de estímulo direto para o início da guerra. Naturalmente a guerra imperialista
foi fruto das contradições fundamentais do capitalismo. Até Molotov conhece
esta generalização. Mas, no caminho que conduziu a ela, alternaram-se uma série
de etapas nas quais as contradições se agudizaram ou se aliviaram. O mesmo
aconteceu com a luta de classes.
No período pré-bélico os processos básicos e conjunturais se
desenvolveram de forma muito mais parelha que no período atual, caracterizado
por mudanças repentinas e descensos abruptos, quando basta uma mudança
econômica relativamente moderada para provocar um salto político de grande
magnitude. Mas isto não significa que se possa fechar os olhos diante da marcha
do processo repetindo três fórmulas mágicas – “as contradições se agudizam”,
“as massas trabalhadoras se deslocam para a esquerda”, “a guerra é iminente” –
todos, todos, todos os dias. Se o que determina nossa estratégia, em última
instância, são a inevitável agudização das contradições e a radicalização
revolucionária das massas, nossas táticas, subordinadas a esta estratégia, se
elaboram sobre a base da avaliação realista de cada época, cada etapa, cada
momento, cujas características podem ser a atenuação circunstancial das
contradições, uma virada à direita das massas, uma mudança na correlação de
forças a favor da burguesia, etc. Se as massas se deslocassem ininterruptamente
à esquerda, qualquer imbecil poderia dirigi-las. Por sorte ou por azar, a
situação é mais complicada, sobretudo nesta época tão fluida, mutante,
“caprichosa”.
A chamada linha geral não é mais que uma frase se não se
adapta a cada mudança da situação nacional e internacional. Como atua a direção
da Internacional Comunista? Em vez de analisar as situações concretas, bate
cabeça ante cada nova etapa e logo consola as massas derrotadas com mudanças e
inclusive expulsão dos que montavam guarda nos comitês centrais dos partidos
nacionais. Aconselhamos encarecidamente Cachin, Monmousseau, Thaelmann e todos
os Remmeles(23) que se preparem a cumprir o papel de bodes expiatórios da
teoria e prática do terceiro período, o que acontecerá quando Stalin corrigir
Molotov... uma vez consumado o fato.
Os progressos da URSS e o “terceiro período”
A primeira causa do “levante revolucionário” que se iniciou
a dois anos é, segundo Molotov, essa crise econômica que ele descobriu, diga-se
de passagem, por dedução. A segunda razão é, para ele, o progresso econômico da
URSS, e chega ao extremo de acusar o CEIC de não apreciar em toda sua magnitude
o efeito radicalizante do plano quinquenal. Não é necessário demonstrar que, efetivamente,
os êxitos da república soviética em termos econômicos possuem uma importância
enorme para a classe operária mundial. Mas de forma alguma pode se concluir com
base nisso que o plano quinquenal é capaz, a priori, de provocar um levante
revolucionário na Europa e em todo o mundo. As massas trabalhadoras não atuam
com base nos números que o plano quinquenal aspira a alcançar. Mas ainda se
deixamos de lado o plano quinquenal e nos referimos às conquistas reais da
indústria, estas cifras não explicam a greve dos operários portuários franceses
nem a dos operários têxteis da Índia. As massas operárias saem à luta em
virtude de suas condições de vida imediatas. Por outro lado, a grande maioria
dos operários se inteira dos êxitos e fracassos da economia soviética lendo as
mentiras que publica a imprensa burguesa e a socialdemocrata. Por último, e
isso é o mais importante, o que mais estimularia grandes massas de operários em
todo o mundo não é a cifra estatística abstrata, senão uma verdadeira e
importante melhora do nível de vida dos operários da URSS. Com certeza a grande
escassez de alimentos em Moscou e Leningrado não serve para encher de
entusiasmo revolucionário dezenas de milhões de operários do mundo capitalista.
Lamentavelmente é um fato que só cem operários foram ouvir os informes
triunfais da delegação francesa em seu retorno da URSS. Cem operários de toda
Paris! É uma dura advertência; mas os prepotentes burocratas nem se dignam a
pensar nisso.
