24 DE JULHO DE 1783, NASCE SIMÓN BOLÍVAR: O INSPIRADOR DO
“SOCIALISMO DO SÉCULO XXI” É ANALISADO CRITICAMENTE POR KARL MARX, COMBATENDO A
APOLOGIA DA ESQUERDA REFORMISTA AO LÍDER NACIONALISTA BURGUÊS
O BLOG da LBI publica neste 24 de julho, data de aniversário de
Simón Bolívar, nascido no ano de 1783, um artigo pouco conhecido de Karl Marx,
que foi baseado em uma carta escrita a Friederich Engels em janeiro de 1858 e
editado no tomo III da “The New American Cyclopaedia”. O texto foi descoberto
apenas em fevereiro de 1935 nos arquivos Marx-Engels-Lenin em Moscou, URSS e
publicado pela primeira vez na América
Latina (Buenos Aires) em 1936. Em 1857
Marx foi contratado pelo “New York Daily Tribune” para escrever temas de
história militar e biografias. Engels também trabalhou no projeto. O verbete
conta as aventuras militares do comandante nascido em Caracas, incluindo
traições a seus companheiros. É um balanço, pouco estudado no Brasil, que
desmistifica a trajetória do fundador do nacionalismo latino-americano reverenciado
pelos “bolivarianos” e parte da esquerda em nosso continente. Esse debate
acerca da “covardia” de Bolívar que Marx denunciava como um “personagem
medíocre e grotesco”, não é apenas um “traço pessoal” mas uma característica
própria da burguesia semicolonial em seus enfrentamentos com o imperialismo,
como vemos atualmente no caso de Maduro na Venezuela. Vale destacar que o
artigo de Marx foi posteriormente criticado por Che Guevara e a burocracia
soviética, mas nós seguidores de Leon Trotsky e da Teoria da Revolução
Permanente o reivindicamos integralmente. As duras palavras de Marx ao
“Libertador”, encerradas no artigo abaixo originalmente denominado “Bolívar y
Ponte” e em algumas outras rápidas menções no curso de sua obra são atacadas
até hoje pelos partidários do “Socialismo do Século XXI”. Muitas foram as
críticas ou tentativas deformadas de justificar as palavras de Marx
direcionadas a Bolívar. Para uns produto de sua incompreensão da especificidade
da realidade latino-americana, ou ainda, de um certo eurocentrismo presente em
seu pensamento, outros justificaram que tal artigo foi elaborado com extrema
rapidez e com finalidades unicamente financeiras. A própria edição russa de
1959 das obras completas de Marx e Engels publicada pela burocracia soviética
inclui uma nota crítica concernente ao artigo sobre Bolívar, sustentando que
supostos os erros existentes eram provenientes das fontes insuficientes e
parciais que teve acesso. Nada mais falso! O artigo foi escrito por Marx em um
contexto em que Bolívar era cultuado acriticamente na própria “esquerda”
europeia como libertador e herói da América Hispânica, um símbolo na luta
contra o imperialismo. Ele justamente fez um contraponto corajoso a essa
capitulação da esquerda domesticada, em um texto extremamente rico de detalhes.
No curso do pequeno esboço biográfico que escreveu sobre o “Libertador”,
caracterizou-o como oportunista, covarde, traidor, canalha, ditador, ambicioso
etc..., elaborando esta análise com o rigor que sempre caracterizou sua obra e recorrendo
a várias fontes que consultou antes de emitir qualquer posição. Tanto que no
período que se seguiu a publicação deste artigo Marx recebera cartas
contestando sua interpretação e questionando suas fontes e respondera, ao seu
modo, de maneira irônica. Ao ser questionado se não teria exagerado na crítica
ao descrever uma pessoa com tantas conquistas, Marx respondeu o seguinte em uma
carta para Engels: “Seria ultrapassar os limites querer apresentar como
Napoleão I o mais covarde, brutal e miserável dos canalhas”. Para Marx, o
suposto caráter anti-imperialista aparece como mais um mito do “Libertador”
Bolívar, uma vez que teria livrado a América Latina do jugo espanhol em troca
do domínio britânico. Como pontou Marx, anos mais tarde de escrever esse artigo,
“A força criadora de mitos, característica da fantasia popular, em todas as
épocas tem provado sua eficácia inventando ‘grandes homens’. O exemplo mais
notável deste tipo é sem dúvida Simón Bolívar”. Estamos com Marx em sua
delimitação com a figura de Simon Bolívar, como Marxistas Revolucionários
lutamos contra o imperialismo e até podemos estabelecer “frente única” com a
classe dominante nativa em seus conflitos pontuais com as potências
capitalistas, mas não abrimos mão de denunciar a incapacidade histórica da
burguesia nacional em levar a frente de forma consequente a luta pela
libertação nacional e a soberania, tarefas democráticas pendentes que só podem
ser plenamente vitoriosas sob a direção do proletariado e do partido
revolucionário, uma realidade que se faz hoje cada vez flagrante na própria
Venezuela “bolivariana” de Maduro e Chávez, onde o PCV stalinista é adepto
incurável da velha política de colaboração de classes da Frente Popular na
defesa acrítica do governo Maduro. O caminho mais curto para a vitória do
imperialismo diante da crise do nacionalismo burguês é abrir mão da
independência de classe do proletariado como nos ensinou Marx...
