sexta-feira, 27 de novembro de 2015

CARTA ABERTA AO COMPANHEIRO VALTER POMAR (AE):
DENUNCIAR RUPTURA DE UMA GARANTIA CONSTITUCIONAL NA ONDA DA "DITADURA JURÍDICO POLICIAL" NÃO É O MESMO QUE "CHANCELAR" A CONDUTA CRIMINOSA DE DELCÍDIO *


Em um regime democrático, onde impera o chamado "Estado de Direito" até mesmo os criminosos confessos tem o direito de se valer das garantias constitucionais vigentes para se defenderem na forma ampla da lei que deve subordinar todos os processos policiais e penais que por ventura venha a ser réu qualquer cidadão. Posto esta questão que precede ao próprio entendimento jurídico da figura da imunidade parlamentar, queremos nos dirigir ao companheiro Valter Pomar (dirigente da tendência petista "Articulação de Esquerda") para afirmar que é completamente equivocado, além de muito perigoso para as parcas liberdades democráticas existentes no país, "confundir" juízo de valor sobre a conduta do senador Delcídio Amaral com legitimidade jurídica do "modus operandi" da prisão do líder do governo no Senado Federal. Este é o primeiro grave erro no texto que Valter apresentará para aprovação da direção nacional de sua tendência no próximo dia 28/11. No referido documento Pomar critica a postura da bancada petista no Senado ao votar contra a validação da prisão de Delcídio decretada por uma Turma do STF. Para o dirigente da "Articulação de Esquerda" (AE) o fato de haver uma "prova" gravada (sem a devida autorização legal e sequer periciada até o momento da prisão) evidenciando a conduta criminosa de Delcídio seria um motivo justo para que o parlamentar fosse "enquadrado" como um caso de "flagrante delito" e quebrado sua imunidade constitucional pelo STF. Lembremos que Delcídio não foi convocado imediatamente pelo ministro Teori Zavascki do STF para exercer seu direito de defesa, mas sim primeiramente encarcerado pela PF que adentrou no Senado sem autorização da presidência da Casa. Posteriormente o senador prestou depoimento a Polícia Federal, uma autarquia do Ministério da Justiça (Poder Executivo) e não do Supremo Tribunal Federal, ao qual unicamente Delcídio poderia ser submetido como parlamentar no exercício de seu mandato. Mas Valter ao se "escandalizar" com a gravação e exigir a expulsão política de Delcídio das fileiras do PT "embrulha  no mesmo pacote" o acerto de sua sumária prisão e ainda por cima se solidariza com a deliberação majoritária do Senado ao chancelar a ação do STF, vejamos em suas próprias palavras: "Por tudo isto, a bancada do PT no Senado deveria ter votado a favor de chancelar a prisão preventiva determinada pelo STF. E com muito mais motivos -- pois neste caso não está em jogo uma interpretação da Constituição, mas sim o estatuto e o código de ética do Partido --, a Comissão Executiva Nacional do PT deve abrir imediatamente um processo disciplinar contra o senador, reafirmando o caráter pessoal e anti-partidário de suas ações e sinalizando explicitamente a disposição de expulsá-lo do Partido", para arrematar sua tese da seguinte forma: "Isto posto e por isto mesmo, somos de opinião que a maioria da bancada do PT no Senado Federal errou." ("O PT deveria expulsar Delcídio Amaral?", texto do blog de Valter Pomar, 26/11/15). De cara podemos constatar que Valter utiliza como método a mixagem de questões absolutamente distintas, como o código de ética do PT e a Constituição da República ou mesmo a abertura de um processo disciplinar pela comissão executiva do partido com um mandado de prisão ao arrepio da lei vigente em nosso país. São etapas totalmente distintas sobre os fatos que cercam Delcídio que Valter trata propositalmente de (con)fundir no mesmo momento, é claro ao gosto da "opinião pública". Porém o "curioso" é que enquanto defende a abertura de um processo de expulsão do senador corrupto pelo PT, que poderá levar meses seguindo o trâmite regimental do partido, clama pela execução sumária de sua detenção sem antes sequer ter apresentado qualquer defesa. Vamos direto ao fulcro da primeira questão: é ou não constitucional a prisão de um senador em pleno gozo de sua imunidade parlamentar. Depois analisaremos os desdobramentos políticos da pratica de Delcídio, que já adiantamos não é um caso isolado no interior do PT. Esclarecemos aos leitores que um Senador da República não tem imunidade absoluta, porém segundo a nossa constituição existem tipificações e ritos processuais que devem ser seguidos, inclusive sobretudo pelo STF "maior guardião da carta magna". A Constituição da República é muito clara: “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.” (art. 53, § 2º, da Constituição Federal). Aprende-se nos primeiros anos da Faculdade de Direito, por mais medíocre que seja o Professor de Processo Penal, serem eles o racismo (não a injúria racial), a tortura, o tráfico ilícito de drogas, o terrorismo, os definidos como crimes hediondos, o genocídio e os praticados por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, nos termos do art. 5º., XLII e XLIII da Constituição da República. Quais destes crimes o Senador da República praticou? A não ser que admitamos que o PT é uma organização criminosa e terrorista, como apregoa o reacionário Aécio Neves e C&A, a sumária prisão preventiva de Delcídio carece de bases legais, foi tomada por vindita da segunda Turma do STF que qualificou as asneiras gravadas (próprias mais de um imbecil do que de um astuto larápio) como a tipificação de um crime inafiançável. Registre-se que corrupção pública (recebimento de comissões em cada transação comercial do Estado) crime fartamente praticado por Delcídio e tantos outros, não se enquadra neste caso. A célere "punição exemplar" proferida pelos ministros do STF assemelha-se mais a um julgamento político do que "técnico", e isto ficou absolutamente cristalino na voz da togada Carmen Lúcia, um libelo de ódio contra a esquerda. A utilização pelo STF do método neoliberal do "common law" (empregada como regra nos EUA e Inglaterra), no qual a jurisprudência se sobrepõe a constituição operando sob a pressão da mídia corporativa é um elemento gravíssimo desta conjuntura que estamos vivendo. A hegemonia das iniciativas jurídico-policiais no cenário nacional, sempre com o timbre do antipetismo não deveriam servir de bússola para as posições do companheiro Valter Pomar. Se esta onda reacionária arrebentou na cabeça do execrado Delcídio, o senador mais tucano do PT e por isso mesmo líder do governo Dilma, amanhã poderá estourar nas costas de qualquer parlamentar petista, com o forjamento de gravações adulteradas sem autorização judicial. Na raiz desta última deliberação do STF, seguindo a orientação reacionária geral da "Lava Jato" está o processo penal do chamado "Mensalão", gênese das perseguições policiais contra as lideranças históricas do PT, as quais apesar de defendê-las jamais a isentamos de suas condutas degeneradas programaticamente. Entretanto é necessário diferenciar um julgamento de valores políticos decompostos que cabe a esquerda realizar em um ambiente próprio, da sanha midiática direitista a qual parece ter se subordinado nossas Cortes de justiça. Desgraçadamente somos forçados a declarar que Delcídio não é um "exemplar" único no PT e tampouco no arco da Frente Popular, talvez seu caso seja o mais pitoresco pela estupidez que foi revelado publicamente em "rede nacional". Se Valter Pomar quer agir com absoluto "rigor ético" deve exigir não só a expulsão do "pateta" Delcídio do PT, mas de todos os dirigentes partidários que receberam "generosas comissões" oriundas de empresas capitalistas que vendem seus produtos e serviços ao Estado burguês sob a gerência da Frente Popular, temo que não sobre ninguém.... Para se romper com esta lógica da acumulação patrimonialista, presente em todos os partidos da ordem burguesa, não basta "depurações de caráter moral", se faz necessário revolucionar o modo de produção capitalista e reconstruir o Estado sob novas bases socialistas.

