FRANÇA MAIO DE 1968 – FRANÇA MAIO DE 2017: 49 ANOS DE UM
ABISMO IDEOLÓGICO
A revolta dos jovens
descendentes de imigrantes que explodiu recorrentemente nos subúrbios de Paris e
as atuais manifestações contra a reforma trabalhista de Emmanuel Macron logo após as eleições presidenciais no começo desse mês nos faz lembrar a
radicalização das manifestações da juventude durante o Maio Francês de 1968. Mas
há um profundo abismo ideológico entre as revoltas atuais e o ímpeto
revolucionário da juventude em 68, que esteve intimamente conectado com a
ascensão do movimento operário que, desde o ano anterior, vinha produzindo uma
intensa onda de greves por toda a França, refletindo a resistência da classe
operária às medidas que atacavam os salários, geravam desemprego e atentavam
contra as conquistas sociais do proletariado, tais como a previdência social e
o direito de greve, política adotada pelo governo do general Charles De Gaulle
diante da crise decorrente do esgotamento da relativa prosperidade econômica do
breve período do pós-guerra, caracterizado pela reorganização da indústria
francesa destruída durante a guerra. A fusão das lutas estudantis com as greves espontâneas, com
piquetes e ocupações de fábricas, transformou a revolta estudantil numa
insurreição de massas, levando 10 milhões de trabalhadores a se colocarem em
greve em todo o país, rompendo com a política de colaboração de classes das
direções sindicais controladas pelo stalinismo. As principais fábricas e os
setores estratégicos da economia foram colocados sob o controle operário
através dos Comitês de Greve, que organizavam a autodefesa dos manifestantes,
controlavam a produção, preparavam as barricadas e abasteciam de alimentos os
operários das fábricas em greve. Estabeleceu-se uma dualidade de poderes que
colocou em xeque o domínio da burguesia.
Desde o início, o movimento assumiu uma clara perspectiva
revolucionária, com manifestações que exigiam a derrubada do governo De Gaulle
e questionavam os valores e a moral da sociedade burguesa. A consciência
revolucionária, expressa nas manifestações da juventude francesa em 68,
refletia uma etapa de ascenso revolucionário mundial, marcada pela vitória da
Revolução Cubana em 1959, as greves operárias que sacudiam toda a Europa, a
descolonização da África e a bem sucedida ofensiva norte-vietnamita do TET,
prenúncio da derrota e expulsão do exército ianque do Vietnã.
O estado de espírito da juventude e dos trabalhadores no
Maio Francês era também excitado pela existência da URSS e dos Estados
operários do Leste europeu que, apesar da degeneração burocrática stalinista,
exerciam uma forte referência ideológica sobre o proletariado mundial. A
existência dos Estados operários significava que a burguesia havia sido
expropriada em quase 1/3 do planeta e, em conseqüência, os trabalhadores nessa
parte do mundo haviam realizado conquistas históricas jamais alcançadas pelo
proletariado em qualquer país capitalista. As conquistas sociais do proletariado
nos Estados operários (pleno emprego, habitação, saúde e educação gratuitas,
erradicação do analfabetismo, elevação do nível cultural das massas) obrigavam
a burguesia nos países capitalistas, temendo ser expropriada pela revolução
proletária, a fazer significativas concessões aos trabalhadores.
Já as manifestações atuais, protagonizada principalmente por
jovens descendentes de imigrantes, o setor mais oprimido da classe operária
francesa, ocorrem numa etapa de profundo retrocesso ideológico, aberta a partir
da queda dos Estados operários do Leste e da URSS. Apesar da magnitude e
radicalização da revolta juvenil atual, não há no horizonte ideológico dessa
juventude nenhuma perspectiva revolucionária.
Com o fim dos Estados operários, a burguesia dos países
imperialistas europeus sentiu as mãos livres para dar início ao desmonte do
chamado “estado de bem-estar social”, rebaixando as condições de trabalho e
padrão de vida da classe operária. Na França, esses ataques foram iniciados
ainda no governo da “esquerda pluralista” do Partido Comunista Francês (PCF) e
do Partido Socialista (PS), que serão agora aprofundadas no governo de Macron.