SÍMON BOLÍVAR
(Karl Marx, Janeiro 1858)
Quando os prisioneiros de guerra espanhóis, que Miranda
enviava regularmente a Puerto Cabello para mantê-los presos na cidadela,
conseguiram atacar de surpresa a guarda e a dominaram, apoderando-se da
cidadela, Bolívar, embora os espanhóis estivessem desarmados, enquanto ele
dispunha de uma forte guarnição e de um grande arsenal, embarcou
precipitadamente à noite com oito dos seus oficiais, sem informar o que ocorria
às suas próprias tropas, chegou ao amanhecer a La Guaira, e de lá se retirou
para a sua fazenda de San Mateo.
Quando a guarnição se inteirou da fuga do seu comandante,
abandonou ordenadamente a praça, que foi logo ocupada pelos espanhóis sob o
comando de Monteverde. Este acontecimento inclinou a balança a favor da Espanha
e forçou Miranda a subscrever a 26 de julho de 1812, por incumbência do
Congresso, o tratado de La Victoria, que submeteu novamente a Venezuela ao
domínio espanhol. Em 30 de julho chegou Miranda a La Guaira, com a intenção de
embarcar num navio inglês. Enquanto visita o coronel Manuel Maria Casas,
comandante da praça, encontrou-se com um numeroso grupo, no qual estavam dom
Miguel Pefía e Simón Bolívar, que o convenceram a ficar, pelo menos uma noite,
na residência de Casas. As duas da madrugada, encontrando-se Miranda dormindo
profundamente, Casas, Pefía e Bolívar se introduziram em seu quarto com quatro
soldados armados, se apoderaram precavidamente de sua espada e de sua pistola,
despertaram-no rudemente, ordenando-lhe que se levantasse e se vestisse, após o
que foi agrilhoado e entregue a Monteverde. O chefe espanhol remeteu-o para
Cádiz, onde Miranda, acorrentado, morreu depois de vários anos de cativeiro.
Este ato, para cuja justificação recorreu-se ao pretexto de que Miranda havia
traído o seu país com a capitulação de La Victoria, valeu a Bolívar o especial
favor de Monteverde, a tal ponto que quando o primeiro solicitou seu
passaporte, o chefe espanhol declarou: “Deve-se atender o pedido do coronel
Bolívar, como recompensa pelo serviço prestado ao rei da Espanha com a entrega
de Miranda”.
Autorizou-se assim que Bolívar embarcasse com destino a
Curazao, onde permaneceu seis semanas. Em companhia do seu primo Ribas se
transferiu logo para a pequena república de Cartagena. Antes de sua chegada a
Cartagena havia fugido para lá uma grande quantidade de soldados,
ex-combatentes que estiveram sob a ordem do general Miranda. Ribas lhes propôs
empreender uma expedição contra os espanhóis na Venezuela e a reconhecer
Bolívar como comandante em chefe. A primeira proposta teve uma acolhida
entusiasmada; à segunda houve resistência, ainda que finalmente aceitassem, com
a condição de que Ribas fosse o lugar-tenente de Bolívar. Manuel Rodriguez
Torias, o presidente da república de Cartagena agregou aos 300 soldados assim
recrutados para Bolívar outros 500 homens sob o comando de seu primo Manuel
Castillo. A expedição partiu no começo de janeiro de 1813. Produzindo-se
divergências entre Bolívar e Castillo sobre quem tinha o comando supremo, o
segundo se retirou subitamente com seus granadeiros. Bolívar, por sua vez,
propôs seguir o exemplo de Castillo e regressar a Cartagena, mas, no final,
Ribas pôde persuadi-lo a prosseguir, ao menos a rota até Bogotá, onde tinha
então, sua sede o Congresso de Nova Granada. Foram ali muito bem acolhidos,
apoiados de mil maneiras e o congresso os promoveu ao posto de generais. Depois
de dividirem seu pequeno exército em duas colunas, marcharam por diferentes
caminhos para Caracas. Quanto mais avançavam, mais reforços recebiam; os cruéis
excessos dos espanhóis desempenhavam o papel de recrutadores para o exército da
independência. A capacidade de resistência dos espanhóis estava alquebrada; de
um lado porque três quartas partes de seu exército se compunham de nativos, que
em cada encontro passavam para o lado inimigo; do outro devido à covardia de
generais como Tízcar, Cajigal e Fierro, que na menor oportunidade abandonavam
suas próprias tropas. De tal sorte ocorreu que Santiago Mariño, um jovem sem
formação, conseguiu expulsar das províncias de Cumaná e Barcelona os espanhóis,
ao mesmo tempo em que Bolívar ganhava terreno nas províncias ocidentais. A
única resistência séria opuseram-na os espanhóis contra a coluna Ribas, que
derrotou o general Monteverde em Los Taguanes e obrigou-o a refugiar-se em
Puerto Cabello com o resto de suas Tropas.