A corrente petista (interna) que Valter Pomar dirige, "Articulação de Esquerda", vem atacando duramente outras tendências que recentemente abandonaram o Partido dos Trabalhadores em plena crise do chamado "Petrolão". Para Pomar grupos como a "Esquerda Marxista" prestaram um grande tributo a burguesia ao romperem com o PT, que segundo o dirigente da "AE" foram cisões produto direto da pressão midiática ultraconservadora. Esta mesma pressão "murdochiana" parece que pesou agora na cabeça do próprio Pomar, com a divulgação da primeira gravação em áudio contra o PT depois do "show do Mensalão" em 2006. Pois muito bem defender como uma "prova legítima" para justificar uma prisão uma gravação (não autorizada) realizada não para a defesa de um cidadão, mas como uma arapuca para a acusação, viola não só o que está inscrito em nossa Constituição assim como beira de similaridade os processos nazistas contra a esquerda comunista na Alemanha de Hitler. Defender decisões judiciais arbitrárias baseadas no "clamor político popular", como fez Pomar é uma atitude bem pior do que sair honradamente do PT delimitando nitidamente com sua trajetória de degeneração programática, como estão fazendo centenas de militantes de base do partido. Ao contrário da "tese" da AE a burguesia nacional não pretende destruir o PT (a política de colaboração de classe é muito útil em tempos de crise do capital), e sim desmoralizá-lo, "vergando" seus dirigentes diante das manobras mais sórdidas do imperialismo contra os interesses nacionais. A operação "Lava Jato" é um destes objetivos das classes dominantes, contando com o apoio do governo petista e também das tendências majoritárias do partido, infelizmente descobrimos neste episódio que a Articulação de Esquerda se soma a este bloco.

