Precisamente na noite de 4 de novembro de 1969, Carlos
Marighella foi assassinado por agentes de repressão da ditadura militar numa
emboscada em São Paulo, chefiada pelo facínora Sérgio Paranhos Fleury, delegado
do DOPS, órgão oficial dos ratos covardes torturadores. Marighella foi um dos
principais líderes da luta armada durante o período da ditadura semifascista.
Apesar das divergências com o programa defendido por Marighella tanto no PCB
como na ALN, rendemos nossa homenagem a esse herói da luta contra o regime dos
gorilas, que morreu em combate contra a dominação do país pelo imperialismo e
seus títeres de farda. Nascido em 05 de dezembro de 1911, iniciou sua
militância aos 18 anos, quando ingressou no PCB, em 1930, numa fase em que o
partido comunista enfrentava profundas crises internas decorrentes de sua
adaptação ao stalinismo. A onda de reação que se seguiu à aventura de 35, mais
uma das fracassadas insurreições preparadas pelos agentes da III Internacional
stalinista, vários militantes foram presos e barbaramente torturados pela
polícia de Filinto Müller. Marighella foi detido em 1º de maio de 1936 e
permaneceu encarcerado por um ano durante o governo Vargas. Em 1937, o Comitê Regional Paulista divergiu
da linha preconizada pelo Comitê Central a respeito das eleições presidenciais.
A divergência se aprofundou e levou a sérias discussões e a perseguição
política. Com o apoio da Internacional Comunista, Lauro Reginaldo da Rocha
(Bangu), Secretário-Geral do Comitê Central, venceu a disputa: os divergentes
de São Paulo foram expulsos do partido sob a acusação de renegados trotskistas,
a mais infamante para um militante comunista naquele período, onde os PC´s
seguiam fielmente as ordens de Stálin. Ao travar-se a luta interna nenhum dos
divergentes do Comitê Regional paulista era trotskista e, em seguida, apenas um
deles — Hermínio Sacchetta — aderiu ao trotskismo. Nesse período Carlos
Marighella foi enviado a São Paulo pelo Comitê Central, em 1938, a fim de
fortalecer a direção regional na luta contra os “fracionistas trotskistas”.
Depois elege-se deputado federal constituinte pelo PCB baiano em 1946, mas teve
o mandato cassado em 1948, em virtude da nova proscrição do partido.
Após o golpe militar de 1964, Carlos Marighella foi baleado
e preso por agentes do DOPS no Rio de Janeiro. Libertado em 1965, começa a
divergir da política do PCB diante do regime militar. Criticando o imobilismo
da direção, que ficava à espera de espaços para a atuação política dentro das
regras e dos limites impostos pelo próprio regime ditatorial, solicitou seu
desligamento da Comissão Executiva em dezembro de 1966, anunciando sua
disposição de lutar revolucionariamente contra a ditadura. Em 1967, na
Conferência Estadual de São Paulo, as posições de Marighella são
esmagadoramente vitoriosas (33 a 3) sobre o restante do Comitê Central, mesmo
tendo como opositor o próprio Luiz Carlos Prestes. Contrariando as ordens do
CC, que o ameaça de expulsão, Marighella vai a Cuba para participar da I
Conferência da Organização de Solidariedade aos Povos da América Latina (OLAS),
realizada em Havana no período de 31 de julho a 10 de agosto de 1967. O passo
seguinte foi sua ruptura com o Comitê Central e, como consequência, sua
expulsão do PCB. Também participou Herbert José de Souza (“Betinho”),
representando a Ação Popular. A Conferência foi inaugurada na noite de 31 de
julho no hotel “Habana Libre”, sob a presidência de Haydée Santamaría, com um
discurso do então presidente de Cuba, Osvaldo Dorticós Torrado. Che Guevara,
nessa época já na Bolívia, foi eleito, por aclamação, “presidente de honra da
Conferência”. Também foi aclamado o “delegado de honra” à Conferência, o líder
negro Stokley Carmichael, dirigente da “luta pelos direitos dos negros nos
EUA”, conduzida pelo grupo pró-luta armada “Panteras Negras”. O temário da
Conferência foi o seguinte: - A luta revolucionária antiimperialista na América
Latina; - Posição e ação comum face à intervenção político-militar e à
penetração econômica e ideológica do imperialismo na América Latina; - A
solidariedade dos povos latino-americanos com as lutas de libertação nacional;
- Estatutos da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS). Em 10 de
agosto, foi realizada a sessão de encerramento da Conferência, no teatro
Chaplin, com a presença de 165 delegados oriundos de 27 países da América
Latina, representando 53 partidos comunistas e organizações revolucionárias.
