Como já havíamos afirmado há cerca de dois meses, o
ciclo da gerência neoliberal “clássica” a frente do Estado capitalista francês
tinha se esgotado sob o mandato de Sarkozy. A crise capitalista que atingiu em
cheio o centro do “velho mundo” exigia o retorno da gestão social-democrata em
países imperialistas protagonistas como França, Alemanha e Inglaterra. A França
será a vanguarda deste processo reconduzindo o Partido Socialista, apeado do “poder”
desde o histórico governo de Mitterrand encerrado em 1995. Desde então, uma sequência
de governos da direita “conservadora”, com Chirac e Sarkozy, vem assumindo a
tarefa de descarregar sob a classe operária o ônus da crise capitalista,
desencadeando uma ofensiva contra as conquistas sociais obtidas com a derrota
da ocupação nazista e a iminência da revolução socialista em um país “hegemonizado”
pela heróica resistência e os partisans. A eleição de Sarkozy em 2007 foi em
certa medida um prolongamento forçado do ciclo “neoliberal” que tomou conta da
Europa em meados dos anos 90 com a aniquilação do Estado operário soviético e
suas conquistas proletárias, nesta época os partidos “socialistas” europeus
foram duramente golpeados pela “onda” privatista que pregava a primazia do “deus”
mercado sobre o Estado do “bem-estar social”. O PS francês foi “humilhado”
eleitoralmente, chegando mesmo a ficar atrás da Frente Nacional, do fascista
Jean Marie Le Pen, nas eleições presidenciais de 2002. Em 2007 uma nova derrota
para um “playboy” sem muito peso na política dos Gauleses. Mas, tudo indica que
no próximo domingo (22/04) os “socialistas”, tendo como candidato o “vestal”
François Hollande, um burocrata de segunda linha do partido, emergirão
novamente à gerência do Estado imperialista francês.
O caminho do retorno do PS à presidência da França,
todavia, não foi tão tranquilo assim. Primeiro, a burguesia tratou de “eliminar”
os dirigentes “carismáticos” como Lionel Jospin e Strauss Kahn, ambos com
passagem pela “ultra-esquerda” trotsquista do revisionista Pierre Lambert, já
falecido em conjunto com sua corrente política. O nome forte do PS nestas
eleições seria do ex-diretor gerente do FMI, Kahn, “vítima” de uma sórdida
armação onde foi acusado de estupro em pleno território norte-americano. Demolida
a candidatura do “fanfarrão” Strauss Kahn, figura identificada com a opulência
e luxo, assim como Sarkozy, restou o nome no interior do PS do “vestal”
Hollande, que sequer possuía um automóvel, dirigia uma motoneta como símbolo de
uma vida monástica, um típico político pequeno-burguês fácil de ser removido
nas próximas eleições de 2017, quando a velha direita pretende assumir seu
lugar por “direito” após o PS realizar o trabalho “sujo” de “ajuste” fiscal
exigido pela troika Europeia. Neste cenário de crise financeira, parece se
esvairem as poucas chances de uma reação eleitoral de um desgastado Sarkozy no
segundo turno presidencial a se realizar em maio próximo.
Mas, realmente o fato novo destas eleições foi o
surgimento do Partido de Esquerda, uma cisão do PS, que encabeça uma aliança com
o Partido Comunista Francês, batizada de “Frente de Esquerda”. O candidato
desta inusitada composição Jean Luc Mélenchon, outro quadro Lambertista do PS e
ex-ministro do governo “socialista” do primeiro ministro Jospin, vem atraindo
as atenções do eleitorado mais jovem e com características nitidamente
populares. Representa um fenômeno político similar ao que foi Heloísa Helena no
Brasil ou Pino Solanas na Argentina, ou seja, uma espécie de populismo “radicalizado”
de esquerda. Não gastaremos muitas linhas tentando “provar” que Mélenchon não é
revolucionário ou algo parecido, quando o próprio mesmo se define como um “defensor
do capitalismo cidadão, avesso a qualquer forma de estatização autoritária”.
Mas, quando se trata de fazer demagogia “nacionalista”, Mélenchon revela que
teve uma boa escola, passando a atacar o “lucro excessivo” da banca financeira,
além de prometer aumentar o salário mínimo do proletariado francês. Com um
discurso “radical”, mas sem conteúdo programático marxista, a Frente de Esquerda passou rapidamente a polarizar as eleições presidenciais, ameaçando
inclusive tomar a posição de terceira colocada da xenófoba Frente Nacional dos
Le Pen. Mas quando foi perguntado acerca da recente “estatização trucha” da
YPF, Mélenchon desconversou e disse que “respeitaria contratos”, espelhando-se
no exemplo de Lula, o qual afirma ser um “grande admirador”.
O esgotamento prematuro do Novo Partido
Anticapitalista (ex-SU) e a fadiga crônica da organização revisionista Luta Operária,
abriram em muito o caminho para o crescimento da demagogia de “esquerda” do
populista Mélenchon e o relativo “renascimento” do Partido Comunista, que já
negociam abertamente uma participação ministerial no futuro governo do Partido Socialista.
Os bolcheviques leninistas não se reconhecem em nenhuma das candidaturas desta “esquerda”
pequeno-burguesa que pretendem “humanizar” o capitalismo. A verdade é que a
burguesia imperialista francesa intensifica sua ofensiva contra as conquistas
das massas, tanto no terreno doméstico como internacional (Hollande já anunciou
seu apoio à intervenção da OTAN sobre a Síria e Mélenchon silenciou mais uma
vez), necessitando “renovar” seus gerentes para esta “empreitada” sinistra. A
tarefa que se coloca nesta conjuntura de falsas “mudanças” é preparar a ação
direta da classe operária, rompendo com o tradeunismo das burocracias sindicais
do PS e PC. Está aberta uma etapa de profundos ataques à organização e consciência
independente do proletariado, onde falsos “messias” da colaboração de classes
se apresentarão para a apologia das “reformas possíveis”.