DOZE ANOS SEM PIERRE BROUÉ: QUANDO O REVISIONISMO ANIQUILA A
VIDA REVOLUCIONÁRIA
No próximo dia 26 de julho completa-se 12 anos da morte de
Pierre Broué (Privas, França, 8 de maio de 1926 – Grenoble, França, 26 de julho
de 2005), historiador francês, histórico dirigente trotskista. Broué iniciou
sua militância política no final da Segunda Guerra Mundial, combatendo a
ocupação nazista a seu país. Pela larga influência do partido comunista no
interior dos “partisans”, Broué ingressa nas fileiras do stalinismo para logo
depois romper e aderir ao trotskismo pelas mãos de Pierre Lambert, em cuja
corrente permaneceu por quarenta e cinco anos, até o início dos anos 90, quando
abandonou formalmente o trotskismo. Conhecido mundialmente por importantes
investigações históricas (arquivos de Leon Trotsky), foi editor dos “Cahiers
Leon Trotsky” e autor de livros como a “História do Partido Bolchevique”. Junto
ao inglês Alex Callinicos e o argentino Osvaldo Coggiola, era um dos
historiadores marxistas mais respeitados na intelectualidade de esquerda
militante. Mas ao contrário dos que pretendem apresentar Broué como um
“notável acadêmico”, como é o caso do revisionista PTS argentino, sua projeção
internacional está diretamente ligada ao papel dirigente que jogou no interior
da corrente internacional lambertista. A ex-OCI, hoje uma decadente paródia
denominada de “Parti des Travailleurs” na França, teve um lugar fundamental no
combate ao liquidacionismo pablista, levando à divisão da IV Internacional e,
posteriormente, à sua pulverização crônica. No bojo do Comitê Internacional,
fundado em 1953, os dirigentes da OCI como Pierre Broué e Stéphane Just
travaram uma luta principista contra os desvios do healysmo (SWP inglês), em
particular suas caracterizações ultra sectárias acerca do caráter do Estado
cubano, que consideravam capitalista, mesmo após as expropriações realizadas
pelo PC cubano sob a liderança de Fidel Castro.
Após o fraturamento do Comitê Internacional no início dos
anos 70, a OCI pôs em marcha o projeto da construção do CORQUI (Comitê de
Organização e Reconstrução da Quarta Internacional), conjuntamente com o POR
boliviano e Política Operária da Argentina. Novamente, Broué elaborou
corretamente sobre os processos revolucionários na Bolívia, identificando a
Assembléia Popular como um organismo soviético de poder das massas, em
contraposição aos oportunistas e sectários que ora capitulavam ao General
Torres, ou viravam as costas à organização concreta do proletariado boliviano.
A OCI francesa, em meados dos anos 70, inicia um processo de
“entrismo profundo” no interior do Partido Socialista. Com a justificativa de
aproximar-se da classe operária, a corrente lambertista estabeleceu não só
relações políticas com a social democracia, mas fundamentalmente vínculos
materiais que a destruíram como organização trotskista. Quadros da OCI, como o
ex-primeiro-ministro Lionel Jospin, ascenderam na estrutura do PS francês,
corrompendo ideológica e programaticamente o lambertismo até à medula.
Paralelamente ao processo de degeneração nacional, a OCI
passa no plano internacional à tarefa de destruição do CORQUI, forçando
artificialmente seus parceiros latinos, Partido Obrero e POR, a romperem com os
sindicatos “burgueses”, enquanto na França organizava uma central sindical
“amarela”, Force Ouvrière, com a escória corrupta, rejeitada até pelos
sindicalistas do PC e PS. Broué novamente destaca-se , ao lado de Just, por
caluniar as organizações que não aceitavam as “ordens de Paris”, qualificam o
PO da Argentina como “cães de guarda de Videla” e chegam a delatar à polícia
militantes que rompiam com a alucinada linha de Lambert para a América Latina.
A delação de opositores políticos de esquerda vai se configurar um traço
recorrente da tendência lambertista até a atualidade. No Brasil a corrente
lambretista "O Trabalho" é uma espécie de polícia política da
tendência dominante no PT, "Articulação".
Poucos anos depois do fracasso do CORQUI, a corrente
lambertista na França, rebatizada com o nome de PCI, busca uma aproximação com
o argentino Nahuel Moreno que recém tinha rompido com o SU, uma espécie de
“grande centro” do revisionismo mundial. Em 1980 formam o Comitê Paritário
(CP), de vida curtíssima. Broué empresta seu prestígio político para celebrar a
criação do CP como o “maior fato da história do Trotskismo, após a fundação da
IV Internacional em 38”. Pura farsa histórica, a criação do CP não consegue
resistir à vitória eleitoral de Mitterrand na França, inicialmente saudada
entusiasticamente por Lambert e Moreno.
Logo o que era um processo de cooptação pelo Partido
Socialista passa a ser, com a eleição de Mitterrand, uma integração do PCI ao
Estado imperialista francês. Diante da profundidade da social-democratização do
lambertismo, Moreno desfaz o CP, fundando a LIT para manter-se “vivo” no
cenário trotskista, enquanto o PCI dissolve-se em um amálgama ultra-oportunista
chamado nacionalmente de PT, em uma homenagem à “exitosa experiência do PT
brasileiro”. No campo internacional, passam a apresentar-se como Acordo
Internacional dos Trabalhadores, ACT, uma espécie de “entidade trosko-sindical”
que abriga, inclusive, membros da reacionária AFL-CIO norte-americana.
Pierre Broué chancelou, ativamente, a política de Lambert
até 1990, mesmo após a expulsão do seu camarada Stéphane Just em 1984 que
passou a denunciar os desvios morais e programáticos do lambertismo como
gravíssimos. Tive a oportunidade de questionar pessoalmente Broué, em um debate
na Universidade Federal do Ceará em 1992, sobre as raízes de sua ruptura com o
lambertismo. Broué respondeu-me que não se tratava de mais uma “cisão
política”, reivindicando toda a trajetória do lambertismo, e sim de uma ruptura
com o próprio Trotskismo em todos os seus aspectos que, para ele, não tinha
mais razão de existir após a queda do Muro de Berlim e da destruição da URSS.
Confesso que fiquei surpreso com a absoluta inconsistência política e
intelectual dos argumentos de Pierre Broué. Para mim, era a constatação física
da monumental capacidade de liquidação política do revisionismo a qualquer
militante trotskista, até o mais brilhante, que enverede por essa via contrarrevolucionária.
Broué morreu como colaborador teórico da “esquerda” do PS
francês, seguindo a trajetória de alguns grupos ultra-reformistas, renegando
desta forma todo o seu aporte militante e intelectual trotskista de décadas ao
Marxismo Revolucionário.