Editorial do Jornal Luta Operária nº 226, 1ª Quinzena de Novembro/2011: Após a ocupação da Líbia pela OTAN acentua-se o recrudescimento da ofensiva imperialista mundial
Um importante debate se abriu, no seio da chamada esquerda revolucionária, após a derrota do regime Kadaffi pelas mãos dos bombardeios da OTAN e suas tropas em terra, conhecidas com a alcunha de “rebeldes”. Afinal, a queda de Kadaffi fazia parte do processo legítimo de mobilizações “democráticas” que se iniciaram na Tunísia e seguiram até o Egito ou desde sua gênese era um produto do intervencionismo ianque para controlar a transição política operada em toda a região árabe? Para dar cabo a esta questão vital para a classe operária, muito além de um simples debate “acadêmico” de posições abstratas, recorremos ao método da teoria marxista ,em toda a sua plenitude histórica e dialética. Quando um grande fato histórico, como uma guerra, revolução ou contrarrevolução, adentra no cenário de um período determinado da luta de classes, abre-se toda uma vaga política que determina as características intrínsecas deste momento, quais sejam a grosso modo: progressistas ou reacionárias. No caso da primeira variante rapidamente delineia-se no horizonte da humanidade uma etapa de ascenso revolucionário ou mesmo pré-revolucionário, já confirmada a segunda hipótese está colocada a antessala do fascismo e da latente contrarrevolução mundial. O marxismo como o maior instrumento de aferição da história, tem atravessado períodos de franca inclinação revolucionária, como o aberto com o início da derrota das tropas ianques na guerra de independência do Vietnã, da qual o Maio de 68 na França é um dos signos mais marcantes desta etapa. Mais recentemente, no final da década de setenta, a derrota militar das ditaduras sangrentas na Nicarágua e no Irã, dando passo ao surgimento de regimes nacionalistas como o da FSLN e dos aiatolás, colocou em xeque o conjunto dos regimes facínoras no cone sul, além de catapultar a velha social democracia na gestão dos principais estados europeus. No fluxo inverso, a destruição dos Estados operários do Leste europeu no início dos anos noventa, deu a largada a uma etapa de ofensiva frontal do imperialismo, culminando com a Primeira Guerra do Golfo e o recrudescimento da onda “neoliberal” que atacaria conquistas históricas do proletariado mundial.
Na possibilidade de nós, trotskistas da LBI, termos nos equivocado completamente acerca do caráter mercenário e pró-imperialista dos “rebeldes” do CNT e ainda por cima ter sido o regime Kadaffi uma “ditadura entreguista sangrenta”, sua derrocada abrupta (que mobilizou uma coalizão de alcance internacional) abriria todo um período de perspectivas revolucionárias para a luta de classes. Mas a realidade concreta, para além do prolixismo de uma “esquerda” revisionista desnorteada, aponta no sentido oposto, onde se inicia uma etapa de profunda ofensiva reacionária do capital financeiro sobre povos, governos e organizações políticas que não se enquadrem em suas “exigências” da nova conjuntura aberta.
Os elementos objetivos da dinâmica imperialista pós o trucidamento de Kadaffi e sua família ainda no calor da batalha campal, aceleraram em muito o “desejo de sangue” da máquina de guerra do capital. O primeiro alvo, nesta sequência fascistizante foi o dirigente das Farc, Afonso Cano, assassinado covardemente após um pesado bombardeio de caças F-16 “emprestados” à Colômbia pelos EUA sob o pretexto de combate ao “narcoterrorismo”. A mesma forma do ataque imperialista ocorrido na Líbia e Colômbia não é uma mera coincidência. A imensurável supremacia bélica, no setor aéreo, das Forças Armadas ianques, a isenta do combate direto entre tropas e exércitos inimigos. No Iraque em 2003 bastaram 19 dias de bombardeios consecutivos para as tropas ianques entrarem em uma Bagdá arrasada, sem opor nenhuma resistência. A Líbia resistiu a mais de 1500 dias de bombardeios de uma coalizão ainda mais ampla do que a de 2003 no Iraque, com um potencial de fogo pelo menos 20 vezes superior. Na Colômbia desde o assassinato do comandante Mono Jojoy em setembro de 2010, as Farc estão sob uma chuva de bombas e mísseis letais disparadas desde o mar do Caribe.
