30 anos do MST: Do
ascenso das ocupações de terra pela reforma agrária a um obstáculo na luta pela
revolução agrária no Brasil
Iniciou-se na
segunda-feira, 10 de fevereiro, o 6º Congresso Nacional do MST, celebrando seus
30 anos de fundação. Tendo como lema “Lutar, construir Reforma Agrária
Popular”, 15 mil militantes e ativistas participam de sua maior instância de
decisão. Segundo a direção do MST, o principal objetivo do Congresso Nacional
do MST é “discutir e fazer um balanço crítico da atual situação do movimento,
traçar novas formas de luta pela terra, pela reforma agrária e por
transformações sociais, além de comemorar seus 30 anos de existência. Também
será um momento de reafirmar um novo programa da Reforma Agrária para o país: a
Reforma Agrária Popular”. No dia 13/02 acontece um ato político com a
participação de movimentos sociais, intelectuais e de representantes do PT,
PCdoB e PSB-Rede como os governadores do Rio Grande do Sul, Tarso Genro e do
Amapá, Camilo Capiberibe, além do presidente nacional do PT, Rui Falcão, que
buscam o apoio do MST para as candidaturas de ambos partidos. João Pedro
Stédile inclusive já declarou publicamente que o MST tem simpatia por Dilma e
Campos que representariam um mesmo “projeto popular” contra a candidatura
tucana de Aécio Neves. Só esta declaração em apoio a presidenciáveis sem
qualquer compromisso com a reforma agrária e a completa paralisia do MST
durante os governos Lula/Dilma já são um bom debate a ser tratado no seio do
Movimento. Para além destas questões, faz-se necessário fazer realmente um
balanço militante e crítico do MST, refirmando que desde já nos colocamos
publicamente contra qualquer ataque do aparato repressivo do Estado burguês e
seus governos, sejam de “esquerda” ou de “direita” aos militantes do MST que
lutam contra o latifúndio.
O MST surge impulsionado pela luta contra a conservadora modernização capitalista que dominou a agricultura brasileira nas décadas de 60 e 70 e aguçou os conflitos agrários, mantendo a arcaica estrutura do grande latifúndio e explorando ainda mais o trabalhador rural, principalmente nos estados de São Paulo e no Sul do país, onde nasceu o embrião do movimento. Sua origem está diretamente vinculada à ascensão de um sindicalismo combativo em contraposição ao velho peleguismo, ao avanço da influência da igreja no movimento dos trabalhadores rurais, devido o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), além da própria fundação do PT em 1980. Apesar da radicalização de algumas ações do MST, a sua direção defende um programa essencialmente nacional-desenvolvimentista, cuja concepção reformista está muito clara no editorial da revista Sem Terra que apresenta a reforma agrária como uma causa “de todos os brasileiros e brasileiras”, e defende “construir uma nação livre, rica e justa. Uma nação de cidadãos, sem excluídos”, contrapondo a necessidade de “um projeto nacional efetivamente novo oposto ao modelo econômico adotado pelo capital internacional e aplicado no Brasil. São as ações práticas do MST que revelam sua perspectiva reformista. A defesa de ocupações somente em terras improdutivas, respeitando os limites impostos à reforma agrária pela Constituição brasileira, prova que efetivamente a direção do MST nega-se a promover uma ruptura com a institucionalidade burguesa, mantendo ilusões no apodrecido regime capitalista, buscando apenas retocá-lo.
O “Novo programa da
Reforma Agrária para o país” na verdade não tem nada de novo, ele expressa a
própria orientação de adaptação do MST as políticas compensatórias do governo
do frente popular. Segundo o site do MST, reportando-se a 30 anos atrás, “Naquela época, a prioridade era organizar,
na luta pela reforma agrária e pelo fim do latifúndio improdutivo, a grande
massa de trabalhadores pobres, recém-expulsa do campo pelas políticas ditas
modernizadoras da ditadura. Hoje, é requalificar a luta histórica pela terra em
um país no qual a combinação da mais oferta de emprego na cidade e políticas
sociais se sobrepôs à reforma agrária como opção política para combater a
pobreza, condenando esta última à invisibilidade... A questão luta pela terra
hoje está fora da pauta da sociedade e do governo. Está cooptada por muitos
intelectuais que acham que a reforma agrária e a luta pela terra não existe
mais. Portanto, a luta pela terra está despolitizada. Ela tem acontecido, seja
a luta dos indígenas, dos quilombolas, dos pescadores, a nossa luta. Mas está escondida,
abafada”, afirma Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST. O
dirigente reconhece que o volume de ocupações diminuiu, mas atribui o fenômeno
menos a desarticulação do movimento do que as pressões da conjuntura. “As
famílias vão ficar esperando mais 10 anos para serem assentadas ou vão buscar
trabalho nas obras do PAC. O “novo
programa do MST” apresentado pela sua direção controlar o capital especulativo,
barrar as privatizações das empresas estatais estratégicas, eliminar os
incentivos fiscais às grandes empresas e confiscar o ganho dos especuladores
para, com esses recursos, “implementar um programa de investimentos, no apoio à
pequena e média empresa, na construção de casas populares, na reforma agrária,
no apoio à produção agrícola familiar, na garantia de escolas e atendimento de
saúde para gerar empregos e criar um mercado interno de massas”. Todas essas
medidas são justas, mas extremamente limitadas, e acabam por patrocinar a
ilusão de que é possível um país atrasado e subordinado à opressão
imperialista, como o Brasil, construir uma alternativa à recolonização nos
marcos de um capitalismo nacional, soberano, fortalecido com “um mercado
interno de massas”. Essa é uma utopia reacionária que já levou os trabalhadores
a inúmeras derrotas na América Latina!