As constantes manifestações da revolta de jovens imigrantes
demonstram que, carente de uma direção revolucionária, mais o movimento
operário tende a retroceder em seus objetivos e em suas formas de luta. A
ausência de uma referência ideológica revolucionária limita os objetivos da
revolta à luta contra o racismo e a violência promovida pelas tropas
anti-motins da polícia francesa.Também quanto aos métodos de luta fica claro o
fosso entre as manifestações do Maio de 68 e as lutas populares da
contemporaneidade , caracterizadas por ações extremamente radicalizadas, porém,
sem expressar objetivos políticos claros. Esse é mais um reflexo do vazio
ideológico que se abriu a partir da destruição dos Estados operários e do
revisionismo da quase totalidade da esquerda mundial que se agarrou
ferrenhamente à defesa da democracia burguesa, fazendo o movimento operário
retroceder às formas de luta do princípio do capitalismo, como foi o movimento
ludista do final do século XVIII na Inglaterra, onde os operários destruíam as
máquinas e as propriedades dos capitalistas por não terem desenvolvido ainda
organizações e formas de luta mais evoluídas como os sindicatos e as greves, nem
vislumbrarem a perspectiva histórica da revolução proletária e do socialismo,
que só surgiu com o desenvolvimento da luta de classes e do marxismo a partir
do século XIX.
O retrocesso ideológico que se manifesta na consciência dos
jovens insurretos na França, produto da completa rendição da esquerda
revisionista do marxismo e da ausência de uma verdadeira organização
revolucionária de combate, é um fenômeno equivalente ao crescimento da
influência do fundamentalismo islâmico.
Apesar das limitações políticas dessas lutas, a tarefa dos
revolucionários é solidarizar-se com os combatentes, lutando para ganhar a
influência das massas e dirigi-las com um programa revolucionário. Entretanto,
a “extrema” esquerda francesa, os pseudotrotskistas, assim como não se
colocaram no campo militar das organizações fundamentalistas que patrocinaram o
ataque de 11 de Setembro contra o Pentágono e os escritórios da CIA no WTC e se
negaram a defender a vitória militar do Talebam diante das tropas de ocupação
ianque no Afeganistão, também agora não se colocam ao lado dos jovens
insurretos e imigrantes, mantendo-se inertes diante da crise, apenas lamentando
os efeitos da política neoliberal, colaborando dessa forma para manter o atraso
do nível de consciência das massas. Sua bandeira agora é a defesa da democracia
burguesa diante do crescimento eleitoral da Frente Nacional de Le Pen.
Ao contrário dessas correntes revisionistas, que se ajoelham
frente à propaganda da mídia imperialista da “guerra contra o terror”,
colocamo-nos inteiramente no campo dos jovens insurretos, esclarecendo que a
causa essencial da atual revolta dos jovens na França está na política de
privatizações de Holland-Macron, cortes nos gastos públicos e de flexibilização
do mercado de trabalho, promovendo o aumento do desemprego, que afeta principalmente
os jovens trabalhadores descendentes de imigrantes, majoritariamente de origem
árabe e que as provocações e o ódio racista destilado pela direita xenófoba (Le
Pen, Sarkozy) contra os imigrantes tem como objetivo envenenar o proletariado
francês de preconceitos para impedir sua unidade de classe na luta contra a
exploração capitalista.
É necessário, portanto, unificar a revoltas dos jovens
insurretos com as greves operárias, preparando uma poderosa greve geral do
proletariado francês para derrotar a política de arrocho do governo Macron. É
preciso fazer com que a radicalização das formas de luta reflita o vigor de um
programa revolucionário que aponte a destruição do capitalismo e a construção
do socialismo como único caminho para superar a crise.
Se a intensa onda revolucionária que sacudiu a França em
Maio de 68 não pôde conduzir à vitória da revolução proletária, abortada pela
política de traição das direções stalinistas, diante da ausência do partido da
vanguarda do proletariado, isso significa que hoje, numa etapa histórica de
reação e retrocesso ideológico, é necessário mais do que nunca que a vanguarda
consciente do proletariado redobre seus esforços para construir um autêntico
partido revolucionário internacionalista no país, único instrumento capaz de
levar a classe operária a desfechar um golpe mortal contra os capitalistas, com
a destruição do Estado burguês imperialista, abrindo caminho para uma nova
etapa revolucionária mundial.