Mas o recrudescimento da ofensiva do imperialismo não permeia somente o campo bélico-militar, também reforça suas posições na arena da luta política mais tradicional. Na Grécia, logo após uma tentativa de um tímido ato populista, através da convocação de um plebiscito para a consulta das condições impostas pela “troika” ao país, o primeiro ministro Papandreu foi “demitido” pelo “deus” mercado, que conjuntamente com a extrema-direita nomeou um novo primeiro ministro, tecnocrata de carreira. Na Itália seguiram a mesma trilha e despacharam o “bunga-bunga” Berlusconi, apesar da identidade fascistizante. A etapa da crise capitalista se delineia tão “pesada” que nem mesmo os velhos “camaradas”, como Berlusconi, estão sendo poupados pelos “senhores da guerra”. A Espanha vive às vésperas do retorno do franquismo, desta vez pela via “legítima” das eleições. Nem mesmo o país que deu origem ao movimento dos “Indignados” consegue respirar alguma brisa de “progressismo” e liberdades democráticas. Na Inglaterra e nos EUA, os movimentos sociais vêm recebendo tratamento de guerra civil por parte da “democracia” dos dois bandos, enquanto Cameron e Obama parecem caminhar tranquilos para um segundo mandato.
Se realmente o fim “trágico” de um regime nacionalista burguês como o de Kadaffi ou mesmo em um eventual colapso prematuro de Chávez, estimulado pela CIA, poderia significar um “alento à luta dos povos” como sustentou a “grande família” do revisionismo, deveríamos pelo menos estar vivenciando uma retomada do ascenso das massas no Egito e Tunísia. Não é isto que ocorre. No país do ex-ditador Ben Ali, as massas foram anestesiadas pela “trampa” de uma Constituinte limitada que sequer terá autonomia para deliberar sobre o poder institucional das Forças Armadas. Na terra milenar dos faraós, os generais egípcios preparam a transição para a gerência do novo títere dos EUA, os ex-chefe da IEA da ONU, ElBaradei. O grande “alento” dado pela covarde morte do “sanguinário” Kadaffi parece mesmo que foi dado para os genocidas do gendarme de Israel, que já fizeram soar os tambores de guerra para atacar outro regime nacionalista burguês da região, neste caso o Irã. Com o sinal verde dado pela Casa Branca os cretinos sionistas alegam que o regime dos aiatolás manipula a preparação de uma bomba atômica, no caso uma “grave” violação ao monopólio das armas nucleares israelenses. Esta “ousadia” militar dos verdadeiros terroristas de Torah na mão, na escalada das provocações patrocinadas contra a Síria, só está sendo possível pelo “sucesso” momentâneo das operações da OTAN em solo líbio, que estimularam as forças imperialistas e seus “sócios” a uma aventura sem precedentes sobre o Irã.
Para aqueles que pensam que o “bafo” do curso belicoso do imperialismo passa bem longe das terras tupiniquins, a operação de guerra montada contra os estudantes da USP e moradores da Rocinha vem provar o contrário. Nem mesmo sob o regime militar a Universidade de São Paulo presenciou momentos mais truculentos. A ofensiva de “Cabralzinho” na Rocinha não está dirigida contra nenhum grande traficante, todos eles negociaram suas “férias” em Bangu, como o “temido Nem”. A vítima real da operação de invasão, protagonizada pela assassina PM carioca é justamente a população trabalhadora que reside no cobiçado espaço da Zona Sul da capital fluminense, na mira da desocupação para loteamentos da Copa do Mundo e olimpíadas.
Ironia à parte para os que saudaram o advento da “revolução” na Líbia, foi a descoberta pelos estudantes no prédio ocupado da Reitoria da USP, de correspondências entre o interventor Rodas e os setores não “radicais” do movimento estudantil, no caso específico o PSOL e seu parceiro de “oposição de esquerda”, o PSTU. Nestas “correspondências” fica comprovada a colaboração destes setores com o fascista de plantão, empossado no cargo de Reitor. Não foi a primeira vez que os revisionistas são flagrados “colaborando” com a reação, é só verificar os casos da Venezuela e mais recente na própria Líbia onde se prestaram a dar a cobertura de “esquerda” aos rebeldes monarquistas do CNT.
A classe operária mundial aprendeu há muito tempo, pagando com seu próprio sangue, a discernir entre uma vitória política e uma derrota histórica sob os golpes do inimigo imperial. A entrada dos “rebeldes” em Sirte, apoiados pelos modernos caças da OTAN, figurará entre os fatos contrarrevolucionários da história do proletariado, ao lado do incêndio do Reichstag em fevereiro de 33 na Alemanha pré-nazista e da marcha “yeltsinista” sobre o Palácio do Kremlin em agosto de 91. Somente pequeno-burgueses corrompidos ideologicamente e deslocados da luta de classes, podem se “confundir” diante de acontecimentos tão trágicos para o rumo da luta socialista e revolucionária. É necessário preparar e concentrar nossas forças para tempos sombrios de reação em toda a linha, onde apenas a ação direta e consciente (programática) da classe operária será capaz de derrotar a poderosa ofensiva imperialista.