Quando o governador de Carácas, general Fierro, teve
notícias de que Bolívar se aproximava, enviou-lhe emissários para propor
capitulação, que foi assinada em La Victoria. Porém Fierro, tomado por um
pânico repentino e sem aguardar o regresso de seus próprios emissários, fugiu
secretamente à noite e deixou mais de 1.500 espanhóis à mercê do inimigo. A
Bolívar se tributou então uma entrada apoteótica. De pé, em um carro de
triunfo, puxado por doze donzelas vestidas de branco e enfeitadas com as cores
nacionais, escolhidas entre as melhores famílias de Caracas, Bolívar, com a
cabeça descoberta e agitando um pequeno bastão na mão, foi levado em meia hora
desde a entrada da cidade até sua residência. Proclamou-se “Ditador e
Libertador das Províncias Ocidentais da Venezuela” — Mariño havia adotado o
título de “Ditador das Províncias Orientais” — criou a “Ordem do Libertador”,
formou umm corpo de tropas escolhidas que denominou sua guarda pessoal e se
rodeou da pompa própria de uma corte. Porém, como a maioria de seus
compatriotas, era incapaz de qualquer esforço de grande envergadura, e sua
ditadura degenerou logo em uma anarquia militar, na qual os assuntos mais
importantes ficavam em mãos de favoritos, que arruinavam as finanças públicas e
depois recorriam a meios odiosos para reorganizá-las. Deste modo, o recente
entusiasmo popular se transformou em descontentamento, e as dispersas forças do
inimigo dispuseram de tempo para reorganizar-se. Enquanto no começo de agosto
de 1813 Monteverde estava trancado na fortaleza de Puerto Cabello, e ao
exército espanhol só restasse uma estreita faixa de terra no noroeste da
Venezuela, apenas três meses depois o Libertador havia perdido seu prestígio e
Caracas se achava ameaçada pela súbita aparição, em suas vizinhanças, dos
espanhóis vitoriosos, sob o comando de Boves. Para fortalecer seu poder
cambaleante, Bolívar reuniu, em 1º de janeiro de 1814, uma junta, constituída
pelos vizinhos de Caracas mais influentes, e manifestou-lhes que não desejava
suportar mais tempo o fardo da ditadura. Hurtado de Mendoza, por seu lado,
fundamentou em um prolongado discurso “a necessidade de que o poder supremo se
mantivesse nas mãos do general Bolívar até que o Congresso de Nova Granada
pudesse se reunir e a Venezuela unificar-se sob um só governo. Aprovou-se esta
proposta e desta forma a ditadura recebeu um reconhecimento legal.
Durante algum tempo se deu continuidade à guerra contra os
espanhóis, sob a forma de escaramuças, sem que nenhum dos contendores obtivesse
vantagens decisivas. Em junho de 1814, Boves, depois de concentrar suas tropas
marchou de Calabozo até La Puerta, onde os dois ditadores, Bolívar e Mariño
haviam juntado suas forças. Boves encontrou-as ali e ordenou que suas unidades
as atacassem sem demora. Após uma breve resistência, Bolívar fugiu para
Caracas, enquanto que Mariño escapulia para Cumaná. Puerto Cabello e Valença
caíram nas mãos de Boves, que destacou duas colunas (uma delas sob o comando do
coronel González) rumo a Caracas, por rotas distintas. Ribas tentou conter em
vão o avanço de González. Depois da rendição de Caracas a este chefe, Bolívar
evacuou La Guaira, ordenou aos barcos ancorados no porto que zarpassem para
Cumaná e se retirou com o resto de suas tropas para Barcelona. Após a derrota
que Boves infligiu aos insurretos em Arguita, em 8 de agosto de 1814, Bolívar
abandonou furtivamente suas tropas nesta mesma noite, para dirigir-se
apressadamente, e por atalhos até Cumaná, de onde, apesar dos irados protestos
de Ribas, embarcou de imediato no navio “Bianchi”, junto com Mariño e outros
oficiais. Se Ribas, Paez e os demais generais houvessem seguido os ditadores na
sua fuga, tudo se teria perdido. Tratados como desertores em sua chegada em
Juan Griego, ilha Margarita, pelo general Arismendi, que exigiu sua partida,
levantaram âncoras novamente até Carúpano, sendo ali recebidos de maneira
análoga pelo coronel Bermúdez, se fizeram ao mar rumo a Cartagena. Ali, afim de
coonestar sua fuga, publicaram uma memória de justificação, recheada de frases
altissonantes.
Havendo-se juntado Bolívar a uma conspiração para derrubar o
governo de Cartagena, teve que abandonar essa pequena república e seguir viagem
até Tunja, onde estava reunido o Congresso da República Federal de Nova
Granada. A província de Cundinamarca, neste tempo estava à testa das províncias
independentes que se negavam a subscrever o acordo federal neogranadino,
enquanto Quito, Pasto, Santa Marta e outras províncias ainda se achavam em mãos
espanholas. Bolívar, que chegou a 22 de novembro de 1814 em Tunja, foi
designado, pelo Congresso, comandanteem-chefe das forças armadas federais e
recebeu a dupla missão de obrigar o presidente da província de Cundinamarca a
que reconhecesse a autoridade do Congresso e a marchar depois para Santa Marta,
o único porto de mar fortificado granadino – ainda em mãos dos espanhóis. Não
apresentou dificuldades o cumprimento do primeiro encargo, posto que Bogotá, a
capital da província rebelde carecia de fortificações. Embora a cidade tivesse
capitulado, Bolívar permitiu que seus soldados, durante 48 horas, a saqueassem.
Em Santa Marta o general espanhol Montalvo, que dispunha somente de uma fraca
guarnição de 200 homens e de uma praça forte em péssimas condições defensivas,
tinha contratado um barco francês para assegurar sua própria fuga; os vizinhos,
de seu lado, enviaram uma mensagem para Bolívar participando-lhe que, nem bem
aparecesse, abririam as portas da cidade e expulsariam a guarnição. Mas, em vez
de marchar contra os espanhóis de Santa Marta, tal como lhe havia ordenado o
Congresso, Bolívar deixou-se arrastar por seu ódio contra Castillo, o
comandante de Cartagena, e atuando por sua própria conta conduziu suas tropas
contra esta última cidade, parte integrante da República Federal. Rechaçado,
acampou em La Popa, uma colina situada aproximadamente a um tiro de canhão de
Cartagena. Como bateria colocou um pequeno canhão, contra uma fortaleza munida
com umas 80 peças. Passou logo do assédio ao bloqueio, que durou até começo de
maio, sem mais resultados do que a diminuição de seus efetivos, por deserção ou
doença, de 2.400 para uns 700 homens. Neste meio tempo, uma grande expedição
espanhola, comandada pelo general Morillo e procedente de Cádiz, chegou à ilha
de Margarita, em 25 de março de 1815. Morillo destacou de imediato poderosos
reforços para Santa Marta e pouco depois suas forças se apoderaram de Cartagena.
