A MILÍCIA OPERÁRIA E SEUS ADVERSÁRIOS
O Blog da LBI publica o brilhante texto de Trotsky “A Milícia Operária
e Seus Adversários” que foi escrito como parte do livro “Aonde Vai a França?”
de 1936. Este artigo analisa a importância da autodefesa armada dos
trabalhadores frente ao avanço da reação fascista na França dos anos 1930,
governada pela Frente Popular (PS, PC e o Partido Radical
pequeno-burguês) acossado pela reação burguesa. Sob o comando de Leon Blum e diante da pressão da burguesia,
os socialistas e o stalinismo negam-se a construir milícias operárias e os comitês
de auto-defesa. O texto trás para debate atual no Brasil, diante do
recrudescimento do regime político em crise, a questão da necessidade de que em cada
greve ou manifestação se publicite a formação de destacamentos armados do
proletariado e da juventude, o oposto do que defendem grupos revisionistas como
o MRT, MAIS e mesmo o PSTU, que apenas reivindicam o “direito de manifestar
e defender-se”. Como pontua Trotsky esse grupos centristas até falam em “autodefesa das
massas”, porém não chamam a formação e a organização de milícias armadas pelos
sindicatos e as organizações de esquerda, questionando a inutilidade dessa
suposta “auto-defesa” sem organização de combate, sem quadros especializados e
sem armas. Ele também polemiza com a tese, muito presente hoje na “esquerda” brasileira, que
organizar milícias seria uma “provocação” ao governo burguês e aos fascistas,
ironizando aqueles grupos que se resumem a “contestar filosoficamente” para
combater “ideologicamente” a repressão burguesa. Por fim, nesse artigo genial o
velho Bolchevique analisa que esse pacifismo do PS e do PC está a serviço da
formação e manutenção de um governo de colaboração de classes, reformista, algo muito
similar o que defendem PT, PSOL, PCdoB e seus satélites revisionistas com o
chamado pelas “Diretas Já” ou mesmo “Constituinte com Eleições Gerais”.
Para poder lutar, é preciso conservar e reforçar os
instrumentos e meios de luta: as organizações, a imprensa, as reuniões, etc. O
fascismo os ameaça, direta ou indiretamente. Ainda é muito fraco para lançar-se
à luta direta pelo poder; mas é bastante forte para tentar abater as
organizações operárias, pedaço a pedaço, para temperar seus grupos nesses
ataques, para semear nas fileiras operárias o desalento e a falta de confiança
em suas próprias forças. Mais que isso, o fascismo encontra auxiliares
inconscientes em todos aqueles que dizem que a "luta física" é
inadmissível e sem esperanças, e que reclamam de Doumergue o desarmamento de
seus guardas fascistas. Nada é tão perigoso para o proletariado, especialmente
nas condições atuais, que o veneno açucarado das falsas esperanças. Nada
aumenta tanto a insolência dos fascistas quanto o brando "pacifismo"
das organizações operárias. Nada destrói tanto a confiança das classes médias
no proletariado quanto a passividade expectante, a ausência de vontade para a
luta.
Le Populaire, e particularmente L'Humanité, escreve todos os
dias: "A Frente única é uma barreira contra os fascistas", "A
Frente única não permitirá...", "Os fascistas não se atreverão",
etc. Frases. É preciso se dizer exatamente aos operários, socialistas e comunistas:
"Não permitam que os jornalistas e discursadores superficiais e
irresponsáveis os adormeçam com frases. Trata-se de nossas cabeças e do futuro
do socialismo". Não somos nós que negamos a importância da Frente Única.
Nós a exigimos quando os dirigentes dos partidos estavam contra ela. A Frente
Única abre enormes possibilidades. Porém, nada mais. A Frente Única, em si
mesma, não decide nada. Somente a luta das massas decide. A Frente Única se
revelará uma grande coisa quando os destacamentos comunistas socorrerem os
destacamentos socialistas - e vice-versa -, no caso de um ataque dos grupos
fascistas contra Le Populaire e L'Humanité. Mas, para que isso ocorra, os
destacamentos de combate proletários devem existir, educar-se, treinar-se,
armar-se. Se não há organização de defesa, isto é, milícia do povo, Le
Populaire e L'Humanité poderão escrever tudo o que quiserem sobre a onipotência
da Frente Única e estarão indefesos diante do primeiro ataque bem preparado dos
fascistas. Tratemos de fazer o exame crítico dos "argumentos" e das
"teorias" dos adversários da milícia do povo, que são muitos e
bastante influentes nos dois partidos operários.
Necessitamos de autodefesa de massas e não de milícia, nos
dizem freqüentemente. Mas, o que é "autodefesa de massas"? Sem
organização de combate? Sem quadros especializados? Sem armas? Transferir para
as massas não-organizadas, não-equipadas, não-preparadas, entregues a si
mesmas, a defesa contra o fascismo, seria representar um papel
incomparavelmente mais baixo que o de Pôncio Pilatos. Negar o papel da milícia
é negar o papel da vanguarda. Nesse caso, para que um partido? Sem o apoio das
massas, a milícia não é nada. Mas, sem destacamentos de combate organizados, as
massas mais heróicas serão esmagadas, em debandada, pelos grupos fascistas.
Opor a milícia à autodefesa é absurdo. A milícia é o órgão da autodefesa.
Conclamar a organização da milícia é uma
"provocação", dizem alguns adversários certamente pouco sérios e
pouco honestos. Isto não é um argumento, mas um insulto. Se a necessidade de
defender as organizações operárias surge de toda a situação, como é possível
não se conclamar a criação de milícias? É possível nos dizer que a criação de
milícias "provoca" os ataques dos fascistas e a repressão do governo?
