A IMPORTÂNCIA DA GREVE DE MASSAS NA CONCEPÇÃO DA GRANDE
REVOLUCIONÁRIA COMUNISTA ROSA LUXEMBURGO
Um dos maiores erros
que se desencadearam em volta da contribuição teórica da grande
revolucionária comunista Rosa Luxemburgo reside no seu suposto
"espontaneismo" e na pretensa subestimação da política marxista que
se encontraria nos seus textos. Particularmente, no que respeita a greve de
massas e a revolução russa de 1905. O debate sobre a greve geral de massas
instala-se e começa a circular na literatura marxista da II Internacional entre
1895 e 1896. Foi Parvus o primeiro publicista que encarou o tema da greve
política, vinculando-o a discussão sobre o golpe de estado. Em uma série de
artigos publicados na revista teórica do Partido Social-Democrata Alemão (SPD)
a propósito das ameaças golpistas de um general chamado V. Boguslawski. Mais
tarde, em 1902, tem lugar uma greve geral política na Bélgica que pedia o
sufrágio universal e igualitário, fracassou. A discussão sobre esta greve
constituiu a segunda etapa do debate sobre a greve de massas. Participaram nele
Emile Vandervelde, Franz Mehring e a própria Rosa. Até que sobreveio a primeira
revolução russa de 1905. Esse foi o detonador para a maior contribuição de Rosa
Luxemburgo a este debate, condensado na sua obra Greve de Massas, Partido e
Sindicatos, redigida no exílio na Finlândia em Agosto de 1906. Adotando como
modelo de inspiração a recente revolução russa, Rosa intervém desde o
princípio, trazendo para a discussão a burocratização dos poderosos e ao mesmo
tempo impotentes sindicatos alemães, que tinham verdadeiro pânico à greve
geral. Como em qualquer debate, não se entende nada das teses de Rosa quando se
abstrai com quem se está debatendo. O interlocutor da polêmica marca grande
parte do terreno e o tom dos argumentos ao longo de todo o debate. Se não se
sabe ou diretamente se desconhece o objetivo da sua polêmica, então pode-se
construir uma Rosa Luxemburgo ao gosto e prazer de cada um..., potável ou
oportunista para qualquer coisa. Inclusivamente para supostamente
incompatibilizá-la com o marxismo leninismo. Estes burocratas de carreira, que há
anos tinham abandonado a perspectiva revolucionária, temiam mais a greve de
massas que a morte, pois esta os faria perder a estabilidade das suas posições
materiais, conquistadas nas negociações com o patronato e o Estado burguês.Algo
não muito diferente do que experimentou o sindicalismo burocrático brasileiro
entre 2003 e o final das gestões estatais da Frente Popular em 2016. Porque,
convenhamos, a suposta "panaceia" do Estado benfeitor de que alguns
ainda tem nostalgia... garantia certas conquistas operárias na condição de
manter manietada, neutralizada, institucionalizada, e em última instância
reprimida, a rebeldia revolucionária da força coletiva dos trabalhadores. Nunca
como na época do Estado de bem-estar keynesiano se pôde observar a justeza da fórmula
gramsciana que define o Estado capitalista como a conjunção da coerção e o
consenso, da violência e a hegemonia.
Ora bem, contra essa institucionalização e essa domesticação
lutava Rosa, quando defendia as virtudes políticas da greve de massas ou da
greve geral política: "a greve de massas, que foi combatida como oposta à
actividade política do proletariado, aparece hoje como a arma mais poderosa da
luta pelos direitos políticos". Contra aqueles que vociferavam que a greve
geral destruiria os sindicatos, ela replicava apelando ao exemplo empírico da
revolução russa de 1905, argumentando que o movimento sindical russo é filho da
revolução: "Do furacão e da tormenta, do fogo e da fogueira da greve de
massas e da luta nas ruas, surgem, como Vénus das ondas, sindicatos frescos,
jovens, poderosos, vigorosos". Falsamente se poderia contrapor Rosa a
Lenin, ainda que entre ambos tenham existido matizes diversos sobre este
debate. Quando Lenin, no seu famoso "Que Fazer?", coloca em discussão
o culto da espontaneidade e aponta a necessidade de superar a etapa econômica
micro-corporativa, defendendo a consciência socialista e a luta ideológica pela
tomada do poder, está polemizando contra outra frente, totalmente diferente de
Rosa. No caso de Lenin, a discussão do "Que Fazer?" vai pelo caminho
de questionar a limitação economicista do movimento operário russo, a sua
limitação a tímidas reformas econômicas
e a restrição de toda a perspectiva política revolucionária diante da
conjuntura espontânea e artesanal do dia a dia fabril. Somente tendo em conta,
concretamente, os diversos interlocutores contra quem polemizavam Rosa e Lenin
– ambos ácidos críticos do oportunismo e do reformismo – se pode compreender a
fundo a perspectiva comum que os unia, mesmo que, insistimos, não se possa
confundir o posicionamento revolucionário dos dois numa identidade teórica
absoluta. Nesse sentido, não podemos esquecer que foi precisamente Lenin que
tomou abertamente partido por Anton Pannkoek contra Kautsky, fazendo referência
ao debate sobre a greve de massas de 1912. Então, o dirigente máximo
bolchevique assinalou que: "Pannkoek manifestou-se contra Kautsky como um
dos representantes da tendência «radical de esquerda» que contava nas suas
fileiras com Rosa Luxemburgo, Radek e outros, e que defendendo a tática
revolucionária, tinha como elemento aglutinador a convicção de que Kautsky se
passava para o «centro», e que, de costas para os princípios, vacilava entre o
marxismo e o oportunismo. Que esta apreciação era acertada veio a demonstrá-lo
plenamente durante a guerra, quando a corrente do «centro» (erroneamente
denominada marxista) ou de «kaustkismo» se revelou em toda a sua repugnante
miséria. [...] Nesta controvérsia é Pannkoek quem representa o marxismo contra
Kautsky". Uma postura não muito distinta da de Rosa... pois ali tinha
mudado o interlocutor da polêmica de Lenin. Gravíssimo, imperdoável e
mal-intencionado erro o de converter o Que Fazer? de Lenin num manual
pretensamente antiLuxemburgo!