A consigna de greve geral
Molotov penetra com brio nos “imensos acontecimentos
revolucionários” e cinco minutos depois comenta, inesperadamente, que “no
entanto, estas mobilizações contra o capital e o reformismo que está a seu
serviço são isoladas e esporádicas”.
Dir-se-ia que, em distintos países e por diferentes razões,
se dão greves isoladas e esporádicas mas que, no geral, posto que surgem de uma
reativação conjuntural do mercado mundial, entretanto não são – em virtude
precisamente de seu caráter isolado e esporádico – “imensos acontecimentos
revolucionários”. Mas Molotov quer unificar as greves isoladas, o que é uma
tarefa louvável. Pelo momento é uma tarefa, não um fato consumado. Pode-se
unificar as greves isoladas – nos instrui Molotov – mediante greves políticas
de massas. Sim, dadas as condições necessárias, a classe operária há de se
unificar em greves revolucionárias de massas. Sempre segundo Molotov, a greve
de massas é “esse problema novo, fundamental e característico que constitui o
eixo das tarefas táticas dos partidos comunistas neste momento. E isso
significa – prossegue nosso estrategista – que nos aproximamos [desta vez
apenas ‘nos aproximamos’!] de novas e mais elevadas formas de luta de classes”.
E com o objetivo de que o Décimo Plenário ratifique claramente a religião do
“terceiro período”, Molotov agrega: “Não poderíamos ter levantado a consigna de
greve política de massas se não nos encontramos em uma etapa de ascenso”. Eis
aqui uma lógica sem igual! No começo os dois pés entravam em imensos
acontecimentos revolucionários. Logo apareceu que a única tarefa que devia
realizar a cabeça teórica era a greve geral; quer dizer, não a greve geral em
si, mas sua consigna. E a partir dali, pelo método inverso, chega-se à
conclusão de que “nos aproximamos de formas mais elevadas da luta de classes”.
Porque, vejam vocês, se não nos aproximamos, como faria Molotov para levantar a
consigna de greve geral? Toda esta elucubração só se apoia na palavra de honra
do lactante estrategista. E os poderosos representantes dos partidos escutaram
respeitosamente a palavra deste cretino prepotente e, por sua vez, responderam:
“Tens razão!”.
De qualquer forma, nos inteiramos de que todos os países,
desde a Inglaterra até a China – com França, Alemanha e Polônia à frente -, já
estão maduros para a consigna de greve geral. Por fim nos convencemos de que da
desgraçada lei do desenvolvimento desigual não sobram nem rastros. Poderíamos
aceitá-lo se só nos explicassem com que objetivos políticos levantam a consigna
de greve geral em todos os países. Pelo menos teriam que dizer que os operários
saem à greve geral por amor à greve geral. O anarcossindicalismo não
compreendeu, e rachou a cabeça. Às vezes a greve geral é uma manifestação de
protesto. Esse tipo de greve pode iniciar quando algum acontecimento claro, às
vezes inesperado, golpeia a imaginação dos trabalhadores e gera a necessidade
de uma resistência unânime. Mas uma manifestação grevista de protesto não é,
contudo, uma greve política revolucionária no verdadeiro sentido do termo: é só
um ensaio para a preparação da mesma. A greve política revolucionária
propriamente dita constitui, por assim dizer, o último ato da luta do
proletariado pelo poder. A greve geral, ao paralisar o estado capitalista em
suas funções, coloca a questão ‘quem manda na casa’? Esta questão só se resolve
mediante o emprego da força armada. Por isso uma greve revolucionária que não
conduz à insurreição armada culmina inevitavelmente na derrota do proletariado.
Se têm algum sentido as frases de Molotov sobre as greves políticas
revolucionárias e “formais mais elevadas de luta”, é o seguinte: em todo o
mundo e de forma simultânea ou quase simultânea, a situação revolucionária
alcançou tal grau de maturidade que os partidos comunistas do oriente, do
ocidente, do sul e do norte têm colocada a tarefa da greve geral, prólogo
imediato da insurreição armada.
Basta passar em revista à estratégia molotoviana do
“terceiro período” para que se revele por completo seu absurdo.