Antes, porém, em 10 de maio de 1815, Bolívar havia embarcado com uma dúzia de
oficiais em um bergantim artilhado, de bandeira britânica, rumo a Jamaica. Uma
vez chegado a este ponto de refúgio, publicou uma nova proclamação, em que se
apresentava como a vítima de alguma facção ou inimigo secreto e defendia sua
fuga dos espanhóis como se fosse uma renúncia ao comando, efetuada em benefício
da paz pública.
Durante sua permanência de oito meses em Kingston, os
generais que havia deixado na Venezuela e o general Arismendi na ilha Margarita
apresentaram uma tenaz resistência às armas espanholas. Mas depois que Ribas, a
quem Bolívar devia seu renome, caísse fuzilado pelos espanhóis após a tomada de
Maturin, ocupou seu lugar um homem de condições militares ainda mais
relevantes. Não podendo desempenhar, por sua qualidade de estrangeiro, um papel
autônomo na revolução sul-americana, este homem decidiu entrar a serviço de
Bolívar. Tratava-se de Luis Brion. Para prestar auxílio aos revolucionários,
viajara de Londres, rumo a Cartagena, com uma corveta de 24 canhões, equipada
em grande parte às suas próprias custas e carregada de 14.000 fuzis, e de uma
grande quantidade de outros apetrechos. Havendo chegado demasiado tarde e não
podendo ser útil aos rebeldes, rumou até Los Cayos, no Haiti, onde muitos
emigrados patriotas haviam fugido depois da capitulação de Cartagena. Nesse
ínterim Bolívar se havia transladado também para Porto Príncipe, onde, em troca
de sua promessa de libertar os escravos, o presidente do Haiti, Pétions, lhe
ofereceu um grande apoio material para uma nova expedição contra os espanhóis
da Venezuela. Em Los Cayos se encontrou com Brion e outros emigrados e, em uma
junta geral, propôs a si mesmo como chefe de uma nova expedição, sob a condição
de que até a convocató-ria de um Congresso Geral ele reuniria em suas mãos os
poderes tanto civil como militar. A maioria tendo aceito esta condição, os
expedicionários lançaram-se ao mar em 16 de abril de 1816 com Bolívar como
comandante e Brion na qualidade de almirante. Em Margarita, Bolívar conseguiu
ganhar Arismendi para sua causa, o comandante da ilha, quem havia repelido os
espanhóis a tal ponto que a estes só restava um único ponto de apoio. Pampatar.
Com a promessa formal de Bolívar de convocar um congresso nacional na Venezuela
tão logo se apoderasse do país, Arismendi reuniu uma junta na catedral de Villa
del Norte e proclamou publicamente Bolívar como chefe supremo das Repúblicas da
Venezuela e Nova Granada. Em 31 de maio de 1816, desembarcou Bolívar em
Carúpano, porém não se atreveu a impedir que Mariño e Piar se afastassem dele e
efetuassem, por sua própria conta, uma campanha contra Cumaná. Debilitado por
esta separação e seguindo os conselhos de Brion, velejou rumo a Ocumare (de la
Costa), onde chegou a 3 de julho de 1816 com 13 barcos, dos quais somente 7
estavam artilhados. Seu exército se compunha tão somente de 650 homens, que
aumentaram para 800 com o recrutamento de negros, cuja libertação havia
proclamado. Em Ocumare divulgou um novo manifesto, em que ele prometia
“exterminar os tiranos” e “convocar o povo para que designe seus deputados no
congresso. Ao avançar em direção a Valença, topou, não distante de Ocumare, com
o General espanhol Morales, à testa de 200 soldados e 100 milicianos. Quando os
caçadores de Morales dispersaram a vanguarda de Bolívar, este, segundo
testemunha ocular, perdeu “toda presença de espírito e, sem pronunciar palavra,
num instante voltou atrás e fugiu, desabaladamente, para Ocumare, atravessou o
povoado, a toda pressa, e chegou até a baía próxima, saltou do cavalo, entrou
num bote e subiu a bordo do “Diana”, dando ordem a toda esquadra de que o
seguisse até a pequena ilha de Bonaire, deixando todos seus companheiros
privados de qualquer auxílio. As reprovações e exortações de Brion o induziram
a reunir-se com os demais chefes na costa de Cumaná; entretanto, como o
recebessem inamistosamente, e Piar o ameaçasse submetê-lo a um conselho de
guerra por deserção e covardia, sem demora rumou para Los Cayos. Após meses e
meses de esforços, Brion finalmente conseguiu persuadir a maioria dos chefes
militares venezuelanos – que sentiam a necessidade de que houvesse um centro,
ainda que fosse apenas nominal – de que chamassem uma vez mais Bolívar como
comandante-em-chefe, sob a condição expressa de que convocaria o Congresso e
não se imiscuiria na administração civil.