De todas as formas é inegável e não se pode desconhecer que
Rosa polemizou várias vezes com Lenin. Tanto no seu artigo "Problemas
Organizativos da Social-democracia" de 1904 como na sua "Crítica da
Revolução Russa", redigido durante a primeira guerra mundial, na cadeia.
No entanto, deve situar-se cada crítica – e cada resposta de Lenin, incluindo
aquela que enviou à revista Neue Zeit em 1904 e que Kautsky não quis publicar –
num contexto de coordenadas bem delimitado, já que Rosa, como o principal
dirigente bolchevique, foram modificando as suas posições respectivas ao longo
da história. Se em 1904 ela depositava muito mais confiança na potencialidade
autodisciplinante do proletariado que numa organização centralizada como a que
Lenine promovia (Rosa temia que essa forma organizacional centralizada
conduzisse na Rússia à inércia, à prudência, ao conservadorismo e ao
parlamentarismo, como sucedia com a social-democracia alemã), mas no final da
sua vida acaba por fundar o Partido Comunista Alemão (KPD). Foi somente o seu
assassinato que a impediu de ser co-fundadora com Lenin e Trotsky da III
Internacional Comunista. Por sua parte Lenin, se nos seus textos do princípio
do século começou por defender intransigentemente a legitimidade do
centralismo, o profissionalismo dos quadros e da militância política e,
inclusivamente, certos elementos da administração partidária, como algo
imprescindível para derrubar a partir da clandestinidade o czarismo, quando a
revolução de 1905 conquistou certas liberdades democráticas, deu uma forma
organizativa ao Partido Bolchevique que tinha muito pouco a ver com o
centralismo "exagerado". E mais, no final da sua vida, Lenin acaba
por questionar abertamente a burocracia stalinista do Estado e do Partido,
deixando desesperados sinais de alerta ditados as suas secretárias, como seu
testamento político. Portanto, Lenin e Rosa, ambos foram mudando as respectivas
posições programáticas. Não se pode cristalizar nenhum deles numa fórmula
rígida para que entrem em um fácil esquema dicotômico de antagonismo.
Marcando então as nossas distâncias e reservas frente ao
esquematismo que pretende por, a todo o transe, Rosa contra Lenin e Lenin
contra Rosa, para aprofundar esse campo problemático devemos perguntar-nos como
definia Rosa a greve de massas? Como uma conjugação de lutas políticas e
econômicas, interpenetradas entre si, não unicamente como uma luta meramente
sindical. Quando se delimita estritamente e se analisa em toda a sua
complexidade a sua análise a greve de massas como uma greve política , vê-se o
quanto distante está a realidade de contraposição extrema que se pretendeu
levantar entre a reflexão de Rosa e a de Lenin. A sua argumentação não vai
contra a deste último. Daí que Rosa afirmasse o seguinte: "As greves
políticas e as econômicas, as greves de massas e as parciais, as greves de
protesto e as de luta, as greves gerais de determinados setores da indústria e
as greves gerais em determinadas cidades, as pacíficas lutas salariais e os
massacres de rua, as pelejas nas barricadas, todas se entrecruzam, correm
paralelas, se encontram, se interpenetram e se sobrepõem; é uma variada maré de
fenómenos em incessante movimento. E a lei que rege estes fenômenos é clara:
não reside na greve de massas em si própria nem nos seus detalhes técnicos, mas
nas proposições políticas e sociais das forças da revolução".Rosa não
subestimava, pois, as instancias políticas da consciência do proletariado no
desenvolvimento da greve geral de massas. O que punha em discussão era a
inércia do Partido Social-Democrata Alemão e a sua burocracia sindical para
encabeçar a luta. Ao mesmo tempo, ela apelava ao espírito revolucionário e à
iniciativa das massas contra a passividade da burocracia dos aparatos. Aqueles
debates em que Rosa interveio não ficaram sepultados no passado, nem interessam
unicamente aos historiadores acadêmicos do pensamento marxista. Voltar a pensar
o nexo entre os movimentos sociais e a consciência política revolucionária –
assim como também o papel de entrave das burocracias sindicais – à luz da atual
luta contra a ofensiva neoliberal do capital, o recrudescimento do
imperialismo, a crise do reformismo social-democrata e finalmente dos pactos
sociais do Estado de bem-estar impulsionados pela política de colaboração de
classes da Frente Popular, continua a ser uma tarefa central dos Comunistas
Leninistas.