“Ganhar as ruas”
A outra tarefa que se coloca com a greve geral é a de
“ganhar as ruas”. Neste caso não se defende – pelo menos em palavras – os
direitos democráticos, pisoteados pela burguesia e a socialdemocracia, senão o
“direito” do proletariado a levantar suas barricadas. Esta é, precisamente, a interpretação
que se tem dado à consigna “ganhar as ruas” em numerosos artigos da imprensa
comunista oficial depois do plenário de julho. Não é tarefa nossa negar ao
proletariado o direito de “ganhar as ruas” através de barricadas. Mas é
necessário compreender o que isso significa. Sobretudo, há que compreender que
a classe operária não levanta barricadas por amor às barricadas, assim como não
sai à greve por amor à greve. Deve existir um objetivo político imediato, capaz
de fundir milhões de trabalhadores e dar apoio firme à vanguarda. Dessa forma
colocam o problema os revolucionários, não os oportunistas desenfreados.
À tarefa revolucionária de “ganhar as ruas” – à arte por
amor à arte – dedicam-se várias jornadas especiais. A última exibição deste
tipo foi, como todos sabem, a de 1º de agosto. Um mero mortal se perguntava
‘por que o 1º de agosto, cujo fracasso já havia sido anunciado pelo do 1º de
maio?(24)’ ‘Como por quê?’ – respondiam exaltados os estrategistas oficiais -.
Porque há que ganhar as ruas! Como devemos interpretá-lo, há que ganhar a
calçada ou o asfalto? Até esse momento, para nós, a tarefa do partido
revolucionário consistia em ganhar as massas, e a política capaz de mobilizar
as mais amplas massas e levá-las a implementar a maior atividades abria
inexoravelmente as ruas, por maior que fosse o empenho posto pela polícia em
cuidar delas e fechá-las. A luta por ganhar as ruas não pode ser colocada como
tarefa independente, separada da luta política das massas e subordinada ao
programa oficial elaborado por Molotov.
E, mais importante ainda, não se pode enganar a história. A
tarefa não consiste em parecer mais forte senão em chegar a sê-lo. E não se
conseguirá isso com fantoches grosseiros. Quando não existe um “terceiro
período”, é possível inventá-lo e aprovar dezenas de resoluções. Mas não se
pode fabricar o terceiro período nas ruas, de acordo com um calendário. Se os
comunistas seguem por este caminho, não encontrarão mais que derrotas, trágicas
em alguns casos, estúpidas e humilhantes na maioria deles.
“Nada de alianças com os reformistas”
O “terceiro período” dá lugar a outra conclusão tática
importante, que Molotov expressa assim: “Agora mais do que nunca, a tática de
alianças entre organizações revolucionárias e organizações reformistas é
inadmissível e daninha” (Pravda, nº177, 4 de agosto de 1929).
As alianças com os reformistas são mais inadmissíveis “do
que nunca”. Significa que antes também eram inadmissíveis? Sendo assim, como se
concilia isso com a política aplicada entre 1926 e 1928? E se as alianças com
os reformistas são inadmissíveis em geral, por que são agora particularmente
inadmissíveis? Porque – nos dizem – entramos numa etapa de ascenso
revolucionário. Mas não podemos deixar de recordar que o motivo do bloco
conformado com o Conselho Geral dos sindicatos ingleses foi justamente que na
Inglaterra havia se iniciado um ascenso revolucionário, e que a radicalização
da classe operária britânica empurrava os reformistas para a esquerda. Em
virtude de que a supersabedoria tática stalinista de ontem volta de cabeça
baixa? Em vão buscaríamos a solução deste enigma. Entretanto, o problema é
bastante simples. Os empíricos do centrismo queimaram as mãos com a experiência
do Comitê Anglo-Russo(25), e juraram severamente evitar tais escândalos no
futuro. Mas os juramentos são inúteis, porque nossos estrategistas seguem sem
aprender as lições do Comitê Anglo-Russo.
O erro consistiu em não providenciar um acordo
circunstancial com o Conselho Geral que, com efeito, durante esse período se
deslocou à “esquerda” sob pressão das massas. O primeiro erro foi constituir um
bloco não em base a objetivos concretos e práticos, acessíveis à classe
operária, senão a frases pacifistas gerais e fórmulas diplomáticas enganosas. O
erro principal, que se converteu em um gigantesco crime histórico, foi que
nossos estrategistas não puderam romper imediata e abertamente com o Conselho
Geral quando este voltou suas armas contra a greve geral, ou seja, quando o
aliado circunstancial e pouco digno de confiança se transformou em franco
inimigo.
