108 ANOS DA REVOLTA DA CHIBATA: LEVANTE DOS MARINHEIROS NEGROS DESNUDOU INCAPACIDADE DA REPÚBLICA BURGUESA EM GARANTIR OS DIREITOS DEMOCRÁTICOS PARA A BASE PROLETÁRIA DAS FFAA... COM ASCENSÃO DO GOVERNO BOLSONARO, A FRENTE ÚNICA DE AÇÃO CONTRA O NEOFASCISMO E A LUTA PELA LIBERDADE DE ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E SINDICAL NAS FILEIRAS DO EXÉRCITO, MARINHA E AERONÁUTICA SÃO TAREFAS REVOLUCIONÁRIAS QUE ESTÃO NA ORDEM DO DIA!
A Revolta da Chibata,
insurreição dos marinheiros liderada por João Cândido completa 108 anos anos
neste 22 de novembro. Ao contrário da maioria dos levantes militares ocorridos
durante a chamada República Velha (1889-1930), fruto das disputas políticas entre
as frações oligárquicas ou dos anseios pequeno-burgueses do movimento
tenentista, a revolta dos marinheiros em 1910 refletiu a luta das massas
oprimidas pelo regime de exploração capitalista erguido sobre as estruturas
remanescentes do período escravista, o latifúndio e a produção agrícola voltada
para a exportação, herança de um país submetido à condição de semicolônia do
imperialismo. A principal reivindicação dos marinheiros era o fim dos castigos
físicos. Acabar com o suplício da chibata, o sofrimento e a humilhação de serem
surrados com até 250 chibatadas diante dos seus companheiros e dos oficiais,
como corretivo pela prática de ações consideradas como faltas disciplinares por
seus superiores hierárquicos racistas. A maioria dos marinheiros era de negros
e mestiços, já os oficiais da Marinha do Brasil provinham de tradicionais
famílias oligárquicas de fortes tradições monarquistas e escravocratas. Isso
explica porque, mesmo após ter sido oficialmente abolida há mais de 20 anos
(Lei Áurea de 1888), a escravidão continuava reinando nas reacionárias forças
armadas brasileiras. Nas primeiras décadas da república burguesa, a forma de
recrutamento para as forças armadas ainda continuava a mesma do período
imperial, ou seja, os pobres e marginalizados eram muitas vezes laçados ao
estilo capitão do mato e conduzidos à força para o serviço militar, sendo
apresentados como voluntários.
Além de exigir a abolição da chibata, os marinheiros
reivindicam também a implantação de uma escala de trabalho para reduzir a
exaustiva jornada diária, o aumento do soldo, direito à educação e a anistia
para os participantes da revolta. Sob a liderança de João Cândido, que assumiu
o comando do encouraçado "Minas Gerais", os marujos sublevados
tomaram inicialmente os navios "São Paulo", "Bahia" e
"Deodoro", concentrando em suas mãos o maior poder de fogo da
esquadra. Realizando habilidosas manobras pela Baía da Guanabara, apontaram os
canhões para a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, e exigiram do
governo recém eleito do Presidente Marechal Hermes da Fonseca o atendimento de
suas reivindicações, dando a este um prazo de 12 horas. Ao todo, 2.379
marinheiros aderiram ao levante. Mas mesmo os que não tomaram parte diretamente
não deixaram de prestar solidariedade, como foi o caso do radiotelegrafista do
navio Timbira, que não aderiu à revolta, mas foi preso por avisar João Cândido
sobre os planos dos oficiais da Marinha de realizarem um ataque durante a
noite.
Um fato que surpreendeu os oficiais e as elites em geral foi
a capacidade de organização dos marinheiros, considerados pela classe dominante
como homens ignorantes. Os planos para uma insurreição já estavam preparados
havia algum tempo. Mesmo assim, os marinheiros souberam manter o mais absoluto
segredo, elemento fundamental para o sucesso de uma atividade conspirativa.
Toda a operação foi dirigida por um comando geral, do qual faziam parte João
Cândido, do Minas Gerais, Gregório Nascimento, do São Paulo, André Avelino, do
Deodoro, Ricardo do Freitas e Francisco Dias Martins, do Bahia. Desse grupo,
Francisco Dias Martins, o "Mão Negra", foi o responsável pela redação
dos comunicados enviados ao governo. Não foi, portanto, um movimento
espontâneo, mas uma ação preparada com todos os segredos da arte conspirativa.
A Revolta da Chibata ocorreu numa época de ascenso das lutas
dos explorados. No início da década, em 1904, o Rio de Janeiro já havia sido
sacudido pela Revolta da Vacina, quando a população rebelou-se contras os
baixos salários e as péssimas condições de vida imposta pelo regime oligárquico
que considerava a questão social como uma "questão de polícia". No
mesmo ano de 1910 estourou a Revolução Mexicana, numa crescente onda
revolucionária que culminou com o triunfo da gloriosa Revolução de Outubro de
1917 na Rússia. Não foi por acaso que a burguesia tremeu a ver tremular nos
mastros dos navios rebelados a bandeira vermelha do proletariado, que
instintivamente foi erguida pelos marinheiros como sinal de adesão à revolta.
A utilização do método da ação direta, obrigando o Estado
burguês a ceder suas reivindicações sob o poder das armas, foi uma importante
lição que os marinheiros negros da Revolta da Chibata deixaram para as massas
exploradas e oprimidas. Mas o movimento tinha seus limites. Além de não
estabelecer vínculos com as lutas da classe trabalhadora, os marinheiros
comandados por João Cândido tinham a ilusão que poderiam assegurar suas
conquistas nos marcos do Estado burguês. Dessa forma, confiaram no chefe da
república oligárquica, o Marechal Hermes da Fonseca e na farsa montada pelo
Congresso Nacional: depuseram as armas, entregando o comando dos navios aos
oficiais reacionários sedentos por vingança, após a aprovação da anistia. Mais
uma vez confirmou-se uma máxima: o que a burguesia cede com uma das mãos sob a
pressão da luta dos explorados, retira logo em seguida com as duas mãos. A
violenta perseguição e repressão que se seguiu, com a prisão tortura e
assassinatos dos líderes e participantes do levante é uma prova irrefutável de
que nenhuma conquista do povo negro e das massas trabalhadoras exploradas em
geral pode estar realmente assegurada enquanto os exploradores mantiverem o
poder político em suas mãos através do seu Estado opressor.
A unidade do proletariado mesmo com os setores mais
avançados das FFAA só se dará em situações pré-revolucionárias. No caso
específico do Exército, defendemos um programa de reivindicações transitórias
destinadas aos soldados e cabos, a fim de que rompam com a hierarquia militar
subordinando-se a uma clara estratégia de destruição revolucionária do aparato
repressivo do Estado burguês (difusão de imprensa política nos quartéis,
direito a sindicalização, formação de sindicatos vermelhos, etc.)
108 anos após a Revolta da Chibata e com a ascensão do governo neofacista de
Bolsonaro a luta pelos direitos democráticos e de organização política e
sindical dos setores de base das FFAA é uma tarefa revolucionária candente. Por
sua vez, passados mais de século, o povo nego constitui ainda a maioria da
população pobre e marginalizada, vivendo em favelas, vítimas da violência
policial e do racismo, uma arma ideológica a serviço da classe dominante para
dividir as massas exploradas, dificultando a unidade do proletariado, cuja
tarefa história é construir o seu partido revolucionário para pôr abaixo o
Estado capitalista, único caminho para liquidar definitivamente a secular
opressão do povo negro e erguer uma sociedade socialista.