HÁ 53 ANOS DO GOLPE MILITAR: TIRAR AS LIÇÕES DA DERROTA
HISTÓRICA DE 1964 PARA RESISTIR À ESCALADA FASCISTA NOS DIAS ATUAIS SEM
PATROCINAR ILUSÕES NA DEMOCRACIA BURGUESA E NA FRENTE POPULAR
Neste 31 de Março completam-se 53 anos do golpe militar de
1964. A data foi escolhida pelos generais golpistas em conluio com a cúpula da
UDN e setores do próprio PSD para desencadear a ação militar que levaria à renúncia
do presidente João Goulart. O governo de João Goulart (Jango) foi o último de
uma geração de governos nacionalistas burgueses, surgidos com Getúlio Vargas e
parcialmente Juscelino Kubitschek que defendiam um desenvolvimento nacional
“autônomo” da burguesia brasileira. Para isto, tentaram melhorar as condições
de infraestrutura para o desenvolvimento da indústria de transformação, como a
expansão da siderurgia, das usinas hidrelétricas, a instalação da indústria da
construção naval, a expansão da indústria automobilística e a abertura de novas
rodovias, unindo regiões até então isoladas do país. Todavia, a
industrialização do país fortaleceu numérica e politicamente ao movimento
operário. O ascenso das massas e o amadurecimento das condições objetivas para
a revolução socialista sempre atemorizaram mais à tacanha burguesia nacional do
que submeter-se à condição de sócia minoritária dos negócios do grande capital
ianque, renunciando a seus sonhos nacional-desenvolvimentistas. Por isso,
historicamente, a burguesia brasileira se mostrou incapaz de romper com o
imperialismo e resolver plenamente as tarefas democráticas e de emancipação
nacional pendentes no país, como a reforma agrária, a ruptura com o atraso e a
dependência econômica frente ao imperialismo, o fim do analfabetismo e das
desigualdades regionais. As “Reformas de Base” eram apresentadas como uma
solução para a crise gerada pelo atraso nacional. Visando a ampliação do
mercado interno, medidas como a desapropriação dos latifúndios improdutivos e a
distribuição de terras às massas camponesas tinham como objetivo, além de
fomentar o crescimento do número de trabalhadores com poder de compra,
estendendo os direitos trabalhistas às massas assalariadas agrícolas, aumentar
a produção de gêneros alimentícios a baixo custo para ampliar o mercado
consumidor de produtos da indústria nacional. Para aumentar o poder aquisitivo
dos trabalhadores urbanos, além do salário mínimo, repouso remunerado, férias e
13º salário, o governo prometia uma nova política habitacional que estimularia
a redução dos custos dos aluguéis. O projeto das Reformas de Base buscava
também a ampliar o mercado externo por meio do incremento das relações
comerciais com os Estados operários, como China e a URSS. Para conter a sangria
de recursos financeiros nacionais, propunha a limitação às remessas de lucro
das empresas estrangeiras para o exterior. Mas, em si, as “Reformas de Base”
estavam longe de representar uma ameaça ao capitalismo. O ascenso do movimento
operário e popular, cujas mobilizações, impulsionadas pela luta em defesa das
reformas de base, vinham crescendo rapidamente desde o início da década de
1960, era o que realmente constituía o centro das preocupações da burguesia e
do imperialismo ianque. As grandiosas manifestações de massas em defesa das
reformas eram utilizadas por João Goulart muito mais para chantagear os setores
reacionários da burguesia e o imperialismo, exigindo que estes fizessem a opção
entre o projeto burguês nacionalista das reformas ou a revolução social e o comunismo.
A essa chantagem, os setores conservadores da burguesia nacional, com o apoio
da igreja católica e do imperialismo ianque, responderam com a reacionária
Marcha da Família com Deus pela Liberdade (que os neonazistas pretendem
reeditar agora) e com golpe contrarrevolucionário de 31 de Março, como
uma ação preventiva diante do crescimento do movimento das massas operárias e
camponesas, que se manifestava em inúmeras greves e embriões de duplo poder,
como as Ligas Camponesas no Nordeste.
