segunda-feira, 30 de maio de 2016

MAIO FRANCÊS “ONTEM E HOJE”: ABSTRAIR AS LIÇÕES DE 68 PARA TRANSFORMAR AS ATUAIS LUTAS ECONÔMICAS DEFENSIVAS EM AÇÕES POLÍTICAS REVOLUCIONÁRIAS DE MASSA PARA DERROTAR O ESTADO DE EXCEÇÃO E O GOVERNO “SOCIALISTA” NEOLIBERAL DE HOLLANDE


Uma onda de greves e mobilizações tomou conta da França neste mês de Maio. São paralisações e bloqueios contra a reforma trabalhista do neoliberal “socialista” Francois Hollande. Essa lei precariza as condições de trabalho com o aumento da jornada de trabalho e amplia as atividades laborais flexibilizadas, o que facilita demissões e elimina a negociação coletiva. O rechaço à medida levou o governo a recorrer ao artigo 49.3 que permitiu implantar a reforma sem contar com os votos necessários da Assembleia Nacional, passando assim também por cima da não só vontade de 70% da população, que se manifestou contra a proposta mas da própria legislação ordinária. A dura repressão gerou uma grande indignação pela violento política antidistúrbios da polícia, especialmente à juventude, um dos principais motores da primeira fase da mobilização. As cenas de violência e repressão contra os estudantes secundaristas e universitários são cotidianas, como também a utilização massiva de gás lacrimogêneo durante as mobilizações. Ocorreram mais de 1300 detenções desde o início das manifestações. O fato novo é que na última semana, foram bloqueadas refinarias, portos e vias ferroviárias na zona industrial de Marsella, Touluse, Rennes e Nantes. Controladores e técnicos foram obrigados a cancelar 15% dos voos do Aeroporto Paris-Orly. Em Le Havre, milhares de trabalhadores e ativistas fecharam os ingressos à zona portuária e industrial. Metade dos trens de média e larga distância foram paralisados. Esta ofensiva patronal ocorre pouco mais de 06 meses depois dos atentados a Boate Bataclan, que abriu caminho para o governo francês impor o Estado de Exceção. Apesar das lutas em curso serem radicalizadas e importantes elas são ações defensivas da classe contra o corte de direitos, tem um caráter abertamente economicistas, mas não são lutas para derrubar o poder político da burguesia como era o Maio de 1968. Em 68, o ímpeto revolucionário da juventude esteve intimamente conectado com a ascensão do movimento operário que, desde o ano anterior, vinha produzindo uma intensa onda de greves por toda a França, refletindo a resistência da classe operária às medidas que atacavam os salários, geravam desemprego e atentavam contra as conquistas sociais do proletariado, tais como a previdência social e o direito de greve, política adotada pelo governo do general Charles De Gaulle diante da crise decorrente do esgotamento da relativa prosperidade econômica do breve período do pós-guerra, caracterizado pela reorganização da indústria francesa destruída durante a guerra. A fusão das lutas estudantis com as greves espontâneas, com piquetes e ocupações de fábricas, transformou a revolta estudantil numa insurreição de massas, levando 10 milhões de trabalhadores a se colocarem em greve em todo o país, rompendo com a política de colaboração de classes das direções sindicais controladas pelo stalinismo. As principais fábricas e os setores estratégicos da economia foram colocados sob o controle operário através dos Comitês de Greve, que organizavam a autodefesa dos manifestantes, controlavam a produção, preparavam as barricadas e abasteciam de alimentos os operários das fábricas em greve. Estabeleceu-se uma dualidade de poderes que colocou em xeque o domínio da burguesia. O grande diferencial entre o “ontem e o hoje” é que em 1968, desde o início o movimento assumiu uma clara perspectiva revolucionária, com manifestações que exigiam a derrubada do governo De Gaulle e questionavam os valores e a moral da sociedade burguesa. A consciência revolucionária, expressa nas manifestações da juventude francesa, refletia uma etapa de ascenso revolucionário mundial, marcada pela vitória da Revolução Cubana em 1959, as greves operárias que sacudiam toda a Europa, a descolonização da África e a bem sucedida ofensiva norte-vietnamita do TET, prenúncio da derrota e expulsão do exército ianque do Vietnã. O estado de espírito da juventude e dos trabalhadores no Maio Francês era também excitado pela existência da URSS e dos Estados operários do Leste europeu que, apesar da degeneração burocrática stalinista, exerciam uma forte referência ideológica sobre o proletariado mundial. A existência dos Estados operários significava que a burguesia havia sido expropriada em quase 1/3 do planeta e, em conseqüência, os trabalhadores nessa parte do mundo haviam realizado conquistas históricas jamais alcançadas pelo proletariado em qualquer país capitalista. As conquistas sociais do proletariado nos Estados operários (pleno emprego, habitação, saúde e educação gratuitas, erradicação do analfabetismo, elevação do nível cultural das massas) obrigavam a burguesia nos países capitalistas, temendo ser expropriada pela revolução proletária, a fazer significativas concessões aos trabalhadores. Já as manifestações atuais, ocorrem em um quadro de ofensiva burguesa depois dos ataques terroristas de 2015 e em uma etapa de profundo retrocesso ideológico, aberta a partir da queda dos Estados operários do Leste e da URSS. Apesar da magnitude e radicalização das manifestações do Maio atual, não há no horizonte ideológico a luta pelo comunismo e pela destruição do capitalismo. Por esta razão, a resposta do governo Hollande tem sido aumentar a escala repressiva e a extensão do “Estado de Exceção”, medida aprovada na Assembleia Nacional: “Permanecerei firme porque é uma boa reforma”, disse o calhorda no que foi acompanhado pelo primeiro-ministro, Manuel Valls “Um texto foi discutido, gerou compromissos com as partes sociais, foi adotado pela Assembleia Nacional, considero que minha responsabilidade é ir até o fim”. Se a intensa onda revolucionária que sacudiu a França em Maio de 68 não pôde conduzir à vitória da revolução proletária, abortada pela política de traição das direções stalinistas, diante da ausência do partido da vanguarda do proletariado, isso significa que hoje, numa etapa histórica de reação e retrocesso ideológico, é necessário mais do que nunca que a vanguarda consciente do proletariado redobre seus esforços para construir um autêntico partido revolucionário internacionalista no país, único instrumento capaz de levar a classe operária a desfechar um golpe mortal contra os capitalistas, com a destruição do Estado burguês imperialista, abrindo caminho para uma nova etapa revolucionária mundial.