A influência que a radicalização das massas exerce sobre os
reformistas é bastante parecida com a da revolução burguesa sobre os liberais.
Nas primeiras etapas da mobilização das massas, os reformistas vão à esquerda, esperando
assim poder reter a direção da mesma. Mas quando a mobilização ultrapassa os
marcos da reforma e exige dos dirigentes que rompam totalmente com a burguesia,
a maioria dos reformistas muda de cor. Os covardes companheiros de viagem das
massas se transformam em fura-greves, inimigos, traidores descarados. Ao mesmo
tempo, porém, alguns deles – e não necessariamente os melhores – passam para o
lado da revolução. A aliança com os reformistas, no momento que as
circunstâncias os obrigue a dar um passo ou meio passo adiante, pode ser
inevitável. Mas é necessário saber de antemão que os comunistas romperão
implacavelmente com os reformistas apenas se estes dão um salto para trás. Os
reformistas não são traidores porque sempre, e com cada um dos seus atos, cumpram
as ordens da burguesia. Se fosse assim não teriam influência no movimento
operário e, por conseguinte, a burguesia não precisaria deles.
Justamente a fim de contar com a autoridade necessária para
trair os operários no momento decisivo, os oportunistas se veem obrigados, no
período preparatório, a dirigir as lutas operárias, sobretudo nas primeiras
etapas da radicalização das massas. Daí a necessidade da tática de frente
única, que nos obriga, pela causa da maior unificação das massas, a arranjar alianças
circunstanciais com seus dirigentes reformistas.
Deve-se conhecer a função histórica dos socialdemocratas
para arrancá-los, passo a passo, de todos os seus postos de direção. A direção
atual mostra não possuir nem rastros desse conhecimento. Só sabe de dois
métodos: o brandlerista - de prender-se na cauda da socialdemocracia
(1926-1928) -, ou o de identificar a socialdemocracia com o fascismo,
substituindo a política revolucionária pelo insulto inútil. O resultado de seis
anos de ziguezagues é o fortalecimento da socialdemocracia e o debilitamento do
comunismo. As orientações mecânicas do Décimo Plenário só servem para piorar
uma situação que por si só já é ruim.
Só um ignorante sem remédio pode crer no poder milagroso do
“terceiro período”, capaz de levar o conjunto da classe operária a romper com a
socialdemocracia e lançar toda a burocracia reformista ao campo fascista. Não,
a marcha do processo será mais complexa e contraditória. A consequência
inevitável de uma crescente insatisfação com o governo socialdemocrata alemão e
com os trabalhistas ingleses, a transformação das greves parciais e isoladas em
movimentos de massas, etc., quando todos esses fatos se realizarem será – tenha
isso em mente Molotov e cia. – uma virada à esquerda de amplos setores
reformistas, assim como os processos internos da URSS obrigaram o bando
centrista, ao qual pertencia Molotov, a girar no mesmo sentido.
Os socialdemocratas e a Internacional de Amsterdã, com a
única exceção dos elementos mais direitistas (tipo Thomas, Hermann Müeller,
Renaudel, etc.), vão se ver obrigados pelas circunstâncias a porem-se à frente
do avanço das massas, para manter esse avanço dentro de limites muito estreitos
ou para atacar os operários desde a retaguarda quando se excedam esses limites.
Apesar de sabermos de antemão e doutrinarmos a vanguarda a respeito, o futuro
mostrará dezenas, centenas e milhares de casos em que os comunistas não poderão
se negar a fazer alianças circunstanciais com os reformistas, senão que
inclusive terão que assumir a iniciativa de sua organização, de maneira tal
que, sem permitir que a direção lhes escape das mãos, possam romper com os
reformistas caso estes se transformem, de aliados pouco firmes, em traidores
descarados. Será inevitável empregar esta política, sobretudo com a esquerda
socialdemocrata que, quando se produzir uma autêntica radicalização das massas,
vai se ver obrigada a enfrentar a direita até o ponto de romper com ela. Esta
perspectiva não contradiz de forma alguma o fato de que os dirigentes da
socialdemocracia de esquerda sejam os aliados mais perigosos e daninhos
colaboradores com a burguesia.
