42 ANOS DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS: EXEMPLO DE TRANSIÇÃO “NÃO
PACTUADA” DO REGIME FASCISTA PARA A DEMOCRACIA BURGUESA, REIVINDICADA PELO PS E
BLOCO DE ESQUERDA PARA DEFENDEREM O “ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL” COMO
ALTERNATIVA À INSURREIÇÃO PROLETÁRIA E SOCIALISTA
42 anos depois da Revolução dos Cravos, os trabalhadores portugueses voltaram a ser governados pelo PS sob o comando de Antônio Costa depois de vários mandatos de gestão de direita PSD/CDS. O Bloco de Esquerda integrou-se ao governo socialista e apresenta este gabinete da centro-esquerda burguesa como herdeiro legítimo do 25 de abril de 1974: “O Orçamento do Estado para 2016 (OE2016), já promulgado pelo Presidente da República, respeita a posição conjunta firmada entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista para a viabilização de um governo: repõe rendimentos a trabalhadores e pensionistas, aumenta a taxação ao capital, não inclui novos programas de privatizações e defende os serviços públicos e o Estado Social. No momento em que se comemoram os 40 anos da Constituição da República Portuguesa, conquista das lutas sociais e filha da revolução de abril, fica ainda mais valorizada a constitucionalidade agora alcançada com um Orçamento de Estado para 2016” (Resolução Política do BE, 02/04). Neste marco, as comemorações desse fato histórico que marcou o fim da ditadura de Salazar e o retorno da democracia burguesa em Portugal ocorrem em um clima de patrocinar ilusões na gestão burguesa do PS, neste sentido deve ser compreendida a Revolução dos Cravos e seus efeitos ainda hoje sobre a luta de classes não só em Portugal, mas como parte integrante da crise por que passa o continente europeu como um todo. Foi chamada de Revolução dos Cravos porque as tropas lideradas pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), em vez de baionetas, saíram às ruas com cravos na ponta dos fuzis para simbolizar solidariedade com a população. Mas, ao contrário do que afirmam os arautos da conciliação de classes, esse movimento resultou numa profunda derrota para proletariado português, confirmando a inviabilidade histórica de uma transição pacífica para o socialismo. O movimento de 25 de abril de 1974, ao pôr fim ao regime fascista de Salazar-Caetano, que durante 46 anos oprimiu o proletariado português e os povos as colônias de Portugal na África, se constituiu em um golpe militar preventivo para evitar que uma insurreição popular destruísse as bases da ordem capitalista. Um “convidado” inesperado, o proletariado, surge no processo desta transição política que foi operada inicialmente “por cima”, mas a ausência do partido revolucionário no cenário português impede que se transforme a crise política da “agitada” transição em revolução socialista.
A agitação política em Portugal refletia, sobretudo, o
sacrifício de milhares de combatentes que lutaram pela independência das
colônias portuguesas na África (Moçambique, São Tomé e Príncipe, Angola,
Guiné-Bissau e Cabo Verde), onde a iminente derrota militar portuguesa
desencadeou um processo de desagregação no Exército, aprofundando a putrefação
do regime. Dessa forma, a origem do MFA encontra-se no clima de instabilidade
que se manifestou em meados de 1973 no interior das forças armadas com o
surgimento do denominado Movimento dos Capitães, aglutinando oficiais de média
patente, insatisfeitos com suas remunerações e com a perda de prestígios dos
oficiais do quadro permanente. Em nenhum momento, mesmo quando assumiu seus
objetivos políticos, o MFA representou uma ameaça de ruptura com a disciplina e
a hierarquia. Ao contrário, já no seu nascimento foram escolhidos como chefes
do movimento o General Spínola e o General Costa Gomes, chefe do Estado Maior
das Forças Armadas.
A tensão na esfera militar também era reflexo da trágica
situação da economia portuguesa no contexto da crise capitalista mundial de
1973-1975, que exigia uma reorientação econômica, através da nacionalização dos
bancos e de setores básicos da produção, e a adequação do regime político para
salvaguardar o capitalismo. Enquanto crescia a radicalização das massas que
exigiam profundas mudanças, incluindo o fim da guerra na África, a maior
preocupação dos líderes do MFA era realizar o golpe antes do dia 1º de Maio,
quando estavam previstas grandes mobilizações dos trabalhadores, que poderiam
levar à queda o já apodrecido governo de Marcelo Caetano. Os líderes militares
pretendiam obter o apoio das massas mostrando-se como os responsáveis pelo fim
do odiado regime de opressão, evitando, dessa forma, que o proletariado tomasse
em suas próprias mãos as iniciativas políticas que conduzissem à transformação
revolucionária da sociedade. Nesse contexto, a prisão de Caetano e de seus
principais ministros, que em seguida foram enviados para Funchal, na Ilha da
Madeira, teve como único objetivo afastá-los dos centros de agitação política,
onde seriam alvos fáceis do ódio popular.