Com o fim dos Estados operários e o estado de terror permanente implantado pelo imperialismo no mundo, a burguesia dos países imperialistas europeus sentiu as mãos livres para dar início ao desmonte do chamado “estado de bem-estar social”, rebaixando as condições de trabalho e padrão de vida da classe operária. Na França, esses ataques foram iniciados na década passada ainda no governo da “esquerda pluralista” do Partido Comunista Francês (PCF) e do Partido Socialista (PS), depois levados a cabo pelo governo conservadores de Chirac-Jupe-Sarkozy e mais recentemente pelo neoliberal socialista Hollande. Como se observa, apesar da resistência operária, a burguesia vem aprofundando essa ofensiva contra as conquistas sociais dos trabalhadores e intensificando os ritmos de produtividade do trabalho para ampliar os lucros dos grupos monopolistas franceses. O resultado mais imediato dessa política é o crescimento do desemprego, que oficialmente já supera a taxa de 10%, atingindo principalmente os jovens franceses de descendência árabe.

O proletariado francês não tem se mantido inativo frente a esse processo de destruição das suas conquistas históricas. A greve operária de dezembro de 1995, que durou 26 dias e mobilizou mais de 3 milhões de trabalhadores em todo o país, conseguindo deter momentaneamente os planos do governo, foi um marco importante da resistência decidida dos trabalhadores. A luta atual retoma essa resistência após a ofensiva ideológica desatada pelos atentados de 2015. Mas apesar da amplitude do movimento grevista em curso, este carece de uma direção revolucionária. As atuais manifestações demonstram que, carente de uma direção revolucionária, mais o movimento operário tende a retroceder em seus objetivos e em suas formas de luta. A ausência de uma referência ideológica revolucionária limita os objetivos da resistência. Por exemplo, o presidente da CGT ligada ao PCF disse que o governo tem tempo de parar as reformas trabalhistas e garantir a Eurocopa 2016 que começa no dia 10 de junho.

Quanto aos métodos de luta fica claro o fosso entre as manifestações do Maio de 68 e as lutas atuais, caracterizadas por ações extremamente radicalizadas, porém, sem expressar objetivos políticos claros além do economicismo. Esse é mais um reflexo do vazio ideológico que se abriu a partir da destruição dos Estados operários e do revisionismo da quase totalidade da esquerda mundial que se agarrou ferrenhamente à defesa da democracia burguesa.  O retrocesso ideológico que se manifesta na consciência dos jovens rebeldes na França, produto da completa rendição da esquerda revisionista do marxismo e da ausência de uma verdadeira organização revolucionária de combate, é um fenômeno equivalente ao crescimento da influência do fundamentalismo islâmico que, pelo mesmo motivo, ocupa entre as massas do Oriente Médio um lugar de destaque, enfrentando militarmente a ofensiva reacionária do imperialismo na região. Apesar das limitações políticas dessas lutas, a tarefa dos revolucionários é solidarizar-se com os combatentes, lutando para ganhar a influência das massas e dirigi-las com um programa revolucionário. A chamada “extrema” esquerda francesa, os pseudotrotskistas (Lutte Ouvrière, PT, LCR) ou os reformistas do NPA, da Frente de Esquerda-Malenchon e da corrente de esquerda do PCF não estão à altura dessa tarefa, seu programa de colaboração de classes é um obstáculo a desenvolver uma perspectiva comunista revolucionária para a batalha em curso. É necessário, portanto, unificar a luta da juventude com as greves operárias, preparando uma poderosa greve geral do proletariado francês para derrotar a política de ataques as conquistas sociais do governo Hollande. É preciso fazer com que a radicalização das formas de luta reflita o vigor de um programa revolucionário que aponte a destruição do capitalismo e a construção do socialismo como único caminho para superar a crise.