Desde a LBI
compreendemos ser preciso apoiar vigorosamente as mobilizações e lutas dos
sem-terra e do MST, mas para que sejamos realmente vitoriosos, para que
conquistemos um país livre do jugo imperialista, onde os interesses do proletariado
e do campesinato pobre se transformem em poder político, onde as massas tenham
emprego e plenas condições de vida é necessário não “mudar o modelo econômico”
de neoliberal para nacional-desenvolvimentista como prega a direção do MST —
duas variantes políticas do mesmo capitalismo decadente — mas expropriar a
burguesia e seus aliados, através do levante revolucionário das massas da
cidade e do campo, construindo um Estado operário, um passo na luta pelo
socialismo. Para “mudar os rumos da economia” é preciso construir a oposição
operário-camponesa ao governo Dilma e forjar as condições para construir um
governo operário e camponês, onde o Estado expresse, através da democracia
operária, os interesses dos trabalhadores. Para defender as mínimas reivindicações
operárias e camponesas, atender os interesses mais elementares das massas, é
preciso enfrentar a burguesia, os grandes grupos econômicos, as FFAA e o
imperialismo com um programa de ruptura com o capital, pois os interesses das
classes na sociedade capitalista são antagônicos e irreconciliáveis. Um real
programa operário e camponês deve defender, para tirar as massas da miséria: a
reforma agrária com o confisco do latifúndio produtivo para dar terra aos
camponeses pobres; todo apoio às ocupações, a nacionalização da terra; garantir
terra aos sem-terra e posseiros bem como a propriedade dos pequenos produtores;
a ruptura com o FMI e o desconhecimento de todos os títulos dos agiotas
financeiros, com a expropriação das fábricas, terras e bancos sob o controle
operário. Esse programa somente poderá ser aplicado rompendo com a democracia
capitalista e suas instituições (parlamento, justiça), levando a cabo essas
medidas através de organismos de poder e organização dos trabalhadores da
cidade e do campo, em uma autêntica democracia de conselhos de operários e
camponeses. No debate do seu VI congresso é urgente superar o atual programa da
direção do MST e levantar uma orientação classista e revolucionária para os
milhões de sem-terra e camponeses pobres que esperam um passo concreto e de
luta em defesa de suas condições de via. Nesse sentido, a reivindicação
histórica de reforma agrária defendida para garantir terra aos sem-terra é uma
reivindicação justa, porque consagra o acesso à propriedade aos trabalhadores,
historicamente excluídos pela burguesia e pelo latifúndio de terem um pedaço de
terra para manter suas famílias e garantir suas mais elementares condições de
vida. Apesar da classe operária se colocar pela abolição completa da
propriedade privada, ela apóia integralmente a reivindicação dos camponeses
pobres por terra contra a classe capitalista latifundiária, que também é sua
inimiga histórica, estimulando a sua associação em cooperativas ou a
incorporação em fazendas coletivas estatais. Dar terra aos camponeses é uma
tarefa democrática incapaz de ser realizada pelo capitalismo decadente e, como
essa medida altera as relações sociais no campo, os enfrentamentos entre os
sem-terra e o latifúndio assumem características revolucionárias em um país
atrasado como o Brasil.