Em 31 de dezembro de 1816, Bolívar chegou a Barcelona com
armas, munições e apetrechos proporcionados por Pétion. Em 2 de janeiro de 1817
Arismendi juntou-se a ele e no dia 4 Bolívar proclamou a lei marcial e anunciou
que todos os poderes estavam em suas mãos. Porém, 5 dias depois, Arismendi
sofreu um contratempo em uma emboscada que lhe armaram os espanhóis, e o
ditador fugiu para Barcelona. As tropas se concentraram novamente nesta
localidade, onde Brion enviou-lhe tanto armas como novos reforços, de tal
maneira que logo Bolívar dispôs de uma nova força de 1.100 homens. Em 5 de
abril, os espanhóis tomaram a cidade de Barcelona e as tropas dos patriotas
recuaram até a Casa de Misericórdia, um edifício situado fora da cidade. Por
ordem de Bolívar cavaram-se algumas trincheiras, porém de maneira inadequada,
para defender de um ataque sério uma guarnição de 1.000 homens. Bolívar
abandonou a posição na noite de 5 de abril, após comunicar o coronel Freitas, a
quem delegou o comando, que buscaria tropas de reforço e voltaria em breve.
Freitas recusou uma oferta de capitulação, confiando na promessa e depois do
ataque foi degolado pelos espanhóis, junto com toda sua guarnição.
Piar, um homem de cor originário de Curazao, concebeu e pôs
em prática a conquista da Güiana, com o apoio do almirante Brion e suas
canhoneiras. Em 20 de julho, com todo o território livre dos espanhóis, Piar,
Brion, Zea, Mariño, Arismendi e outros convocaram, em Angostura, um congresso
das províncias e puseram chefiando o executivo um triunvirato; Brion, que
detestava Piar e se interessava profundamente por Bolívar, já que no êxito
deste havia posto em jogo sua grande fortuna pessoal, conseguiu que se
designasse Bolívar como membro do triunvirato, apesar da sua ausência. Ao
inteirar-se disto, Bolívar abandonou seu refúgio e se apresentou em Angostura,
onde, estimulado por Brion, dissolveu o congresso e o triunvirato e
substituiu-os por um “Conselho Supremo da Nação”, do qual se nomeou chefe,
enquanto que Brion e Francisco Antonio Zea assumiram, o primeiro a seção
militar, o segundo a seção política. Todavia, Piar, o conquistador da Guiana,
que outrora havia ameaçado submeter Bolívar a um conselho de guerra por
deserção, não poupava sarcasmos contra o “Napoleão dos recuos”. Bolívar, por
sua vez, aprovou um plano para eliminá-la. Sob as falsas imputações de haver
conspirado contra os brancos, atentado contra a vida de Bolívar e aspirado ao
poder supremo, Piar foi submetido a um conselho de guerra presidido por Brion;
condenado à morte, foi fuzilado em 16 de outubro de 1817. Sua morte encheu
Mariño de pavor. Plenamente consciente de sua própria insignificância, ao não
poder contar com a ajuda de Piar, Mariño, em uma carta abjetíssima, caluniou
publicamente seu amigo vitimado, se lamentou de sua própria rivalidade com o
Libertador e apelou para a inesgotável magnanimidade de Bolivar.
A conquista da Guiana por Piar havia dado uma reviravolta
total na situação, a favor dos patriotas, pois só esta província lhes
proporcionava mais recursos que as outras sete províncias venezuelanas juntas.
Daí todo o mundo confiar em que a nova campanha anunciada por Bolívar, em uma
nova proclama, conduziria à expulsão definitiva dos espanhóis. Este primeiro
boletim, segundo o qual as pequenas partidas espanholas, cujos soldados
buscavam pasto para os cavalos ao retirarem-se de Calabozo, eram “exércitos que
fugiam ante nossas tropas vitoriosas”, não tinham por objetivo dissipar tais
esperanças. Para fazer frente a 4.000 espanhóis, que Morillo ainda não havia
podido concentrar, dispunha Bolívar de mais de 9.000 homens, bem armados e
equipados, abundantemente providos com todo o necessário para a guerra. Não
obstante, em fins de maio de 1818, Bolívar havia perdido umas doze batalhas e
todas as províncias situadas ao norte do Orenoco. Como dispersava suas forças,
numericamente superiores, estas sempre eram batidas em separado, Bolívar deixou
a direção da guerra em mãos de Páez e seus demais subordinados e se retirou
para Angostura. A cada derrota se seguia outra, e tudo parecia encaminhar-se
para um descalabro total. Neste momento extremamente crítico, uma conjunção de
acontecimentos fortuitos modificou novamente o curso das coisas. Em Angostura,
Bolívar encontrou Santander, natural de Nova Granada, que lhe solicitou
elementos para uma invasão neste território, já que a população local estava
pronta para levantar-se em massa contra os espanhóis. Bolívar satisfez, até
certo ponto, este pedido. Neste ínterim, chegou da Inglaterra uma forte ajuda
sob forma de homens, navios e munições, e oficiais ingleses, franceses, alemães
e poloneses afluíram de toda parte para Angostura. Finalmente o doutor (Juan)
Germán Roscio, consternado com a estrela decadente da revolução sul-americana,
fez sua entrada em cena, conseguiu a aprovação de Bolívar e o induziu a
convocar, para 15 de fevereiro de 1819, um congresso nacional, que a sua única
menção, demonstrou ser suficientemente poderosa para por em pé um novo exército
de aproximadamente 14.000 homens, com o qual Bolívar pôde novamente passar à
ofensiva.