Sentaram-se à mesa que conduziu os trabalhos, Haydée Santamaría, o presidente
Dorticós Torrado, Fidel Castro e Raúl Castro. Nessa sessão foi aprovada por
aclamação a concessão do título de “Cidadão da América Latina” a Che Guevara,
morto dois meses depois, na Bolívia. Na Resolução Final foi confirmada “a
necessidade do estabelecimento de um comando unificado político e militar, para
a condução da luta armada, na estratégia de libertação nacional contra o
imperialismo ianque”. Ao retornar ao Brasil, Marighella funda a Ação
Libertadora Nacional (ALN) e inicia as ações armadas contra a ditadura militar.
Desgraçadamente, uma característica fundamental da ANL foi a negação da teoria
leninista sobre o papel do partido da vanguarda do proletariado no processo
revolucionário. Sob a influência do guevarismo e da experiência da revolução
cubana, adotou como lema “a ação faz a vanguarda”, partindo para a luta armada.
A cisão de Carlos Marighella com o PCB não significou sua
renúncia ao stalinismo. O norte estratégico da ALN, não por acaso quase o mesmo
nome da organização de caráter frente populista criada em 1934, era a
restauração da democracia burguesa e a criação de um governo que realizasse
algumas reformas sociais, como a reforma agrária, e assumisse uma posição de
independência frente ao imperialismo. Apesar de todas essas limitações, o incontestável
heroísmo na luta contra a ditadura militar, fazem de Marighella um herói dos
trabalhadores brasileiros e de sua vanguarda comunista. Ao contrário do “senso
comum” amplamente difundido pela mídia capitalista e em parte legitimado pela
esquerda palatável, Marighella e nossos combatentes não foram mortos “lutando
pelo restabelecimento da democracia”, tombaram no confronto direto com as
forças da repressão pela causa da revolução socialista, mais além dos desvios
políticos das direções reformistas e etapistas que hegemonizavam o momento. A
concepção da “democracia como valor universal” não permeava as mentes de nenhum
dos nossos heróis que deram suas vidas no combate revolucionário contra a
ditadura militar. Neste ponto reside a contradição fundamental entre o regime
de “exceção” imposto ao país pelas classes dominantes e o conjunto da
militância socialista naquela etapa da luta de classes. Salvo alguns setores do
“Partidão” que já flertavam com uma “flexibilização” do leninismo em direção à
social democracia, o que anos depois daria origem ao chamado “eurocomunismo”,
as organizações de esquerda (como a ALN de Marighella) que se levantaram em
armas contra os facínoras adotavam a estratégia da defesa da ditadura do
proletariado versus ditadura capitalista, sob a forma concreta assumida em 64
de um regime político militar.
Apesar de todas essas limitações e de sua trajetória
política, ligada ao Stalinismo (PCB) e ao Foquismo (ALN), o incontestável
heroísmo na luta contra a ditadura militar, fazem de Marighella um herói dos
trabalhadores brasileiros e de sua vanguarda comunista. A LBI, que se mantém
firme no combate por desmascarar a democracia dos ricos como uma face da
ditadura do capital e dedica o melhor de suas forças à construção do partido
revolucionário, espelha-se no exemplo inquebrantável de Marighella que, apesar
dos erros programáticos, não traiu a causa que defendia, morreu em combate e
pagou com a sua própria vida na luta contra os gorilas genocidas! O exemplo de
Marighella se faz ainda mais importante no momento em que enfrentamos os tempos
sombrios de um novo regime de exceção orquestrado por pelo justiceiro Moro e o
fascista Bolsonaro!