A MORTE DE VARGAS E O OCASO DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO
No último dia 24 de agosto completou-se 61 anos do suicídio
de Getúlio Vargas. Episódio marcante da história política brasileira, a morte
de Vargas ocorreu em meio a uma profunda crise que refletia as contradições do
projeto desenvolvimentista de seu governo. Em 1953, a continuidade da política
de estímulo à industrialização, uma das principais características do
varguismo, começou a sofrer limitações, exigindo a ampliação de investimentos e
o aumento das importações de equipamentos e máquinas, o que provocava déficit
na balança comercial do país. O mesmo ocorria com a balança de pagamentos,
devido à sangria das riquezas nacionais, promovida pelo crescimento das
remessas ilegais de lucros pelas empresas estrangeiras que atuavam no país. Esse
quadro tornava-se ainda mais grave com a queda dos preços do café no mercado
mundial (principal commoditie para exportação no período), contribuindo para o
declínio da receita externa, o que reacendeu a disputa feroz entre as
diferentes frações da burguesia nacional pelas divisas em dólar e pelo controle
do Estado burguês a fim de preservar seus interesses comerciais. Foi esse o
“pano de fundo” fundamental da crise política que abalou profundamente o país
nos anos 50 e levou ao “suicídio” induzido do “caudilho nacionalista” em agosto
de 1954, sob a pressão direta do imperialismo ianque ávido pela “troca” do
chefe de estado brasileiro. A principal força de oposição a Vargas era a União
Democrática Nacional (UDN), que expressava os interesses das oligarquias
agroexportadoras descontentes com as restrições às importações e à política de
controle e confisco cambial, mecanismos que transferiam recurso do setor
agrário-exportador para o setor industrial. A UDN também agrupava os estratos
superiores da classe média, que temiam a esquerdização e o comunismo. O capital
imperialista, que desejava utilizar as divisas do país para a conversão e a
emissão de lucros para o exterior, era o aliado mais importante desse partido.
O governo Vargas, por sua vez, tinha como base de sustentação o chamado pacto
populista, uma espécie de aliança entre a burguesia industrial e as massas
trabalhadoras das cidades, incluindo também as facções das oligarquias
regionais atreladas ao Estado desde 1930 e setores nacionalistas das Forças
Armadas, todos unidos em torno de uma ideologia nacionalista que apresentava o
desenvolvimento industrial capitalista como meio de realização de interesses
comuns da burguesia e do proletariado.
A burguesia industrial, embora fosse a fração da classe
dominante mais diretamente subvencionada pelo Estado, não tinha uma estratégia
claramente definida do processo de industrialização. Apesar do significativo
crescimento da indústria, que no início da década de 50 já representava 22% da produção
nacional, sua expansão dependia da importação de bens de capital. Sentindo-se
impotente frente ao capital imperialista, esse setor estava de fato mais
interessado em auferir lucros imediatos que na consolidação de uma
infra-estrutura econômica capaz de viabilizar um desenvolvimento capitalista
independente. O apoio da burguesia industrial ao nacionalismo varguista,
portando, estava condicionado à capacidade do governo de manter os incentivos
ao crescimento da indústria e o controle político e ideológico sobre as massas
trabalhadoras urbanas.
Sob forte pressão da oposição burguesa, Vargas tentou, em
primeiro lugar, amenizar a crise política atendendo as exigências de todas as
facções burguesas em disputa. Liberou as importações, a entrada e saída de
capital e, ao mesmo tempo, aumentou o crédito para a indústria com módicas
taxas de juros. Essas medidas, entretanto, além de não saciarem a fome dos
bandos capitalistas por consumir os recursos estatais, provocaram o crescimento
da inflação, que em 1952 já chegara a 20%, elevando o custo de vida das massas
trabalhadoras. Como resposta, e contra a vontade das direções sindicais, em
março de 1953, cerca 300 mil operários entraram em greve, em São Paulo,
ameaçando ruir as bases do pacto populista sobre o qual se sustentava o
governo. Diante da ascensão das massas como novo elemento da crise e
após a tentativa de Getúlio de recuperar suas bases eleitorais junto ao
proletariado com a concessão do aumento de 100% do salário mínimo, a burguesia
industrial retirou o seu já hesitante apoio ao governo, unindo-se à tradicional
oposição udenista e ao imperialismo na preparação de uma saída golpista.
