domingo, 21 de outubro de 2012


“Avenida Brasil” espelha a expansão econômica do país sob os governos da frente popular

Sexta-feira, 19 de outubro, o país praticamente parou diante do último capítulo da novela global “Avenida Brasil”. Coberturas “ao vivo”, com direito a “takes” aéreos, momentos antes de começar o melodrama televisivo, mostraram brasileiros voltando para casa apressadamente, ruas vazias, todos à espera do “gran finale”. Mas, por que uma novela atraiu tanta atenção e causou um frisson nunca antes visto? A resposta é encontrada precisamente na atual conjuntura política e econômica do Brasil, de onde um novo segmento social emerge de forma incisiva, a chamada “classe C”, ou os “ascendentes” do proletariado que registram forte expansão social, o alvo primordial do novelão das “nove horas”. A relativa expansão econômica do país e a consequente ascensão social de um determinado segmento, muito embora os salários permaneçam drasticamente comprimidos, explicam todo este estardalhaço em torno do folhetim global. Muito além dos salários, o governo Dilma promove farta liberação de linhas de crédito às custas de dinheiro captado a juros baixos no mercado financeiro internacional, o que dá vazão à formação de uma “nova classe média”. As telinhas retrataram e deram destaque a este novo extrato social, que se viu representado no mundo ficcional, porém em situação bastante real quanto a costumes e comportamento de pessoas “comuns”, criando uma profunda identidade entre os “atores” da vida real e os personagens globais. O resultado não poderia ser outro senão um recorde absoluto de audiência e um oceano de dinheiro que foi parar nos bolsos da “famiglia” Marinho em milionárias cotas de publicidade.

“Avenida Brasil” e “Cheias de Charme” (em menor escala) não foram criadas ao acaso, refletem uma clara reorientação estratégica de marketing. Foram meses de pesquisas através de estudos sociológicos para que os atores assimilassem e incorporassem os trejeitos e novos hábitos deste segmento que desponta no horizonte econômico, seja na forma de falar, vestir, seja em suas aspirações e preferências culturais/musicais. Ambas as novelas retratavam o pobre que subiu na vida, a “classe C” em seu próprio ambiente de bairro popular, enquanto na trama de “Avenida Brasil” o ricaço (Cadinho) é tratado como um decadente falido que foi obrigado a morar no subúrbio e se converte em fã dos “ascendentes”. Assim, diante das frequentes quedas de audiência das novelas globais há pelo menos dois anos, o núcleo de inteligência da Rede Globo procurou um novo nicho social para mergulhar, em busca de um mercado consumidor disposto a alimentar a “indústria” cultural de entretenimento e a lógica da alienação/despolitização das massas populares. No enredo global, forte apelo melodramático a partir de uma criança que nasce e é abandonada pela mãe em um lixão e tira como meta a vingança, as disputas para ‘se dar bem”, a belicosidade, a ausência de escrúpulos (Nina e Carminha) para “vencer na vida”, valores tomadas como parâmetros sociais “aceitáveis”. A estratégia atingiu seus objetivos, uma vez que 53% da audiência está concentrada nesta faixa da “nova classe média”, setor que engloba segundo dados oficiais do IBGE cerca de 40 milhões de pessoas! Só para se ter uma ideia, o último capítulo foi vendido para mais de 500 anunciantes, sendo que os maiores tiveram ao longo da novela uma centena de inserções de “merchandising”. O pacote total de lucros dos Marinhos chegou a superar a cifra de 2 bilhões de reais aferidos somente com publicidade.

O novo “milagre brasileiro”, produzido graças a um pacto social implícito promovido pelo governo da frente popular, onde o movimento operário está completamente engessado pelo sindicalismo “chapa branca” e a impotência política da “oposição de esquerda”, fez com que a esquerda revisionista balizada por um catastrofismo vulgar perdesse o prumo político ao caracterizar que o Brasil iria passar por uma profunda recessão durante a crise econômica mundial iniciada em 2008. O PCO é o exemplo mais acabado disto, fingindo que não houve uma evolução social de um extrato dos trabalhadores, particularmente aqueles que se tornaram “microempreendedores” por conta de financiamento estatal, ao pontificar “a farsa da nova classe média” (PCO, 02/10). Em suas teses delirantes, Causa Operária nega a existência do apoio político e social que a “nova classe média” dá ao governo da frente popular e acredita piamente que Dilma cairá a qualquer momento como consequência da “crise” por que passa o Brasil, “no pior nível desde 2001” (site PCO, 19/10) produto da “bancarrota do capitalismo” em nosso país. Na verdade, o capitalismo não cai de podre, somente a ação direta do proletariado sob a direção de um partido revolucionário pode derrubar o Estado capitalista e criar um novo modo de produção. O oposto configura uma sórdida política antimarxista de menosprezar o papel da luta de classes e do partido comunista no combate à burguesia e a propriedade privada dos meios de produção, exatamente como faz a esquerda catastrofista.

Para o marxismo revolucionário, não se trata de reverenciar um “Brasil potência”, já que o país continua sendo uma semicolônia subordinada ao imperialismo, só que atravessa um ciclo de expansão contraditoriamente associada à crise estrutural do capitalismo. A este mercado consumidor que surgiu é que a Globo voltou seus interesses mercadológicos, um público que forma a maioria de sua audiência hoje em dia e que envolve mais da metade da população brasileira, comprando a crédito e tendo orgulho de ser “ascendente”. Nos mesmos moldes, algo semelhante configura-se para a próxima novela, “Salve Jorge”, que visa tornar simpática a ocupação policial dos morros cariocas à esta classe média ascendente. Todo o amplo destaque que a mídia “murdochiana” deu a novela que desbancou e desmoralizou a velha classe média da zona sul carioca, antes de cumprir um papel progressista, incrementa ainda mais o binômio alienação e despolitização das massas populares, ainda mais numa época de profundo retrocesso cultural e imenso vazio ideológico que faz, por exemplo, da morte de um personagem ficcional lúmpen pequeno-burguês (Max) o epicentro das discussões no país. É necessário que o proletariado rompa com a trégua social imposta pelas direções sindicais corrompidas pelo Estado burguês e com a falsa sensação do “consumo sem limite”, que só mascara a dura realidade dos cidadãos que estão fora do mercado de trabalho e das linhas de crédito granjeadas pelo governo da frente popular. Esta tarefa titânica, que exige uma decidida batalha ideológica e cultural, está nas mãos da vanguarda classista que não se vendeu politicamente ao Planalto e aos ditames do imperialismo.