Neste caso, trata-se de um argumento absolutamente reacionário. O liberalismo
sempre disse aos operários que eles "provocam" a reação, com sua luta
de classes. Os reformistas repetiram essa acusação contra os marxistas; os
mencheviques contra os bolcheviques. No fim das contas, essas acusações se
reduzem a este pensamento profundo: se os oprimidos não se pusessem em
movimento, os opressores não seriam obrigados a golpeá-los. É a filosofia de
Tolstoi e de Gandhi, mas de modo algum a de Marx e Lênin. Se L'Humanité quer
também desenvolver a doutrina da "não-resistência ao mal pela
violência", deve tomar com símbolo não a foice e o martelo, emblema da
Revolução de Outubro, mas a bondosa cabra que nutre Gandhi com seu leite.
"Mas armar os operários não é oportuno, a não ser em
uma situação revolucionária, que ainda não existe." Este argumento
profundo significa que os operários devem se deixar espancar até que a situação
se torne revolucionária. Os que ontem pregavam o "terceiro período"
não querem ver o que se passa diante de seus olhos. A própria questão do
armamento só surgiu na prática porque a situação "pacífica",
"normal", "democrática", deu lugar a uma situação agitada,
crítica, instável, que facilmente pode transformar-se tanto em situação
revolucionária quanto contra-revolucionária. Esta alternativa depende, antes de
tudo, da resposta a esta questão: os operários de vanguarda se deixarão
espancar, impunemente, uns após outros, ou a cada golpe responderão com dois
golpes, aumentando a coragem dos oprimidos e unindo-os ao seu redor? Uma situação
revolucionária não cai do céu. É criada com a participação ativa da classe
revolucionária e do seu partido.
Os stalinistas franceses alegam agora que a milícia não
salvou o proletariado alemão da derrota. Até ontem, negavam que tivesse havido
derrota na Alemanha, e afirmavam que a política dos stalinistas alemães tinha
sido justa do princípio ao fim. Hoje, vêem todo o mal na milícia operária alemã
(Rote Front). Assim, de um erro caem no erro oposto, não menos monstruoso. A
milícia não resolve a questão por si mesma. Falta uma política correta. A
política dos stalinistas na Alemanha ("o social-fascismo é o inimigo
principal", a cisão sindical, o flerte com o nacionalismo, o putchismo)
conduz fatalmente ao isolamento da vanguarda proletária e a seu desmoronamento.
Com uma estratégia totalmente errônea, nenhuma milícia pode salvar a situação.
É uma tolice dizer que a organização da milícia, por si
mesma, abre o caminho para aventuras, provoca o inimigo, substitui a luta
política pela luta física, etc. Em todas essas frases não há senão covardia
política. A milícia, como uma forte organização de vanguarda, é, de fato, o
meio mais seguro contra as aventuras, contra o terrorismo individual, contra as
sangrentas explosões espontâneas. A milícia é, ao mesmo tempo, o único meio
sério de se reduzir ao mínimo a guerra civil que o fascismo impõe ao
proletariado. Que os operários, embora não exista uma "situação
revolucionária", corrijam ao menos uma vez os "filhinhos de
papai" patriotas com seus próprios métodos, e o recrutamento de novos
grupos fascistas se tornará, de imediato, incomparavelmente mais difícil.
Mas aqui os estrategistas, confundidos em seu próprio
raciocínio, nos lançam argumentos ainda mais surpreendentes. Lemos
textualmente: "Se respondemos aos tiros dos grupos fascistas com outros
tiros - escreve L'Humaníté, em 23 de outubro -, perdemos de vista que o
fascismo é produto do regime capitalista e que, lutando contra o fascismo,
enfrentamos todo o sistema." É difícil acumular em tão poucas linhas mais
confusão e erros. É impossível defender-se contra os fascistas porque
representam "um produto capitalista!" Isto significa que se deve
renunciar a toda luta, pois todos os males sociais contemporâneos são
"produtos do sistema capitalista".
Quando os fascistas matam um revolucionário ou incendeiam a
sede de um jornal proletário, os operários devem contestar filosoficamente:
"Ah, os assassinatos e os incêndios são produtos do sistema
capitalista", e voltar para casa com a consciência tranqüila. A prostração
fatalista substitui a teoria militante de Marx, com vantagem, unicamente, para
o inimigo de classe. Certamente, a ruína da pequena burguesia é produto do
capitalismo. O crescimento dos grupos fascistas é, por sua vez, produto da
ruína da pequena burguesia. Mas, por outro lado, o aumento da miséria e da
revolta do proletariado é também, por sua vez, produto do capitalismo, e a
milícia, produto da exacerbação da luta de classes. Então, por que para os
"marxistas" de L Humanité os grupos fascistas são produto legítimo do
capitalismo e a milícia do povo produto ilegítimo... dos trotskistas?
Decididamente, não se pode entender nada disso.
Dizem-nos: é necessário enfrentar todo o
"sistema". Como? Passando sobre a cabeça de seres humanos? No
entanto, os fascistas começaram pelos tiros e terminaram com a destruição de
todo o "sistema" das organizações operárias. Como deter a ofensiva
armada do inimigo senão por meio de uma defesa armada, para depois passar à
ofensiva?
Certamente L'Humanité admite, em palavras, a defesa, mas
somente como "autodefesa de massas": a milícia é prejudicial porque,
veja você, separa os destacamentos de combate das massas. Mas, então, por que
entre os fascistas existem destacamentos armados independentes que não se
separam das massas reacionárias, pelo contrário, através de seus golpes bem
organizados aumentam a coragem dessas massas e reforçam sua audácia? Ou as
massas proletárias são, talvez, por suas qualidades combativas, inferiores à
pequena burguesia desqualificada?