Quem pode se negar a se aliar com os reformistas, por
exemplo, nas greves que eles dirigem? Se neste momento se dão poucos casos,
deve-se a que o movimento grevista é muito débil e os reformistas podem
ignorá-lo ou sabotá-lo. Mas quando as massas participarem da luta, as alianças
serão inevitáveis para ambos os lados. Será igualmente impossível evitar a
aliança com os reformistas – não só com as massas socialdemocratasmas também
com seus dirigentes, ou melhor, com um setor da direção – na luta contra o
fascismo. É possível que esta perspectiva não tarde em se colocar, não só na
Áustria mas também na Alemanha. As diretivas do Décimo Plenário são fruto da
psicologia dos oportunistas mortos de medo.
Os Stalin, Molotov e demais ex-aliados de Chiang Kai-Shek,
Wang Tin-Wei, Purcell, Cook, Fimmen, La Follete e Radich não deixarão de clamar
em alto e bom som que a Oposição de Esquerda milita por um bloco com a Segunda
Internacional. Assim que a verdadeira radicalização das massas pegar os
burocratas de surpresa, os gritos não lhes impedirão de anunciar que começou um
quarto período, ou a segunda etapa do terceiro, e todos os Molotovs entrarão
com “os dois pés” na etapa dos experimentos oportunistas como o do Comitê
Anglo-Russo e o Kuomintang operário e camponês.
Não esqueçam seu próprio passado
Que todos os dirigentes do Partido Comunista Francês e os
dos demais partidos da Internacional recordem seu próprio passado. Todos eles,
menos os jovens, saíram das fileiras reformistas influenciados pelo giro à
esquerda dos trabalhadores. Isso não foi obstáculo para que os bolcheviques
fizessem acordos com os reformistas radicalizados, com condições muito
precisas: um desses acordos foi o de Zimmerwald. Como podem os social-patriotas
de ontem estar tão seguros de que as massas, no momento que se aproximarem das
“posições de avanço da insurreição revolucionária”, não produzirão uma nova
geração de Cachins, Monmousseaus, Thaelmanns, etc. (esperamos que a segunda
edição seja melhor que a primeira), e que não nos veremos obrigados novamente a
pegar estes cavalheiros pela orelha para arrastá-los a posições
revolucionárias, conformar com eles alianças circunstanciais, colocar-lhes,
numa etapa posterior, vinte e uma condições ou talvez quarenta e duas ou, pelo
contrário, jogá-los de cabeça no pântano do oportunismo assim que começarem a
retroceder?
Os teóricos oficiais equivocam-se totalmente quando dizem que o fortalecimento da ala direita comunista se deve ao fato de que a radicalização das massas assustou os reformistas “inconscientes”. Demonstram não compreender o que é a psicologia política! Ser oportunista supões possuir uma grande elasticidade e capacidade de adaptação. Se a pressão das massas se fizesse sentir, os Brandler , Jilek e Lovestone se deslocariam à esquerda, não à direita, e isso é certo sobretudo no caso de arrivistas já desgastados como Sellier, Carchery e os demais, aos quais o que mais lhes importa é não perder seus mandatos legislativos. É verdade que a capacidade de esquerdização dos oportunistas não é ilimitada. Ao chegar ao Rubicão – ao momento decisivo, à insurreição -, a maioria volta atrás, para a direita. Assim o demonstra, inclusive, a experiência de um partido tão provado como o Partido Bolchevique (Zinoviev, Kamenev, Rikov, Kalinin, Tomski, Lunacharski e outros). Depois da vitória, os oportunistas giraram novamente à “esquerda”, ou melhor, ao grupo que tinha o poder (Lozovski, Martinov, Kuusinen e outros mais, logo seguidos por heróis da laia de Pepper, Cachin e Frossard). Mas na França o momento decisivo ainda está longe. Os oportunistas franceses na atualidade não vão à esquerda, mas à direita, o que constitui uma prova certa de que a pressão revolucionária das massas não é sentida, que o partido se debilita e que os arrivistas municipais e de todo tipo esperam conservar seus assentos denunciando o comunismo(36). Quando esses péssimos elementos se vão, o partido ganha. Mas o triste é que a política errada, irresponsável, aventureiristas, auto-suficiente e covarde da direção oficial cria condições muito favoráveis para esses desertores e empurra para eles elementos proletários que deveriam integrar as fileiras comunistas.
