EM 05 DE OUTUBRO DE 1897 A REPÚBLICA CAPITALISTA DEBUTA MASSACRANDO
CAMPONESES POBRES DO NORDESTE: CANUDOS CAI SEM RENDIÇÃO!
Para compreendermos com o método marxista a Guerra dos
Canudos e a violência estatal com que foi esmagada a revolta camponesa é
preciso restabelecer o cenário histórico em que ela ocorreu. Não pode-se
entender Canudos isoladamente, sem conhecer as circunstâncias históricas e
políticas que provocaram a maior mobilização camponesa de toda república
brasileira.O Brasil estava em permanente ebulição social desde 13 de maio de
1888 com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel. A Questão Militar que
vinha se arrastando desde 1883, com o debate em torno da doutrina do
soldado-cidadão, que defendia a participação dos oficiais nas questões
políticas e sociais do país, teve uma conclusão repentina, com o golpe militar
republicano de 15 de novembro de 1889. A derrubada da Monarquia, que de imediato foi sem
derramamento de sangue, terminou por provocar reações anti-republicanas. Uma
nova constituição foi aprovada em 1891, tornando o Brasil uma república
federativa e presidencialista copiando o modelo norte-americano. Separou-se o
estado da Igreja e ampliou-se o direito de voto (aboliu-se o sistema censitário
existente no Império e permitiu-se que todo o cidadão alfabetizado pudesse
tornar-se cidadão). As dificuldades políticas da implantação da República se
aceleraram com a crise inflacionária provocada pelo Encilhamento, quando o
Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, autorizou um aumento de 75% na emissão de
papel-moeda nacional. Houve muito desgaste do novo regime devido ao clima de
especulação e de multiplicação de empresas sem lastro (mais de 300 em um ano
apenas). O presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca chegou a fechar
o Congresso, o que serviu de pretexto para a Marinha de Guerra rebelar-se
exigindo e conseguindo sua renúncia, o que ocorreu em 23 de novembro de 1891.
Deodoro doente retirou-se, sendo substituído pelo alagoano vice-presidente Mal.
Floriano Peixoto. Em fevereiro de 1893 estoura no Rio Grande do Sul a revolta
federalista, quando"maragatos" insurgem-se contra o governo provincial
de Júlio de Castilhos, conduzindo o estado a uma dolosa guerra civil. Neste
mesmo ano em setembro, ocorre o segundo levante da Armada, novamente liderado
pelo Almirante Custódio de Melo, seguida pela adesão do Al. Saldanha da Gama,
que chega a bombardear o Rio de Janeiro, Floriano Peixoto mobiliza a população
para a defesa da capital e Custodio de Melo resolve abandonar a baía da
Guanabara para juntar-se aos maragatos que haviam ocupado Desterro (em Santa
Catarina). A guerra na região sul militarmente se encerra com a morte de
Gumercindo Saraiva o guerrilheiro maragato em 1894, e com derrota da incursão
do Al. Saldanha da Gama na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai em
1895. A guerra tinha produzido mais de 12 mil mortos em uma parte deles havia
sido vítima de degolas de parte a parte. Coube ao novo presidente, Prudente de
Morais, alcançar a pacificação que é assinada em Pelotas em agosto de 1895. Foi
nesse pano de fundo turbulento, marcado por transformações repentinas de
regime, pela abolição da escravidão, pelo golpe republicano, pelo fechamento do
Congresso, pelo estado de sítio, por dois levantes da Armada e por uma cruel
Guerra Civil, que a população urbana ouviu com espanto a notícia, em novembro
de 1896, que uma expedição de 100 soldados havia sido derrotada pelos jagunços
do interior da Bahia. Começava então a Guerra de Canudos, que agora completa 120 anos.
Provavelmente se o quadro político brasileiro dos primeiros
anos de República não fosse tão conturbado talvez os episódios de Canudos
tivessem outro desenlace. Mas a notícia de que tropas regulares haviam sido
desbaratadas pelos fiéis do Conselheiro fez com que as autoridades republicanas
e a própria população dos grandes centros urbanos, particularmente do Rio de
Janeiro, visse naquilo a mão ardilosa dos reacionários monarquistas.
Era evidente que o
Conselheiro pregava contra a república, estimulando a que não se lhe pagassem
tributos e até espantasse os funcionários que representavam a justiça e o
casamento civil, não pode-se negar seu conteúdo místico e religioso. Canudos
assemelha-se às incontáveis rebeliões religiosas, lideradas por fanáticos,
chamados de profetas, que se dizem enviados ou mensageiros dos céus. Reúnem ao
seu redor um bando de seguidores aos quais é assegurada não só a salvação como
muitas vezes a imortalidade. Repudiam o mundo ao seu redor, denunciado como
corrupto e de estar a serviço das "forças demoníacas". Só os justos
se salvarão. Só aqueles que se dedicam inteiramente as rezas e a comunidade dos
crentes serão os eleitos. Seu comportamento visionário e agressivo para com os
outros considerados "infiéis" e seu fanatismo militante faz com que
se indisponham com o resto da população urbana. Os atritos daí decorrentes,
fazem com que a polícia ou a milícia termine por se envolver com eles. As
tentativas de apaziguamento fracassam. Eles resistem a qualquer proposta de
dispersar. Ao contrário, a presença das autoridades faz com que os
"conselhistas" se aglutinem com maior fervor em torno do profeta.