Confuso até o fim, L'Humanité começa a hesitar: a autodefesa
de massas precisa criar seus "grupos de autodefesa". Em lugar da
milícia repudiada se colocam grupos especiais, destacamentos. À primeira vista,
parece que a diferença é apenas de nome. Na verdade, sequer o nome proposto por
L Humanité vale alguma coisa. Pode-se falar de "autodefesa de
massas", mas é impossível falar de "grupos de autodefesa", pois
os grupos não têm por objetivo defender-se, e sim as organizações operárias. No
entanto, não se trata, certamente, de nome. Os "grupos de
autodefesa", segundo L Humanité, devem renunciar ao uso de armas, para não
caírem no "putchismo". Estes sábios tratam a classe operária como uma
criança em cujas mãos não se deve deixar uma navalha. Além disso, como se sabe,
as navalhas são monopólio dos Camelots du Roi que, como legítimo "produto
do capitalismo", derrubaram o "sistema" da democracia. Mas,
então, como os "grupos de autodefesa" vão se defender contra os
revólveres fascistas? "Ideologicamente", é claro. Dito de outro modo:
não lhes resta outro remédio que ir dormir. Não tendo em mãos o que lhes falta,
devem buscar a "autodefesa" nas pernas. Enquanto isso, os fascistas
saquearão impunemente as organizações operárias. Mas, se o proletariado sofrer
uma terrível derrota, ao menos não terá sido culpado de "putchismo!"
Desgosto e desprezo: isto é o que provoca essa tagarelice de poltrões sob a
bandeira do "bolchevismo".
Já no tempo do "terceiro período", de feliz
memória, quando os estrategistas do L'Humanité tinham o delírio das barricadas,
"conquistavam" a rua todos os dias e chamavam de social-fascistas
todos os que não compartilhavam de suas extravagâncias, prevíamos: "No
momento em que queimarem a ponta dos dedos, se tornarão os piores
oportunistas." A profecia se confirmou completamente agora. No momento em
que no partido socialista se reforça e cresce o movimento em favor da milícia,
os chefes do partido que se chama comunista correm a pegar a mangueira de
incêndio para esfriar as aspirações dos operários de vanguarda a formar colunas
de combate. É possível imaginar um trabalho mais nefasto e desmoralizante?
É Preciso Construir a Milícia Operária
Nas fileiras do partido socialista, às vezes escuta-se esta
objeção: "É necessário formar a milícia, mas não há necessidade de se
falar tão alto." Não se pode senão felicitar os camaradas que têm o
cuidado de subtrair o lado prático do assunto a olhos e ouvidos indesejáveis.
Mas é demasiadamente ingênuo pensar que se pode criar a milícia em segredo,
entre quatro paredes. Precisamos de dezenas e, em seguida, de centenas de
milhares de combatentes. Eles só virão se milhões de operários e operárias, e
atrás deles também os camponeses, compreenderem a necessidade da milícia e
criarem, em torno dos voluntários, um clima de ardente simpatia e de apoio
ativo. A clandestinidade pode e deve envolver unicamente o lado técnico do
assunto. Enquanto campanha política, deve desenrolar-se abertamente nas
reuniões, nas fábricas, nas ruas e praças públicas.
Os quadros fundamentais da milícia devem ser os operários
fabris, agrupados segundo o lugar de trabalho, uns e outros se conhecendo e
sendo capazes de proteger seus destacamentos de combate contra as provocações
de agentes inimigos com muito mais facilidade e segurança que os burocratas
mais educados. Sem a mobilização aberta das massas, os estados-maiores
clandestinos ficarão suspensos no ar no momento do perigo. necessário que todas
as organizações operárias ponham mãos à obra. Nesta questão não pode haver uma
linha divisória entre os partidos operários e os sindicatos. Ombro a ombro,
devem mobilizar as massas. Assim, o êxito da milícia operária estará plenamente
assegurado.
"Mas de onde os operários vão tirar armas?"
objetam os sérios "realistas", isto é, os filisteus assustados. O
inimigo de classe tem os fuzis, os canhões, os tanques, os gases, os aviões; os
operários têm apenas revólveres e facas.
Nesta objeção, mistura-se tudo para assustar os operários.
Por um lado, nossos sábios identificam o armamento dos fascistas com o
armamento do Estado; por outro, se voltam para o Estado, suplicando que desarme
os fascistas. Admirável lógica! Na verdade, sua posição é falsa nos dois casos.
Na França, os fascistas ainda estão longe de ter-se apoderado do Estado. Em 6
de fevereiro, entraram em confronto armado com sua polícia. Por isso é falso
falar de canhões e tanques quando se trata no imediato da luta armada contra os
fascistas. Os fascistas, evidentemente, são mais ricos que nós, e podem comprar
armas mais facilmente. Contudo, os operários são mais numerosos, mais
decididos, mais devotados, ao menos quando contam com uma direção
revolucionária firme. Entre outras fontes, os operários podem armar-se à custa
dos fascistas, desarmando-os sistematicamente. Atualmente, esta é uma das
formas mais sérias de luta contra o fascismo. Quando os arsenais operários
começarem a se encher a expensas dos depósitos fascistas, os bancos e os trustes
se tornarão mais prudentes ao financiar o armamento de seus guardas assassinos.
Pode-se mesmo admitir que nesse caso - mas só nesse caso - as autoridades,
alarmadas, começarão realmente a impedir o armamento dos fascistas, para não
oferecer uma fonte suplementar de armamento aos operários. Há muito se sabe que
somente uma tática revolucionária gera, como produto acessório,
"reformas" ou concessões do governo.