Uma vez mais sobre o perigo da guerra
Como se a confusão criada fosse pouca, a situação revolucionária iminente aparece combinada com o perigo da guerra iminente. Ao fazer a defesa desta tese, Molotov surpreendeu a todos dirigindo suas baterias teóricas contra Varga, o conhecido teórico-cortesão, o Polaco shakespeariano, sempre disposto a bajular todo “príncipe”, seja de direita ou de esquerda, conforme sopra o vento. Contudo, desta vez não deu branco no Polaco. Seu conhecimento dos fatos e números divulgados pela imprensa mundial impediu-lhe de deslocar oportunamente o meridiano da Internacional Comunista ao lugar onde Molotov havia colocado seu pé esquerdo. Varga propôs a seguinte emenda política à resolução:
“A agudização das contradições imperialistas, que neste momento nenhum dos principais países imperialistas deseja resolver mediante a guerra, obriga-lhes tratar de arquivar temporariamente as contradições que provocam as indenizações.”
Poderia parecer que esta afirmação tão cautelosa é absolutamente irrefutável. Mas, posto que ela requeria algumas considerações adicionais, Molotov se exaltou. Como é possível crer – gritou – que nenhuma das principais potências imperialistas deseje na atualidade resolver as contradições imperialistas mediante uma guerra? “Todos sabem [!] – escutem, escutem! É Molotov quem lhes fala – que o perigo de uma nova guerra imperialista cresce dia após dia.” Apesar de que Varga “opina o contrário”. Não é monstruoso? Como se atreve Varga a “negar que, precisamente em virtude da implementação do Plano Young, a agudização das contradições seja um fato inevitável?”.
Tudo isso é tão absurdo, tão evidentemente estúpido, que nem dá lugar à ironia “todos sabem que o perigo de uma nova guerra imperialista cresce dia após dia”. Que poder de pensamento! Todos sabem? Infelizmente, só o sabe uma pequena porcentagem da humanidade que, assim como o exuberante líder da Internacional Comunista, desconhece como cresce na realidade o perigo de uma guerra. É tão absurdo dizer que cresce “dia após dia” como dizer que as massas se radicalizam dia após dia. Trata-se de um processo dialético, no qual a rivalidade imperialista se exacerba e se suaviza alternadamente. Talvez Molotov tenha ouvido dizer que nem sequer o desenvolvimento das forças produtivas, o mais fundamental dos processos capitalistas, se produz “dia após dia”, senão que atravessa períodos de crises e de auge, de retrocesso das forças produtivas e até de destruição total das mesmas (em tempos de guerra). A marcha dos processos políticos segue os mesmos ritmos, mas suas convulsões são ainda maiores.
Em 1923 o problema das indenizações provocou a ocupação do
Ruhr. Foi nada menos que um preparo militar em pequena escala. Mas só isso
bastou para gerar uma situação revolucionária na Alemanha. A Internacional
Comunista, dirigida por Zinoviev e Stalin, e o Partido Comunista Alemão, sob
comando de Brandler, arruinaram esta magnífica oportunidade. O ano de 1924, com
o Plano Dawes, foi testemunha do debilitamento da luta revolucionária na
Alemanha e da atenuação das contradições entre França e Alemanha. Assim se
criaram as premissas políticas para a estabilização econômica. Quando nós o
dissemos, ou melhor, quando predizemos este processo no final de 1923, Molotov
e os demais sabichões nos taxaram de liquidadores e se jogaram de cabeça numa
etapa de ascenso revolucionário.