Os oficiais estrangeiros aconselharam-no que desse a
entender que projetava um ataque contra Caracas para libertar a Venezuela do
jugo espanhol, induzindo assim Morillo a retirar suas forças de Nova Granada e
concentrá-las para a defesa daquele país, após o que Bolívar devia se dirigir
subitamente para oeste, unir-se às guerrilhas de Santander e marchar sobre
Bogotá. Para executar este plano, Bolívar saiu em 24 de fevereiro de 1819 de
Angostura, depois de designar Zea presidente do Congresso e vice-presidente da
república durante sua ausência. Graças às manobras de Páez, os revolucionários
bateram Morillo e La Torre em Achaguas, e os teriam aniquilado completamente se
Bolívar houvesse somado suas tropas às de Páez e Mariño. De todo modo, as
vitórias de Páez, tiveram como resultado a ocupação da província de Barinas,
deixando livre assim a rota para Nova Granada. Como aqui tudo estava preparado
por Santander, as tropas estrangeiras, compostas fundamentalmente por ingleses,
decidiram o destino de Nova Granada graças às vitórias sucessivas alcançadas em
1º e 23 de julho e 7 de agosto na província de Tunja. Em 12 de agosto, Bolívar
entrou triunfalmente em Bogotá, enquanto os espanhóis, contra os quais se
haviam sublevado todas às províncias de Nova Granada, se entrincheiraram na
cidade fortificada de Monpós.
Depois de deixar funcionando o congresso granadino e o
general Santander como comandante-em-chefe, Bolívar marchou até Pamplona, onde
passou mais de dois meses em festejos e saraus. Em 3 de novembro chegou a
Mantecal, Venezuela, ponto que havia fixado aos chefes patriotas para que se
lhes reunissem com suas tropas. Com um tesouro de 2.000.000 dólares, obtidos
dos habitantes de Nova Granada, mediante contribuições forçadas, e dispondo de
uma força de aproximadamente 9.000 homens, um terço dos quais eram ingleses,
irlandeses, hanoverianos, e outros estrangeiros bem disciplinados, Bolívar
devia fazer frente a um inimigo privado de toda classe de recursos, cujos
efetivos se reduziam a 4.500 homens, duas terças partes dos quais eram nativos
e mal podiam, portanto, inspirar confiança aos espanhóis. Tendo se retirado
Morillo de San Fernando de Apure em direção a São Carlos, Bolívar o perseguiu
até Calabozo, de modo que os dois Estados-Maiores inimigos se encontravam
apenas a dois dias de marcha um do outro. Se Bolívar houvesse avançado com
resolução, só suas tropas européias teriam bastado para aniquilar os espanhóis.
Porém preferiu prolongar a guerra cinco anos mais.
Em Outubro de 1819, o Congresso de Angostura havia forçado a
renúncia de Zea, designado por Bolívar, e elegeu em seu lugar Arismendi. Assim
que recebeu esta notícia, Bolívar marchou com sua legião estrangeira sobre
Angostura, pegando desprevenido Arismendi, cuja força se reduzia a 600 nativos,
deportou-o para a ilha Margarita e investiu novamente Zea em seu cargo e
dignidades. O Dr. Roscio, que havia fascinado Bolívar com as perspectivas de um
poder central, persuadiu-o a proclamar Nova Granada e Venezuela como “República
da Colômbia”, a promulgar uma constituição para o novo Estado — redigida por Roscio
— e a permitir a instalação de um Congresso comum aos dois países. Em 20 de
janeiro de 1820, Bolívar se encontrava de regresso a San Fernando de Apure. A
súbita retirada de sua legião estrangeira, mais temida pelos espanhóis do que
um número dez vezes maior de colombianos, deu a Morillo uma nova oportunidade
de concentrar reforços. De outro lado, a noticia de que uma poderosa expedição,
sob as ordens de O’Donnell, estava prestes a partir da Península, elevou o
abatido ânimo do partido espanhol. Apesar de dispor de forças folgadamente
superiores, Bolívar achou uma forma de nada conseguir durante a campanha de
1820. Enquanto isso, chegou da Europa a noticia de que a revolução na ilha de
Leon havia posto violento fim à programada expedição de O’Donnell. Em Nova
Granada, 15 das 22 províncias haviam aderido ao governo da Colômbia, e aos
espanhóis só lhes restavam a fortaleza de Cartagena e o istmo de Panamá. Na
Venezuela, 6 das 8 províncias se submeteram às leis colombianas. Esse era o
estado de coisas quando Bolívar deixou-se seduzir por Morillo, e entrou com ele
em conversações que tiveram por resultado, em 25 de novembro de 1820, a
celebração do convênio de Trujillo, pelo qual se estabelecia uma trégua de seis
meses. No acordo de armistício não figurava uma única menção sequer à República
da Colômbia, apesar de que o congresso havia proibido, expressamente, a
conclusão de qualquer acordo com o chefe espanhol se este não reconhecesse
previamente a independência da república.