Mas como desarmar os fascistas? Naturalmente, é impossível
fazê-lo unicamente por meio de artigos nos jornais. É preciso criar esquadras
de combate. É preciso criar os estados-maiores da milícia. É preciso instituir
um bom serviço de informações. Milhares de informantes e auxiliares voluntários
se aproximarão de nós quando compreenderem que encaramos o assunto com
seriedade. É necessária uma vontade de ação proletária.
Mas os armamentos fascistas não são, naturalmente, a única
fonte. Na França, há mais de um milhão de operários organizados. De um modo
geral, é pouco, porém mais que suficiente para iniciar uma milícia operária. Se
os partidos e sindicatos armassem somente a décima parte de seus membros, já
haveria uma milícia de 100 mil homens. Não há dúvidas de que o número de
voluntários, no dia seguinte à convocação da Frente única para se formar a
milícia, ultrapassaria de longe esse número. As cotizações dos partidos e dos
sindicatos, as coletas e contribuições voluntárias dariam a possibilidade de,
em um ou dois meses, assegurar armas a 100 mil ou 200 mil combatentes
operários. A canalha fascista colocaria rapidamente o rabo entre as pernas.
Toda a perspectiva do momento se tornaria incomparavelmente mais favorável.
Invocar a ausência de armamento ou outras causas objetivas
para explicar por que ainda não se começou a criação da milícia é enganar-se a
si mesmo e aos demais. O principal obstáculo, pode-se dizer o único, está no
caráter conservador e passivo das organizações operárias dirigentes. Os céticos
que as chefiam não acreditam na força do proletariado. Colocam sua esperança em
todo tipo de milagres vindos do alto, em vez de dar uma saída revolucionária à
energia daqui debaixo. Os operários socialistas devem forçar seus chefes, seja
a passar imediatamente à criação da milícia do povo, seja a ceder lugar para
forças mais jovens e frescas.
O Armamento do Proletariado
Um greve é inconcebível sem propaganda e agitação, mas
também sem piquetes que, onde puderem, atuem através da persuasão, e onde se
virem obrigados, recorram à força física. A greve é a forma mais elementar da
luta de classes, na qual se combinam sempre, em proporções variáveis, os
procedimentos "ideológicos" e os físicos. A luta contra o fascismo é,
na sua essência, uma luta política, que requer uma milícia do mesmo modo que
uma greve exige piquetes. No fundo, o piquete é o embrião da milícia operária.
Aquele que pensa ser necessário renunciar à luta física deve renunciar a toda
luta, pois o espírito não vive sem a carne.
De acordo com a magnífica expressão do teórico militar
Clausewitz, a guerra é a continuação da política por outros meios. Esta
definição também se aplica plenamente à guerra civil. A luta física não é senão
um dos "outros meios" da luta política. É impossível opor uma à
outra, porque é impossível deter arbitrariamente a luta política quando se
transforma, pela força de suas necessidades internas, em luta física. O dever
de um partido revolucionário é prever a inevitabilidade da transformação da
luta política em conflito armado declarado e preparar-se com todas as suas
forças para esse momento, como para ele se preparam as classes dominantes.
Os destacamentos da milícia para a defesa contra o fascismo
são os primeiros passos no caminho do armamento do proletariado, e não o
último. Nossa palavra de ordem é: "Armamento do proletariado e dos
camponeses revolucionários". A milícia do povo, no fim das contas, deve
abarcar todos os trabalhadores. Não será possível cumprir esse programa
completamente, a não ser no Estado operário, para cujas mãos passarão todos os
meios de produção e, conseqüentemente, também os meios de destruição, isto é,
os armamentos e todas as fábricas que os produzem.
No entanto, é impossível chegar ao Estado operário com as
mãos vazias. Somente os políticos inválidos, do tipo de Renaudel, podem falar
de uma via pacífica, constitucional, para o socialismo. A via constitucional
está cortada por trincheiras ocupadas pelos grupos fascistas. Há muitas dessas
trincheiras diante de nós. A burguesia não vacilará em provocar uma dúzia de
golpes de Estado para impedir a chegada do proletariado ao poder. Um Estado
operário socialista não pode ser criado senão por uma revolução vitoriosa. Toda
revolução é preparada pela marcha do desenvolvimento econômico e político, mas
é decidida sempre por conflitos armados declarados entre as classes hostis. Uma
vitória revolucionária não é possível a não ser graças a uma ampla agitação
política, a um amplo trabalho de educação, uma ampla tarefa de organização das
massas. Mas o próprio conflito armado também deve ser preparado com muita
antecedência. Os operários devem saber que terão de bater-se numa luta de
morte. Devem querer armar-se, como garantia de sua liberação. Em uma época tão
crítica quanto a atual, o partido da revolução deve pregar aos operários,
incansavelmente, a necessidade de armar-se e de fazer tudo o que possam para
assegurar, pelo menos, o armamento da vanguarda proletária. Sem isso, a vitória
é impossível.
Mas de onde tirar armas para todo o proletariado? objetam
novamente os céticos, que tomam sua inconsistência interior por uma
impossibilidade objetiva. Esquecem que a mesma questão foi colocada em todas as
revoluções ao longo da história. E, apesar de tudo, as revoluções triunfantes
marcam etapas importantes no desenvolvimento da humanidade.
O proletariado produz armas, transporta-as, constrói os
arsenais em que são depositadas, defende esses arsenais contra si mesmo, serve
no exército e cria todo o equipamento deste último. Não são fechaduras nem
muros que separam as armas do proletariado, mas o hábito da submissão, a
hipnose da dominação de classe, o veneno nacionalista. Basta destruir esses
muros psicológicos e nenhum muro de pedra resistirá. Basta que o proletariado
queira ter armas e as encontrará. A tarefa do partido revolucionário é
despertar no proletariado essa vontade e facilitar sua realização.