Isolado de todas as facções da classe dominante a que tanto havia servido
durante anos, o velho caudilho percebia enfim que seu projeto de um capitalismo
autônomo não passava de uma utopia, uma ilusão com a qual até as massas
trabalhadoras, com as quais não tinha nenhuma identidade de classe, logo
romperiam se continuassem avançando em suas lutas. Em 1954, não havia nenhum interesse
do governo Vargas em romper com domínio do imperialismo que, passada a II
Guerra Mundial, procurava intensificar sua exploração sobre os países
semicoloniais. Para as frações da burguesia nacional, incluindo a burguesia
industrial, o nacionalismo varguista era importante apenas enquanto instrumento
de controle político e ideológico do proletariado. Na verdade, o próprio Vargas
fazia da política nacionalista (controle da remessas de lucros da empresas
estrangeiras, monopólio da estatal do petróleo e das fontes de energia
elétrica, etc.) e utilizava o apoio das massas trabalhadoras como instrumentos
de barganha com o imperialismo. Prova disso, foi a última ação de Getúlio que,
ao cometer suicídio, provocou uma reação popular que adiou por dez anos o golpe
patrocinado pelo imperialismo para aprofundar seu domínio na economia nacional.
A grave crise política que culminou no suicídio de Getúlio
Vargas, evidenciou claramente a inviabilidade história para um desenvolvimento
capitalista autônomo do imperialismo nas semicolônias e que a única saída
realmente independente do proletariado para quebrar a dominação do capital
financeiro é a alternativa da revolução socialista. Hoje, porém, diante da investida
neocolonialista do imperialismo na América Latina como parte de sua ofensiva
neoliberal reacionária em todo o mundo, iniciada após a queda dos Estados
operários do Leste europeu e da URSS, o engodo do neodesenvolvimentismo burguês
volta a ser apresentado como uma saída política para os trabalhadores. Nesta
questão programática podemos afirmar que tanto o PT como o PDT (que reivindica
o legado de Vargas) fazem o mesmo discurso distracionista da centro-esquerda
burguesa em nosso continente latino-americano. Na atual etapa histórica de
reação ideológica e ausência de referência marxista, mesmo entre os setores
mais combativos da classe operária, a tarefa da vanguarda consciente é combater
essa política nefasta, cuja única finalidade, como já demonstrou o populismo
varguista, é embotar a consciência de classe do proletariado e impedir que as
massas exploradas encontrem o caminho da revolução proletária e o socialismo.
Muitos dos apoiadores do governo Dilma chegam a comparar as circunstâncias políticas e históricas que cercam o segundo
mandato da “gerentona” petista com as que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas
e ao fim de seu governo em 1954. Dizem que os undenistas de hoje desejam impor
o impeachment da presidenta ou tornar sua gestão insustentável, tramando um "golpe". Nada mais
falso, a pressão em torno do governo do PT é justamente para que a presidenta faça um mandato cada vez mais alinhado com o bloco burguês conservador,
como a LBI já alertou durante toda a campanha eleitoral, denúncias comprovadas
com as medidas de ajuste neoliberal ditadas por Dilma e Levy nestes 8 meses de governo. Não há nenhuma
surpresa de como vem agindo o PIG e o tucanato, muito menos como vem “reagindo”
o PT, se curvando servilmente as exigência da burguesia, dos rentistas e das
oligarquias reacionárias. Os setores da “esquerda” que venderam o contrário
durante a disputa eleitoral com Aécio Neves não fizeram mais que enganar os
trabalhadores que votaram no PT para “derrotar a direita”, quando tudo já estava
armado para “fazer o jogo da direita” no segundo mandato, tendo como
timoneira a presidente Dilma, refém do PMDB de Temer e Renan. O que une Dilma e Getúlio em decadência é a
ausência de qualquer enfrentamento com o imperialismo e a busca de um acordo
através de concessões atrás de concessões, como vimos na "Agenda Brasil" privatista. Tudo indica que o frágil PT irá fazer uma transição para o PSDB de Alckmin em 2018 como mandam as regras do jogo burguês, sem qualquer
ruptura institucional, muito menos Dilma precisará fazer um “sacrifício”
pessoal como ocorreu com Getúlio. Hoje, 61 anos depois do suicídio de Vargas, é o povo brasileiro que está pagando em vida e com grade sacrifício o arrocho salarial, demissões, corte de direitos e os ataques covardes do governo do PT contra conquistas sociais que sobreviveram desde o chamado varguismo.