Em 17 de dezembro, Morillo, ansioso por desempenhar um papel
na Espanha, embarcou em Puerto Cabello e delegou o comando supremo para Miguel
de Latorre; em 10 de março de 1821, Bolívar escrever a Latorre participando-lhe
que as hostilidades se reiniciariam dentro de um prazo de 30 dias. Os espanhóis
ocupavam uma sólida posição em Carabobo, uma aldeia situada aproximadamente na
metade do caminho entre San Carlos e Valencia; porém, em vez de reunir ali
todas as suas forças, Latorre só havia concentrado sua primeira divisão, 2.500
infantes e uns 1.500 cavalarianos, enquanto que Bolívar dispunha de
aproximadamente 6.000 infantes, entre eles a legião britânica, integrada por
1.100 homens, e 3.000 llaneros (habitantes da planície) a cavalo, sob o comando
de Páez. A posição do inimigo pareceu tão imponente a Bolívar, que propôs a seu
conselho de guerra a realização de uma nova trégua, idéia que, no entanto, seus
subalternos repeliram. À frente de uma coluna constituída fundamentalmente pela
legião britânica, Páez, seguindo um atalho, envolveu a ala direita do inimigo;
frente esta bem executada manobra, Latorre foi o primeiro dos espanhóis a fugir
em disparada, não se detendo até chegar a Puerto Cabello, onde se trancou com o
resto de suas tropas. Um rápido avanço do exército vitorioso teria produzido,
inevitavelmente, a rendição de Puerto Cabello, porém Bolívar perdeu seu tempo
fazendo-se homenagear em Valenda e Caracas. Em 21 de setembro de 1821, a grande
fortaleza de Cartagena capitulou frente a Santander. Os últimos combates
armados na Venezuela — o combate naval de Maracaibo, em agosto de 1823, e a
forçada rendição de Puerto Cabello em julho de 1824 — foram ambos obra de
Padilla. A revolução na ilha de León, que tornou impossível a partida da
expedição de O’Donnell, e o concurso da legião britânica, haviam virado,
evidentemente, a situação a favor dos colombianos.
O Congresso da Colômbia inaugurou suas sessões em janeiro de
1821 em Cúcuta; em 30 de agosto promulgou a nova constituição e tendo Bolívar
ameaçado uma vez mais renunciar, prorrogou os plenos poderes do Libertador. Uma
vez que este assinou a nova carta constitucional, o Congresso autorizou-o a
empreender a campanha de Quito (1822), para onde se haviam retirado os
espanhóis depois de serem desalojados do istmo do Panamá, por um levantamento
geral da população. Esta campanha, que finalizou com a incorporação de Quito,
Pasto e Guaiaquil à Colômbia, se efetuou sob a direção nominal de Bolívar e do
general Sucre, porém os poucos êxitos alcançados pelo corpo do exército, se
devem integralmente aos oficiais britânicos, e em particular ao coronel Sands.
Durante as campanhas contra os espanhóis no Baixo e Alto Peru - 1823-1824 —
Bolívar já não considerou necessário representar o papel de
comandanteem-chefe, delegando ao general Sucre a condução dos assuntos
militares e restringiu suas atividades às entradas triunfais, aos manifestos e
à proclamação de constituições. Através de seu corpo de tropa colombiano
manipulou as decisões do Congresso de Lima, que em 10 de fevereiro de 1823,
encomendou-lhe a ditadura; graças a um novo simulacro de renúncia, Bolívar
assegurou sua reeleição como presidente da Colômbia. Enquanto isso sua posição
se havia fortalecido, em parte pelo reconhecimento oficial do novo Estado pela
Inglaterra, em parte pela conquista das províncias do Alto Peru por Sucre, que
unificou as últimas em uma república independente, a da Bolívia. Neste país,
submetido às baionetas de Sucre, Bolívar deu livre curso a sua tendência ao
despotismo e proclamou o Código Boliviano, arremedo do Código Napoleônico.
Projetava transplantar este código da Bolívia para o Peru, e deste para
Colômbia, e manter submetidos os dois primeiros Estados por meio de tropas
colombianas, e este último mediante a legião estrangeira e tropas peruanas.
Valendo-se da violência e também da intriga, logo conseguiu impor, ainda que
por umas poucas semanas, seu código ao Peru. Como presidente e libertador da
Colômbia, protetor e ditador do Peru e padrinho da Bolívia havia alcançado o
ápice da glória. Porém, na Colômbia havia surgido um sério antagonismo entre os
centralistas, ou bolivistas, e os federalistas, (sob esta última denominação os
inimigos da anarquia militar se haviam associado aos rivais militares de
Bolívar). Quando o Congresso da Colômbia, às instâncias de Bolívar, formulou
uma acusação contra Páez, vice-presidente da Venezuela, este último respondeu
com uma revolta aberta, que contava secretamente com o apoio e o alento do
próprio Bolívar; este, com efeito, necessitava de sublevações como pretexto
para abolir a constituição e reimplantar a ditadura. Em seu regresso do Peru,
Bolívar trouxe, além de seu corpo de tropa, mais 1.800 soldados peruanos,
presumivelmente para combater os federalistas exaltados. Porém, ao encontrar
Páez em Puerto Cabello, não só o confirmou como máxima autoridade na Venezuela,
não só como proclamou anistia para os rebeldes, como tomou partido abertamente
por eles e vituperou os defensores da constituição; o decreto de 23 de novembro
de 1826, promulgado em Bogotá, lhe concede poderes ditatoriais.
No ano de 1876, quando seu poder começava a declinar,
conseguiu reunir um congresso no Panamá, com o objetivo aparente de aprovar um
novo código democrático internacional. Chegaram plenipotenciários das Colômbia,
Brasil, La Plata, Bolívia, México, Guatemala, etc. A intenção real de Bolívar
era unificar toda a América do Sul em uma república federal, cujo ditador seria
ele mesmo. Enquanto dava este amplo vôo a seus sonhos de ligar meio mundo a seu
nome, o poder efetivo lhe escapava rapidamente das mãos. As tropas colombianas
destacadas no Peru, ao ter notícias dos preparativos que realizava Bolívar para
introduzir o Código Boliviano, desencadearam uma violenta insurreição: Os
peruanos elegeram o general Lamar presidente de sua república, ajudaram os bolivianos
a expulsar do país as tropas colombianas e empreenderam inclusive uma guerra
vitoriosa contra a Colômbia, finalizada por um tratado que reduziu este país a
seus limites primitivos, estabeleceu igualdade de ambos os países e separou as
dívidas públicas de cada um. A Convenção de Ocaña, convocada por Bolívar para
reformar a constituição, de modo que seu poder não encontrasse limite, começou
em 2 de março de 1828, com a leitura de uma mensagem cuidadosamente redigida,
em que se realçava a necessidade de outorgar novos poderes ao executivo.