Eis porém que Frossard e algumas centenas de parlamentares,
jornalistas e funcionários sindicais assustados lançam seu último argumento, o
de mais peso: "Podem as pessoas sérias, em geral, pôr suas esperanças no
êxito da luta física depois das últimas experiências trágicas da Áustria e da
Espanha? Pensai na técnica atual: os tanques! os gases! os aviões!!!" Este
argumento demonstra somente que algumas "pessoas sérias" não só não
querem aprender nada como, medrosas, esquecem o pouco que aprenderam em outros tempos.
A história dos últimos vinte anos demonstra, de modo particularmente claro, que
os problemas fundamentais nas relações entre as classes, assim como entre as
nações, são resolvidos pela força. Os pacifistas esperaram durante muito tempo
que o progresso da técnica militar tornasse a guerra impossível. Durante
décadas, os filisteus repetiram que o progresso da técnica militar tornaria
impossível a revolução. No entanto, guerras e revoluções seguem seu caminho.
Nunca houve tantas revoluções, até mesmo revoluções vitoriosas, como depois da
última guerra, que exatamente revelou toda a força da técnica militar.
Sob a forma de novidades, Frossard e Cia. apresentam velhos
esquemas: se limitam a invocar, em lugar de fuzis automáticos e metralhadoras,
tanques e aviões de bombardeio. Respondemos: atrás de cada máquina há homens, e
esses homens não são apenas instrumentos técnicos, mas possuem também laços
sociais e políticos. Quando o desenvolvimento histórico coloca diante da
sociedade uma tarefa revolucionária inadiável, como questão de vida ou morte,
quando existe uma classe progressiva a cuja vitória se encontra ligada a
salvação da sociedade, a própria marcha da luta política abre diante dela as
possibilidades mais diversas: assim que paralisar a força militar do inimigo,
apoderar-se dela, ao menos parcialmente. Na consciência de um filisteu, essas
possibilidades se apresentam sempre como "êxitos ocasionais", devidos
ao acaso, que nunca mais se repetirão. De fato, em toda grande revolução
verdadeiramente popular, abre-se todo tipo de possibilidade, nas combinações
mais inesperadas, porém no fundo completamente naturais. Mas, apesar de tudo, a
vitória não se produz por si mesma. Para utilizar as possibilidades favoráveis,
é preciso uma vontade revolucionária, uma firme resolução de vencer, uma
direção sólida e audaciosa.
L'Humanité admite, em palavras, a bandeira "armamento
dos operários", mas só para renunciar a ela na prática. Atualmente, neste
período, é inadmissível lançar uma palavra de ordem que não é oportuna senão em
"plena crise revolucionária". É perigoso carregar o fuzil, diz o
caçador excessivamente "prudente", enquanto não vê a presa. Mas,
quando a avista, é tarde demais para carregar o fuzil. Os estrategistas de
L'Humanité pensam que, "em plena crise revolucionária" poderão, sem
preparação, mobilizar e armar o proletariado? Para conseguir muitas armas é
preciso ter ao menos algumas. É preciso quadros militares. É preciso que as
massas tenham o desejo invencível de apoderar-se das armas. É preciso um
trabalho preparatório ininterrupto, não só nas salas de ginástica, mas
indissoluvelmente ligado à luta cotidiana das massas. Isto quer dizer: é
preciso construir imediatamente a milícia e, ao mesmo tempo, fazer propaganda
em favor do armamento geral dos operários e dos camponeses revolucionários.
Mas as Derrotas da Áustria e da Espanha...
A impotência do parlamentarismo nas condições de crise total
do sistema social do capitalismo é tão evidente que os democratas vulgares no
campo operário (Renaudel, Frossard e seus imitadores) não encontram um
argumento para defender seus preconceitos petrificados. Com maior razão, estão
dispostos a brandir todos os fracassos e derrotas sofridos no caminho
revolucionário. O desenvolvimento do seu pensamento é o seguinte: se o
parlamentarismo puro não oferece saída, com a luta armada não se melhora a
situação. As derrotas das insurreições proletárias da Áustria e da Espanha,
para eles, são agora o argumento preferido, é claro. De fato, na crítica do
método revolucionário, a inconsistência teórica e política dos democratas
vulgares aparece ainda mais claramente que em sua defesa dos métodos da
democracia burguesa em apodrecimento.
Ninguém disse que o método revolucionário assegura
automaticamente a vitória. O decisivo não é o método em si mesmo, mas sua
aplicação correta, a orientação marxista nos acontecimentos, uma organização
poderosa, a confiança das massas conquistada através de uma ampla experiência,
uma direção perspicaz e ousada. O resultado de todo combate depende do momento
e das condições do conflito, da relação de forças. O marxismo está bem longe de
pensar que o conflito armado é o único método revolucionário, uma espécie de
panacéia que vale para todas as situações. O marxismo, em geral, não conhece
fetiches, sejam eles Parlamento ou insurreição. Tudo é bom, em seu tempo e
lugar. Mas, o que se pode dizer, para começar, é que, pela via parlamentar, o
proletariado socialista nunca e em nenhum lugar conquistou o poder; sequer se
aproximou dele. Os governos de Scheidemann, Hermann Müller, Mac Donald nada
tinham em comum com o socialismo. A burguesia não permitiu aos
social-democratas e trabalhistas chegar ao poder senão sob a condição de que
defendessem o capitalismo contra seus inimigos. E eles cumpriram escrupulosamente
esta condição. O socialismo puramente parlamentar, anti-revolucionário, nunca e
em nenhuma parte tornou realidade um ministério socialista; ao contrário,
conseguiu criar desprezíveis renegados que exploraram o partido operário para
fazer uma carreira ministerial: Millerand, Briand, Viviani, Laval,
Paul-Boncour, Marquet.