Os anos de estabilização deram origem a novas contradições e agudizaram algumas das velhas. A revisão do Plano Dawes se mostrou uma necessidade imperiosa. Se a França ou Alemanha tivessem se negado a aceitar o Plano Young, a Europa seria testemunha de uma segunda ocupação do Ruhr, mas desta vez numa escala muito maior, com as consequências correspondentes. Porém isso não ocorreu. Todos os jogadores consideraram mais oportuno chegar a um acordo e, ao invés de uma segunda ocupação do Ruhr, hoje vemos uma limpeza do distrito do Ruhr. A ignorância se caracteriza por confundir as coisas, o conhecimento começa com a diferenciação. O marxismo jamais tolera a ignorância.
Mas, por acaso – exclama nosso estrategista -, “o resultado do Plano Young não será necessariamente uma agudização das contradições?” Será necessariamente! Mas... como resultado. É necessário compreender a sucessão dos acontecimentos e a dialética de suas alternativas. O fruto inevitável de todo auge conjuntural é uma recessão, às vezes uma crise. Porém isso não significa que uma conjuntura boa seja o mesmo que uma ruim e que a crise se aproxime “dia após dia”. “Como resultado” de ter vivido, o ser humano vai unir-se a seus antepassados, o que não significa que essa pessoa chega à morte sem ter conhecido a infância, o crescimento, a doença, a maturidade e a velhice. A ignorância se caracteriza por confundir as etapas de um processo. A maçã da sabedoria nos ensina a distingui-las. Mas Molotov jamais provou desse fruto.
O lamentável esquematismo dos dirigentes não é totalmente inofensivo; pelo contrário, afeta a revolução a cada passo. O conflito sino-soviético criou a necessidade urgente de mobilizar as massas contra o perigo da guerra e pela defesa da União Soviética. Não resta dúvida de que nessa situação, e ainda nas condições dadas, os partidos comunistas poderiam ter realizado esta tarefa com todo êxito. Para isso era necessário que a imprensa comunista se deixasse ouvir a tremenda voz dos próprios acontecimentos. Mas, quis a sorte que o conflito do Extremo Oriente surgisse justo quando se realizavam os preparativos para o 1º de agosto. Os agitadores e jornalistas oficiais insistiram de maneira tão furiosa e persistente sobre o perigo em geral e a guerra em geral, que o verdadeiro conflito internacional se perdeu de vista e quase não chegou à consciência das massas. Mesmo assim, na política da Internacional Comunista os peixinhos do esquematismo burocrático são tragados pela baleia da realidade viva.
Quanto à luta contra o perigo de guerra, é necessário rever a estratégia do “segundo período”: a importância de uma luta comum contra o perigo de guerra foi uma das principais justificativas do bloco com o Conselho Geral britânico. No plenário do Comitê Central de julho de 1927, Stalin jurou que o bloco com o Conselho Geral se justificava plenamente, em virtude de os sindicatos britânicos nos ajudarem a lutar contra o imperialismo britânico. Portanto, quem exigisse a ruptura do bloco com os fura-greves não estava de coração pela defesa da União Soviética. E assim foi que, em 1926-1927, além da guinada à esquerda dos operários britânicos, o outro grande argumento para conformar o bloco com os reformistas foi o perigo de guerra. Agora parece que tanto a radicalização das massas como a iminência do perigo de guerra justificam o repúdio a qualquer aliança com os reformistas. Tudo se coloca como que para semear a maior confusão possível entre os operários de vanguarda.
Não resta dúvida de que em caso de guerra, inclusive ante o perigo certo de guerra, os reformistas passarão com armas e bagagens para o lado da burguesia. Uma aliança com eles para lutar contra a guerra é tão inútil quanto um bloco para levar adiante a revolução proletária. Precisamente por isso, a justificativa stalinista do Comitê Anglo-Russo como arma para a luta contra o imperialismo foi uma enganação criminosa perpetrada contra os operários.
Mas a história não conhece somente guerras e revoluções, mas também os intervalos entre as mesmas, períodos nos quais a burguesia se prepara para a guerra e o proletariado para a revolução. Assim é o período que vivemos hoje. Devemos afastar as massas dos reformistas que, longe de entrar em decadência, se fortaleceram nos últimos anos. Porém este fortalecimento os faz depender mais que antes de sua base proletária. A tática da frente única é dirigida precisamente a esta dependência. Mas esta tática não deve ser colocada em prática segundo Zinoviev e Brandler, segundo Stalin e Bukhárin; temos que voltar a Lênin.