O expressivo apoio das massas trabalhadoras à Revolução dos
Cravos foi fruto das profundas ilusões democrático-burguesas, alimentadas pelos
stalinistas do Partido Comunista (PCP) e pelo Partido Socialista (PSP), que
compuseram o governo provisório e chamaram o proletariado a depositar confiança
no novo regime burguês tutelado pelas mesmas forças reacionárias que haviam
dado sustentação a quase meio século de ditadura fascista. Apesar da política e
colaboração de classes dessas direções, a luta espontânea das massas resultou
no estabelecimento de uma situação pré-revolucionária, em que qualquer
tentativa do governo provisório do General Spínola e da Junta de Salvação
Nacional para deter a resistência da classe operária e esmagar suas
organizações, poderia conduzir rapidamente ao surgimento de organismos de poder
proletário. Esse ascenso revolucionário manifestou-se em inúmeras greves,
obrigando o governo a fazer várias concessões econômicas e políticas.Porém, o
avanço das massas rumo à conquista do poder político, com o estabelecimento da
ditadura do proletariado, esbarrou na completa ausência de uma direção política
capaz de centralizar as lutas operárias, apontando a necessidade da destruição
do putrefato Estado burguês tendo como perspectiva a construção do socialismo.
O stalinista PCP, liderado por Álvaro Cunhal, fez do slogan “aliança do povo
com as forças armadas” a pedra fundamental de sua política de colaboração de
classes. Em nome dessa “aliança”, a Intersindical, federação sindical liderada
pelo PCP, foi colocada prontamente ao lado do governo na sabotagem e repressão
às greves operárias. A Revolução dos Cravos ocorreu sete meses depois do
desastroso desfecho da chamada “via chilena para o socialismo”, com o sangrento
golpe fascista de Pinochet. Entretanto, a lição abstraída pelo stalinismo da
experiência chilena, foi de que deveria estreitar os seus laços com as forças
armadas do Estado burguês, buscando encontrar aí os seus aliados
“progressistas” para levar adiante sua estratégia da revolução
democrático-burguesa. A política de conciliação de classes dos stalinistas e
dos socialdemocratas do PS de Mário Soares levou a formação do bloco
MFA/PS/PCP. No campo do trotskismo, a Liga Comunista Internacional, ligado ao
SU de Ernest Mandel, foi incapaz de chamar a classe operária a construir
embriões de poder proletário, sob a desculpa infame de que ainda era “muito
cedo para levantar demandas políticas”. Um verdadeiro partido trotskista tinha
obrigatoriamente que apontar o caráter burguês do MFA, denunciar a política de
colaboração de classes do PC, levantar um programa de reivindicações
transitórias e exigir o rompimento com o MFA, tendo em vista arrancar o
proletariado da influência ideológica e política da burguesia e seus agentes
stalinistas.
Após 42 anos da Revolução dos Cravos permanecem vivas como
lições para os trabalhadores de todo o mundo, tanto a inviabilidade da utopia reacionária
da transição pacífica ao socialismo, vendida pelos reformistas do PS hoje de
volta ao governo, quanto a falência da concepção etapista da revolução
defendida pelo stalinismo e copiada pelos setores revisionistas do trotskismo
que integram o Bloco de Esquerda, como o SU. A derrota do proletariado
português foi produto da ausência de uma direção revolucionária capaz de romper
com o domínio do PCP e do PS, que desarmaram o movimento operário diante do
governo burguês do MFA, preparando conscientemente o terreno para o triunfo da
contrarrevolução, a partir dos acontecimentos de 25 de novembro de 1975, que
arrancou gradativamente todas as conquistas do proletariado. O desfecho da
Revolução dos Cravos foi mais um exemplo histórico, que confirmou pela via
negativa, que só a estratégia política da revolução permanente, sob a direção
de um autêntico partido revolucionário poderá derrotar a burguesia, abrindo
caminho, através da destruição do Estado burguês, para a construção do
socialismo. Aos genuínos marxistas cabe a tarefa de intervir ativa e
pacientemente sobre estas lutas para elevar o nível de consciência dos setores
mais radicalizados, a fim de fazê-las avançar da resistência defensiva atual
para a disputa pela conquista do poder político contra seus algozes, superando
a criminosa influência política que a centro-esquerda reformista e seus
satélites revisionistas exercem sobre o proletariado. A materialização deste
longo processo de evolução da consciência dos trabalhadores é a construção de
um partido internacionalista e revolucionário que lute por derrotar a União
Europeia imperialista, sob a qual a vida das massas converte-se em uma bárbara
escravidão, para edificar em seu lugar uma Federação das Repúblicas Socialistas
da Europa, apontando a única saída verdadeiramente progressista para o velho
continente.