Evidenciando-se, no entanto, que o projeto de reforma constitucional iria
diferir do previsto no inicio, os amigos de Bolívar abandonaram a convenção
deixando-a sem quorum, com o qual as atividades da Assembléia chegaram ao fim.
Bolívar, de sua casa de campo, situada a algumas milhas de Ocaña, publicou um
novo manifesto em que pretendia estar irritado com os passos dados por seus
partidários, porém ao mesmo tempo atacava o Congresso, exortava as províncias a
que adotassem medidas extraordinárias e se declarava disposto a tomar sobre si
a carga do poder se esta lhe caísse em seus ombros. Sob a pressão de suas
baionetas, Assembléias abertas, reunidas em Caracas, Cartagena e Bogotá, para
onde havia viajado Bolívar, o investiram novamente de poderes ditatoriais. Uma
tentativa de assassiná-lo, em seu próprio quarto, em Bogotá, da qual só se
safou porque pulou por uma janela, em plena noite, e permaneceu escondido
debaixo de uma ponte, permitiu-lhe exercer durante algum tempo uma espécie de
terror militar. Bolívar, porém, evitou pôr a mão sobre Santander, apesar de que
este participara da conjura, enquanto mandou matar o general Padilla, cuja
culpabilidade não havia sido demonstrada em absoluto, mas pelo fato de ser
homem de cor, não podia oferecer resistência alguma.
Em 1829, a encarniçada luta entre as facções dilacerava a
república e Bolívar, em um novo apelo à cidadania, exortou-a a expressar sem
receios seus desejos a respeito de possíveis modificações na constituição. Como
resposta a este manifesto, uma Assembléia de notáveis, reunida em Caracas,
reprovou publicamente suas ambições, pôs a descoberto as deficiências de seu
governo, proclamou a separação da Venezuela em relação à Colômbia, e colocou à
frente da primeira o general Páez. O Senado da Colômbia apoiou Bolívar, porém
novas insurreições estouraram em diversos lugares. Após demitir-se pela quinta
vez, em janeiro de 1830, Bolívar aceitou de novo a presidência e abandonou
Bogotá para guerrear contra Páez em nome do congresso colombiano. Em fins de
março de 1830 avançou à frente de 8.000 homens, tomou Caracuta, que havia se
sublevado, e se dirigiu até a província de Maracaibo, onde Páez o esperava com
12.000 homens fortemente posicionados. Assim que Bolívar soube que Páez
projetava combater seriamente, fraquejou. Por um momento, inclusive, pensou em
submeter-se a Páez e pronunciar-se contra o Congresso. Porém decresceu a
ascendência de seus partidários e Bolívar se viu obrigado a apresentar sua
demissão, já que se lhe deu a entender que desta vez teria que manter sua
palavra e que, com a condição de que se retirasse para o estrangeiro,
ser-lhe-ia concedida uma pensão anual. Em 27 de abril de 1830, por conseguinte,
apresentou sua renúncia ao Congresso. Com a esperança, porém, de recuperar o
poder graças à influência de seus adeptos, e devido ao fato de que já se
iniciara um movimento de reação contra Joaquim Mosquera, o novo presidente da
Colômbia, Bolívar foi postergando sua partida de Bogotá e arrumou um jeito de
prolongar sua estada em San Pedro até fins de 1830, momento em que faleceu
repentinamente.
Ducoudray-Holstein deixou-nos de Bolívar o seguinte retrato:
“Simón Bolívar mede cinco pés e quatro polegadas de altura
(1,63m), seu rosto é magro, de faces cavadas, e sua pele pardacenta e lívida;
seus olhos nem grandes nem pequenos se afundam marcadamente nas órbitas; seu
cabelo é ralo. O bigode lhe dá um aspecto sombrio e feroz, particularmente
quando se irrita. Todo seu corpo é magro e descarnado. Seu aspecto é o de um
homem de 65 anos. Ao caminhar agita incessantemente os braços. Não pode andar
muito a pé e se cansa logo. Agrada-lhe se esticar ou sentar na rede. Tem
freqüentes e súbitos acessos de ira, e aí fica como louco, se lança na rede e
desanda em palavrões e maldições contra todos quanto o rodearem. Gosta de
proferir sarcasmos contra os ausentes, não lê senão literatura francesa de
caráter leviano, é um ginete consumado e dança valsa com paixão. Agrada-lhe
ouvir-se falar, e pronunciar brindes o deleita. Na adversidade e quando está
privado de ajuda exterior torna-se completamente isento de paixões e ataques
temperamentais. Então se torna aprazível, paciente, afável e até humilde.
Oculta magistralmente seus defeitos sob a urbanidade de um homem educado no
chamado beau monde, possui um talento quase asiático para a dissimulação e
conhece muito melhor os homens do que a maior parte de seus compatriotas”.
Por um decreto do Congresso de Nova Granada, os restos
mortais de Bolívar foram transladados em 1842 para Caracas, onde se erigiu um
monumento em sua memória.