Na verdade, as “reformas de base” nunca sairiam do “papel”, ou seja, do plano das intenções nacionalistas da impotente burguesia brasileira. Historicamente, estas reformas capitalistas constituem tarefas de uma revolução democrático-burguesa e, portanto, já não podem ser mais realizadas pela burguesia, que se tornou uma classe reacionária na atual etapa de hegemonia do capital financeiro. Na fase histórica do capitalismo monopolista em sua égide imperialista, essas tarefas só podem ser realizadas por um poder revolucionário, como parte da revolução proletária e da construção do socialismo. O governo Goulart e dos setores nacionalistas da burguesia eram politicamente incapazes de levar adiante o seu próprio projeto reformista, o que ficou confirmado quando o governo não organizou qualquer resistência contra os golpistas, ao contrário, demoveu toda a resistência militar ao golpe, deixando isolados todos que pretendiam organizar a luta armada. Por sua vez, os stalinistas do PCB, que tinham o controle de parte do movimento operário, não desejavam a revolução socialista e a Ditadura do Proletariado, “preferindo” fazer das reformas nacionalistas do governo Jango e da política de colaboração de classes, os fundamentos de seu programa, preparando assim o caminho para a derrota sangrenta do proletariado.
O governo Jango oscilava entre seguir os planos econômicos anti-inflacionários do FMI, que causavam recessão e desemprego e torpes medidas reformistas (extremamente radicais, se comparadas à política pró-imperialista dos governos Lula/Dilma). Ao mesmo tempo, Jango alimentava ilusões de que realizaria mudanças mais profundas no futuro, flertava com os Estados operários (China) e com o bloco dos países não-alinhados. Após o susto da Revolução Cubana, os EUA não queriam permitir que o principal país de seu pátio traseiro, o Brasil, corresse o risco de fugir do seu controle e fazer descarrilar toda a América Latina em meio à guerra fria com a URSS. Esta política “centrista” frustrou o movimento de massas e gerou desconfiança por parte do imperialismo e dos setores mais reacionários das classes dominantes. O golpe orientado pela Casa Branca buscava impor a hegemonia política, militar e econômica sobre o Brasil. O regime militar atacou importantes conquistas da luta dos trabalhadores: revogou a nacionalização das refinarias de petróleo, as desapropriações de terras, e anulou a estabilidade no emprego, substituindo-a pelo FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Fechou várias indústrias estratégicas, entre elas a FNM (Fábrica Nacional de Motores). No período de 1957/60 havia no Brasil cerca de 1,2 mil fabricantes brasileiros de autopeças, eles foram dizimados neste processo, e para vender suas mercadorias foram obrigados a associar-se às multinacionais. O mesmo aconteceu em outras áreas vitais, como o setor farmacêutico, que foi devorado pelos grandes laboratórios imperialistas. Até o magnata da mídia tupiniquim, Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados e da TV Tupi, foi desbancado e substituído por uma corporação associada ao grupo Time-Life, dando origem à Rede Globo.
A perda de fôlego do ciclo econômico proporcionado pelo nacionalismo, a quebra do pacto oligárquico, a impossibilidade da emulação estatal para a burguesia, a falência e ineficiência do movimento operário atrelado ao Estado, foram as causas do descontentamento dos grandes capitalistas no país. Ao mesmo tempo, no calor da vitoriosa Revolução Cubana, o imperialismo partiu à ofensiva na América Latina para evitar a expansão da mesma pelo continente. Na década de 60, sob o patrocínio da CIA foi aberto um ciclo de golpes e regimes gorilas na América Latina. Nesta conjuntura, o jovem proletariado brasileiro começa a dar seus primeiros passos contra a situação de penúria em que se encontrava devido à falência do projeto nacional-desenvolvimentista levado a cabo por João Goulart. Greves e manifestações pipocam por todo o país sem, entretanto, uma direção revolucionária, uma vez que os stalinistas do PCB – que controlavam os principais sindicatos e ligas camponesas – estavam completamente integrados à legalidade do regime político, extasiados com o democratismo burguês. Em decorrência da crise do nacionalismo, que advinha desde o governo JK, a burguesia associada ao capital financeiro internacional passa a exigir o fim do modelo econômico, enquanto o latifúndio via-se ameaçado pelas mobilizações populares. Desmoronava, assim, o castelo de cartas do pacto populista que vigia desde a época de Vargas. Uma greve em São Paulo (6/10/1963) que mobilizaria cerca de 700 mil trabalhadores deu o pontapé inicial para tantas outras que se estenderiam até mesmo após o golpe, fugindo ao controle dos pelegos. No dia 13 de março de 64, o Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, foi o pretexto dos militares para derrubar Jango poucos dias depois. O golpe veio para ceifar as lideranças do movimento operário e atuar como profilaxia à perspectiva de revolução social no país: intervenção nos sindicatos, proibição do direito de greve e implantação do terrorismo de Estado para reprimir, prender, torturar e assassinar dirigentes de esquerda. O imperialismo, para impor à força seu modelo colonial de economia e acumulação de capitais, exigia estabilidade do regime e, em consequência, a eliminação da vanguarda militante a qual viria a se recompor no final da década de 70 com as greves operárias do ABC.