Por outro lado, a experiência histórica demonstrou que o
método revolucionário pode conduzir à conquista do poder pelo proletariado: na
Rússia em 1917, na Alemanha e na Áustria em 1918, na Espanha em 1930. Na
Rússia, havia um poderoso partido bolchevique, que durante longos anos preparou
a revolução e que soube se apoderar do poder solidamente. Os partidos
reformistas da Alemanha, Áustria e Espanha não prepararam nem dirigiram a revolução,
mas a sofreram. Espantados com o poder que havia caído em suas mãos, contra sua
vontade, cederam-no benevolamente à burguesia. Deste modo, minaram a confiança
do proletariado em si mesmo e, mais que isso, a confiança da pequena burguesia
no proletariado. Prepararam as condições de crescimento da reação fascista de
que foram vítimas.
Citando Clausewitz, dissemos que a guerra civil é a
continuação da política por outros meios. Isto significa: o resultado da guerra
civil depende somente 1/4, para não dizer 1/10, da marcha da própria guerra
civil, de seus meios técnicos, da direção meramente militar, e os 3/4
restantes, senão 9/10, da preparação política. Em que consiste essa preparação?
Na coesão revolucionária das massas, em sua liberação das esperanças servis na
clemência, generosidade e lealdade dos escravistas "democráticos", na
educação de quadros revolucionários que saibam desafiar a opinião pública
oficial e que sejam capazes de exibir diante da burguesia, quanto mais não
seja, uma décima parte da implacabilidade que a burguesia exibe diante dos
trabalhadores. Sem esta têmpera, a guerra civil, quando as condições a impõem -
e sempre terminam por impô-la -, se desenvolverá em condições mais
desfavoráveis para o proletariado, dependerá em maior medida de acasos; e mesmo
em caso de vitória militar, o poder poderá escapar das mãos do proletariado.
Quem não vê que a luta de classes conduz inevitavelmente a um conflito armado é
um cego. Mas não é menos cego quem, após o conflito armado e seu desenlace, não
vê toda a política anterior das classes em luta.
Na Áustria, quem sofreu a derrota não foi o método da
insurreição, mas o austro-marxismo; na Espanha, o reformismo parlamentar sem
princípios. Em 1918, a social-democracia austríaca, nas costas do proletariado,
deu à burguesia o poder que este havia conquistado. Em 1927, não só se afastou
covardemente da insurreição proletária que tinha todas as possibilidades de
vencer, como dirigiu a Schutzbund operária contra as massas insurgentes. Desse
modo, preparou a vitória de Dolfuss. Bauer e Cia. diziam: "Queremos uma
evolução pacífica, mas se o inimigo perde a cabeça e nos ataca, então..."
Esta fórmula parecia ser muito "sábia" e muito "realista".
É sobre o modelo austro-marxista que Marceau Pivert constrói também seus
raciocínios: "Se... então...". De fato, esta fórmula é uma armadilha
para os operários: tranqüiliza-os, adormece-os, engana-os. "Se" quer
dizer: as formas de luta dependem da boa vontade da burguesia e não da
impossibilidade de conciliar os interesses de classes. "Se" quer
dizer: se somos pacíficos, prudentes, conciliadores, a burguesia será leal e
tudo seguirá pacificamente. Correndo atrás do fantasma "se", Otto
Bauer e outros chefes da social-democracia austríaca retrocederam passivamente
ante a reação, cederam a ela uma posição após outra, desmoralizaram as massas,
voltaram a retroceder, até o momento em que se encontraram, finalmente, metidos
em um beco sem saída; ali, no último reduto, aceitaram a batalha... e a
perderam.
Na Espanha, os acontecimentos seguiram outro caminho, mas no
fundo as causas da derrota são as mesmas. O partido socialista, como os
"socialista-revolucionários" e os mencheviques russos, compartilhou o
poder com a burguesia republicana para impedir que os operários levassem a
revolução até o final. Durante dois anos, os socialistas no poder ajudaram a
burguesia a desembaraçar-se das massas através de migalhas de reformas
agrárias, sociais e nacionais. Contra as camadas mais revolucionárias do povo,
os socialistas utilizaram a repressão. O resultado foi duplo. O
anarco-sindicalismo, que com uma política correta de partido operário se teria
fundido como a cera no fogo da revolução, na realidade se reforçou de fato e
uniu em torno de si as camadas mais combativas do proletariado. Em outro pólo,
a demagogia social-católica explorou habilmente o descontentamento das massas
com o governo burguês-socialista. Quando o partido socialista estava
suficientemente comprometido, a burguesia o tirou do poder e passou à ofensiva
em toda a linha. O partido socialista viu-se obrigado a defender-se nas
condições extremamente desfavoráveis em que sua própria política anterior o
havia deixado. A burguesia já tinha apoio de massa à direita. Os chefes
anarco-sindicalistas, que no curso da revolução cometeram todos os erros
próprios desses confusionistas profissionais, se negaram a apoiar a insurreição
dirigida pelos "políticos" traidores. O movimento não teve caráter
geral, mas esporádico. O governo pôde dirigir seus golpes sobre todas as casas
do tabuleiro. A guerra civil assim imposta pela reação terminou com a derrota
do proletariado.