Em essência, a luta pela
reforma agrária radical é um choque entre a estrutura latifundiária e
reacionária existente no país e a defesa da pequena e média propriedade
camponesa, um embate que enfraquece o Estado semicolonial, que assenta sua
dominação em uma aliança entre a oligarquia agrária e a burguesia industrial. O
MST reivindica a reforma agrária apenas em terras improdutivas e acaba
bloqueando a luta dos sem-terra em terras devolutas e muitas vezes sem solo
agricultável. A política do MST gera até mesmo o comércio rentável das
desapropriações, levando os latifundiários a receberem um valor muito superior
por suas terras, pago pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária), a título de indenização, em função das ocupações coordenadas pelo MST
em suas propriedades devolutas. Até mesmo terras em processo de desertificação
recebem altíssimas indenizações do INCRA. Essa política busca estabelecer um
acordo com os governos de plantão para impor uma reforma agrária sem abalar a
estrutura fundiária. Ao contrário dessa política de colaboração de classes, a
resposta proletária à questão da terra é a expropriação geral e revolucionária
dos latifundiários sem indenização, através de milícias camponesas, pelo fim do
monopólio privado da terra e a sua nacionalização, garantindo terra aos
sem-terra e posseiros, bem como a propriedade dos pequenos proprietários
rurais, assegurando-lhes assistência técnica, crédito subsidiado ou negativo e
a comercialização da produção. O capitalismo, ao se desenvolver na agricultura,
pouco a pouco vai passando para as mãos da burguesia financeira, dos bancos,
dos industriais, dos grandes comerciantes e da burguesia agrária, as terras que
antes eram pertencentes tanto aos latifundiários como aos camponeses pobres,
apesar da maior parte do território nacional ainda estar nas mãos do
latifúndio. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, enquanto
levou novas máquinas e técnicas para o campo, também colocou em relevo um novo
proletariado agrícola que vive em condições subumanas, sendo superexplorado por
seus patrões, como no corte da cana para as grandes usinas de cana-de-açúcar,
responsáveis pela fabricação do álcool. As mais produtivas propriedades rurais
brasileiras estão hoje nas mãos de grandes monopólios industriais e
financeiros. Apenas 46 grandes grupos econômicos controlam sozinhos 20 milhões
de hectares. Quase toda a produção agrícola é dominada por grandes empresas
agroindustriais pertencentes em maior parte aos grandes monopólios nacionais e
estrangeiros. 80% dos alimentos consumidos no Brasil, com exceção das verduras
e legumes, passaram por algum processo agroindustrial. Se geograficamente a
agroindústria representa pouco no que diz respeito à ocupação do solo, do ponto
de vista da produção e do PIB é o setor que alavanca a economia agrária
nacional. Os grandes monopólios e bancos controlam a produção agrária. Por
exemplo, a produção de tomates é controlada por 4 grandes monopólios: Arisco,
Gessy Lever, Círuis. O Grupo Votorantim é o maior produtor brasileiro de
laranjas e a Nestlê controlam o rebanho, da produção até a comercialização da
pecuária leiteira no Brasil. Nestes casos, onde há o desenvolvimento
capitalista da agricultura no campo, a tarefa revolucionária dos camponeses pobres
e do proletariado rural é expropriar as grandes empresas agroindustriais, sem
indenização, convertendo-as em propriedade coletiva sob a direção dos
trabalhadores e não repartindo as terras em pequenas propriedades, o que
acabaria com sua alta produtividade. Em síntese, é preciso levar a cabo a
revolução agrária, como parte da luta pela revolução socialista.
A enorme mecanização que
vem ocorrendo no campo, o emprego e o uso crescente do trabalho assalariado, o
domínio sobre a quase totalidade da produção agrícola e da pecuária de grandes
monopólios financeiros, industriais e bancários, a posse de terra nas mãos da
burguesia não deixam dúvidas sobre o predomínio do capitalismo na agricultura
brasileira e, conseqüentemente, de que a principal contradição no campo hoje é
entre uma burguesia dona dos meios de produção e, de outro lado, o proletariado
rural e os camponeses pobres. A luta pela terra em um país atrasado, com um
desenvolvimento desigual e combinado, onde convivem, lado a lado, a mais recente
tecnologia de ponta na produção agrária desenvolvida por grandes empresas
capitalistas com a agricultura de subsistência, justificam plenamente essas
duas consígnias — reforma agrária e revolução agrária — tarefas que se
completam. Como dizia Trotsky: "Os problemas centrais desses países
coloniais e semicoloniais são: a revolução agrária, isto é, a liquidação da
herança feudal, e a independência nacional, isto é, a derrubada do jugo
imperialista. Estas duas tarefas estão estreitamente ligadas uma à outra" (Trotsky,
Programa de Transição). Expropriar a burguesia agroindustrial e os
latifundiários é tarefa colocada para o proletariado rural e os lutadores
classistas sem-terra, que devem ter a certeza que só a sua ação direta guiada
por um programa e um partido revolucionário, efetivando a aliança operária e
camponesa, pode derrotar o poder capitalista no campo e na cidade!