As três correntes do comunismo
A Oposição de Esquerda, que não assina o dogma do “terceiro período”, será acusada mais uma vez por franco-atiradores do tipo de Monmousseau de cair em desvios direitistas. Depois de tudo que aconteceu nos últimos seis anos, podemos analisar esta acusação com tranquilidade. Já no Terceiro Congresso da Internacional Comunista muitos dos cavalheiros que depois se passaram à socialdemocracia ou permaneceram temporariamente no brandlerismo nos acusaram, a nós e a Lênin, de desvios direitistas. Basta recordar que no Quinto Congresso Louis Sellier foi um dos grandes adversários do “trotskismo”.
Contudo, seguramente os direitistas tratarão de utilizar algumas de nossas críticas. É absolutamente inevitável. Nem todos os argumentos da direita são errados. Em muitas ocasiões os próprios saltos da burocracia dão fundamento às suas críticas. Dentro desse marco, frequentemente usam critérios marxistas para contrapor o oportunismo ao aventureirismo.
Deve se agregar que nas fileiras da oposição, que com toda justiça se autointitula Oposição de Esquerda, existiam há pouco tempo alguns elementos que se uniram a nós em 1924, não porque defendíamos uma posição revolucionária internacional, senão porque combatíamos o aventureirismo de Zinoviev. Muitos franceses, elementos oportunistas em potencial, se abrigaram sob a capa protetora da Oposição russa. Até pouco tempo atrás, muitos deles se vangloriavam de um acordo total (“sans reserves”) conosco. Porém quando se tratou de lutar pelas posições da Oposição abriu-se um abismo entre nós e esses militantes de salão. Eles negam a existência de uma situação revolucionária somente porque não desejam que a mesma se produza.
Muitas pessoas boas se incomodavam sinceramente que nos ocupávamos de introduzir uma barreira entre a Oposição de Esquerda e a de Direita. Diziam que nossa classificação das três correntes fundamentais do comunismo contemporâneo era arbitrária e inaplicável à França, porque ali não existia uma ala direita. Entretanto, os últimos meses, tanto na França quanto em outros países, confirmaram a correção deste “esquema” internacional. A Liga Sindicalista levantou com toda ostentação a bandeira da luta contra o comunismo, e assim encontrou aliados na segunda fila da oposição sindical. Ao mesmo tempo os reformistas romperam com o partido. Em sua luta contra o aventureirismo burocrático tratam de reter seus mandatos com o pretexto de criar um novo partido. Imediatamente, e em virtude de seu parentesco político, a oposição sindical de direita apareceu como vinculada ao novo “partido” parlamentar municipal. Assim tudo vai ocupando o lugar que lhe corresponde. E cremos que nisso La Verité cumpriu uma grande tarefa.
Entre dois pontos se traça uma linha reta. Para traçar uma
curva são necessários pelo menos três. Os caminhos da política são muito
complexos e curvilíneos. Para avaliar corretamente os distintos agrupamentos,
há que examiná-los em suas diversas etapas: em momentos de levante revolucionário
e em momentos de refluxo revolucionário. Se queremos traçar a órbita política
da Oposição de Esquerda Comunista devemos estabelecer uma série de pontos
críticos: os acontecimentos alemães de 1923, a estabilização de 1924, a
política de industrialização e a política para o kulak na URSS em 1923-1928, a
questão do Kuomintang e a do Comitê Anglo-Russo, a insurreição de Cantão, a
caracterização da teoria e a prática do “terceiro período”, etc. Cada uma
destas questões abarca toda uma série de tarefas práticas. Deste complexo de
ideias e consignas os saqueadores do aparato arrancam frases isoladas e com
elas constroem a teoria de uma aproximação entre a direita e a esquerda. Os
marxistas visualizam o problema em seu conjunto e mantém consequentemente sua
estratégia fundamental, apesar das mudanças circunstanciais. Este método não
traz resultados instantâneos, mas é o único que merece confiança. Que os
saqueadores saqueiem. Nós nos preparamos para o amanhã.