Da experiência espanhola não é difícil tirar uma conclusão
contra a participação socialista em um governo burguês. A conclusão é em si
mesma indiscutível, mas absolutamente insuficiente. O pretendido
"radicalismo" austro-marxista não é melhor que o ministerialismo
espanhol. A diferença entre eles é técnica, e não política. Ambos esperavam que
a burguesia retribuísse "lealdade" com "lealdade". E ambos
levaram o proletariado a catástrofes. Na Espanha como na Áustria, não foram os
métodos da revolução que fracassaram, mas os métodos oportunistas usados em uma
situação revolucionária. Não é a mesma coisa!
Não nos deteremos aqui sobre a política da Internacional
Comunista na Áustria e na Espanha; remetemos o leitor às coleções da La Veríté
dos últimos anos e a uma série de folhetos.
Em uma situação política excepcionalmente favorável, os
partidos comunistas austríaco e espanhol, prostrados pela teoria do
"terceiro período", do "social-fascismo", etc., se
condenaram a um completo isolamento. Comprometendo os métodos da revolução pela
autoridade de "Moscou", fecharam assim a via para uma política
verdadeiramente marxista, verdadeiramente bolchevique. A característica da revolução
é submeter a um exame rápido e implacável todas as doutrinas e métodos. O
castigo se segue quase imediatamente ao crime. A responsabilidade da
Internacional Comunista nas derrotas do proletariado na Alemanha, na Áustria e
na Espanha é incalculável. Não basta ter uma política
"revolucionária" em palavras. preciso ter uma política correta.
Ninguém encontrou ainda outro segredo para a vitória.
A Frente Única e a Luta Pelo Poder
Já dissemos: a Frente Única dos partidos socialista e
comunista tem grandiosas possibilidades. Basta querer seriamente e será amanhã
a dona da França. Mas deve querê-lo.
O fato de Jouhaux e, em geral, a burocracia da CGT se
manterem fora da Frente única, conservando sua "independência",
parece contradizer o que dizemos. Mas somente à primeira vista. Em uma época de
grandes tarefas e de grandes perigos que põem ás massas de pé, desaparecem de
fato os limites entre as organizações-políticas e sindicais do proletariado. Os
operários querem saber como salvar-se do desemprego e do fascismo, como
conquistar sua independência diante do capital, e não se preocupam nem um pouco
com a "independência" de Jouhaux em relação à política proletária
(porque Jouhaux, lamentavelmente, é muito dependente da política burguesa). Se
a vanguarda proletária, representada pela Frente única, traça corretamente o
caminho da luta, todos os obstáculos levantados pela burocracia sindical serão
varridos pela torrente viva do proletariado. A chave da situação, hoje, está na
Frente única dos dois partidos. Se não utilizar essa chave, desempenhará o
lamentável papel que a Frente única dos "social-revolucionários" e
mencheviques teria inevitavelmente desempenhado na Rússia de 1917... se os bolcheviques
não o tivesse impedido.
Não falamos dos partidos socialista e comunista em separado,
pois, politicamente, ambos renunciaram a sua independência em favor da Frente
única. Desde o momento em que os dois partidos operários, que competiam
vivamente no passado, renunciaram a criticar-se mutuamente e a conquistar, cada
um, os adeptos do outro, por essa mesma circunstância deixaram de existir como
partidos distintos. Invocar "divergências de princípios" que se
mantêm não muda nada. Desde que as divergências de princípios não se manifestem
aberta e ativamente num momento tão cheio de responsabilidades como o atual,
deixam de existir politicamente; são como tesouros que dormem no fundo do mar.
O trabalho comum terminará ou não em fusão? Não queremos fazer previsões. Mas,
neste momento decisivo para o destino da França, a Frente única dos dois
partidos atua como um partido incompleto, que seria construído sobre o
princípio federativo.
O que quer a Frente única? Não o disse às massas até agora.
A luta contra o fascismo? Mas até agora não explicou sequer como pensa lutar
contra o fascismo. Além disso, o bloco puramente defensivo contra o fascismo
poderia bastar somente se, em todo o resto, os partidos conservassem uma
completa independência. Mas não, temos uma Frente única que abrange quase toda
a atividade política dos partidos e exclui sua luta recíproca para conquistar a
maioria do proletariado. É necessário extrair todas as conseqüências desta
situação. A primeira, e mais importante, é que é preciso lutar pelo poder. O
objetivo da Frente Única dos partidos socialista e comunista não pode ser outro
que um governo desta Frente, isto é, um governo socialista-comunista, um
ministério Blum-Cachin. É preciso dizê-lo abertamente. Se a Frente única toma a
si mesma seriamente - e esta é a única condição para que seja tomada a sério
pelas massas populares -, não pode furtar-se à palavra de ordem de conquista do
poder. Por quais meios? Por todos os meios que conduzam a esse objetivo, a
Frente Única não renuncia à luta parlamentar. Mas utiliza o Parlamento antes de
tudo para demonstrar a impotência deste e explicar ao povo que o governo
burguês atual tem uma base extraparlamentar e que não se pode derrotá-lo a não
ser com um poderoso movimento de massas. A luta pelo poder significa a
utilização de todas as possibilidades oferecidas pelo regime bonapartista
semiparlamentar, para derrotá-lo mediante uma investida revolucionária; para
substituir o Estado burguês por um Estado operário.
