HÁ UM ANO DA MORTE DE BELCHIOR: VÍTIMA DA FÚRIA ASSASSINA DO
MERCADO DO LIXO CULTURAL
Em homenagem ao grande músico e poeta Antônio Carlos
Belchior, falecido em 30 de abril, há exatamente um ano, reproduzimos um artigo do
Blog da LBI elaborado em 2012, onde já denunciávamos a verdadeira
"caçada" midiática sofrida em função de sua opção ao se afastar
voluntariamente do mercado espetáculo do lixo cultural atualmente vigente em
nosso país, e em particular no estado do Ceará com a invasão das bandas de um
pseudo "forró" chamado de eletrônico.
BELCHIOR: AGORA A BOA MÚSICA BRASILEIRA É TRATADA COMO CASO
DE POLÍCIA
(BLOG da LBI, 22 DE NOVEMBRO DE 2012)
Era feito aquela gente honesta, boa e comovida/Que caminha
para a morte pensando em vencer na vida/Era feito aquela gente honesta, boa e
comovida/Que tem no fim da tarde a sensação/Da missão cumprida/Acreditava em
Deus e em outras coisas invisíveis/Dizia sempre sim aos seus senhores
infalíveis/Pois é; tendo dinheiro não há coisas impossíveis (“Pequeno perfil de
um cidadão comum”). Desde domingo, 18/11, a mídia murdochiana vem promovendo
uma série de ataques a um dos maiores ícones da autêntica música popular
brasileira, o cantor Belchior, que beiram ao histerismo. Como veremos, este
tratamento não é um fato isolado ou que esteja colocado apenas para pautar
jornalecos ou programas sensacionalistas como a revista domingueira
“Fantástico”. A emissora dos Marinhos, em reportagem especial de vários
minutos, afirma que Belchior desapareceu de um hotel no Uruguai sem pagar a
dívida de hospedagem e responde por diversas outras cobranças no Brasil. Mais
uma vez, a mídia transforma em “espetáculo” um drama pessoal, obviamente não no
sentido de buscar uma solução, mas sim para raivosamente incriminar e condenar
a priori os envolvidos. Mas por que esta perseguição, que remonta desde 2009
pela também Rede Globo que afirmava na época Belchior teria desaparecido
quando, na verdade, estava na ativa preparando disco e shows? Belchior foi um
dos primeiros cantores nordestinos a fazer sucesso em todo o Brasil em meados
dos anos 70, quando participava de um grupo de jovens compositores e músicos
cearenses, ao lado de Fagner, Ednardo, Fausto Nilo, Rodger Rogério, Teti,
Cirino e outros, conhecidos nacionalmente como o “Pessoal do Ceará” que, fruto
desta parceria, compuseram o disco “Massafeira” em 1980. Nesta época
consolidou-se não apenas como um cantor, mas cresceu sobre uma proposta
(contra)cultural de crítica ao modo de vida imposto pelo regime militar
pós-golpe de 1964, lançando canções ácidas e engajadas ao mesmo tempo sensuais
do quilate de “Velha roupa colorida”, “Como nossos pais” (que sensibilizaram
inclusive Elis Regina!), “Apenas um rapaz latino-americano”, “Divina comédia
humana” e a genialíssima crônica da vida “Pequeno perfil de um cidadão comum”.
Por isto mesmo o establishment burguês trata de colocar, em tempos de reação
ideológica, na marginalidade este menestrel de tão lírica e coerente obra.
Contudo, o que na primeira reportagem de 2009 transparecia
ser uma preocupação com o seu desaparecimento, hoje a situação adquiriu outro
aspecto, pois Belchior vem sofrendo um verdadeiro linchamento de toda a
imprensa nacional após a reportagem do “Fantástico”, com um tom bem mais
agressivo e de conteúdo nitidamente policialesco, acusando-o de ter deixado um
rastro de “falcatruas” por onde passara, no Uruguai e no Brasil, agora
“encontrado” em Porto Alegre. Em curta declaração ao jornal Zero Hora (21/11),
afirma que “esta notícia que está circulando é mentirosa”. O que mais chama a
atenção dentro de tudo isto, é que Belchior é um dos poucos artistas nacionais,
tal como Ednardo, que se recusou a adotar a “unanimidade” dos ritmos atuais
(forró eletrônico, axé-music, sertanejo universitário, pagode mauricinho etc.),
muito diferente da postura de Fagner, por exemplo, com quem rompeu por
discordar de sua linha de criação e conduta claudicante perante a mídia, e que
vem atuando praticamente como garoto propaganda da oligarquia “socialista” dos
Ferreira Gomes no Ceará, aceitando passivamente cantar músicas de baixa
qualidade do tipo “pop-forró” desenraizado de sua natureza e realidade rural
tão bem retratada por Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira...
No entanto, o ponto fulcral da perseguição policialesca a
Belchior deve ser compreendido na essência da própria época por que passamos e
vivemos, de profundo retrocesso ideológico e cultural da humanidade, cada vez
mais dominada pela idiotização da internet (as famigeradas e controladas redes
sociais), pelos meios de comunicação de massa e a opinião pública a serviço da
contrarrevolução imperialista nos países semicoloniais como o Brasil. Assim,
qualquer elemento de resistência cultural, mesmo que não esteja em voga na
mídia, deve ser destruído, por ser considerado “velho” e contestador da
estupidificação das mentes da juventude, cujas letras e poesia da obra de
Belchior tratam da inconformidade e de um claro engajamento musical voltado a
um projeto estético-político contracultural rechaçado pela ideologia dominante.
A ruptura com a “inquestionalidade” e com a cultura do óbvio não mais interessa
à classe dominante, o que importa acima de tudo é ser “moderno e atualizado”,
em conformidade ao que impõe goela abaixo a indústria cultural de massas
voltada exclusivamente para o mercado de consumo do “novo” e do politicamente
correto, o que implica inexistência de espaço para a crítica mais ácida aos costumes
e idiossincrasias. Muitos artistas consagrados, exponenciais como Chico
Buarque, já se renderam covarde e mediocremente a esta situação, declinando
conscientemente de se constituir em um pólo que faça germinar qualquer semente
de resistência cultural no país, vergando-se às imposições da “voz do dono”.
Desta forma, os detentores da propriedade privada dos meios
de comunicação em associação com o imperialismo tratam de destruir os últimos
resquícios de resistência cultural ainda existentes para impor os “novos”
valores ideológicos extremamente conservadores e belicosos a fim de eliminar o
“velho” da sociedade e o que resta da boa música brasileira para logo impor
padrões de consumo descartáveis e de baixa qualidade artistíca. Neste sentido,
o agora demonizado Belchior, ocupa as colunas policiais dos jornalões da
imprensa charlatã. Por outro lado, o grande depositário da cultura de
resistência político-cultural deve ser o proletariado, organizado desde seus
locais de moradia, estudo e trabalho de forma que possa enfrentar com sua ação
direta os ditames da burguesia, a política do “consenso” e o capital financeiro
internacional que é o grande beneficiário da idiotização principalmente da
juventude. Somente a classe operária dirigida por um partido comunista pode ter
em suas mãos o futuro e um horizonte cultural pleno de satisfação e júbilo
através da destruição revolucionária e violenta do atual modo de produção e,
sobre suas cinzas, erguer as bases de uma nova sociedade.