HÁ TRÊS ANOS DA MORTE DE EDUARDO GALEANO
GALEANO PRESENTE! UM INTELECTUAL PROGRESSISTA QUE NÃO
COLOCOU A VENDA SUA HISTÓRIA DE VIDA
“Vivemos em plena cultura da aparência: O contrato de
casamento importa mais que o amor, o funeral mais que o morto, as roupas mais
do que o corpo e a missa mais do que Deus.” - Eduardo Galeano
A morte de Eduardo Galeano representa um duro golpe no campo
progressista e anti-imperialista mundial em uma época onde a ofensiva do
capital financeiro sobre os povos atinge seus níveis mais acentuados. Galeano
não era um comunista, mas soube honrar até o último dia de sua vida suas
profundas convicções democráticas sobre as raízes da realidade
latino-americana, abordada em inúmeras crônicas, artigos e livros. Nos dias da
cólera neoliberal são poucos os escritores, intelectuais e artistas de um modo
geral que não sucumbem a lógica do mercado para se tornarem mais palatáveis a
chamada "cultura de massas", um eufemismo que costuma agradar os
agiotas do conhecimento humano. Nascido em Montevidéu no ano de 1940 desde
muito jovem abraçou o ofício do jornalismo, quando desistiu de seu futuro
futebolístico mais tarde retratado em sua obra "O futebol ao sol e à
sombra". Galeano iniciou sua carreira jornalística no início da década de
60 como editor do "Marcha", importante periódico semanal que contava
como articulistas Vargas Llosa e Mario Benedetti. Em 1971 publicou seu livro
mais conhecido "As Veias Abertas da América Latina" afirmando seu
viés ideológico de esquerda anti-imperialista com a denúncia libertária do
saque colonial de nosso continente. Em 1973 foi preso em Montevidéu e
posteriormente obrigado a se exilar na Argentina em virtude do golpe militar em
seu país, três anos depois estava na "lista de morte" do sanguinário
general Videla, quando partiu para um novo exílio para o Estado Espanhol. Na
Europa deu início a trilogia "Memória do Fogo", obra premiada
internacionalmente. Em 1985 quando do término do regime militar no Uruguai,
Galeano retornou ao seu amado país onde viveu até sua morte. Acerca do governo
"democraticamente eleito" de Julio Sanguinett, Galeano sempre manteve
uma postura crítica, posição que sustentou até os dias de hoje no Uruguai sob o
poder da Frente Ampla, mesmo intervindo em uma de suas alas de esquerda. Com
sua morte os barões da mídia corporativa tentaram falsamente imputar a Galeano
uma autocrítica política de sua obra, distorcendo algumas de suas declarações
sobre "Veias Abertas da América Latina". Porém Galeano não era um
intelectual venal do tipo FHC rechaçando cabalmente a torpe falsificação. Mesmo
mantendo nítidas diferenças programáticas com alguns pontos da trajetória e dos
próprios escritos de Galeano, prestamos nossa modesta homenagem a esse
combatente da causa popular latino-americana, conscientes que nesta hora de
profundo recrudescimento da ofensiva imperialista contra os povos após a
"Queda do Muro de Berlim" nossa trincheira perdeu um valoroso
guerreiro.
A última aparição pública de Galeano aconteceu no final de
fevereiro deste ano, em Montevidéu para receber o presidente da Bolívia, Evo
Morales. Evo visitou o Uruguai durante a posse de Tabaré Vázquez, que assumiu o
governo no lugar de José Mujica. Nas fotos, Galeano aparecia magro mas bastante
sorridente, enquanto recebia um livro das mãos de Morales com os argumentos
bolivianos para exigir uma saída para o mar, um livro que logo batizou como o
“Livro do Mar Roubado”. Este encontro serviu para dissipar os boatos de que
Galeano teria se passado para o "outro lado", a partir de seus
próprios comentários irônicos acerca de seus livros mais antigos e da
"linguagem pesada" que a esquerda utilizava naquela época. Nas
últimas eleições, Galeano voltou a apoiar politicamente o partido da Frente
Ampla, resultando em um forte ataque das forças da reação, que em seu programa
eleitoral televisivo tentou classificar Galeano como representante da
"cultura oficial". Mais uma inútil tentativa da direita uruguaia em
desqualificar a trajetória de Galeano.
Quando tinha 31 anos foi publicado seu livro " Veias
Abertas..." naquela época, como admitiu depois o próprio Galeano, o autor
não tinha formação teórica suficiente para a tarefa à qual se dispôs. “Tentou
ser uma obra de economia política, só que eu não tinha a formação necessária”,
afirmou sobre o seu livro mais publicitado em todo o mundo. Uma clara referência a influência que sofrera
das ideias econômicas "cepalinas", muito difundidas em meados dos
anos 60 no Cone Sul. “Não me arrependo de tê-lo escrito", afirmou Galeano
pouco antes de perder a luta contra um câncer muito agressivo em seu pulmão,
talvez para selar a sentença final de suas firmes convicções políticas em uma
sociedade mais fraterna e justa.