As últimas eleições cantonais revelaram um crescimento dos
votos socialistas, e sobretudo comunistas. Em si mesmo, este fato nada
significa. O partido comunista alemão teve, na véspera do seu desmoronamento,
uma afluência incomparavelmente mais impetuosa de votos. Novas e amplas camadas
de oprimidos são empurradas para a esquerda por toda a situação,
independentemente mesmo da política dos partidos que estão nos extremos. O
partido comunista francês ganhou mais votos porque, apesar de sua atual
política conservadora, continua sendo "a extrema esquerda", por
tradição. As massas manifestaram desse modo sua tendência a dar um impulso à
esquerda aos partidos operários, pois elas estão enormemente mais à esquerda
que seus partidos. O estado de ânimo revolucionário da juventude Socialista
também dá testemunho disso. É preciso não esquecer que a juventude representa o
barômetro sensível de toda classe e sua vanguarda! Se a Frente única não sai da
passividade ou, pior ainda, começa um indigno romance com os radicais, os
anarco-sindicalistas, os anarquistas e outros grupos de desagregação política
começarão a fortalecer-se à esquerda da Frente única. Ao mesmo, a indiferença,
precursora da catástrofe, se fortalecerá. Ao contrário, se a Frente Única,
protegendo sua retaguarda e seus flancos dos grupos fascistas, deslancha uma
grande ofensiva política sob a palavra de ordem de conquista do poder,
encontrará um eco tão poderoso que superará as expectativas mais otimistas. Só
não podem compreender isso os tagarelas, para quem os grandes movimentos de
massas sempre serão um livro fechado com sete selos.
Um Programa de Revolução, e Não de Passividade
A luta pelo poder deve partir da ideia fundamental de que,
embora seja possível opor-se a um agravamento da situação das massas no terreno
do capitalismo, não se pode conceber nenhuma melhora real da situação sem uma
incursão revolucionária contra o direito de propriedade capitalista. A campanha
da Frente única deve apoiar-se sobre um programa de transição bem elaborado,
isto é, sobre um sistema de medidas que - com um governo operário e camponês -
deve assegurar a transição do capitalismo ao socialismo.
Ora, se é necessário um programa, não é para tranqüilizar a
própria consciência, mas para conduzir uma ação revolucionária. De que vale o
programa, se é letra morta? O partido operário belga, por exemplo, adotou o
pomposo plano De Man, com todas as "nacionalizações"; mas que sentido
tem esse plano, se não quiseram mover o dedo mínimo por sua realização? Os
programas do fascismo são fantásticos, mentirosos, demagógicos. Mas o fascismo
trava uma luta raivosa pelo poder. O socialismo pode lançar o programa mais
sábio, mas seu valor será igual a zero se a vanguarda do proletariado não
desenvolver uma audaciosa luta para apoderar-se do Estado. A crise social, em
sua expressão política, é a crise do poder. O velho amo faliu. É preciso um
novo. Se o proletariado revolucionário não se tornar o dono do poder, o
fascismo, inevitavelmente, se tornará!
Um programa de reivindicações transitórias para as
"classes médias" pode ter grande importância, naturalmente, se esse
programa responder, por um lado, às necessidades reais das classes médias e,
por outro, às exigências da marcha para o socialismo [4]. Contudo, uma vez
mais, o centro de gravidade não se encontra, atualmente, neste ou naquele
programa particular. As "classes médias" já viram e ouviram muitos
programas. O que precisam é ter confiança no programa que será realizado. No
momento em que o camponês disser: "Desta vez, parece que o partido
operário não vai retroceder", a causa do socialismo estará ganha. Mas,
para isso, é necessário mostrar, através de fatos, que estamos firmemente
dispostos a eliminar todos os obstáculos de nosso caminho.
Não é preciso inventar meios de luta; eles já foram dados
pela história do movimento operário mundial: uma campanha da imprensa operária,
orquestrada, atacando um mesmo ponto; discursos autenticamente socialistas nas
tribunas parlamentares, não de deputados domesticados, mas de dirigentes do
povo; utilização de todas as campanhas eleitorais para a propaganda
revolucionária; reuniões freqüentes a que as massas compareçam não somente para
escutar os oradores, mas para receber as palavras de ordem e as diretrizes do
momento; criação e fortalecimento da milícia operária; manifestações bem organizadas
que varram das ruas os grupos reacionários; greves de protesto; campanha aberta
pela unificação e aumento das fileiras sindicais sob o signo de uma decidida
luta de classes; ações obstinadas e bem calculadas para atrair o exército para
a causa do povo; greves mais amplas; manifestações mais poderosas; greve geral
dos trabalhadores da cidade e do campo; ofensiva geral contra o governo
bonapartista pelo poder dos operários e camponeses. Ainda há tempo para
preparar a vitória. O fascismo ainda não se converteu em um movimento de
massas. No entanto, a inevitável decomposição do capitalismo significará o
estreitamento da base do bonapartismo, o crescimento dos campos extremos e a
aproximação do desenlace. Não se trata de anos, mas de meses. Esse prazo, evidentemente,
não está escrito em parte alguma. Depende da luta das forças vivas e, em
primeiro lugar, da política do proletariado e de sua Frente única. As forças
potenciais da revolução superam em muito as forças do fascismo e, em geral, as
de toda a reação unida Os céticos que pensam que tudo está perdido devem ser
implacavelmente expulsos das fileiras operárias. As camadas mais profundas
respondem com um eco vibrante a cada palavra audaciosa, a cada palavra de ordem
verdadeiramente revolucionária. As massas querem a luta.
O único fator progressivo da história hoje não é o espírito
de combinação dos deputados e jornalistas: é o ódio legítimo criador dos
oprimidos contra os opressores. É preciso voltar para as massas, para suas
camadas mais profundas. É preciso fazer um chamado a sua razão e a sua paixão.
É preciso rejeitar essa "prudência" mentirosa, que serve de
pseudônimo à covardia e que, nas grandes viradas históricas, equivale a
traição. A Frente Única deve tornar como lema a fórmula de Danton: "De
l'audatoujours de l'audace, et encore de l'audace."
Compreender bem a situação e extrair todas as conclusões
práticas - ousadamente, sem temor, até o fim - é assegurar a vitória do
socialismo.