O texto de Pomar chama atenção para o fato de que sua tendência se opôs à filiação de Delcídio, um "neopetista" que assim como Dilma ingressou no partido pouco antes da vitória de Lula em 2002. Valter quer associar o atual escândalo de Delcídio ao seu passado tucano, como se não houvesse mais de uma década de negócios estatais "controlados" pelo PT e seus "aliados". Não é irrelevante a origem política burguesa de Delcídio e de tantos outros de "neopetistas" que somente entraram no PT quando este se aproximou do botim estatal, porém a "práxis corrente" das lideranças do partido não é exclusividade dos que ingressaram a procura das benesses do poder estatal. Tanto é assim que sem perceber a incoerência de sua posição Valter cita petistas históricos associados à mesma conduta de Delcídio: "O caso de Delcídio Amaral, assim como os de André Vargas e Candido Vaccarezza, são sintomáticos da falta de critério, da falta de vigilância, da falta de limites, do oportunismo e do pragmatismo que predominam em certos setores do Partido" (idem). Não é por demais rememorar que Vargas e Vaccarezza não podem ser considerados neófitos no PT, este último dirigente histórico do MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado) uma das organizações revolucionárias fundadora do PT fez parte da primeira diretoria reconstruída da UNE em 79. Para não entrarmos em um debate cretino, voltado para tolos, é preciso afirmar com todas as letras que o conjunto dos dirigentes do PT, neófitos ou históricos, está submerso no "jogo" da política burguesa e que este curso material do partido não será revertido por nenhum tribunal ou comissão de ética interna. Quando nós da LBI defendemos incondicionalmente José Dirceu frente as investidas da farsa do "Mensalão" e agora da "Lava Jato" não o fizemos ocultando as relações políticas e comerciais estabelecidas por ele com grandes corporações capitalistas. A senda burguesa do PT e de seu governo neoliberal que ataca sistematicamente conquistas e direitos dos trabalhadores não é produto de um "desvio ético" de alguns de seus dirigentes que acumularam "pequenas fortunas" pessoais. É consequência de seu caráter de classe e de sua estratégia de poder que concebe o Estado Burguês como indutor da economia capitalista. Com esta concepção não há nada de "errado" que os dirigentes do PT façam todo tipo de "negócios", desde que não sejam tão idiotas para serem "gravados" e expostos ao achincalhe da mídia, como nada mais, nada menos, que o líder do governo Dilma no Senado.

O companheiro Valter Pomar tem feito um grande esforço ao longo deste segundo mandato da presidenta Dilma de se manter distante da "linha oficial" do PT, por razões que nos parecem óbvias. No último congresso nacional do partido a Articulação de Esquerda demarcou acidamente um campo contra a política econômica da equipe ministerial palaciana, defendo em sua tese outro rumo para o país bem distante do norte "levyano" que tanto tem agradado aos rentistas internacionais e tupiniquins. Portanto nos causou surpresa o reto alinhamento de Pomar com a covarde posição de Rui Falcão, o menestrel do "ajuste" no interior do PT, diante da prisão do senador Delcídio. Em seu texto Pomar afirma: "O presidente nacional do PT, companheiro Rui Falcão, divulgou uma nota na qual declara perplexidade com a atitude do Senador. Apoiamos o presidente do Partido em sua atitude de não prestar solidariedade a Delcídio Amaral". As justificativas de Rui para se "fazer de tonto" frente as revelações vocalizadas por Delcídio na gravação, beiram ao escárnio da inteligência humana. Segundo o presidente do PT o senador foi flagrado tratando de "assuntos pessoais e não partidários"... Valter comprou a versão de Rui apenas com a ressalva que teria alertado no passado que Delcídio "nunca foi de esquerda", em consequência disto "não estaria perplexo". A sintonia política entre Rui e Pomar neste caso nos faz lembrar o mundo do faz de conta, onde Delcídio seria um bandido agindo por conta própria, recebendo o castigo merecido pelas mãos da "Lava Jato". Acontece que o suposto "crime pessoal" cometido por Delcídio em suas relações de influência com a diretoria da Petrobras poderia ser atribuído a Lula ou a Dilma (a única diferença é que não existe a gravação), será então que nesta hipótese Pomar não soltaria a garganta para denunciar a tentativa de golpe? Esperamos sinceramente que a AE em sua reunião nacional não referende o texto proposto pelo dirigente Pomar, seria mais uma corrente de esquerda a engrossar o caldo da reacionária ofensiva de "caça às bruxas", ponteada pelo oligopólio da mídia venal à serviço do realinhamento do país com o "grande amo do norte".


* MARCO QUEIROZ, BACHAREL EM  DIREITO PELA UFC E 
DIRIGENTE NACIONAL DA LBI