Armam-se e o profeta lhes assegura que caso morram na defesa da Nova Jerusalém,
Jesus lhes garantirá a vida por mais mil anos ainda.
Antônio Conselheiro já era uma figura bastante conhecida nos
sertões nordestinos desde a década de 1870. Era caixeiro de loja e graças a uma
infelicidade pessoal - foi abandonado pela mulher - partiu para uma vida de
eremita, cruzando o sertão de cima a baixo. Por onde andava procurava consertar
os cemitérios e melhorar as igrejas. A fama das suas prédicas começou a se
espalhar e gente miserável começou a segui-lo. Sua aparência assemelhava-se aos
profetas bíblicos, com uma vasta cabeleira que lhe caia pelos ombros e vestido
com um brim comprido que lhe chegava aos pés e um cajado nas mãos. Parecia um
personagem saído diretamente das Velhas Escrituras. Hostilizado pela maioria
dos padres do interior que não lhe suportavam a concorrência e a crescente
popularidade, o Conselheiro resolveu, em 1893, isolar-se em Canudos, um
lugarejo paupérrimo, nas margens do rio Vasa-barris, no sertão baiano.
Rebatizou-a de Monte Santo. Em pouco tempo um fluxo constante de romeiros para
lá se dirigiu. O Conselheiro rejeitava a república. Considerava-a coisa
"satânica por ter instituído o casamento civil". Como a Igreja
Católica acomodou-se com a "nova ordem", coube a ele liderar a
rebeldia. Tratava-se de constituir uma outra sociedade igualitária onde os
princípios dogmáticos da religião seriam estritamente obedecidos. Não se bebia
em Canudos, e o maior delito era não comparecer as rezas coletivas. Em pouco
tempo o Conselheiro formou uma espécie de pequeno estado regional dentro do
estado nacional. A burguesia então uma confirmou uma frente. Coronéis do
latifúndio assustados com a fuga de mão de obra e com os surgimento de uma
outra liderança aproximaram-se da igreja que via nele um herético. Um
desentendimento com um lugarejo vizinho foi o pretexto que o governo aguardava
para mandar intervir militarmente. No início de novembro de 1896 uma força de
100 praças, sob o comando do Ten. Manuel Ferreira, foi enviada para Juazeiro e
depois para Uauá onde é destroçada pelo ataque dos jagunços em 21 de novembro.
Foram necessárias mais três expedições militares, a última
com quase 5 mil homens e artilharia para submeter a "Tróia de taipa".
A população lutou bravamente até o fim. Umas 300 mulheres, velhos e crianças se
renderam. Os homens sobreviventes foram degolados e os que resistiram até o fim
foram baionetados numa luta corpo-a-corpo que se travou dentro do arraial, no
dia do assalto final, em 5 de outubro de 1897. Antônio Conselheiro foi morto em
22 de setembro, provavelmente vítima de bombardeio aéreo. O Gen. Artur Oscar
determinou que os 5.200 casebres fossem pulverizados a dinamite. E assim, onze
meses depois do início do confronto de
Uauá, terminou Canudos. Os camponeses pobres, por sua vez, mesmo produzindo
fenômenos como as guerras de Canudos e do Contestado, careciam completamente de
um projeto político de unidade nacional das lutas para pôr fim à exploração de
classe. Em essência, a luta pela reforma agrária radical é um choque entre a
estrutura latifundiária e reacionária existente no país e a defesa da pequena e
média propriedade camponesa, um embate que enfraquece o Estado semicolonial,
que assenta sua dominação em uma aliança entre a oligarquia agrária e a
burguesia industrial. Para os Marxistas não se trata de um julgamento moral de
Conselheiro, para além de sua reacionária religiosidade e alinhamentos
ideológicos com a monarquia, Canudos representou um catalizador social da
anacrônica realidade agrária no Brasil, servindo como um "farol de luta"
para os camponeses nordestinos combaterem militarmente a injusta concentração
de terra das grandes oligarquias, representadas politicamente pelos
"coronéis" de toda a imensa região "sertânica". Hoje, essa
luta mantém-se de pé, 120 anos depois da Revolta de Canudos! Esta lição os
genuínos revolucionários apreenderam em anos de combate pela revolução agrária,
contra o latifúndio e pela autodefesa dos trabalhadores. Como diz a letra da
Internacional Comunista, travemos nós juntos uma "guerra aos
senhores", ao latifúndio e a burguesia!