O golpe militar não irrompeu na conjuntura para interromper simplesmente um “ciclo” democrático da história política do país. A mudança do regime político em 64 foi uma necessidade do “ciclo” da acumulação capitalista em um país que atravessava um ritmo acelerado de associação ao capital imperialista, particularmente ao norte-americano. O governo João Goulart, identificado com o velho “nacionalismo” getulista, estava claramente tensionado por uma vertente um pouco mais à esquerda do nacionalismo burguês latino-americano, onde ocupava um papel decisivo a figura do cunhado Leonel Brizola, que começava a estabelecer as primeiras relações com a social democracia europeia. Neste sentido, a fase de rápida industrialização, subordinada aos investimentos ianques no Brasil, entrava em flagrante contradição com um regime de corte “protecionista” de setores da burguesia nacional. Em um período de grande polarização mundial, onde a classe operária portava uma forte referência ideológica na antiga URSS, a alternativa da emergente burguesia industrial era a instauração de um regime político de “poucas liberdades” para o proletariado e que potenciasse o processo de acumulação capitalista que levou o país ao “milagre” do patamar de oitava economia mundial.
Semeiar falsas ilusões de que este regime democratizante, seja qual for a tonalidade de sua gerência política, possa fazer um resgate histórico dos combatentes socialistas que morreram lutando contra a dominação capitalista em nosso país é uma trágica armadilha que serve para embotar a consciência das novas gerações de lutadores, ou no pior dos casos, um “trambique” para amealhar algum trocado no balcão de negócios das indenizações pagas pelo Estado burguês às vítimas da ditadura. Por sinal, não só os velhos reformistas entraram de cabeça no “negócio” das indenizações, também os revisionistas do PSTU resolveram abrir sua própria “empresa” neste setor. Exigir que a classe capitalista e seu Estado “pague” pelas consequências dos atos espontâneos de heroísmo da causa socialista corresponde à pior maculação da memória revolucionária de nossos combatentes. Desgraçadamente, viúvas e herdeiros biológicos de nomes honrados como Mariguella e Lamarca vêm caindo nesta prática cretina que denigre a escolha abnegada de cada combatente socialista pela causa da revolução. A verdadeira punição aos torturadores e seus “patronos” capitalistas não poderá ser efetivada por nenhum governo “democrático” no marco de um Estado burguês, pelo simples fato de que a burguesia jamais se “autopunirá” de seus monstruosos crimes históricos. Somente a revolução socialista será capaz de “vingar” nossos heróis e combatentes mortos e torturados por um regime militar posto a serviço das grandes multinacionais imperialistas. A farsa desta “Comissão da Verdade” avalizada inclusive pelos “pilantroskos” do PSTU e PSOL em busca de algumas migalhas do Estado burguês deve ser denunciada vigorosamente por todos aqueles que ainda “ousam” levantar a bandeira da revolução socialista e desta forma homenagear aos heroicos combatentes que nunca se vergaram nem diante dos infames algozes como Fleury e seus comparsas, muitos dos quais ainda em plena atividade. A única “reparação” possível, para os Marxistas Revolucionários, é enterrar definitivamente da história da humanidade todo e qualquer regime que venha “cultuar” a exploração da classe operária por um punhado de parasitas, protegidos pelas armas de seu estado capitalista.
Sob o manto frio e escuro da democracia burguesa são escondidos os torturadores de ontem e de hoje. Em outras palavras, a perseguição, prisão, tortura e assassinato são por essência os instrumentos do Estado capitalista para impedir que a classe operária se insurja contra o establishment. Exatamente por isto, os órgãos de inteligência e repressão nunca receberam tantas verbas e incrementos quanto durante o governo do PT. Tudo isto só foi possível realizar mediante uma guerra civil preventiva contra as massas para submeter o país a um parasitismo imperialista jamais visto em nossa história. O principal objetivo do golpe foi dobrar a resistência dos trabalhadores para permitir uma reorientação da concentração das riquezas do país em favor do imperialismo ianque e de seus representantes aqui instalados. É importante destacar que os principais setores capitalistas beneficiados com a ditadura militar (banqueiros, latifúndio, burguesia exportadora, Rede Globo), os chamados "golpistas" de ontem e de hoje, acumularam lucros fabulosos durante as gestões governos do PT. Somente a construção de um partido revolucionário do proletariado, que para os marxistas do nosso tempo é a IV Internacional reconstruída, será capaz de impulsionar a evolução da consciência dos trabalhadores para vingar a opressão e a exploração sofridas pelas gerações de lutadores abatida e desorganizada pela ditadura militar.